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Introdução
Um dos nossos objetivos neste texto é A escolha deste objeto, obras de arte em
questionar uma complexifcação na perda da formato digital e interativo, deu-se devido à
aura – no sentido dado por Walter Benjamin possibilidade de análise concreta da utilização,
(2004) – e observar como o fazer artístico se apropriação e signifcação das ferramentas tec-
constitui atualmente. Para tal, tomamos como nológicas por parte dos artistas. Através deste
objeto obras de arte que usam da tecnologia trabalho, pretendemos pensar as relações teci-
digital interativa na sua composição e que uti- das entre os diversos elementos compositores
lizam da internet como espaço de exposição e do contexto que estudo. Para além da questão
interação. Ou seja, analisamos obras que são das sociabilidades, bastante presente em gran-
encontradas na internet. Dessa forma, recor- de parte dos trabalhos que discorrem sobre o
tamos a produção de arte em rede no Brasil ciberespaço, tomamos a arte como fenômeno
e, “seguindo a metáfora” (MARCUS, 1995), material da cibercultura e, além disso, como
analisamos estas produções, assim como esti- manifestação que transcende as fronteiras do
vemos em contato, através de entrevistas, com espaço digital: ela permeia o on/of, o digital e o
artistas e demais atores envolvidos na produ- analógico, o atual e o virtual simultaneamente.
ção artística digital.
Devido a difculdades na realização da pes- Efetivamente, a partir de um ponto de vista an-
quisa online, optamos pela realização de traba- tropológico não é difícil perceber que artefatos
lho de campo presencial, de cunho etnográfco, materiais e tecnologias não são dados “em si”,
na exposição Emoção Art.Ficial3, realizada em mas são frutos de contextos socioculturais espe-
São Paulo. Assim, dividimos o trabalho em cífcos. Entretanto, a antropologia contemporâ-
dois momentos: primeiramente, analisamos nea manteve a refexão quanto às especifcidades
obras de arte online, ou seja, netart. E, em um das dinâmicas culturais em torno de tecnologias
segundo momento, narramos a incursão em um tanto afastada do foco de suas atenções.
campo na exposição citada. (GUIMARÃES JR., 2004, p.131)
Aliado a isto, também investigamos a agên-
cia das obras de artes e dos espaços artísticos Por meio de uma incursão exploratória em
dentro dessa conceituação e transformação campo e do contato com interlocutores ligados
citadas. É comum observar teóricos do cam- a projetos de arte interativa, questiono algumas
po das artes e da comunicação anunciarem as considerações a respeito do posicionamento do
rupturas trazidas pelo advento do digital, como espectador diante da arte digital, bem como o
o fm da obra de arte fechada, acabada e obje- modo como esta dialoga com uma cibercultu-
to de contemplação, a dicotomia entre autor e ra já consolidada e com a noção tradicional de
público, natureza e cultura, homem e máqui- arte. O “estar lá” é fundamental em meu traba-
na. O corpo técnico da produção artística tam- lho para fugir de uma teoria que discorre sobre
bém se expande e passa a englobar um mundo as possibilidades e limitações da obra de arte e
artístico diferenciado. Engenheiros, programa- investigar o espaço que esta toma no contexto
dores, designers, matemáticos também fazem em que se situa.
parte, agora, do processo produtivo; assim Desse modo, tomamos a interatividade
como computadores, sistemas inteligentes, ro- como aspecto importante na obra de arte em
bôs, projetores, tablets, celulares e outras ferra- minha pesquisa. A interação aparece com o
mentas tecnológicas. papel de identifcar a apropriação pelos espec-
tadores dos meios técnicos e da obra de arte sociais e fortalecer valores sociais. (GEERTZ,
em si. Além disso, a interatividade está ligada à 1997, p. 144-145).
subjetividade e a uma presença do indivíduo na
obra. Assim, nosso trabalho discorre sobre as Por outro lado, para Gell o problema de
formas com que se intercambiam a agência dos uma delimitação estética, ao analisarmos a
usuários, dos meios técnicos e da noção de arte. obra de arte, é que aproxima os objetos de
arte de outros objetos que também possuem
valor estético: “há belos cavalos, belas pessoas,
Quando a arte e a antropologia se belos ocasos, e assim por diante; mas os ob-
encontram jetos de arte são os únicos que são belamente
produzidos ou feitos belos” (GELL, 2005, p.
Pensar arte sob uma perspectiva antropoló- 45). Em contrapartida, propõe que a arte seja
gica exige uma série de cuidados metodológicos tomada como um componente da tecnologia.
a serem atentados. Desta forma, procuramos Ele considera
não partir de uma conceituação flosófca de
defnições abstratas de fenômenos artísticos ou os objetos de arte aqueles que demonstram um
não artísticos, para procurá-las em nossos obje- certo nível de excelência alcançado tecnicamen-
tos. Também não objetivamos partir de catego- te, considerando que ‘excelência’ seja a função
rias preconcebidas e tentar encontrá-las dentro não simplesmente de suas características como
do contexto estudado. Temos como objetivo objetos, mas de suas características como ob-
mapear as manifestações artísticas dentro das jetos produzidos, como produtos de técnicas
especifdades locais em que estas se dão e ana- (GELL, 2005, p. 44).
lisar a posição que ocupam dentro do próprio
contexto. Com isso, o autor se opõe às correntes que
Geertz propõe o estudo das artes como defendem a genialidade do artista e aderem ca-
exploração de sensibilidades, enfatizando a racterísticas transcendentais à arte. A obra de
necessidade de compreender como estas ca- arte “visa uma efcácia, uma agência, visa pro-
tegorias refetem conceitos subjacentes à vida duzir resultados práticos em vez de contempla-
social (GEERTZ, 1997, p. 152). Além disso, ção” (LAGROU, 2003, p. 4).
propõe um estudo semiótico das artes e uma Também cabe aqui ressaltar a noção de
etnografa dos veículos que transmitem signif- mundo artístico, cunhada por Becker (1977).
cados (GEERTZ, 1997, p. 179), no sentido de Para o autor, a obra de arte é fruto de um tra-
compreender o signifcado simbólico do uso de balho de uma série de atores envolvidos para
técnicas. Para o autor, essa perspectiva formá-la tal como é (BECKER, 1977, p. 9).
Essa defnição implica não defnir, primeira-
nos afasta daquela visão que considera a força mente, o que é arte, mas partir da localização
estética como uma expressão grandiloquente das pessoas envolvidas no que chamamos de
dos prazeres do artesanato. Afasta-nos também arte (BECKER, 1977, p. 11). Além disso, essa
da visão que chamamos funcionalista, que, na perspectiva mostra uma atribuição de valor ao
maioria das vezes, se opôs à anterior, e para a objeto artístico construído coletivamente por
qual obras de arte são mecanismos elaborados todos aqueles que fzeram possível a realização
para defnir as relações sociais, manter as regras deste enquanto tal.
lado, a obra de arte perde seu valor de culto, era única. A interface era a própria obra. Entre-
sua sacralidade, sua aura, e, também, tornou-se tanto, na produção digital vemos o surgimento
facilmente reprodutível. Não é necessário um de múltiplas interfaces. Steven Johnson (2001,
especialista para realizar a reprodução da Mo- p. 10) defne interface digital como “metafor-
nalisa, por exemplo, mas qualquer indivíduo, ma” e “informação sobre a informação”. A in-
dotado de uma câmera e algum conhecimento terface digital é mais do que uma representação
fotográfco, pode reproduzi-la infnitas vezes. de uma informação. A interface é a informação
Ou seja, a obra de arte sai do museu, do seu sob uma nova linguagem, é a virtualização de
lugar de culto e adentra todas as dimensões da uma informação produzida através de zeros-e-
vida cotidiana. O que se coloca em xeque, nes- -uns. A interface é uma transformação semió-
te trajeto percorrido pela arte desde então, é a tica da informação para apresentar esta através
perspectiva estética tradicional. de outra linguagem. Essas linhas digitadas em
fonte Times tamanho 12 só são isso em uma
determinada interface, em outra são sequências
Quando a arte encontra o digital de zeros e uns. A informação é a mesma, entre-
tanto, a linguagem com que esta é apresentada
A criação dos computadores domésticos e a é diferenciada. O papel da interface nos meios
ascensão da IBM e da Apple no início da déca- digitais é de tornar invisíveis códigos e signos e
da de 1980 levaram rapidamente computado- tornar visível uma imagem amigável que parece
res para a maior parte dos lares. A aquisição por simples e facilmente manipulada ou interagida.
parte da Microsoft do QDOS4 e o posterior
lançamento do Microsoft Windows, em 1993, Um computador pensa – se pensar é a palavra
consolidaram, fnalmente, o estabelecimento correta no caso através de minúsculos pulsos de
da computação doméstica. eletricidade, que representam um estado “liga-
A interface amigável do Windows NT5, do” ou um estado “desligado”, um O ou um l.
com o uso do mouse para acessar o conteúdo Os seres humanos pensam através de palavras,
desejado, facilitou a leigos a usarem computa- conceitos, imagens, sons, associações. Um
dores. Mais do que usar o mouse para controlar computador que nada faça além de manipular
o SO6, a impressão era de que poderia acessar o sequências de zeros e uns não passa de uma má-
conteúdo com a própria mão representada na quina de somar excepcionalmente inefciente.
tela e um clique não era mais um simples cli- Para que a mágica da revolução digital ocorra,
que do aparelho periférico, mas o próprio dedo um computador deve também representar-se a
passou a executar as tarefas. Assim, com uma si mesmo ao usuário, numa linguagem que este
linguagem de poucas palavras, muitos ícones compreenda (JOHNSON, 2001, p. 18).
e cliques do ponteiro, vimos os computadores
entrarem em muitos lares rapidamente. O conceito de interatividade está ligado ao
Se tratamos aqui de interface, é devido à im- conceito de interface. Interagir, de uma forma
portância de pensar seu papel no fazer artístico simplória, é transformar o conteúdo da inter-
digital. Lev Manovich (2006) afrma que a obra face de forma virtual em tempo real. Virtuali-
de arte analógica possuía apenas uma interface dade é a capacidade de subverter as limitações
e esta era sinônimo da obra em si, ou seja, a in- espaçotemporais, segundo Pierre Lévy (2007).
terface era a representação da obra de arte e que Ou seja, o espaço virtual é a esfera “onde as
categorias de espaço e tempo estariam submeti- Digitalizar não é representar: este texto im-
das a um regime diferenciado” (GUIMARÃES presso (formato analógico) não é representação
JR., 2000 p. 2). Interagir com a interface é agir dele exibido na tela (formato digital) – e se a
sobre a informação apresentada em formato lógica fosse de representação, o primeiro seria
digital em tempo real. A interação pode partir a representação do segundo. A digitalização
de uma ação simples como clicar com o mouse confere um estatuto diferenciado ao objeto:
sobre determinado ícone, por exemplo. O usu- ele deixa de ser material e transforma-se em in-
ário, com sua mão, guia o mouse para determi- formação. Entretanto, não perde o estatuto de
nada ação e o computador responde com outra objeto, apesar de sua imaterialidade e, menos
ação programada no mesmo instante. ainda, de realidade. A arte digital é real, mas
não é material.
Na verdade, o tempo real dos dispositivos numéri- Alguns autores adotam uma dicotomia en-
cos e o “tempo direto” dos meios de comunicação tre real e virtual para tratar de objetos materiais
audiovisuais não são da mesma natureza. O tem- e imateriais. Foi optado aqui por distingui-los
po real numérico introduz, no tratamento e na como analógicos e digitais. Primeiramente, por
circulação das informações, processos complexos não pensar que formam um par binário, mas
de computação e de linguagem, o que o tempo di- complementam-se. Também não adotamos a
reto mediático não saberia fazer. Do ponto de vis- ideia de virtual por esta estar ligada à representa-
ta do receptor, não se percebe a diferença, porém, ção e não a uma oposição ao real. Optamos por
ela é radical; o tempo real muda os mecanismos tratar o que comumente chamam de realidade
de tratamento e da circulação das informações. É virtual por realidade digital, uma vez que pensa-
característico de um certo acoplamento retroativo mos que é ontologicamente mais adequado.
entre o homem e o computador, chamado mais Contudo, referimo-nos ao digital como sinô-
comumente de interatividade. Quando esse aco- nimo ao que alguns autores tratam por virtual:
plamento se faz em tempo real, o usuário tem a
impressão de que a máquina lhe responde instan- […] não implica desrealização, pois muitos dos
taneamente (COUCHOT, 2002, p. 101). atos produzidos pelos mecanismos de virtualiza-
ção são fatos sociais concretos, já que produzem
As três categorias citadas acima nos levam efeitos na realidade e, assim, não pertencem ao
a pensar um determinado espaço e tempo reino do imaginário, não desaparecem do uni-
diferenciados de suas símiles analógicas, cha- verso das ações sociais tão logo sejam desligados
mado de ciberespaço. Guimarães Jr. (2000) os mecanismos tecnológicos que permitiram sua
defne este como o “lócus virtual criado pela existência “virtual” (JUNGBLUT, 2004, p. 102).
conjunção das diferentes tecnologias de teleco-
municação e telemática, em especial, mas não Outra característica do objeto digital é a ca-
exclusivamente, as mediadas por computador” pacidade de ser sempre transformado. O objeto
(GUIMARÃES JR., 2000, p. 2). Só é possível digital nunca é acabado, ele sempre pode passar
pensar na existência de um ciberespaço através por mais uma manipulação. Com a fotografa
da digitalização. Digitalizar é converter uma digital, por exemplo, pode-se alterar até um
informação ou objeto em dígitos, mais exata- ponto em que já não se reconheça mais nada
mente em dígitos binários7. Ou seja, desmate- do que foi fotografado. Diferente da analógica,
rializar a matéria. que é uma representação através de processos
químicos, a digital é uma transcodifcação para espectador na produção da obra de arte sugere
transformar em informação e esta é infnita- a ideia de processo, chamando a atenção para a
mente manipulável. A reprodução técnica ad- maneira como a obra se manifesta entre o públi-
quire um estatuto diferenciado. co (ARANTES, 2005, p. 37).
Dentro das artes digitais, fazemos a dis-
tinção de duas grandes categorias de diferen- A interatividade está presente em qualquer
ciação com relação à forma com que a obra é ação na rede. O ato de navegar em rede já é, por
produzida: obras interativas ou não interativas. si só, interativo. O usuário da internet escolhe
As obras não interativas utilizam da tecnologia o caminho a ser percorrido através de hiper-
digital para fazer arte em um formato tradi- links e infovias8. A navegação nunca é igual: o
cional: o artista realiza a obra usando as ferra- mesmo usuário pode percorrer os mesmos sites
mentas técnicas digitais e o espectador assiste a utilizando o mesmo navegador, mas a internet
apresentação da obra. A produção de flmes em tem uma temporalidade em regime contínuo,
animação é um exemplo desta forma de produ- sincrônico e “a sincronicidade permite que ati-
ção. O digital apresenta-se como meio em que vidades sejam realizadas em tempo real e cole-
a obra vai ser apresentada. tivamente” (LEITÃO, 2012, p. 258). Ou seja,
Por outro lado, temos a produção de obras independente do usuário estar ou não conecta-
em formato interativo, ou seja, é necessário que do, ela se modifca. Esse jogo de escolhas de ca-
haja a interação para a composição da obra. A minhos a serem percorridos e a autonomia que
obra de arte inexiste sem a interação do espec- o usuário possui para acessar quais e quantos
tador que, em tal caso, deixa de ser espectador dados desejar, torna a internet diferenciada dos
para pertencer à obra. A obra perde seu estatuto meios de comunicação de massa. Além disso,
de obra fechada ou acabada e se torna um pro- a rede possui uma espacialidade própria, com-
cesso. A interação questiona a noção de con- posta por informações que serão acessadas pelo
templação, há muito consolidada na arte: do usuário e compostas por usuários.
artista como detentor da obra, do espectador
como mero observador, recebendo informa- A partir do “clique que dá vida a todo um
ções já dadas. O artista se torna um potenciali- universo” (MANOVICH, 2002, p. 11), e
zador do fazer artístico e o espectador adentra que torna fascinante a interatividade, Mano-
a posição de artista, enquanto a obra nunca é vich propõe o termo active amplifcation para
única. A noção de sacralidade da obra de arte pensar esse componente fundamental dos vi-
como objeto único também é questionada nes- deogames e das aplicações em fash, também
te contexto. A perda da aura se complexifca. presentes nos softwares para telas sensíveis ao
toque – cada clique, ou gesto, desdobra-se em
O que acabou, por certo, para estes artistas era uma sequência de ações – animações, sons
uma forma de fazer arte que postula uma radi- alternados, telas que se alternam, formas que
calização de oposições com arte/vida, pintura/ se desdobram até o ponto em que se aguarda
escultura, público/obra. A arte se mistura com nova ação do usuário. É um conceito que está
a vida, e o público é chamado a “viver” a obra. presente na estrutura de navegação de qual-
No lugar do mutismo contemplativo há uma quer website, CD-ROM ou DVD interativo,
produção que reclama a participação do espec- na medida em que se acessa um conteúdo a
tador. Ao mesmo tempo, a participação ativa do partir de menus que levam a conteúdos ou no-
vos menus. No entanto, transformar o menu duz no decorrer de um diálogo quase instan-
em uma interface mais audiovisual e animada tâneo – ‘em tempo real’ – com o espectador”
signifca transformar a possibilidade de escolha (COUCHOT apud DONATTI & PRADO,
do leitor/navegador em um gesto com um sen- 2004, p. 267).
tido, em parte de uma narrativa (DEVOS & O estatuto de unicidade da obra, o hic et
VEDANA, 2010, p. 11-12). nunc, a aura, a genialidade do artista veem-se
questionados desta forma. Se o usuário é partici-
Navegar é um ato subjetivo, é um ato de in- pante do processo, ele também é compositor da
teração. Interagir com a rede ou com uma obra obra de arte. E, desta forma, se cada obra pode
de arte, além de modifcar o conteúdo anterior ser realizada infnitas vezes através do navegador,
delas é um exercício de projeção da subjetivi- a obra de arte única perde sua autenticidade, já
dade do usuário. A interação com uma obra que na reprodução técnica falar em autenticida-
de arte digital e interativa nunca será a mes- de não faz sentido (BENJAMIN, 2004, p.13).
ma, por mais que o mesmo usuário a realize ou As formas de arte acessadas diretamente
outro usuário tente realizar da mesma forma. no navegador, ou como optamos chamar de
A metáfora de Heráclito acerca da impossibi- netart, só foram possíveis através das transfor-
lidade de cruzar um rio duas vezes carrega o mações técnicas na navegação que possibilitam
mesmo princípio do fazer interativo da rede. que os navegadores atualizem-se automatica-
mente. A prática da internet atual é baseada
nisso. Como exemplo, a linha do tempo da
Quando a rede captura a arte rede social Facebook que se atualiza automati-
camente. Essa transformação complexifcou a
Dentro da produção de arte digital, há uma questão dos rompimentos espaços/temporais
categoria que é importante para nossa pesqui- trazidos pelas tecnologias digitais, pois propor-
sa: a netart. Como netart entendemos as obras cionou que o feedback da rede acontecesse em
que são produzidas para a internet e são acessa- tempo real ao usuário.
das através da internet. Qualquer usuário liga- A obra de arte Mapa, de Rafael Marchetti,
do à rede pode acessar estas obras por meio do membro do grupo Infuenza juntamente com
navegador. Dentro da categoria de netart, tomo Raquel Renó, questiona a presença em um ce-
as obras que possibilitam a interatividade, ou nário urbano. O usuário está perante um mapa
seja, que o usuário possa interagir com esta em em que diversos caminhos são possíveis. Cada
seu próprio computador através da internet a experiência é única e possível de ser revertida
partir do navegador. com o simples clicar do mouse na opção voltar
Assim, por intermédio do uso da tecnologia do navegador. Mas mais do que alguns cliques
digital, o artista traz a obra como uma possi- para a composição da obra, temos uma pre-
bilidade, na qual o usuário deve participar. “A sença, uma telepresença neste espaço. Ou seja,
obra se divide incessantemente entre estados “uma situação onde o participante é capaz de
virtuais/potenciais e estados atuais que fazem propor uma modifcação a um ambiente remo-
de cada leitura um acontecimento singular to e receber uma retroação deste” (DONATTI
e único” (DONATTI & PRADO, 2004, p. & PRADO, 2004, p. 266).
267). Além disso, “... a obra não é mais fruto Mapa, conforme já descrevi no início deste
somente da autoridade do artista, mas se pro- trabalho, é um conjunto de obras interligadas
anteriormente, “nada acontece aqui e ninguém tos durante toda a entrevista e que eles também
vive aqui”. Questiona quem está escrevendo são compositores do resultado fnal de percep-
os dados que ali aparecem ou se são um banco ção ou, como ele chama, do “look and feel”.
de dados. Em seguida, participamos do que o
autor chama de metaturismo. Primeiramente,
o usuário aguarda alguma ação desse deserto Quando o digital e a antropologia se
diante de seus olhos, entretanto nada acontece encontram
aqui. É necessário que o usuário participe.
Ao clicar em uma das crateras desse deser- A interatividade propõe uma agência dife-
to, pode-se ver um conjunto de imagens ale- renciada em comparação à arte tradicional, à
atórias, o surgimento de uma espécie de visão arte analógica. Utilizamos a categoria analítica
diferenciada, que pode ser movida ao longo arte digital por acreditar que delimita claramen-
do deserto ou uma série com três textos, os te meu recorte e não outras categorias como
quais falam de uma presença telerrobótica9 no “arte em novos meios” (MANOVICH, 2006),
curso da ação. Ao mesmo tempo em que o por pensar que a noção de novos meios é uma
usuário está ali, parece que a obra se faz aqui, noção relativa a um tempo determinado e facil-
diante dos olhos. mente torna-se fugidia. Também não utilizo arte
Em entrevista10, Mark Amerika foi ques- em mídia digital porque algumas obras que pude
tionado acerca da autoria da obra Filmtext, já interagir na exposição Emoção Art.Ficial utili-
que a arte em Flash, na qual a interface foi pro- zam outras mídias além da digital, mas o digital
gramada, é creditada a John Vega e a trilha de aparece como forma de produção e como meio.
Twine. A entrevistadora questiona se seria um Lançamos mão da perspectiva de Bruno La-
Mark Amerika autêntico ou se é fruto de um tour (2008, p. 26) de um centramento na ação
trabalho coletivo. O autor responde que a obra para pensar as possibilidades de uma teoria do
possui efeitos autorais, mas que o trabalho é ator-rede. Por isso, tomei como objeto obras de
colaborativo. Ou seja, o resultado fnal é fruto netart interativas, pois, se há interatividade, há
de uma série de atores envolvidos no mundo ação não só por parte do interator, mas também
artístico. Também destaca a função dos apara- dos agentes não-humanos. Entretanto, no caso da
netart, apesar da agência da máquina, não foi pos- nados” (GUIMARÃES, 2000, p. 3), como es-
sível a realização de uma etnografa da máquina. tas exposições poderiam compor o ciberespaço
Cada interação é única e, por isso, apenas a nossa e suas apropriações engendrarem uma cibercul-
interação não foi sufciente para pensar sobre as tura? Visto que elas se apresentam em espaços
especifcidades socioculturais deste contexto. tradicionais como museus e galerias.
Na pesquisa antropológica, temos como Arturo Escobar argumenta que o ciberes-
método consagrado o trabalho de campo com paço é formado através de uma noção de ci-
viés etnográfco e este tem como critérios “a bercultura, a qual “englobaria uma série de
observação participante e o tempo passado na manifestações contemporâneas, não apenas as
comunidade ou no espaço social estudado” relacionadas às CMCs11, mas também as re-
(MILLER & SLATER, 2004, p. 43). Desta ferentes ao relacionamento do homem com
forma, pontuamos que a análise de obras para a tecnologia, e em especial a biotecnologia, e
pensar elementos fundamentais na teoria an- que considera a noção de tecnosocialidade”
tropológica, atualmente, tais como agência, hi- (ESCOBAR apud GUIMARÃES JR., 2000).
bridismo, virtualidade, é importante, mas não Unindo as duas perspectivas penso nas expo-
é fazer antropologia, já que, apesar da agência sições não em sua materialidade, mas na inte-
das obras, não constitui uma observação, mas ração e na percepção dos participantes nestas.
uma experiência autônoma e pessoal. Apesar das exposições ocuparem um espaço
ofine, a tecnologia digital é a ferramenta uti-
Ou seja, movendo o foco de investigação da lizada para a composição das obras e para a in-
materialidade das tecnologias para a natureza teração. Ou seja, a interação dá-se de maneira
das práticas sociais e respectivas representações virtual, ocupando o lócus chamado de ciberes-
nas quais as mesmas estão inseridas. A natureza paço. Da mesma forma que estas propiciam
das tecnologias, portanto, não se encontra em um relacionamento do homem com a tecno-
sua materialidade, mas nas formas pelas quais as logia ligados a este contexto sociocultural, ou
mesmas são utilizadas em cada contexto especí- seja, a cibercultura.
fco (GUIMARÃES, 2004, p. 132).
Neste caso, seria necessário lembrar que a inter-
Assim, tivemos de alterar o recorte. O in- net antes de ser “cultura”, “artifício” ou “inven-
teresse permanecia na agência das obras de ção”, é um novo ambiente que unifca mundos
arte digitais e na forma que estas constituíam signifcativos e morais distintos, onde se joga
o imaginário da chamada cibercultura. Por com novas atualizações o jogo da sociabilidade
isso, optamos pela etnografa em exposições de humana, onde se habita, onde se exercitam no-
arte digital e interativa ofine. Mas surgiu um vas e velhas habilidades e onde se utilizam novas
novo questionamento: se o ciberespaço é um ferramentas para a consecução destes fns. Torna-
“lócus virtual criado pela conjunção das dife- -se, assim, ocioso reproduzir a pergunta român-
rentes tecnologias de telecomunicação e tele- tica sobre a “natureza”, impondo-se uma refexão
mática, em especial, mas não exclusivamente, não-dicotômica sobre a existência do ciberespa-
as mediadas por computador” (GUIMARÃES, ço como ecossistema e paisagem no qual huma-
2000, p. 2) e a cibercultura seria um “conjunto no e não-humano, artifcial e natural, inventado
de fenômenos sócio-culturais que ocorrem no e convencional, estão relacionados de modo irre-
interior deste espaço ou que estão a ele relacio- versível (LEWGOY, 2009, p. 194-195).
Fazer antropologia sobre fenômenos emer- ragiam com os usuários. Além disso, interagir
gentes da tecnologia digital é fazer uma antro- com as obras é necessário para entender de que
pologia do digital. forma as obras foram concebidas e compreen-
der o mecanismo tecnológico e sensível delas.
Isso porque, se concordamos com Callon
(2004) e entendemos as tecnologias como capa-
zes de fazer emergir novos grupos e identidades, Quando o on e o of se encontram
vemos que qualquer antropologia feita sobre fe-
nômenos que tenham lugar na internet será, em A arte digital ainda ocupa um lugar margi-
alguma medida, também uma antropologia da nal dentro do nosso imaginário. Pensar sobre
internet (LEITÃO, 2012, p. 258). uma exposição de arte realizada através das tec-
nologias digitais remetia-me, automaticamente,
O questionamento das delimitações do a um episódio repetido dos Jetsons onde esteiras
online e do ofine são recorrentes em estudos ou naves espaciais o levam a todos os lugares,
de cibercultura. Guimarães Jr. (2000) defende onde o robô o serve com um estalar de dedos e
uma primazia da pesquisa sobre o espaço onli- todos são esbeltos, lindos e saudáveis. Remete-
ne, mas que este último sempre deixa transpa- -se a um universo com tecnologia de ponta onde
recer uma série de elementos ofine, como faixa não aparecem fos, cabos e conexões de energia,
etária, o sexo etc. Daniel Miller e Don Slatter mas todos os utensílios são dotados de neon,
(2004) optam por um recorte no qual online e funcionamento automático e a energia nunca
ofine complementam-se e, dessa forma, além se esgota. Um lugar onde todos possuem uma
de realizarem etnografa em ambientes online, expertise completa para uma interação com os
optaram por observar cibercafés, ou seja, um aparatos, onde a tecnologia é acessada de for-
espaço ofine de sociabilidade. Segundo eles, o ma igual por todos e o design é homogêneo e
comportamento online está ligado a um com- arredondado. Luzes cintilantes, aparelhos sem
portamento ofine e vice-versa e ambos parti- pane ou bugs e usuários exímios. Entretanto,
cipam na formação dos grupos e das interações. minhas impressões foram rompidas ao adentrar
Grande parte dos textos antropológicos que em uma exposição de arte digital.
discorrem acerca do ciberespaço carrega um É recorrente o imaginário de estar invadin-
preâmbulo semelhante sobre os atentamentos do um mundo de porcelana ao adentrar um
que devem ser tomados na abordagem antropo- museu ou uma exposição de arte. Tem-se a im-
lógica do ciberespaço e nos desafos e possibili- pressão de ser um estranho no ninho da gran-
dades desse contexto. Acredito que a etnografa deza das obras. Ademais, a presença somente
do ciberespaço carrega muito da etnografa é tolerada se estiver distante da obra, por um
tradicional já consolidada em nossa disciplina tempo estritamente necessário e nada mais. A
atentando para algumas transformações deste obra está lá, eu estou cá, trocamos os olhares
contexto como: a imaterialidade do espaço e a necessários e basta. Obviamente faremos mais
agência das ferramentas tecnológicas. caretas a ela do que o contrário.
Nossa proposta metodológica, nesse senti- No dia 6 de julho de 2012, participamos
do, foi de observar a forma como os usuários da exposição em arte digital. O uso do termo
se relacionam com as obras de arte na exposi- participação está ligado a ideia de interação e
ção Emoção Art.Ficial e como estas obras inte- não de exposição. O universo de mil luzes se
desfez nos primeiros segundos diante da escuri- ação, ela esquivou-se do meu toque automati-
dão dos três andares em que a exposição estava camente. A lembrança do sentimento, quando
instalada. Pudemos participar da sexta edição criança, o toque espinhento de estrelas-do-mar
da exposição Emoção Art.Ficial, a bienal de arte nas pernas ao estar na água e a incapacidade da
e tecnologia, realizada no Itaú Cultural, na ci- captura surgiram instantaneamente. Ao se po-
dade de São Paulo, entre 30 de maio e 29 de sicionar o dedo em uma das extremidades da
julho de 2012. Descrevemos aqui a experiência mesa e, vagarosamente, uma das pontas da es-
nesta exposição, dando maior enfoque para as trela aproximava-se. Ao menor movimento, ela
obras que contribuem para o tema de pesquisa. se retraía e voltava à posição original. Ao longo
Com o receio costumeiro de entrada em mu- do tempo de contemplação, a estrela-do-mar
seus, fomos entrando passo a passo, com receio mudava suas cores, dando a impressão da entra-
de desmoronar toda a grandeza da exposição da ou da ausência da luz solar projetada em seu
com um esbarrão descuidado ou perder a pose corpo e repetia movimentos ondulantes como
de apreciador por uma gafe cometida ao acaso. carregada pelas ondas do mar.
Conferimos o alinhamento dos óculos e as ca-
retas preparadas, peito estufado e adentramos o
primeiro andar onde se instalava a primeira parte
da exposição. O ambiente era separado por divi-
sórias móveis e dentro de cada cômodo semia-
berto estava instalada uma obra. A primeira obra
intitulava-se Te Mimetic Starfsh, de Richard
Brown. Estabelecemos um ritual de apreciação: Ilustração 5: The Mimetic Starfsh. Fonte: divulgação.
primeiramente leríamos a descrição e, depois,
para passar a interação posteriormente. Uma tela A reprodução técnica e, consequentemen-
de LED de fundo preto levava o seguinte texto: te, a reprodução digital carregam este estatuto
de produção de elementos que se emancipam
Ilusão e mimetismo são as marcas da instalação de seus originais. Além disso, têm a capacida-
de Brown, que desafa o modo como considera- de de “levar a reprodução de situações, onde
mos o que é e o que não é um ser vivente. Uma o próprio original jamais seria encontrado”
estrela-do-mar virtual, “treinada” por tecnologia (BENJAMIN, 2004, p. 7). Interagir com uma
de redes neurais, tem movimentos orgânicos e estrela-do-mar seria impossível de outra forma
transmite uma sensação de vitalidade. O traba- que não a reprodução. A reprodução vai além
lho é caracterizado por um tom provocador e, do sentido da cópia da estrela-do-mar, mas
ao mesmo tempo, lúdico. Um exemplo de vida cria uma presença. Além disso, a reprodução
artifcial que engloba os conceitos de magia e de uma estrela do mar não altera o estatuto da
tecnologia, arte e ciência, flosofa e cognição. estrela em si: “Pode ser que as novas condições
assim criadas pelas técnicas de reprodução, em
À frente estava instalada uma espécie de paralelo, deixem intacto o conteúdo da obra de
mesa. Sobre ela, estava projetada a imagem de arte; mas, de qualquer maneira, desvalorizam
uma estrela-do-mar. Ela movia-se pouco, mas seu hic et nunc” (BENJAMIN, 2004, p. 7).
não mudava as dimensões. Ao tentar tocá-la em Na sala posterior, estava instalada a obra que
uma das pontas e, como movimento de ação-re- mais me chamou a atenção, intitulada de Face
Music, com autoria de Ken Rinaldo. A obra A primeira impressão de distância era der-
era um espaço circular com seis braços robó- rubada vagarosamente. Primeiramente, pela
ticos instalados no teto, parecendo tentáculos ausência de profssionais de segurança obser-
cobertos de cabelos. Ao redor desse espaço ha- vando se a minha aproximação era demasiada
via quatro telões com imagens pouco nítidas. para comprometer a integridade da obra. Os
Segundo a descrição, esses braços robóticos monitores, espalhados por cada obra, faziam
são dotados de câmeras em sua extremidade e pouco caso da presença de visitantes e deixa-
reconhecem traços do rosto do observador. A vam que permanecesses à vontade. A ausência
partir deles compõem peças musicais que eram de placas indicativas de proibições de fash,
executadas durante o contato. Ao se aproximar fotografa ou tocar nas obras também contri-
do primeiro tentáculo, assustamo-nos com seu buíam para meu sentimento de pertencimento
movimento. A câmera movia-se perpendicu- àquele universo.
larmente ao corpo em busca de um rosto. Ao Sim, a interatividade estava presente. As obras
percorrer o corpo, ruídos eram executados no apresentavam pouco interesse na medida em
ambiente. Ao encontrar uma face, era projeta- que ninguém interagia com elas, mas ainda não
do em um dos telões a própria face aumentada compartilhávamos com o artista o sentimento
a tal ponto em que os poros transformaram-se de autoria da obra e nem proclamava o pertenci-
em pixels e diferenças de cores construídas por mento dela. Talvez esteja ligado a uma noção de
CMYK. Com a diferença de cores, texturas e resultado palpável que a obra de arte deve apre-
tamanhos, o sistema produzia um conjunto de sentar: um quadro fnalizado, uma sinfonia, uma
sons baseados na fsionomia facial. Ao adentra- escultura, um livro. A arte como processo ainda
rem outros espectadores no ambiente, mistura- causava estranhamento, mesmo que carregando
vam-se as canções em díssono. todo um desejo de construção interativa.
Apesar de ser programada a executar a mes- Na outra sala situada neste andar estava a obra
ma nota em determinado contato, a obra é dota- Slice de George Lagrady. A instalação era um te-
da de uma agência perante cada usuário, já que a lão que apresentava a imagem de uma fotogra-
experiência é única. A subjetividade do interator fa cortada pela metade e remontada através de
está presente tanto fsicamente – pelas feições –, um software por trinta minutos, utilizando seis
quanto pelo estado de espírito, já que sorrindo, fotografas diferentes. A obra resultava em uma
por exemplo, o resultado é diferenciado. confusão de cores e pequenas imagens que se
misturavam e formavam novos fragmentos res- da uma gama de luzes que estava em constante
signifcados. Em Slice, temos a reprodução da movimento e, no centro, aparecia uma espécie
reprodução. Ao cortar a fotografa, o software de água-viva que reagia à minha aproximação.
produz uma nova imagem, que é novamente cor- Essa obra consiste em uma manifestação de
tada para a produção de outra através da colagem. uma série de cálculos baseados nas condições
O andar inferior mantinha o mesmo am- ambientais de onde está instalada a obra.
biente de escuridão e de obras divididas em A condição básica para a execução de obras
pequenos cômodos. À direita estava colocada a interativas são os interatores. Em iFlux, mais
instalação de Fala de Rejane Cantoni e Leonardo do que pessoas interagindo com o ambiente
Crescenti, a instalação contava com 40 celulares em que a obra estava instalada, o ambiente em
colocados lado a lado e ligados entre si. À frente si produzia modifcações em seu processo, ou
estava um microfone ligado à obra. Segundo a seja, o ambiente também era dotado de agência
descrição, o microfone capta sons do ambiente e sobre a obra e sobre os espectadores.
das falas e os celulares reproduzem visualmente e A descrição da instalação era a seguinte:
auditivamente equivalências semânticas.
Em entrevista com os autores, eles defni- i-Flux é uma arte sistêmica, interativa e dinâmi-
ram suas obras como “áudio-tátil-visuais para ca, que trabalha com fuxos de informações de
questões”. Fala seria uma resposta para o ques- diferentes naturezas. O coração do sistema está
tionamento: “e agora que máquinas podem fa- localizado em uma instalação, que age como o
lar com máquinas, que conversa é essa?” hub central (dispositivo que interliga compu-
À esquerda, nesse mesmo andar, estava ins- tadores de uma rede local), concentrando as
talada iFlux, de Silvia Laurentiz e Laura Gabriel. interações dos fuxos do ambiente em que está
Essa obra pareceu-me uma das mais interessan- abrigado. O sistema evolui por meio de estados
tes da exposição. Em uma parede era projeta- locais e do diálogo e translações das informações
do lugar em que se encontra (no caso, o prédio terceira no segundo subsolo – havia três obras.
do Itaú Cultural), que fornecerá os dados de fu- Primeiramente, à direita estava a instalação Você
xos para a instalação: redes internas, rede elétrica, Não Está Aqui de Gisele Beiguelman e Fernando
rede hidráulica, entradas e saídas de pessoas, di- Velázquez. A descrição da obra era a seguinte:
ferentes fuxos de informações que movimentam
diariamente a vida de um edifício. Cada tipo de Você Não Está Aqui discute a paisagem no
dado será representado por um padrão, que será tempo da produção de imagens mediadas por
visualizado como uma constante chuva projeta- dispositivos portáteis, aplicativos de celular,
da na parede da obra e agirá sobre uma ‘criatura’, recursos de geolocalização. Propõe uma experi-
uma espécie de regulador do ecossistema. ência cinemática para a era do “homem sem a
câmera”, na qual o público é convidado a cons-
No dia da visita à exposição, havia poucas truir cidades (ou reeditar os caminhos percorri-
pessoas. Nesses dois primeiros andares, foram dos pelos artistas em diferentes lugares) a partir
menos de dez participantes da exposição. Todos de um banco de dados. A paisagem é visuali-
davam alguma olhada rápida nas obras e não zada num dispositivo de 360º que acompanha
se detinham demoradamente com o intuito de a movimentação dos visitantes, deslocando o
pensar o funcionamento e explorar suas inte- “norte” em função das pessoas e desconstruindo
ratividades. Fotos eram tiradas à vontade e po- a incessante marcação de posicionamento que a
dia andar livremente, falar alto, sem sentir-me cultura dos GPSs tem imposto.
constrangido em momento algum. Não nota-
mos nenhum funcionário de segurança na ex- A instalação era um círculo composto por te-
posição durante minha visita. No dia posterior, las em que eram projetadas imagens de cidades
fui ao MASP12 e em cada corredor estavam po- e havia três ilhas com tablets instalados em cada
sicionados, no mínimo, dois seguranças adver- uma. Ao caminhar pelo círculo, os projetores
tindo qualquer aproximação que eles julgassem moviam-se juntamente e as imagens transfor-
exagerada e que pudesse comprometer a inte- mavam-se. Nos tablets estava aberto um softwa-
gridade das obras. A integridade das obras não re que permitia alterar a localização das imagens
podia ser comprometida na Emoção Art.Ficial. projetadas com algumas grandes cidades. Esco-
Perto de cada instalação, havia dois monitores. lhi primeiramente São Paulo e, depois, Curiti-
Eles estavam indiferentes aos poucos transeuntes ba. Além disso, poderia mudar a saturação e a
que circulavam pela exposição. Durante a visita, temperatura das cores das imagens projetadas
só uma vez uma pessoa se aproximou de um mo- e algumas outras opções que não compreendi
nitor para pedir esclarecimentos sobre a obra. exatamente o signifcado. As fotos mostravam
Cabe destacar que, nesse andar, havia um alguns espaços urbanos aleatórios que não eram
computador localizado em uma das extremi- cartões-postais das cidades escolhidas. Havia a
dades da sala com um questionário elaborado possibilidade de mudar o foco da câmera para
acerca da exposição onde eram apresentadas al- sul, norte, leste ou oeste e também para cima e
gumas sensações para que o interator escolhes- para baixo. A ideia de adentrar o espaço urba-
se dentre elas qual havia sentido. no através da interação com o sistema pareceu
Por fm, no terceiro andar inferior – a ex- muito interessante, entretanto, o sistema era de
posição começava no primeiro andar, a segun- difícil uso e, dessa forma, a exploração da obra
da parte localizava-se no primeiro subsolo e a fcava um pouco comprometida.
mento no ato de fotografar para compartilhar 7. Bits. Ou seja, sequências de zero e um, nas quais um in-
dica presença de sinais elétricos e o zero indica ausência.
em redes sociais. Este formato não coloca a téc-
8. Hipertexto é “um documento em que as operações
nica como algo dado e fnalizado, mas instiga da estrutura interativa estão misturadas com o texto.”
ao uso e à exploração, sem deixar de lado, é (ROSENBERG, 2002, p. 57). O hiperlink é uma co-
claro, as sensibilidades. nexão entre um elemento em um documento hiper-
Somente em 2012, ocorreram, pelo menos, textual, tal como uma palavra, uma frase, um símbolo,
três grandes exposições apenas na cidade de São uma imagem, e algum diferente elemento no próprio
documento, em outro documento, em um arquivo
Paulo, voltadas à arte digital ou com uma grande
ou em um script (Computer dictionary). Infovia é o
seção direcionada a ela. Destacamos novamente caminho percorrido através de hiperlinks. O termo
a exposição Emoção Art.Ficial, que acontece pela carrega uma analogia com uma via física, ou seja, a es-
sexta vez; além do FILE, em sua décima terceira trada que percorre para chegar em determinado lugar.
edição, e a Mostra SESC de Artes 2012. Os dois 9. Telerobotic em tradução livre dos autores.
últimos ocorrem anualmente; o primeiro, bie- 10. BEIGUELMAN, Giselle. Link-se - Arte/Mídia/Políti-
ca/Cibercultura. São Paulo: Petrópolis, 2005.
nalmente; e os dois primeiros são integralmente
11. Comunicação mediada por computador.
voltados à arte digital; o último com um grande 12. Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand.
acervo. Dessa forma, acreditamos na continui- 13. Festival Internacional de Linguagem Eletrônica.
dade da pesquisa, já que as práticas artísticas
digitais estão em crescimento e, juntamente,
uma nova forma de pensar tanto a arte quanto a Referências bibliográfcas
apropriação das tecnologias digitais. ARANTES, Priscila. @rte e Mídia: Perspectivas da Estética
A Fita de Möbius, a colagem de duas ftas Digital. São Paulo: Editora Senac, 2005.
tendo uma delas dobrada ao meio, o objeto que BECKER, Howard S. Mundos artísticos e tipos so-
demonstra instabilidade e confusão entre limites ciais, In: VELHO, Gilberto. Arte e Sociedade: ensaios
é, também, o caractere que representa o infnito. de sociologia da arte. Rio de Janeiro, Zahar Editores,
Da confusão de fronteiras e das partes integran- p. 9-26, 1977.
tes em tal fta, chega-se a problemas e resolu- BEIGUELMAN, Giselle. Link-se - Arte/Mídia/Política/Ci-
ções sem fm. Pensamos, metaforicamente, que bercultura. São Paulo: Petrópolis, 2005.
o ponto no qual a antropologia, a arte e o digital BENJAMIN, Walter. A Obra de Arte na Era de sua Repro-
encontram-se e confundem-se é na conjunção dutibilidade Técnica. IN: _______ Magia e Técnica, Arte
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Recebido em 12/04/2013
Aceito para publicação em 13/01/2014