Você está na página 1de 2

SILVA, Fernando T. Valentia e cultura do trabalho na estiva de Santos. In: BATALHA, C.

;
SILVA, F. T.; FORTES, Alexandre (org.). Culturas de classe. Campinas: Ed. da Unicamp,
2004.
Lucas Brito Santana Da Silva
Disciplina: Projetos Integradores 4

Em seu trabalho, Silva estuda a cultura portuária de Santos, as formas de organização


social dos indivíduos, principalmente os estivadores, o processo de construção identitária, os
acontecimentos políticos e econômicos que deram delinearam os movimentos da História nessa
região.
Ao tratar da identidade dos estivadores, o autor apresenta duas abordagens opostas nos
estudos que se desenvolveram sobre esses indivíduos. A primeira apontaria para uma cultura
portuária que é caracterizada pela “selvageria”, onde teríamos um agrupamento humano pouco
coeso, permeado por violência, competitividade exacerbada, politicamente desinteressados;
homens em estado de natureza, conforme Thomas Hobbes, homens a quem falta a mão de um
soberano para conter suas vicissitudes. A segunda enxergaria esses indivíduos como formando
um grupo social coeso, marcado pela homogeneidade comportamental e axiológica. Seriam
uma classe, uma classe-para-si se tomarmos a terminologia do velho Marx; aqui reinaria a
solidariedade, ações políticas contra os abusos que a classe sofresse... Silva classifica essa
abordagem de idílica, pois inconforme com a realidade histórica.
Em contrapartida a essas duas visões, Silva propõe uma terceira, que não parte de
nenhuma generalização apriorística sobre a composição de uma cultura portuária que poderia
ser estendida sem maiores considerações sobre o “bloco histórico”, para usar uma expressão
gramsciana, em que ela se desenvolve; lembrando que, na direção de pesquisas recentes, o autor
mantém algumas generalizações, porém com as devidas ressalvas. Na perspectiva do autor, e
como sustenta a sua pesquisa, os agrupamentos humanos compostos pelos trabalhadores
portuários são diversificados. Diversificação que vai das etnias aos trabalhos e funções que se
desenvolvem no porto; a divisão social do trabalho aí desenvolveria uma estratificação social
singular.
No primeiro momento, para analisar as identidades dos estivadores, o autor parte de
duas categorias morais: valentia, orgulho, virilidade, coragem. Para Silva, essas categorias
desempenhariam um papel central na conformação dos indivíduos nas posições de poder, como
no caso de instituições como o sindicato e nas funções de mando, mas também na formação da
identidade pessoal e social, sendo esta última mais trabalhada no presente trabalho. Além de
serem categorias que determinantes na formação das identidades dos portuários santistas, elas
são reativas às próprias atividades desempenhadas, um trabalho pesado e extenuante, para o
qual os indivíduos tem que ser másculos, “homens bruto”; ai a violência verbal, as chacotas e
xingamentos, a violência física, as intimidações e brigas, assumem valores mais ou menos
positivos, e muitas vezes é a partir disso que se alcança respeito e honra. Devendo estes ser
preservados e as afrontas recebidas devolvidas, sob a pena de estar moralmente manchado.
O recorte temporal estudado por Silva vai, principalmente, da década de 20 à de 50 do
século XX. Nos anos 20, a situação dos trabalhadores portuários de Santos era de conflito, a
maioria dos trabalhadores envolvidos na estivagem era irregular, eram trabalhadores que se
viam como independentes e trabalhando para si mesmos, sem patrão; algo de que muitos se
orgulhavam, e fato que vai muito influenciar para o desenvolvimento de sindicatos mais tarde.
As relações de trabalhos, neste momento, estavam atravessadas por uma política clientelista e
de favoritismo, o que tornou muitos contramestres privilegiados e desencadeou uma profunda
desigualdade nas oportunidades de trabalho, que por sua vez deflagrou tentativas de combater
os privilégios e os abusos desses últimos. Nessas tentativas de contenção do poder que
atravessava alguns, o sindicato teve papel de maior importância, a exemplo da sindicalização
SILVA, Fernando T. Valentia e cultura do trabalho na estiva de Santos. In: BATALHA, C.;
SILVA, F. T.; FORTES, Alexandre (org.). Culturas de classe. Campinas: Ed. da Unicamp,
2004.
forçada de alguns contramestres, obrigando-os tanto quanto possível aos regulamentos
sindicais.
Silva aponta a importância de se analisar a situação de mercado da época, para uma
maior compreensão. Uma das questões principais observados pelo autor é conflito entre uma
empresa privada do porto de Santos e os incipientes sindicatos. Essa empresa queria o
monopólio do fornecimento dos serviços de estivagem, e para atrair clientes muitas vezes
barateava-se a mão de obra oferecida, ao ponto dos trabalhadores independentes e os que
estavam sob tutela dos sindicatos estarem a receber uma média salarial de 25% a mais. Os
movimentos da história, a partir dessa situação, vão na direção de uma insurreição da instituição
sindical, que também angariou o monopólio do fornecimento do trabalho dos estivadores,
conseguindo-o ao longo das décadas de lutas, não sem seus próprios problemas e conflitos
internos.
Os solavancos da história dos trabalhadores portuários de Santos foram alimentados, em
parte, pela natureza do trabalho, no caso dos estivadores, um trabalho ocasional. O que
dificultou o desenvolvimento de uma classe, no sentido marxista. E, também, essa
ocasionalidade não era tomada exatamente como algo ruim pelos trabalhadores, em parte a
independência e o orgulho que muitos sentiam são devidos a esse traço essencial desse trabalho.
Conforme o sindicato vai criando força e se estabelecendo, o cenário do porto vai
sofrendo algumas transformações. Ao conseguir o monopólio, ou parte dele, o sindicato
desenvolve políticas para o combate da desigualdade de oportunidades de trabalho. Algo que
num primeiro momento foi difícil, visto que algumas funções centrais ficavam a cargo de uma
mesma pessoa, ao mesmo tempo se era fiscal, diretor do sindicato e contramestre, tal situação
levou a abusos de poder, e mesmo manutenção da desigualdade; daí uma estranheza, e denúncia
por alguns, do status patronal que o sindicato ganha. Uma dessas políticas era uma espécie de
rodizio, onde, em seu auge, todos os trabalhadores conseguiam trabalho e se alternavam no tipo
de trabalho a ser desempenhado por cada um, tornando-se possível que um estivador
desempenhasse o papel de contramestre.
Apesar desse fortalecimento do sindicato, da melhoria das condições de trabalho,
algumas vezes ele foi impotente; em especial nas crises de emprego, sendo a mais grave delas
a da grande depressão de 1929. E para além das conjunturas do mercado, Silva aponta a
importância fundamental das conjunturas políticas no desenrolar da realidade histórica do
porto, a exemplo da homologação feita por Getúlio Vagas a respeito do monopólio da mão de
obra pelo sindicato.
A despeito do porte que os sindicatos dos trabalhadores portuários vão tomando, em
algum momento há uma retração da ação sindical em relação a classe patronal. É um momento
onde se considera que uma frente mais agressiva seria prejudicial ao proletário portuário, é um
momento de ações conciliatórias. A principal preocupação era manter os direitos conquistados
durantes as décadas de lutas, como os rodízios, responsáveis pelo apaziguamento das
desigualdades de oportunidades de trabalho. Silva conclui apontando o desenvolvimento do
agrupamento humano responsável pelos trabalhos portuários, agora um grupo social e uma
classe-para-si, onde aspectos como ações coletivas, solidariedade, fraternidade, estavam
sensivelmente desenvolvidos, ainda que não de forma idealista.

Você também pode gostar