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UFF

Natalia Petrutes

Como interagem os seguidores da


tendência Vaporwave no Facebook

Estudos de Mídia
2017
1.O OBJETO/CONTEXTUALIZAÇÃO
O vaporwave começou a surgir mais ou menos no final da primeira década dos anos
dois mil precisamente em qualquer lugar que obtivesse acesso a rede mundial de
computadores. Uma estética retrô, memes músicas de elevador que soam mais como ruídos
são alguns dos elementos que são rapidamente associados a essa estética, no entanto seu
surgimento remonta toda uma trajetória de produção cultural e experimentos que circundam a
cultura digital.
Em 1985 o compositor John Oswald apresentou em um artigo o termo
“Plunderphonic” definição de qualquer nova composição musical feita através de um excerto
ou amostra de áudio pirateada e modificada de qualquer maneira. Mal sabia o compositor que
quase duas décadas depois surgiria um movimento juvenil online que carregaria musicalmente
uma ideologia semelhante os produtores de vaporwave.
Com a identidade anônima esses produtores alcançaram rapidamente popularidade
entre jovens e adolescentes em fóruns do reddit e do tumblr lançando músicas nada
comerciais com títulos, em sua maioria, na língua japonesa. Dez anos depois o gênero já se
torna palatável aos ouvidos estranhos a estética e se findou como uma forma de arte
reconhecida.
Seu nome surge da união do termo vaporware(anúncio de uma nova tecnologia muito
antes de seu lançamento que acaba por não ser produzida) com a afirmação de Marx no
manifesto do partido comunista: “tudo que é sólido desmancha no ar”. Logo a definição de
seu nome condensa as características deste tipo de arte.
O Vaporwave consiste em colagens, apropriações, edições, modificações de conteúdo
produzidos nas décadas de 80 e 90 ligados a publicidade, ao início do design gráfico digital e
a música. Sobretudo no campo da música as produções tem como característica amostras ou
mesmo músicas inteiras destas décadas, de elevador, de comerciais, métodos de ensino de
línguas, diálogos em japonês e até mesmo hits lentos esticadas a velocidades muito vagarosas,
picotadas, com muitos efeitos. Os títulos das músicas são usualmente em japonês.
Assim com uma clara crítica a sociedade de consumo derretendo, ecoando,
reverberando, cortando, repetindo sucessivamente, os produtores e consumidores da
vaporwave deixaram/deixam sua marca na rede. Com a rápida disseminação da estética
modificações e ressignificações foram inevitáveis transformando o movimento artístico num
tempo curto e atraindo novos grupos de consumidores fora da esfera adolescente
tumblr/reddit/4chan.

Capa do álbum Macintosh Plus da produtora Vektroid


considerado o primeiro disco do gênero. Disponível em:

https://vektroid.bandcamp.com/album/floral-shoppe

2. ANÁLISE DE REDES/DADOS
No mesmo período que a Vaporwave se disseminava nas redes um estudo de
tendências do Pew Center Research em 2013 nos Estados Unidos apontava que os
adolescentes estavam deixando o facebook e migrando para outras redes. Nascido em meio a
migração a Vaporwave depois de popularizada se encontra no facebook, no entanto, é claro
que seu público de origem não migrou visto que a página mais curtida sobre o assunto não
ultrapassa os 200 mil likes na rede. Assim os seguidores desta tendência no Facebook:

検索 1. P Á G I N A: Vaporwave[[299.224 likes no Facebook]]


~​https://goo.gl/vmFaZ2​~

[A presente análise dos seguidores da página foi feita no período de 04 de junho, primeira
postagem desse mês e 4 julho com foco nas dinâmicas de discussão na sessão de comentários
repercussão e compartilhamentos em torno das 400 postagens desse período]
Para melhor exposição as postagens serão divididas em quatro tipos:
❏ ARTE DIGITAL
❏ PUBLICIDADE
❏ MEMES

ARTE DIGITAL:
Os comentários em fotos deste tipo são majoritariamente sobre a vida virtual do grupo.
Comentários sobre como a vida é vazia e triste, e como eles passam a maior parte do tempo
assistindo “inutilidades” na rede. Também apresentam em grande parte das postagens
palavras ligadas a estética vaporwave com tipografia diferente remetendo a própria arte e o
constante uso da palavra “aesthetics”(estético) para definir as fotos.
Assim a produção de sentidos do grupos que segue essa tendência nessa página nas
fotomontagens é um ode ao formato desta manifestação artística. Desde a carga negativa dos
relatos da vida pessoal a escrita com uma tipografia que remete aos primórdios da internet os
códigos que definem a vaporwave estão presentes, a produção do comentários nessas
postagens pode ser lida como parte do complexo crítico a cultura capitalista consumista
digital. Alguns exemplos:

“Cova sem fundo”(tradução livre)

“Ano do suicídio”(tradução livre)


PUBLICIDADE:
As imagens relativas a publicidade são todas de produtos dos anos 80, 90 e início dos
anos dois mil e os comentários variam de nostálgicos, críticos e fãs da tendência. Nesta
categoria ocorre uma divisão dos comentaristas. Os mais jovens e adolescentes seguem o
padrão de produção de texto da própria arte enquanto pessoas que viveram os anos dos
produtos em questão expõem sentimentos nostálgicos.
Neste ponto é possível traçar que o fenômeno no facebook ganha outro significado por
meio destes fãs tardios. Na música o marco inicial da tendência teria se dado com o
lançamento do primeiro álbum do Macintosh Plus cuja produtora na época, 2011, tinha apenas
19 anos ou seja a ideia de nostalgia é descartada visto que seus criadores não tiveram contato
com os objetos utilizados nesta arte.
Assim fica claro que dentre parte desse grupo de seguidores desta tendência no
facebook há um afastamento da intenção original da expressão artística, visto que a maneira
de comentar difere da comum ao gênero.

Exemplos:

Típico comentário de um seguidor da Vaporwave


Jogo de palavras com o termo SAD(triste) e a marca ADIDAS,
usual ao gênero que satiriza o consumo com um tom de deboche
melancólico.

AP Computer Science COBOL e Fortran 1986, Hollywood Ensino Médio.

MEMES:
Os memes não costumam ser bem vistos na comunidade do Vaporwave como diz um
comentário no subtópico Vaporwave do Reddit: “Eles tiram a seriedade da arte”. Por ter
características que promovem a decomposição, repetição e colagens sem ordem a estética por
vezes ganha um tom humorístico sobretudo por seu texto irônico e melancólico, o que se
torna material para produção de memes, no entanto mal vistos pela comunidade seguidora.
Também são as postagens com o menor número de comentários e compartilhamentos.
Exemplo:

Eu quero Vaporwave não memes

Exemplo de um Outsider:
CONCLUSÃO:

Por seu caráter quase cem por cento anônimo de produção de conteúdo, é difícil
apontar com clareza algum influenciador ou o que o torna um influenciador nesse tipo de
produção. No facebook como observado a presença é quase nula e somente um apanhado na
superfície do iceberg que é esta tendência artística.
A importância de tal movimento e sua clara definição num espaço virtual, no caso o
tumblr e o reditt são reflexos de seus produtores. Jovens e adolescentes produzindo arte
ironicamente sobre a forma de viver e consumir das gerações anteriores utilizando de um
ambiente virtual que promove diferentes formas de consumo atualmente. A própria
prerrogativa se tornaria contraditória se a sátira se limitasse somente ao antigo e não como
ocorre. O próprio uso recorrente do termo “aesthetic” nos leva a crer que a ironia se reflete na
própria arte.
Sobre este ato de ironizar o consumo João Freire Filho em seu artigo: “Mídia,
consumo cultural e estilo de vida na pós modernidade”(2003), nos propõem um resumo sobre
tal lógica:

“O consumo é um trabalho árduo. (...) É o trabalho que une indivíduos e


coletividades, definidos por – definindo e partilhando – gosto, status ou carência. Dos
produtos homogeneizadores de Levi-Strauss, Kangol e Sony derivam as particularidades do
estilo; os momentos de moda e identidade fabricadas por grupos, jovens ou etnicamente
diversos, cujo poder na economia formal e, por isso, cuja participação na sociedade global
são limitados ou, exceto nesses momentos de criatividade marginal, quase inexistentes. O
consumo é uma maneira de mediar e moderar os horrores da padronização. E comprar é
apenas o começo. Um estágio no ciclo de vida da mercadoria, mas um ciclo que não tem
início nem fim: um jogo contínuo, constante de produtos e significados, deslocando
reiterada, dialeticamente, a atenção para longe da dor da extração ou da manufatura e em
direção do objeto, de sua imagem e de sua apropriação no uso (idem, 148-149).”

Podemos por fim afirmar que a produção quase anônima desconstruindo, modificando
tais objetos de consumo seria uma forma de resistência desta tendência. No entanto o
fenômeno ainda é muito novo para um conceito sólido.
Por fim:
“Exacerba-se, aqui, com rara nitidez, a íntima relação entre mídia e consumo,
sintetizada, com propriedade, por Silverstone (1999, 150): “Consumimos a mídia.
Consumimos pela mídia. Aprendemos como e o que consumir pela mídia. Somos persuadidos
a consumir pela mídia. A mídia, não é exagero dizer, nos consome.”(FREIRE FILHO, 2003)

Bibliografia:
FREIRE FILHO, João. Mídia, consumo cultural e estilo de vida na pós-modernidade.
ECOPÒS,​vol. 6, n. 1, pp. 72-97, 2003.

Outras referências:

Vaporwave: A Brief History​ - acessado em 09/07/17

The music theory of V A P O R W A V E​ - acessado em 09/07/17

Vaporwave: Genre Redefined​ - acessado em 09/07/17

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