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Redes sociais estão deixando usuários "viciados" em likes

Especialistas explicam por que muita gente está ficando dependente do feedback de seus seguidores em redes
como Instagram e Facebook

Confesse: ver seu post cheio de likes é bem legal. Muita gente sente o mesmo – e não é por
acaso. Quando recebemos uma curtida, nosso cérebro gera uma descarga de dopamina,
mesmo neurotransmissor produzido quando comemos chocolate ou ganhamos dinheiro, por
exemplo. Na prática, Facebook e Instagram nos dão prazer. E, ao que parece, estamos
ficando "viciados" – pelo menos os mais jovens.

É o que indica um estudo feito na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, e publicado


em maio deste ano na revista Psychological Science. A pesquisa mostrou que o cérebro de
adolescentes fica exultante com likes. Trinta e dois voluntários de 13 a 18 anos participaram
de um experimento à la Instagram: em frente ao computador, foram expostos a 148
fotografias, das quais 40 eram deles mesmos. Ao lado de cada imagem, havia o número de
curtidas dadas pelos outros jovens – na verdade, a quantidade era designada pelos
pesquisadores. Os cientistas notaram que o núcleo accumbens, parte do circuito de
recompensa do cérebro, era ativado toda vez que os adolescentes visualizavam suas
próprias fotos com muitos likes. Feedbacks positivos, aparentemente, os deixavam felizes.

Muito provavelmente eles não estão sozinhos. Reação semelhante pode ser compartilhada
pelo 1,3 bilhão de pessoas que fazem parte do Facebook. Se fosse um país, a rede seria a
segunda maior nação do mundo. E seus habitantes estariam unidos em torno de alguns
objetivos em comum: entre eles, compartilhar informações, stalkear, curtir posts e
ganhar likes.

Para os críticos das tecnologias, estamos modificando nosso comportamento para conquistar
mais curtidas, sobretudo os mais jovens. Em última instância, ficaríamos cada vez mais
vulneráveis à aprovação dos outros.

– Acredito ser possível que um tipo de vício possa ocorrer com likes e
outros feedbacks virtuais. Eles são bons de receber, e algumas pessoas aparentemente
anseiam por eles – afirma William Keith Campbell, professor de Psicologia na Universidade
da Geórgia (EUA) e autor de três livros sobre o aumento do narcisismo nas novas gerações.

Essa possível mudança de comportamento foi sinalizada em um estudo de 2012 feito com
292 voluntários pela Universidade de Illinois, também nos EUA. O trabalho mostrou que,
quanto mais amigos uma pessoa tem no Facebook, mais narcisista ela tende a ser. Ao
mesmo tempo, aumentam as chances da publicação de comentários agressivos.

– Podemos, sim, ficar meio viciados em likes. Conforme as pessoas se refugiam nas redes,
elas perdem a habilidade de se relacionar com os outros. Você vê jovens que não se
relacionam ao vivo, mas estão nos smartphones. Isso gera a incapacidade de ler a emoção
dos outros e faz a pessoa se refugiar dentro da vida online, porque lá temos mais controle –
explica Cristiano Nabuco, coordenador do grupo de dependências tecnológicas do Instituto de
Psiquiatria da USP.

Reações nesse nível preocupam Sherry Turkle, professora de Psicologia do Massachusetts


Institut of Technology (MIT) e referência mundial nos estudos do impacto da tecnologia na
sociedade. Ela acredita que o uso massivo das plataformas digitais nos deixa com menos
empatia e mais preguiçosos, egoístas e narcisistas. Em seu mais recente livro, Reclaiming
conversation, ela tenta responder a uma difícil pergunta: por que preferimos redes sociais à
conversa presencial?
"Autobiografia em edição" nas redes

Mark Zuckerberg faz de tudo para isso. Os algoritmos do Facebook privilegiam que
visualizemos publicações de quem pensa como a gente. Esse ambiente fraterno é perfeito
para que o usuário se exponha e construa uma imagem de si. Caso ele se arrependa, basta
deletar. É o que alguns especialistas chamam de "autobiografia em edição". Em outras
palavras, é a busca de modificar a memória que os outros têm de nós. Bom, ao menos a
memória online.

O ideal é que o ato de postar seja visto de forma crítica. É o caso da blogueira de moda Júlia
Fleck. Com 41 mil seguidores em sua página do Facebook e 12,8 mil no Instagram, a porto-
alegrense posta de forma comedida para não cansar os seguidores. Ela evita conteúdos
polêmicos: prefere publicar fotos com seus cachorros e conteúdos de moda. Júlia também
confessa manter no smartphone o InstaFollow, um aplicativo para monitorar quem parou de
segui-la. Atualmente, o recurso foi baixado por mais de 10 milhões de pessoas.

– Fico chateada quando uma pessoa de quem gosto ou que admiro para de me seguir. É
como se ela não me admirasse de volta. Fico me perguntando: será que publiquei algo que
fez ela parar de me seguir? – questiona.

Novas tecnologias, instintos ancestrais

A curtida é, por enquanto, a nova medida de popularidade do século 21. No entanto, o que
motiva esse sentimento não tem nada de novo: pesquisadores veem a origem disso em um
comportamento bastante ancestral. "Nossa reputação é importante para nós. A seleção
natural fez com que nos importássemos com nossa fama", afirmam cientistas da Universidade
Livre de Berlim em um artigo publicado em 2013 no Journal of Frontiers in Neuroscience.
Nele, relatam um estudo feito com adolescentes que também provou que o
núcleo accumbens está envolvido em dar uma descarga de prazer nos jovens que
ganham likes.

É que a boa reputação, há milhares de anos, era essencial para sobrevivermos. Na época,
alguém "popular" tinha mais chances de ter um membro da comunidade que pudesse arriscar
a própria pele para salvar o amigo. Nossa alegria com likes viria de um instinto de
sobrevivência: buscamos ser amados para termos por perto quem nos ofereça ajuda.

Essa ideia de que adaptamos comportamentos do offline para a web é adotada por vários
cientistas que são entusiastas das tecnologias. Para eles, as redes foram criadas para suprir
as necessidades das pessoas e trazem aspectos positivos. É que elas mantêm laços sociais,
em uma espécie de transposição da vida presencial para a mediada pela internet. Com isso,
permitem que sigamos em contato com amigos com quem não falaríamos com tanta
frequência sem a web.

Essa é uma das razões que motivam 55% dos brasileiros com 10 anos ou mais a usar a
internet, o que corresponde a 94,2 milhões de pessoas. Destes, 80% navega na web todos os
dias. O que eles (e nós) mais fazem, você deve imaginar: enviam mensagens instantâneas
por aplicativos como WhatsApp, Facebook ou Skype. Os dados são do Comitê Gestor da
Internet.

Um reforço do que já somos

O gaúcho Henrique Negrini se define como um forte usuário do Facebook. Sócio da SDH
Marketing Digital, ele deixa a rede social aberta no navegador ao menos oito horas por dia.
Acessando ativamente, são pelo menos quatro.

Ele não gosta da exposição das selfies – sua "praia" são textos analíticos sobre
acontecimentos do dia a dia. Por trás de cada post, está a ideia de interagir e provocar
reflexões nos amigos da rede. Negrini já escreveu para blogs, mas vê no Facebook uma
ferramenta com maior alcance e possibilidade de feedback.

– Quando não há o retorno de uma pessoa, mesmo que seja com um like, dá uma
desmotivação. Estou escrevendo isso para quem? Não há uma catarse. As pessoas têm a
necessidade de que as coisas sejam compartilhadas. Como seres humanos, temos a
necessidade de sermos ouvidos – afirma.

Professora e pesquisadora de redes sociais da UFRGS e da Universidade Católica de


Pelotas (UCPel), Raquel Recuero lembra que essa necessidade sempre existiu. A diferença
de hoje, para a estudiosa, é que a internet permite mensurar esse reconhecimento em
números – isto é, em likes e visualizações.

– Muitos trabalhos mostram que as redes sociais funcionam como uma forma de manter
conexões que não se manteriam de outra forma, e isso é positivo. Ao mesmo tempo, na
mediação pelo computador, eu controlo mais o que quero dizer e a persona que quero
mostrar – defende Raquel.

Em outras palavras, construímos personalidades que gostaríamos de ter: o Eu que entende


de política, o Eu que entende de cinema, o Eu que sempre sai bonito nas selfies. Mas essas
personalidades preexistem dentro de nós, ainda que de forma incipiente.

(...)

O like é um reforço em nossa autoestima importante no dia a dia. Mas o perigo passa a existir
quando o usuário fica ansioso na expectativa do elogio, argumenta Adriana Amaral,
coordenadora da especialização em Cultura Digital e Redes Sociais da Unisinos:

– As redes têm efeitos positivos e negativos. Elas aproximam pessoas e, ao mesmo tempo,
dão visibilidade a comportamentos narcisistas. O problema é que o gerenciamento da
imagem pública talvez amplifique algum tipo de transtorno que a pessoa já tenha.

E agora, pais?

A ciência ainda não tem como bater o martelo sobre a total influência das redes sociais no
comportamento de jovens. Afinal, o uso dessa tecnologia é muito recente.

O estudo feito na Universidade Livre de Berlim, que indicou que gostamos de likes por causa
da seleção natural, salientou que esses usuários das redes sociais podem ter menores notas
escolares, redução da produtividade no trabalho e até mesmo depressão. Para evitar o uso
prejudicial, pais devem dosar o tempo que os jovens ficam em frente à tela e acompanhar o
conteúdo das postagens.

– O jovem termina a maturação do cérebro após os 21 anos. Tudo o que diz respeito ao
controle dos impulsos, ele não tem. Os pais devem prestar atenção e acompanhar o jovem da
mesma forma como fazem com qualquer outra atividade – aconselha Cristiano Nabuco, do
Instituto de Psiquiatria da USP.
HARTMANN, Marcel. Redes sociais estão deixando usuários "viciados" em likes. Gaúcha ZH, 2016. Disponível em:
https://gauchazh.clicrbs.com.br/comportamento/noticia/2016/07/redes-sociais-estao-deixando-usuarios-sedentos-por-
aprovacao-6550937.html. Acesso em 28 mar. 2022. (adaptado)

Agora é com você


Logo no primeiro parágrafo do texto, o autor estabelece comparações entre receber uma curtida e
outras ações que geram uma "descarga de dopamina".
1.a)
Que comparações foram essas? Apresente trechos do texto que comprovem sua resposta.
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1.b)
É possível afirmar que o resultado dessa comparação é a tese, isto é, a afirmação básica que o autor toma
como verdadeira e defende em seu texto?
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1.c)
Qual você acredita ter sido a intenção do autor ao criar esses paralelos? O que faz você pensar assim?
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Ao longo do artigo, são apresentados resultados de diversos estudos explorando o tema.
2.a)
Os dados obtidos por essas pesquisas reforçam ou contrariam a ideia defendida no texto?
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2.b)
Por que o autor optou por apresentar esses estudos, em específico? Qual objetivo você acredita que ele
tenha pretendido alcançar?
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2.c)
Qual efeito a menção a essas pesquisas traz ao texto? Comente, considerando também suas impressões
durante a leitura.
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3. Ao longo do texto, o autor exibe os depoimentos de Júlia Fleck e de Henrique Negrini. Responda: quem
são essas pessoas e por que o autor apresenta as suas impressões sobre o assunto em debate?
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Releia a pergunta que encerra o oitavo parágrafo do texto:
Em seu mais recente livro, Reclaiming conversation, ela tenta responder a uma difícil pergunta: por que
preferimos redes sociais à conversa presencial?
4.a)
A quem o autor do artigo dirige essa pergunta? Ele espera alguma resposta a esse questionamento? O
que faz você pensar assim?
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4.b)
Com qual intenção o autor empregou esse questionamento?
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5. De acordo com o texto, "a curtida é, por enquanto, a nova medida de popularidade do século 21. No
entanto, o que motiva esse sentimento não tem nada de novo: pesquisadores veem a origem disso em um
comportamento bastante ancestral". Qual é a comparação feita pelo autor do texto para comprovar essa
ideia?
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Releia o último parágrafo do texto:
– O jovem termina a maturação do cérebro após os 21 anos. Tudo o que diz respeito ao controle dos
impulsos, ele não tem. Os pais devem prestar atenção e acompanhar o jovem da mesma forma como
fazem com qualquer outra atividade – aconselha Cristiano Nabuco, do Instituto de Psiquiatria da USP.
Observe como o texto é finalizado com o depoimento de Cristiano Nabuco, coordenador do grupo
de dependências tecnológicas do Instituto de Psiquiatria da USP.
6.a)
Por qual motivo ele pode ter sido chamado para ser um dos depoentes do artigo? O que faz você pensar
assim?
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6.b)
O que pode indicar o fato de o autor do texto não ter acrescentado nenhuma informação após essa
afirmação, tendo finalizado o artigo com a fala do especialista?
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