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Especialistas explicam por que muita gente está ficando dependente do feedback de seus seguidores em redes
como Instagram e Facebook
Confesse: ver seu post cheio de likes é bem legal. Muita gente sente o mesmo – e não é por
acaso. Quando recebemos uma curtida, nosso cérebro gera uma descarga de dopamina,
mesmo neurotransmissor produzido quando comemos chocolate ou ganhamos dinheiro, por
exemplo. Na prática, Facebook e Instagram nos dão prazer. E, ao que parece, estamos
ficando "viciados" – pelo menos os mais jovens.
Muito provavelmente eles não estão sozinhos. Reação semelhante pode ser compartilhada
pelo 1,3 bilhão de pessoas que fazem parte do Facebook. Se fosse um país, a rede seria a
segunda maior nação do mundo. E seus habitantes estariam unidos em torno de alguns
objetivos em comum: entre eles, compartilhar informações, stalkear, curtir posts e
ganhar likes.
Para os críticos das tecnologias, estamos modificando nosso comportamento para conquistar
mais curtidas, sobretudo os mais jovens. Em última instância, ficaríamos cada vez mais
vulneráveis à aprovação dos outros.
– Acredito ser possível que um tipo de vício possa ocorrer com likes e
outros feedbacks virtuais. Eles são bons de receber, e algumas pessoas aparentemente
anseiam por eles – afirma William Keith Campbell, professor de Psicologia na Universidade
da Geórgia (EUA) e autor de três livros sobre o aumento do narcisismo nas novas gerações.
Essa possível mudança de comportamento foi sinalizada em um estudo de 2012 feito com
292 voluntários pela Universidade de Illinois, também nos EUA. O trabalho mostrou que,
quanto mais amigos uma pessoa tem no Facebook, mais narcisista ela tende a ser. Ao
mesmo tempo, aumentam as chances da publicação de comentários agressivos.
– Podemos, sim, ficar meio viciados em likes. Conforme as pessoas se refugiam nas redes,
elas perdem a habilidade de se relacionar com os outros. Você vê jovens que não se
relacionam ao vivo, mas estão nos smartphones. Isso gera a incapacidade de ler a emoção
dos outros e faz a pessoa se refugiar dentro da vida online, porque lá temos mais controle –
explica Cristiano Nabuco, coordenador do grupo de dependências tecnológicas do Instituto de
Psiquiatria da USP.
Mark Zuckerberg faz de tudo para isso. Os algoritmos do Facebook privilegiam que
visualizemos publicações de quem pensa como a gente. Esse ambiente fraterno é perfeito
para que o usuário se exponha e construa uma imagem de si. Caso ele se arrependa, basta
deletar. É o que alguns especialistas chamam de "autobiografia em edição". Em outras
palavras, é a busca de modificar a memória que os outros têm de nós. Bom, ao menos a
memória online.
O ideal é que o ato de postar seja visto de forma crítica. É o caso da blogueira de moda Júlia
Fleck. Com 41 mil seguidores em sua página do Facebook e 12,8 mil no Instagram, a porto-
alegrense posta de forma comedida para não cansar os seguidores. Ela evita conteúdos
polêmicos: prefere publicar fotos com seus cachorros e conteúdos de moda. Júlia também
confessa manter no smartphone o InstaFollow, um aplicativo para monitorar quem parou de
segui-la. Atualmente, o recurso foi baixado por mais de 10 milhões de pessoas.
– Fico chateada quando uma pessoa de quem gosto ou que admiro para de me seguir. É
como se ela não me admirasse de volta. Fico me perguntando: será que publiquei algo que
fez ela parar de me seguir? – questiona.
A curtida é, por enquanto, a nova medida de popularidade do século 21. No entanto, o que
motiva esse sentimento não tem nada de novo: pesquisadores veem a origem disso em um
comportamento bastante ancestral. "Nossa reputação é importante para nós. A seleção
natural fez com que nos importássemos com nossa fama", afirmam cientistas da Universidade
Livre de Berlim em um artigo publicado em 2013 no Journal of Frontiers in Neuroscience.
Nele, relatam um estudo feito com adolescentes que também provou que o
núcleo accumbens está envolvido em dar uma descarga de prazer nos jovens que
ganham likes.
É que a boa reputação, há milhares de anos, era essencial para sobrevivermos. Na época,
alguém "popular" tinha mais chances de ter um membro da comunidade que pudesse arriscar
a própria pele para salvar o amigo. Nossa alegria com likes viria de um instinto de
sobrevivência: buscamos ser amados para termos por perto quem nos ofereça ajuda.
Essa ideia de que adaptamos comportamentos do offline para a web é adotada por vários
cientistas que são entusiastas das tecnologias. Para eles, as redes foram criadas para suprir
as necessidades das pessoas e trazem aspectos positivos. É que elas mantêm laços sociais,
em uma espécie de transposição da vida presencial para a mediada pela internet. Com isso,
permitem que sigamos em contato com amigos com quem não falaríamos com tanta
frequência sem a web.
Essa é uma das razões que motivam 55% dos brasileiros com 10 anos ou mais a usar a
internet, o que corresponde a 94,2 milhões de pessoas. Destes, 80% navega na web todos os
dias. O que eles (e nós) mais fazem, você deve imaginar: enviam mensagens instantâneas
por aplicativos como WhatsApp, Facebook ou Skype. Os dados são do Comitê Gestor da
Internet.
O gaúcho Henrique Negrini se define como um forte usuário do Facebook. Sócio da SDH
Marketing Digital, ele deixa a rede social aberta no navegador ao menos oito horas por dia.
Acessando ativamente, são pelo menos quatro.
Ele não gosta da exposição das selfies – sua "praia" são textos analíticos sobre
acontecimentos do dia a dia. Por trás de cada post, está a ideia de interagir e provocar
reflexões nos amigos da rede. Negrini já escreveu para blogs, mas vê no Facebook uma
ferramenta com maior alcance e possibilidade de feedback.
– Quando não há o retorno de uma pessoa, mesmo que seja com um like, dá uma
desmotivação. Estou escrevendo isso para quem? Não há uma catarse. As pessoas têm a
necessidade de que as coisas sejam compartilhadas. Como seres humanos, temos a
necessidade de sermos ouvidos – afirma.
– Muitos trabalhos mostram que as redes sociais funcionam como uma forma de manter
conexões que não se manteriam de outra forma, e isso é positivo. Ao mesmo tempo, na
mediação pelo computador, eu controlo mais o que quero dizer e a persona que quero
mostrar – defende Raquel.
(...)
O like é um reforço em nossa autoestima importante no dia a dia. Mas o perigo passa a existir
quando o usuário fica ansioso na expectativa do elogio, argumenta Adriana Amaral,
coordenadora da especialização em Cultura Digital e Redes Sociais da Unisinos:
– As redes têm efeitos positivos e negativos. Elas aproximam pessoas e, ao mesmo tempo,
dão visibilidade a comportamentos narcisistas. O problema é que o gerenciamento da
imagem pública talvez amplifique algum tipo de transtorno que a pessoa já tenha.
E agora, pais?
A ciência ainda não tem como bater o martelo sobre a total influência das redes sociais no
comportamento de jovens. Afinal, o uso dessa tecnologia é muito recente.
O estudo feito na Universidade Livre de Berlim, que indicou que gostamos de likes por causa
da seleção natural, salientou que esses usuários das redes sociais podem ter menores notas
escolares, redução da produtividade no trabalho e até mesmo depressão. Para evitar o uso
prejudicial, pais devem dosar o tempo que os jovens ficam em frente à tela e acompanhar o
conteúdo das postagens.
– O jovem termina a maturação do cérebro após os 21 anos. Tudo o que diz respeito ao
controle dos impulsos, ele não tem. Os pais devem prestar atenção e acompanhar o jovem da
mesma forma como fazem com qualquer outra atividade – aconselha Cristiano Nabuco, do
Instituto de Psiquiatria da USP.
HARTMANN, Marcel. Redes sociais estão deixando usuários "viciados" em likes. Gaúcha ZH, 2016. Disponível em:
https://gauchazh.clicrbs.com.br/comportamento/noticia/2016/07/redes-sociais-estao-deixando-usuarios-sedentos-por-
aprovacao-6550937.html. Acesso em 28 mar. 2022. (adaptado)