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Papéis, papéis, papéis, e mais papéis. - argh.

Eu estava me afogando naquelas coisas, como era


possível que surgissem tantos de uma vez só? Começava a acreditar que aquelas coisas tinham
vida. - Pelo anjo! O momento tambem não era um dos melhores, bom... mas nunca era mesmo.
A Clave estava revisando os acordos, retirando cláusulas, adicionando outras e atualizando as
demais, e todos os líderes de institutos tinham sido incumbidos de ajuda-los nessa missão, sobre
tudo aqueles que tinham bom convívio com os seres do Submundo. - Era trabalho para Cristo.
Eu nem lembrava mais quando fora a última vez que estive em rua, parecia que eles queriam me
prender atrás daquela mesa com papeis. Mas eu não os culpava, quem poderia?! Eu não era
mais o mesmo, não depois do que aconteceu, não depois que ela se foi. Se alguma vez eu tinha
sido alguém vivo, tinha sido por ela. Naquelas malditas primeiras semanas eu entrará em um
estado de negação e luto profundo, Alec e Isabele também se sentiam igual, mas empurraram
sua dor para me ajudar a superar a minha, era impossível, é claro, eu estava devastado. Até
Simon se colocou a disposição mesmo sofrendo tanto quanto eu. Eu nunca aceitei, mas me
comovi com a intenção. Eu já tinha aceitado o fato que nada do que eles fizessem mudaria o que
aconteceu.
- Eu nunca vou terminar tudo isso.
Reclamei, batendo com a resma de papeis no tampo da mesa. Uma batida na porta me tirou dos
devaneios, olhei para cima a tempo de ver Myria * entrar. Ela carregava outra pilha de
documentos e sorrio sem jeito para mim, como se estivesse se desculpando. Pedi para que ela se
aproximasse, ela o fez e colocou a pilha em cima da bancada.
- Acho que esses também são seus. - Falou.
Myria tinha chegado recentemente ao instituto, comparado aos outros residentes, 3 anos para
ser exato. Mas era dedicada e aprendia rápido.
- Não acho certo que o melhor caçador de nossa época esteja preso em uma sala escura
cuidando de papeladas, quando poderia estar em ação nas ruas.
Eu dei de ombros.
- Alec e Isabele acham.
Ela assentiu sem se prolongar no assunto, e não se permitiu saciar a curiosidade, era uma das
coisas dela que me agradava. Assim era melhor. Nós ficamos em um silêncio sepulcral. Myria
organizava os documentos na mesa, enquanto eu a observava, os cabelos chocolate estavam
soltos e caiam em frente ao rosto impedindo de enxergar seus olhos castanhos. Ela era bonita
para os padrões sociais, nem tão alto, nem baixa... as vezes quando ela estava próxima a janela e
seu cabelo era iluminado pelos raios do sol, eu quase podia enxerga-los ruivos. Mas era apenas
um jogo de luz confundindo a minha retina. Myria não era Clary.
Myria não me instigava a querer estar perto dela o tempo todo, não tinha a língua afiada ou a
mente a rápida. Ela não era impulsiva e não fazia eu me sentir seguro. Ela nunca seria Clary e eu
não queria que fosse.
Olhei involuntariamente para a foto que me sorria todo dia ao acordar, eu tinha uma cópia para
os lugares aos quais eu permanecia mais tempo. Aquela foto tinha sido tirada quando ela não
prestava atenção, ela sorria enquanto seus cabelos voavam em seu rosto. Era um dia de sol no
Central Park e eu a tinha levado para um piquenique, em um dos raros momentos livres que
tinhamos juntos.
- Ela era muito bonita, deve ter sido uma mulher incrível. - Myria tocou com a ponta dos dedos a
minha mão, seus dedos eram calejados de batalhas vividas.
Não percebi que encarava a imagem, ate sua voz me tirar do transe, eu deveria estar parecendo
obcecado.
Relutante eu tirei os olhos da foto e encontrei íris castanhas no lugar de verdes. Balancei a
cabeça para me concentrar no que quer que eu estivesse fazendo antes de me perder em
lembranças. Myria continuou a falar sobre Clary, eu a interrompi no meio da frase.
- ... Ela era...
Myria me observou silenciosamente, assentiu e voltou a juntar os documentos já analisados,
caminhou com os paipeis na direção dàs gavetas e os adicionou a pilha de outros tantos já
existentes. Ela permaneceu um momento parada, suas costas subindo e descendo em
respirações profundas.
- Eu... eu vou deixar você sozinho.
Assenti mesmo sabendo que ela não conseguia me ver por estar virada. Ela andou hesitante
para porta e parou a poucos centímetros de sair.
- Eu não sei se você sabe, mas se precisar de mim, é só dizer.... qualquer coisa. - A ultima parte
tinha saído como sussurro. E sem esperar pela minha resposta, ela sumiu porta a fora.

***

Mais cedo naquele dia.

- É exatamente disso que eu falo, vocês entendem onde eu quero chegar?


Isabele tinha subido em uma cadeira e defendia com veemência a sua opinião sobre o atual
assunto em pauta, ao seu lado, Simon concordava com a cabeça a tudo que ela falava. Alec e
Magnus discutiam baixo as opções apresentadas. Desde o fim da paz fria, os trabalhos para
reorganizar e tentar gerir as relações entre habitantes do submundo e caçadores de sombra
vinha sendo nosso pior pesadelo, muito pior do que antes. Os caçadores de sombras ainda não
confiavam plenamente nas fadas e elas por si, não ajudavam. O povo gentil tinha sido inserido
novamente nos acordos mas ao que parecia ainda não conquistará a confiança proveniente
disso.
- Poderiamos marcar uma reunião com a rainha...
- Com intermédio de quem? Se eu me lembro bem, Meliorne não caminha mais entre nós.
Como resposta a minha réplica Isabele me lançou um olhar sombrio.
- Podemos mandar uma mensagem direta para ela. Clary faria isso...
Meu peito se apertou com a menção do seu nome, Izzi me olhou se desculpando. Alec e Magnus
pararam de discutir e me observavam cautelosos.
- Jace... eu... droga! Esquece o que eu falei.
A minha irmã tinha o hábito de falar antes de pensar, eu não poderia culpa-lá. Desconsiderei o
comentário com as mãos. Isabele se encolheu e caminhou para o canto oposto do escritório.
Todos se calaram, mal sabiam eles que aquele silencio só piorava o que já estava ruim. Era
sempre assim, desde sua morte, sempre que seu nome era citado, silencio. Era tão estranho
pensar nela assim, sobre tudo quando a única coisa que Clary exaltava era alegria. - bati minhas
mãos juntas e avisei que se aquilo era tudo a ser discutido, precisava ir. Isabele levantou a mão
me parando antes de começar a andar.
- Quero falar com você em particular.
Assenti hesitante já me sentindo derrotado, mesmo que eu quisesse não poderia discutir, não
com a obstinada Isabele.

***

Quando todos já tinham saído do escritório e todos assuntos possíveis haviam sidos discutidos,
Isabele foi ate a adega e tirou de lá um *vinho, pegou também duas taças e ofereceu uma para
mim, eu aceitei e esperei em silencio por qualquer que fosse o assunto a ser tratado, minha irmã
fez questão de prolongar cada segundo antes de falar, mas quando começou só parou para
respirar.
- Eu sei que você ainda sente a morte dela, todos sentimos, mas Jace... não foi você quem
morreu. Você precisa superar.
Eu já tinha ouvido aquele discurso no prazo de *5 anos e não fizera exatamente o efeito
desejado.
- Izzi...
- Não, me deixa terminar. Eu to assistindo você definhar, sozinho. não deixa ninguem se
aproximar.
- Não quero ninguém.
- As pessoas não vivem sozinhas.
- Não estou sozinho, vocês ainda estão aqui, e qualquer coisa eu sempre posso adotar um gato...
gatos são bons, bom... melhores que patos...
- Jace! Você ta delirando.
- Izzi, eu entendo que você está preocupada, mas é sério, eu me sinto ótimo.
- Trancado aqui?
- E não foram você e Alec os responsáveis por essa proeza?
Minha irmã teve a dignidade de parecer culpada, mas logo em seguida desconsiderou meu
comentário com a mão.
- Nós fizemos isso pensando no seu bem estar.
- Me atolar de papelada e trâmites é pensar no meu bem estar?
- Antes você atrás de uma bancada, que se arriscando lá fora.
- Espera! Em que mundo eu vivia que eu achava que era exatamente isso que caçadores faziam?!
- Você me entendeu, sabe muito bem que você nao deixaria passar nenhuma oportunidade de
facilitar sua morte.
Então aí estava, a verdade que tinha sido reprimida por tanto tempo. Isabele me olhava com os
olhos arregalados e o rosto ruborizado, a tempos que eu não a via assim.
- Eu já perdi tanta gente, não queria te perder também.
Algo primitivo do fundo do meu peito, que eu mal lembrava existir se encolheu e eu reprimi a
vontade de abraçar a mulher a minha frente mesmo sabendo que ela odiaria isso.
E me surpreendi ao ser puxado para os braços dela. Sua face tinha trilhas molhadas deixadas
pelas lágrimas derramadas.
- Sinto tanta falta dela, não quero que você se vá.
- Eu também, Izzi, eu também.

***

Aquele dia tinha sido agitado como a muito tempo não era. Do lado de fora das grandes janelas
a luzes de Nova York acendiam a cidade em contraste com a escuridão da noite. A minha frente
ainda tinha uma quantidade infinita de papéis, dos quais eu não tinha mais a pretensão de
trabalhar, o ar antes quente agora esfriava a medida que as horas passavam. Talvez Isabele
estivesse certa, eu precisava de distração, mas eu teria uma?! Que o anjo me ajudasse. Levantei-
me da cadeira, esticando as articulações e músculos, um de cada vez. Caminhei até a porta e
antes de alcançar a maçaneta observei- a suar como um copo de vidro ao entrar em contato com
uma temperatura muito baixa. O frio que eu sentira antes nada tinha haver com a noite, o que
só podia significar uma única coisa. Atividade demoníaca. Coloquei a mão sobre a lâmina
Serafim, observando cada movimento inesperado, me virei devagar fingindo ter esquecido algo.
Olhei para todos os lugares visíveis a olho nu, mas aparentemente estava tudo calmo.
- Pelo Jeito, você é do tipo demônio que gosta de se esconder. Entendi.
E antes que eu pudesse impedir um jarro pequeno voou direto na minha direção, desviei a
centímetros do impacto.
- Ok, vocé quer do jeito difícil.
- Demônio?! Você já me tratou melhor.
Congelei, aquela voz... Aquela voz... não. Deveria ser estratégia da criatura para me
desconcertar, eu não duvidaria, muitos demônios se ultilizavao dos seus mais profundos desejos
para lhe enfraquecer. Meu corpo tremia de raiva, raiva por deixar a mulher que amei se tornar
minha fraqueza, logo ela que me ensinou o poder de amar.
- Jace.
Não, eu não deixaria ele vencer.
- Vou te mandar direto...
- Jace!
E mesmo involuntariamente eu enxerguei sua silhueta na mesa e virei com velocidade naquela
direção, o corpo espectral pulou para longe da minha lâmina. - Espera, corpo espectral? Tinha
algo errado, por quê espectros são....
- Fantasmas!
- Ora veja só, finalmente. Achei que teria que brigar com você até que você percebesse.
- Clary.
Seu corpo pequeno estava sentado nà mesa que a pouco eu quase atingirá, ao redor do seu
espectro tinha um brilho que identificava-a como um ser não pertencente à este mundo, e
iluminava o vermelho dos seus cabelos. Caminhei hesitante até onde ela estava, Clary sorria para
mim.
- É realmente você? - perguntei, ela assentiu. - Como... como é possível?
- Logo você me fazendo essa pergunta?! Você me disse uma vez que Isabele tinha namorado um
fantasma então me diga você a resposta.
Eu estava atônito, não sabia o que fazer, como fazer, quando fazer. Eu não entendia o que estava
acontecendo. Clary pareceu perceber o meu estado e se adiantou em tentar me explicar.
- Me desculpe... eu não deveria ter aparecido assim... eu..
- Você... morreu. Você morreu a anos.
- Jace.
- Mas você está aqui, agora.
E antes que eu pudesse me impedir me vi caminhando mais para perto dela, Clary tinha sua face
manchada com lágrimas. E eu me peguei querendo conforta-lá, dizer que estava tudo bem, mas
não estava. Ela ergueo as mãos na minha direção e eu toquei seus dedos, e logo em seguida
afastei-me assustado, como era possível.
- É possível, requer muito esforço e prática, mas ainda assim é possível de ser feito.
Voltei a toca-lá e era... Tão real, se não fosse aquela áurea amarelada não teria como saber que o
ser a minha frente estava morto. Clary segurou firme a minha mão entre as suas e puxou meu
corpo de encontro ao seu. E então era como se ela nunca tivesse ido, meus braços se encaixaram
no seu corpo pequeno, ela suspirou e se aconchegou ainda mais no meu abraço, e mais uma vez
eu tinha a mulher da minha vida. Clary ainda estava presa no meu aperto quando falou
finalmente, sua voz saiu abafada devido a posição em que se encontrava.
- Jace, eu não posso ficar muito tempo.
Apertei com mais força o seu pequeno corpo, ela tentou se afastar e eu relutante a soltei.
Clary me olhava melancolica.
- Eu ainda estou morta, mas você não. E foi por isso que eu vim até aqui. Jace, eu não planejei
isso, mas aconteceu. E nós não podemos mudar o passado, mas você pode transformar seu
futuro....
- Tem livros de auto-ajuda no céu?!
- Jace! É muito mais doloroso para mim falar isso, mas você precisa me ouvir. Auto-ajuda ou não,
é a realidade. Você precisa seguir em frente.
- Clary...
- Não, espera. Eu não terminei de falar... vamos por as coisas no seu termo. Acha justo que todo
esse pedaço de mal caminho, sejá desperdiçado?! Quantas mulheres não gostariam de ter um
pedacinho de você? Aquela garota mesmo, Mary.

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