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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL


CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA
PROFA: Natalia Pietra Méndez

Resumo sobre o tópico Nacionalismo e Estados Nacionais

A formação dos estados modernos deve ser buscada, em primeiro momento, no


início de um processo de centralização política decorrente da formação dos Estados
Absolutistas. Na Idade Média, o poder político era descentralizado. A partir da crise do
sistema feudal, a intensificação do comércio, o ressurgimento ou formação das cidades e a
fragilidade da autoridade dos senhores feudais frente aos camponeses apresentaram-se
como desafios. A formação de um exército real (quebrando a antiga relação com os
cavaleiros feudais e seus exércitos particulares), o estabelecimento de impostos únicos
(como a taille em França - 1439), são alguns exemplos que indicam, ainda no século XVI, a
configuração de Estados. A crise do sistema feudal foi contornada através de um processo
de unificação e centralização política que deu origem às primeiras formas de Estados
Modernos.
A exemplo do que ocorreu na Espanha, França e Inglaterra, os estados absolutistas
representaram o que Perry Anderson chamou de "protoestados" modernos. Para o autor, a
formação destes estados não tinha como objetivo a formação de uma nação, com o
entendimento que posteriormente este conceito adquiriu em meados do século XIX.
Em síntese, os primeiros estados modernos careciam do nacionalismo, fenômeno que
surgiu no contexto das transformações do capitalismo industrial.
Conforme Hobsbawm, os Estados-nações são uma experiência histórica recente, que
se constituem a partir da soberania, o território coerente, definido pela área ocupada pelos
membros da "nação", que por sua vez se assenta na identificação de um passado e cultura
comuns, composição étnica e, com crescente importância, a língua. (HOBSBAWM,
1995:127-128).
Para Benedict Anderson, nação, nacionalidade, nacionalismos são conceitos de
difícil definição devido à insuficiência de teorias plausíveis que os expliquem. (2008:28).
De acordo com o autor, não se pode considerar o nacionalismo como ideologia. Ele propõe
pensar o conceito como uma comunidade política imaginada, resultado dos sistemas
culturais que o precederam:

(...)porque mesmo os membros da mais minúscula das nações jamais conhecerão,


encontrarão, ou sequer ouvirão falar da maioria dos seus companheiros, embora
todos tenham em mente a imagem vida da comunhão entre eles.(...) ela é
imaginada como uma comunidade porque, independentemente da desigualdade e
da exploração efetivas que possam existir dentro dela, a nação é sempre
concebida como uma profunda camaradagem horizontal. (ANDERSON,
2008:32-35)

Ainda de acordo com Anderson, a nação é (erroneamente) concebida como um


organismo sociológico, uma comunidade sólida que atravessa cronologicamente um tempo
vazio e homogêneo, percorrendo constantemente a história, seja em sentido ascendente ou
descendente. (ANDERSON, 2008: 56)
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Eric Hobsbawm afirma que todos os critérios utilizados para definir o conceito de
nação (associados a território, língua, cultura, história comum, sentimento...) são ambíguos,
mutáveis, opacos e inúteis. (1990: 15) Todavia, destaca alguns elementos para avaliar o
surgimento das nações e dos nacionanismos:
1) A nação pertence a um período particular e historicamente recente. Ela é uma entidade
social apenas quando relacionada a uma certa forma de Estado territorial moderno, o
"Estado-nação".
2) O nacionalismo vem antes das nações e as nações não formam os Estados e os
nacionalismos, mas sim o oposto;
3) As nações existem também no contexto de um estágio particular de desenvolvimento
econômico e tecnológico;
4) Nações são fenômenos duais, construídos essencialmente pelo alto, mas que, no
entanto, não podem ser compreendidas sem ser analisadas de baixo (pessoas comuns
que são o objeto de sua ação e propaganda)
5) O desenvolvimento de nações e do nacionalismo em Estados longamente estabelecidos
como a Grã-Bretanha e a França não foi estudado intensivamente, embora hoje chame a
atenção.

Ainda conforme Hobsbawm, as concepções liberais de nação tomaram como ponto para
identificar se um povo poderia ou não ser classificado como tal a partir de três critérios:
1) Sua associação histórica com um Estado existente ou com um Estado de passado
recente e razoavelmente durável
2) Existência de uma elite cultural longamente estabelecida, que possuísse um vernáculo
administrativo e literário escrito. (Alemanha e Itália).
3) Capacidade para a conquista.

Sobre a Existência de protonacionalismos populares Hobsbawm afirma que a


vinculação a um Estado histórico (ou real), presente ou passado, pode agir diretamente
sobre a consciência de pessoas comuns para produzir um protonacionalismo - ou talvez até
algo próximo do patriotismo moderno, como no caso da Inglaterra Tudor. Entretanto, onde
existem ou parecem existir continuidades entre protonacionalismos, elas são muito
artificias. Como exemplo, o autor destaca a falta de continuidade histórica entre o
protonacionalismo judaico e o sionismo moderno. (HOBSBAWM, 1990: 102)
Ao longo do séc. XIX foram se intensificando os contatos entre população e Estado
através de uma máquina administrativa desenvolvida ( carteiro, policial, guarda, professor,
estradas de ferro, quartéis). O habitante do território, paulatinamente, vai se transformando
no cidadão da nação.
No contexto de transformações decorridas do capitalismo industrial surgiu a
carência por novas formas de estruturação das relações sociais. Nesse contexto, as culturas
nacionais, segundo HALL(2006:49) representam uma forma distintivamente moderna: “a
lealdade e a identificação que, numa era pré-moderna ou em sociedades mais tradicionais,
eram dadas à tribo, gradualmente, nas sociedades ocidentais à cultura nacional.” Assim, o
Estado-nação passou a funcionar como amálgama capaz de abrigar sob o seu manto
diferenças regionais e étnicas.
Hall destaca ainda o caráter híbrido das nações e da identidade nacional e defende
seu ponto de vista com base em alguns argumentos:
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1) A maioria das nações consiste de culturas separadas que só foram unificadas por um
longo processo de conquista violenta que resultou na supressão forçada da diferença
cultural. “Como observou Ernest Renan, esses começos violentos que se colocam
nas origens das nações modernas têm, primeiro, que ser „esquecidos‟, antes que se
comece a forjar a lealdade com uma identidade nacional mais unificada, mas
homogênea”. (HALL, 2OO6: 59-60)
2) As nações são sempre compostas de diferentes classes sociais e diferentes grupos
étnicos e de gênero. O autor exemplifica citando o caso nacionalismo britânico
moderno, resultado de um esforço coordenado para unificar as classes ao longo de
divisões sociais, ao oferecer-lhes o “pertencimento comum à família da nação.”
Sobre a “generificação” das identidades nacionais, ilustra lembrando que os valores
da inglesidade são fortemente associados ao masculino. (HALL, 2OO6: 60-61)
3) As nações ocidentais modernas também foram centros de impérios ou de esferas
neoimperiais e exerceram uma hegemonia sobre as culturas dos colonizados.

Conforme o exposto até o momento, a historiografia dedicada ao estudo da questão


nacional e dos nacionalismos tem estado atenta ao conjunto de elementos materiais e
simbólicos que tornaram viável a “invenção da nação”. Diante disso, cabe recordar as
palavras de HOBSBAWM:

(...)as nações modernas, com toda sua parafernália, geralmente afirmam ser o oposto do
novo, ou seja, estar enraizadas na mais remota antiguidade, e o oposto do construído, ou
seja, ser comunidades humanas, “naturais” o bastante para não necessitarem de
definições que não a defesa dos próprios interesses. (1997:22)

O período revolucionário europeu (1789-1848) foi também o da ascensão dos


nacionalismos em suas diversas manifestações. Como ressalta Le Goff, instaura-se uma
cultura de comemorações e festividades nacionais inaugurando uma tradição de caráter
conservador:

Se os revolucionários querem festas comemorando a revolução, a maré da


comemoração é, sobretudo, um apanágio dos conservadores e ainda mais dos
nacionalistas, para quem a memória é um objetivo e um instrumento de governo. Ao
14 de julho republicano a França católica e nacionalista acrescenta a celebração de
Joana d'Arc. A comemoração do passado atinge o auge na Alemanha nazista e na Itália
fascista. (1990: 464)

As relações das nações modernas com a Revolução Francesa podem ser


identificadas tanto na ascensão da ideia de nação durante o processo revolucionário quanto
no despertar do nacionalismo em diversos territórios europeus frente às invasões
napoleônicas levadas a cabo na primeira década do século XIX. Cabe lembrar que
Napoleão Bonaparte estendeu os domínios franceses à quase totalidade da Europa
continental, na forma de anexação e de alianças. Assim, a ideia de uma nação soberana no
modelo francês se espalhou pelos territórios dominados e dependentes, entre eles, partes
importantes da Itália (Gênova, Roma, Córsega), Prússia e Império Austríaco.
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Referências Bibliográficas:

ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do


nacionalismo. São Paulo: Cia das Letras, 2008.

ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado Absolutista. São Paulo: Brasiliense, 1995.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.


11ªed.

HOBSBAWM, E. Nações e nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade. Rio de


Janeiro: Paz e Terra, 1990.

____________. A era do capital: 1848-1875. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. 5ª Ed.

HOBSBAWM, E; RANGER, T. (Org) A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e


Terra, 1997.

LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas, SP: Editora Unicamp, 1990.

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