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UFF

Estudos de mídia
Corpo e tecnologias

O Biopoder em Orphan Black

Natalia Petrutes
2017
RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo discutir controle e resistência do corpo por
meio do conceito de biopolítica partindo da perspectiva do seriado Orphan Black. O enfoque
será, sobretudo, como uma grande corporação detém direitos sobre seus “experimentos”
humanos e a diferente relação que o feminino e o masculino ganham nesse contexto.

Palavras-Chave: Biohacking, Biopolítica, Ciborgue, Orphan Black.

INTRODUÇÃO

O seriado canadense Orphan Black estreou em 2013 e com uma pegada Sci-Fi logo se
transformou num sucesso mundial. Atualmente, em sua quinta e última temporada o seriado
encerra a discussão que permeou a narrativa da história inteira: o controle sobre o corpo
tecnológico, acima de tudo, feminino.
Em sua primeira temporada a protagonista, Sarah Manning, em fuga de seu passado,
toma a identidade de uma mulher suicida e termina por descobrir estar envolvida em um
grande experimento biológico de uma grande corporação com princípios quase religiosos que
detém os direitos sobre seu corpo.
Na série os Neolutions são um grupo quase religiosos de cientistas que atuam junto
aos militares, e as corporações Dyad e Topside(ambas voltadas a experimentos biológicos).
Ideologicamente pregam a “evolução”, “melhorias” através da modificação física e genética
do corpo também conhecida como Biohacking.
Sarah Manning descobre ser parte de um dos projetos da instituição denominado
“Leda” voltado para produção de clones humanos femininos. O projeto consiste na produção
e acompanhamento do desenvolvimento destes clones em diferentes países, condições e
família.No entanto, o objetos de estudo devem se manter afastados de toda e qualquer
informação que se refira a sua constituição biológica e origem, o que na série vemos que não
acontece.
Ao descobrir que além de serem um experimento tecnológico seus códigos genéticos
são patenteados pelo instituto Dyad, Sarah e suas irmãs clones começam uma luta por sua
libertação da instituição, que até então, como o Big Brother de Orwell, monitorou cada
movimento de suas vidas, por vezes interferiu e eliminou quando achou que fosse necessário.

CIBORGUES (DES)CONTROLADOS

Na série os clones femininos do projeto LEDA desconhecem de sua origem biológica


e são “controladas” por um monitor. Este alguém com contrato adjunto ao instituto de
pesquisa que as monitora. Nesse regime de controle são feitos testes médicos e sociais, suas
vidas sofrem interferência de todas as maneiras do instituto, como uma câmera de vigilância
vinte quatro horas que transpõem a barreira física e química do corpo.
Já o projeto CASTOR que são os clones masculinos resultados da mesma experiência
que LEDA tem outra função. Esta refletida na própria lógica social de dominação masculina,
visto que na série os clones homens tem consciência de sua origem e são usados como
instrumento de repressão aos clones femininos durante a série. Além do fato de serem
soldados, armas humanas a serviço dos militares que coligam com os Neolutions, visto que as
“melhorias” genéticas seriam de interesse da instituição.
Assim como Foucault vai apontar um dos instrumentos de poder sobre o sexo é a
histerização do corpo da mulher. Processo pelo qual ocorre uma patologização da sexualidade
feminina, tal qual deve ter sua fecundidade regulada, o espaço familiar como elemento
fundamental e o cuidado com os filhos como formas de evitar tal “doença”.
Na série a personagem que faz analogia a tal conceito é o clone Alisson. Mãe de uma
típica família suburbana americana(fecundidade regulada), dona da casa(família como
fundamento), professora de futebol infantil(educação). Seu monitor é seu próprio marido que
foi enganado e coagido pelo instituto DYAD a fornecer informações sobre sua esposa. No
entanto a partir do momento que a personagem descobre sua condição como ciborgue esta
lógica se inverte.
Para entender essa inversão é necessário permear a “taxonomia do ciborgue proposta
por Gray, Mentor e Figueroa-Sarriera(1995, p. 3)”:
​“as tecnologias ciborguianas podem ser: 1. restauradoras: permitem restaurar
funções e substituir órgãos e membros perdidos; 2. normalizadoras: retornam as criaturas a
uma indiferente normalidade; 3. reconfiguradoras: criam criaturas pós-humanas que são
iguais aos seres humanos e, ao mesmo tempo, diferentes deles; 4. melhoradoras: criam
criaturas melhoradas, relativamente ao ser humano.”

Assim os clones do LEDA se encontram e se reconhecem como, usando as palavras


dos autores, “criaturas pós-humanas” pois é recorrente falas na série, sobretudo dos
pesquisadores do projeto e idealistas da Neolution, sobre como os clones são tentativas de
recriar, melhorar e acima de tudo prolongar a vida e a saúde humana.
Partindo desta afirmação as irmãs clones ao se assumirem/identificarem seu corpo
tecnológico modificado como um instrumento de uso do poder, passam a buscar maneiras de
fugir da lógica de controle. Os clone. conscientes se unem e começam a produzir maneiras de
se infiltrar na instituição e descobrir a fundo todas as razões de sua existência.
Quando ocorre essa descoberta sobre suas vidas serem experimentos científicos os
clones do LEDA se tornam irrelevantes para o instituto e são eliminados/assassinados, assim
as quatro protagonista da série começam a lutar por suas vidas. Retomando Foucault essa
lógica implantada no ambiente de vida experimental dos clones reflete no conceito de
sociedade disciplinar do autor, que afirma:

“sociedade disciplinar é aquela na qual o comando social é


construído mediante uma rede difusa de dispositivos ou aparelhos que produzem e regulam
os costumes, os hábitos e as práticas produtivas. [...] o poder disciplinar se manifesta, com
efeito, na estruturação de parâmetros e limites do pensamento e da prática, sancionando e
prescrevendo comportamentos normais e/ou desviados.[...] o poder agora é exercido mediante
máquinas que organizam diretamente o cérebro(em sistemas de comunicação, redes de
informação, etc.) e os corpos(em sistemas de bem-estar, atividades monitoradas etc.)no
objetivo de um estado de alienação independente do sentido da vida e do desejo de
criatividade. A sociedade de controle pode, dessa forma, ser caracterizada por uma
intensificação e uma síntese dos aparelhos de normalização de disciplinaridade que animam
internamente nossas práticas diárias e comuns, mas, em contraste com a disciplina, esse
controle estende bem para fora os locais estruturados as de instituições sociais mediante
redes flexíveis e flutuantes.[...]Biopoder é forma de poder que regula vida social por dentro,
acompanhando-a, interpretando-a, e a rearticulando.[...]O biopoder, portanto, se refere a uma
situação na qual o que está diretamente em jogo no poder é a produção e reprodução da
própria vida.”

Assim a conceituação de Foucault é tomada como modelo de ações envolvendo o


Estado com a força armada dos militares e CASTOR, uma ordem religiosa com princípios
científicos(Neolution), e os interesses da burguesia nas instituições DYAD E TOPSIDE. Na
série o corpo feminino tecnológico, modificado, objetificado controlado se converte no
próprio instrumento de resistência contra tais instituições de poder.
Allison, Sarah, Cosima e Helena protagonistas e irmãs-clones usam suas vivências
sociais e características como força de luta, ou seja suas diferenças quanto ciborgues como
apontado por Haraway:

“Realidade social significa relações sociais vividas, significa nossa construção


política mais importante, significa uma ficção capaz de mudar o mundo. Os movimentos
internacionais de mulheres têm construído aquilo que se pode chamar de “experiência das
mulheres”. Essa experiência é tanto uma ficção quanto um fato do tipo mais crucial, mais
político. A libertação depende da construção da consciência da opressão, depende de sua
imaginativa apreensão e, portanto, da consciência e da apreensão da possibilidade. O
ciborgue é uma matéria de ficção e também de experiência vivida – uma experiência que
muda aquilo que conta como experiência feminina no final do século XX. Trata-se de uma
luta de vida e morte, mas a fronteira entre a ficção científica e a realidade social é uma ilusão
ótica.”

Os clones não são biologicamente “perfeitos”, em CASTOR os clones tem uma


doença terminal neurológica, em LEDA no sistema imunológico ligado aos órgãos
reprodutores, tais escolhas não foram em vão. A falha do “pós-humano” masculino, arma
humana, instrumento de opressão é no cérebro, órgão que comanda o corpo, já no feminino
nos órgãos reprodutores e no sistema imunológico, nas defesas do corpo e no critério de
diferenciação que perpetua a raça humana, no caso a procriação. Mais uma vez o gênero como
representante da cisão de poderes.
CONCLUSÃO

Assim a série claramente baseia sua narrativa nos conceitos dos autores apresentados
utilizando a ficção científica como ferramenta de reprodução de lógicas sociais da esfera da
realidade. Projetando assim uma possibilidade futura não tão distante ou até mesmo presente
visto que o cenário da narrativa é contemporâneo.
É importante frisar toda narrativa de autodescoberta como ciborgue feminino
controlado e como isto é revertido durante o decorrer da série. Assim como as estratégias de
luta da minoria com as instituições.

“O controle da sociedade sobre os indivíduos não é feito apenas por meio da consciência ou
da ideologia, mas também no corpo e com o corpo. Para sociedade capitalista, a biopolítica é
o que mais importa, o biológico, o somático, o físico.” - Donna Haraway

Bibliografia:

FOUCAULT, Michel. História Da Sexualidade I: a vontade de saber. Rio De Janeiro:


Edições Graal, 1999. 13ª Ed.

HARAWAY, Donna J. "Manifesto ciborgue Ciência, tecnologia e feminismo-socialista


no final do século XX". IN: Antropologia do Ciborgue : as vertigens do pós-humano /
organização e tradução Tomaz Tadeu – 2. ed. – Belo Horizonte : Autêntica Editora,
2009. – (Mimo)

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