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Em países islâmicos, economia e religião se

misturam
Larissa de Souza Garcia, jornalista

Proibidas pelo Alcorão, práticas como cobrança de juros e especulação não


são aceitas pelos bancos de países islâmicos. Eles também não financiam
produção de álcool e de tabaco.

No mundo mulçumano, os princípios islâmicos – chamados de Sharia –


ultrapassam as decisões pessoais: a religião tem forte influência também na
política e na economia. Para adaptar o sistema financeiro ao Alcorão, os
bancos localizados nesses países seguem diretrizes diferentes das adotadas
no Ocidente. A usura (ou Riba), por exemplo, é proibida. E, em consequência,
não é permitido cobrar juro por empréstimo. A alternativa encontrada pelas
instituições foi financiar projetos e receber parte dos lucros, como parceiros de
negócios. Para muitos, a primeira impressão é de que este modelo estaria
fadado ao fracasso. O segmento, entretanto, cresceu em grandes proporções
nos últimos anos.

Durante a crise econômica internacional de 2008, as instituições financeiras


islâmicas registraram crescimento de dois dígitos. De acordo com o Thomson
Reuters Islamic Finance Development Indicator (IFDI), divulgado no início do
mês, a taxa de evolução desses bancos foi de 16% entre 2008 e 2012. No final
de 2013, as instituições mulçumanas somavam US$ 1,2 trilhões em ativos. "A
estimativa é de que esse montante chegue a algo em torno de US$ 3 trilhões
até 2018, impulsionado principalmente pelo avanço de mercados da Malásia,
Indonésia, Turquia e dos países-membros do Conselho de Cooperação do
Golfo (GCC - sigla em inglês)", destaca Emmy Abdul Alim, editora da parte de
finanças islâmicas da Thomson Reuters e autora do livro “Global Leaders in
Islamic Finance: Industry Milestones and Reflections” ("Líderes Globais em
Finanças islâmicas: Marcos da Indústria e Reflexões" em tradução livre).

Os empréstimos pessoais, embora não sejam tão praticados no mundo


islâmico, também são feitos sem taxas de juros: o devedor só é obrigado a
retornar o montante emprestado. No entanto, o cliente pode, a seu critério,
pagar uma quantia extra para além do montante principal do empréstimo (sem
prometê-lo), como um sinal de apreço ao credor – o que geralmente ocorre.
Taxas operacionais também são, eventualmente, cobradas. No caso de
financiamento de veículos e imóveis, os bancos compram o bem e o revendem
para o interessado com valor maior, só que parcelado – uma forma de lucrar
sem cometer o pecado da usura.

Além da proibição da cobrança de juros, a especulação também não faz parte


do sistema. "As transações financeiras e econômicas devem ser apoiadas por
ativos reais. Isso significa uma ligação direta entre o sistema bancário islâmico
e a economia real, produtiva. Além disso, o sistema financeiro islâmico não
pode negociar ou lidar com produtos e atividades que são consideradas
inadmissíveis no Islã, como o álcool, tabaco, pornografia e armas", explica a
especialista.

O sistema financeiro islâmico é relativamente novo, iniciado na década de


1970. "À época, a indústria, ainda prematura, buscava crescimento e a maioria
dos produtos bancários foram réplicas dos convencionais, mas reestruturados
para aderir aos princípios islâmicos. À medida que o setor se desenvolveu e
ganhou mais confiança, criou-se um crescente apelo para o afastamento dessa
abordagem, para abraçar o verdadeiro espírito e a essência dos ensinamentos
e valores do Islã", completa Emmy.

Para Faleel Jamaldeen, professor de finanças islâmicas na Effat University,


localizada na Arábia Saudita, e autor do livro "Islamic Finance for Dummies"
("Finanças Islâmicas para Leigos" em tradução livre), o segredo do sucesso
deste sistema é baseado nos riscos das operações, que são mais baixos que
nos bancos convencionais. "Por conta do lucro compartilhado, a ameaça de
perdas é bem mais baixa. Além disso, países ricos do Oriente Médio estão
apostando nesses bancos", salienta.

Integração
Os bancos islâmicos tem demonstrado lucros consistentes, o que fez com que
bancos tradicionais abrissem as portas para produtos que seguem os princípios
da Sharia. Atualmente, existem 411 bancos islâmicos no mundo, de acordo
com o IFDI. Desse total, 39% são bancos convencionais que abriram uma
janela para produtos adaptados ao Alcorão. Esse sistema pode ser encontrado
em 60 países, que operam paralelamente aos bancos tradicionais. "Como os
bancos islâmicos reagiram à crise melhor que os convencionais, mostrou-se ao
mundo como uma alternativa viável. Há uma movimentação entre economistas
para a necessidade de afastamento da forte dependência de operações de
transferência de risco com base em dívida, que provocaram a crise. É aí que o
sistema mulçumano entra", frisa Emmy, da Thomson Reuters.

"Há muitos países onde os bancos tradicionais implementaram o sistema


financeiro islâmico e foram bem sucedidos. O Reino Unido, por exemplo,
introduziu o sistema em 2004 e agora existem sete bancos islâmicos operando
por lá. A maioria dos países do Oriente Médio, que eram dominados por
bancos tradicionais, substituíram por instituições islâmicas por conta da
demanda. Países como a Tailândia e Cingapura já introduziram o sistema
bancário islâmico", ressalta Faleel.

Marcos Pimenta, do Depef, esteve em um evento sobre finanças islâmicas em


maio deste ano, realizado na Malásia, o MNM-MTCP Fundamentals of Islamic
Finance. "Este é um modelo novo. Ainda temos muito preconceito com relação
às ideias mulçumanas, mas é importante conhecer e estudar um sistema e
avaliar porque está crescendo tanto, principalmente porque desperta o
interesse de grandes instituições", diz.

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