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e o Vento
5 0 a n o s
Projeto O TEMPO E O VENTO: 50 ANOS
O Tempo
e o Vento
5 0 a n o s
IlustraçÕES:
Ficha catalográfica
T288
O Tempo e o Vento : 50 anos / organização Robson Pereira
Gonçalves ; ilustrações João Luiz Roth. - - Santa Maria, RS :
UFSM ; Bauru, SP : EDUSC, 2000.
320 p. : il. ; 23 cm
CDD B869.309
No Galope do Tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
Robson Pereira Gonçalves
Posfácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 315
José Mindlin
“Naquele mesmo dia, cerca de três da tarde, armou-se um desses rápidos mas violentos temporais de
verão. O céu cobriu-se de nuvens cor de ardósia, a atmosfera se tornou opressiva e, sob o calor que
a umidade agravara, não só as pessoas como também a cidade inteira parecia ter adquirido uma
flacidez de papelão molhado.”
O Arquipélago - Encruzilhada
No Galope do Tempo
Erico Verissimo
Do vento
autores deste livro, tem como missão filtrar o silvo das ventanias
e, com certeza, apostar no galope das idéias. Vale dizer, a gesta e
a saga que fundam a formação do povo rio-grandense ainda con-
tinuam a fecundar a meditação sobre o vir-a-ser desta província.
O projeto deste livro também tem uma história. A virtualida-
de dessa narrativa aponta para identificações, para nomes e para
desejos. Reza a lenda que a paternidade não seja jogada ao ven-
to, sintoma do que não permanece, do que é levado ao léu. Essa
lembrança aponta para um poema de Alberto Caeiro, de resto
uma ficção de Fernando Pessoa, em seu livro O Guardador de Re-
banhos, que indicava a mentira como sucedâneo do diálogo com
o vento. Caeiro, o poeta renovador do paganismo moderno, con-
diciona a sensação da Natureza como de ordem sígnica de prazer
e de sentido. Nessa esteira, o vento, parte integrante da natureza,
é colocado no mesmo patamar daquele que tem as sensações ver-
dadeiras: o guardador de rebanhos. Assim, a sensação da nature-
za é parte integrante e fundante de todo o ato poético. Na obra
de arte pode-se perceber, com uma certa claridade, essa constru-
ção de gozo, mas de um gozo de um saber insabido, por isso a
construção de sentido, pela falsidade do diálogo com o vento,
não aponta para a constituição de um sujeito. Trata-se do Poema
X daquela obra, onde citamos: O vento só fala do vento./O que lhe
ouviste foi mentira,/E a mentira está em ti.1 Na condição de que é ne-
cessário afirmar que a efemeridade ou mesmo o esvanecimento
das ventanias, ou ainda, de uma rêverie inconseqüente, não foi o
planejado, é que se toma a metáfora para superar as coisas não
1. PESSOA, Fernando. Obra Poética. Rio de Janeiro, José Aguilar, 1974, p. 213. Para se ter uma no-
ção exata do desassossego pessoano, transcrevemos o poema:
Do tempo
* Escritor, jornalista.
“Sentou-se no banco debaixo dum dos pessegueiros. O sol se havia escondido por trás da torre da
Matriz, e uma sombra morna e trigueira cobria o quintal. Temperava o ar a fragrância veludosa dos
pêssegos maduros, mesclada com a das madressilvas e dos jasmineiros.”
O Arquipélago - Encruzilhada
SAGA FAMILIAR E HISTÓRIA POLÍTICA
Regina Zilberman*
Guimarães Rosa1
Desde os gregos
1. ROSA, João Guimarães. Tutaméia. Terceiras estórias. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1968. p. 3.
2. Cf. ARISTÓTELES. Poética. Porto Alegre: Globo, 1966.
26 O tempo e o vento • 50 Anos
3. Id. ibid.
saga familiar e histÓria política 27
Até os gaúchos
7. MARTIUS, Karl Friedrich Philipp von. Como se deve escrever a História do Brasil. Revista do Ins-
tituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro 6 (24) : 389 - 411. Janeiro de 1845.
34 O tempo e o vento • 50 Anos
8. Em outro estudo, examinamos como a tomada de Santa Fé implica o sacrifício da própria des-
cendência de Licurgo, com a morte da filha, Aurora. V. ZILBERMAN, Regina. Do mito ao roman-
ce. Tipologia da ficção brasileira contemporânea. Caxias do Sul: Universidade de Caxias do Sul;
Porto Alegre: Escola Superior de Teologia, 1977. V. também ZILBERMAN, Regina. “O tempo e o
vento: história, mito, literatura”. Nova Renascença. Porto: Fundação Eng. Antônio de Almeida, XV
: 341 - 363. Primavera/Verão de 1995.
saga familiar e histÓria política 35
9. VERISSIMO, Erico. O Continente. Porto Alegre: Globo, 1949. p. 65. As demais citações provêm
dessa edição.
36 O tempo e o vento • 50 Anos
10. Licurgo foi o lendário legislador de Esparta, tendo vivido supostamente no século IX a. C. Cre-
dita-se a ele o fato de ter organizado a cidade como uma nação de soldados. Plutarco, em Vidas
paralelas, conta sua biografia.
38 O tempo e o vento • 50 Anos
11. Em O Diabo e a Terra de Santa Cruz, Laura de Mello e Souza indica como as condições em que se
deu a colonização no Brasil dos primeiros séculos favoreceram o fortalecimento de uma visão
mágica do mundo e da natureza. Cf. SOUZA, Laura de Mello. O Diabo e a Terra de Santa Cruz. 5.
reimpressão. São Paulo: Cia. das Letras, 1995.
saga familiar e histÓria política 39
12. Relativamente ao conceito de mito, v. ELIADE, Mircea. Mito y realidad. Madrid: Guadarrama,
1968. ___. El mito del eterno retorno. Madrid: Alianza, 1972. ___. Tratado de história das religiões.
Lisboa: Cosmos, 1977. ___. O sagrado e o profano. Lisboa: Livros do Brasil, s.d..
40 O tempo e o vento • 50 Anos
Dei tudo que tinha pros Farrapos. Meus sete filhos. Meus sete ca-
valos. Minhas sete vacas. Fiquei sozinha nesta casa com um
gato e um pintassilgo. E Deus, naturalmente. (p. 299)
João Caré anda sozinho, de pés no chão, quase nu, mal tapan-
do as vergonhas com um chiripá esfarrado. No inverno, quando
o minuano sopra, ele cava na terra uma cova e se deita dentro
dela. Quando a fome aperta e não há nada para comer, João
Caré mastiga raízes, para enganar o estômago. E quando o de-
sejo de mulher é muito, ele se estende de bruços no chão e refoci-
la na terra. (p. 149)
da PUC-RS.
“Junho entrou com fortes geadas. Um velho morador de Santa Fé garantiu: Vamos ter um inverno
brabo.”
O Retrato - Chantecler
O Continente: um Romance de
Formação? Pós-Colonialismo e
Identidade Política
1. Noutra parte do esboço, acrescenta-se um oitavo episódio, tambérm elegíaco, politizado e mais
extenso, intitulado “A torre”.
2. A indicação se refere ao número de catálogo da Classe Esboços e Notas do Acervo Literário de
Erico Verissimo – ALEV), sediado no Centro de Pesquisas Literárias da PUCRS, endereço eletrô-
nico: www.pucrs.br/letras/pos/acersul/ericoverissimo.
O continente: um romance de formaçÃO? 47
3. No Acervo Literário de Erico Verissimo, as obras do autor são mencionadas através de siglas.
Na Bibliografia final deste ensaio, após a referência aos textos do escritor, aparecem as respec-
tivas siglas.
50 O tempo e o vento • 50 Anos
pampa com suas coxilhas varridas pelos ventos não passa de pano
de fundo para a solidão radical de Pedro Missioneiro, de Ana Ter-
ra ou do aventureiro Capitão Rodrigo. A cidade de Santa Fé, mô-
nada que figura tantos povoados inaugurais do território brasilei-
ro, reduz-se a alguns poucos prédios, todos descritos em função
de acontecimentos do enredo, deles sobressaindo o Sobrado,
muito mais uma alegoria da vida doméstica e do lugar social de
seus moradores do que obra de arquitetura interiorana.
Assim como as personagens são descritas com poucos tra-
ços, os mais significativos para suscitar as ações que praticam,
do mesmo modo o espaço diegético é apenas sugerido, acen-
tuando seu potencial simbólico. Por isso, alguns acessórios,
como o punhal de Pedro, herdado do Pe. Alonzo, um quase as-
sassino penitente, a tesoura de Ana, que corta os cordões umbi-
licais e libera novas vidas, a roca de Bibiana e sua cadeira de ba-
lanço, dois momentos simbólicos do percurso de sua domestici-
dade no romance, e a vela de Maria Valéria, a iluminar não só
os desvãos do Sobrado, mas os do caráter dos homens de Licur-
go, tornam-se significantes fortes, inseparáveis da caracteriza-
ção dos sujeitos que os utilizam.
Por outro lado, a obra investe no tempo, não só o da narra-
ção, com sua inversão e rupturas, mas o do mundo narrado, cuja
duração é pulsante como as vidas que o habitam. Lidando alter-
nadamente com momentos de conflito e intensidade dramática
e momentos de pausa, de espera estática, também simetricamen-
te proporcionados, a que os segmentos dedicados aos Carés pro-
longam, o autor consegue representar os séculos percorridos pe-
las gerações dos Terra-Cambarás com renovado suspense. Desde
a guerra entre portugueses e espanhóis pelas missões jesuíticas,
passando pela ocupação do território pelos imigrantes paulistas,
o surgimento dos coronéis terratenentes, as guerras cisplatinas,
a imigração alemã, as guerras contra a monarquia brasileira,
contra Rosas e contra o Paraguai e chegando aos tempos da Abo-
62 O tempo e o vento • 50 Anos
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
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der. London: Routledge, 1995.
BORDINI, Maria da Glória. Criação literária em Erico Verissimo. Porto Alegre: L&PM ,
1995.
CANDIDO, Antonio. Erico Verissimo de Trinta a Setenta. In: CHAVES, Flávio Loureiro
(Org.) O contador de histórias: 40 anos de vida literária de Erico Verissimo. Porto Ale-
gre: Globo, 1981.
CHAVES, Flávio Loureiro. Erico Verissimo: realismo e sociedade. Porto Alegre: Globo,
1978.
CHIAPPINI, Ligia. Tal campo, tal cidade: a fundação da regionalidade na obra de Eri-
co Verissimo. Nova Renascença, Porto, n. 57-58, p. 299-340, primavera-verão 1995.
LUKÁCS, Georg. A teoria do romance. Tradução por Alfredo Margarido. Lisboa: Presen-
ça, [19_ _ ].
SAID, Edward. The world, the text, and the critic. London: Faber and Faber, 1984.
SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Can the subaltern speak? In: ASHCROFT, Bill, GRIF-
FITHS, Gareth, TIFFIN, Helen (Eds.) The post-colonial studies reader. London: Rou-
tledge, 1995. p.24-28.
VERISSIMO, Erico. O Arquipélago. Porto Alegre: Globo, 1981. (Obra Completa de Erico
Verissimo, 13-14).v.1, 2 e 3. (ARQ1, ARQ2 e ARQ3).
___________ . O Continente. Porto Alegre: Globo, 1981. (Obra Completa de Erico Veris-
simo, 13-14).v. 1 e 2. (CON1 e CON2).
___________ . O resto é silêncio. Porto Alegre: Globo, 1981. (Obra Completa de Erico Ve-
rissimo, 11) (RES).
___________ . Solo de clarineta. Porto Alegre: Globo, 1981. (Obras Completa de Erico Ve-
rissimo, 26-27). v.1 e 2. (SOL1 e SOL2)
ZILBERMAN, Regina. O Tempo e o Vento: história, mito, literatura. Nova Renascença, Por-
to, n. 57-58, p. 341-363, primavera-verão 1995.
F l á v i o L o u r e i r o C h av e s *
Lélia Almeida*
Marilene Weinhardt*
Soluções Estéticas
Sentidos da História
4. LINS, Álvaro. Sagas de Porto Alegre. In: Os Mortos de Sobrecasaca. Porto Alegre, Mercado Aberto,
1981, p. 43.
5. CARPEAUX, Otto Maria. Erico Verissimo e o Público. In: O Contador de Histórias. Porto Alegre, Glo-
bo, 1972, p. 39.
O tempo e o vento como romance histórico 113
Orlando Fonseca*
1. VERISSIMO, Erico. O Tempo e o Vento. Porto Alegre: Globo, 1985, v. 2: O Retrato, p. 4. Todas as re-
ferências à obra serão retiradas desta edição, mencionadas no corpo do texto, seguidas apenas
do número da página.
2. FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1995, p. 385.
O r e t r ato e a i d e n t i d a d e 119
1 – A moldura
3. BORDINI, Maria da Glória. Criação literária em Erico Verissimo. Porto Alegre: L&PM/EDIPUCRS,
1995, p. 136.
4. idem, ibidem.
O r e t r ato e a i d e n t i d a d e 121
5. SEVERIANO, J. & MELLO, Zuza H. de. A canção no tempo – 85 anos de músicas brasileiras. vol. 1.
São Paulo: Editora 34, 1997, p. 284.
6. LOPEZ, Luiz R. História do Brasil contemporâneo. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987, p. 44.
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cesso transcorreu num clima de tensão, uma vez que alguns es-
tados formaram a “reação republicana” para garantir a candida-
tura de Nilo Peçanha, contra o candidato governista, Arthur
Bernardes, que acabou vencendo as eleições. Embora o poder
civil tenha explorado ao máximo o descontentamento dos mili-
tares para atacar o governo, foi da parte dos militares que a rea-
ção teve conseqüência efetiva: em julho de 1922 aconteceram
diversas revoltas patrocinadas pelos jovens oficiais, fazendo sur-
gir o “tenentismo”, cuja representante histórica mais ilustre é a
famosa “Coluna Prestes” de 1924.
Em 26, assumiu Washington Luís, no último conchavo vito-
rioso da política café-com-leite. Este, no entanto, não conseguiu
solucionar os graves impasses da conjuntura nacional; o Partido
Comunista teve uma atuação importante às vésperas da Revolu-
ção de 30. Em meio às crises, era intensa a articulação política:
em São Paulo, criou-se o Partido Democrático, reunindo seto-
res da burguesia e classe média, com um programa de reformas
liberais; no Rio Grande do Sul, Getúlio Vargas patrocinou um
acordo entre o Partido Libertador e o Partido Republicano, o
que se demonstrou importante para os eventos que levaram à
Revolução de 30.
Em plena campanha eleitoral, a crise mundial de 1929 le-
vou o setor cafeeiro, endividado, a apelar para o governo, que
preocupado com seu plano de estabilidade cambial, recusou
ajuda, gerando um descontentamento nos produtores paulistas.
Embora a ala política tradicional tivesse aceitado a derrota, uma
geração de políticos novos, tendo à frente Getúlio Vargas, Flo-
res da Cunha, Osvaldo Aranha, Lindolfo Collor, e outros, can-
sada das fraudes eleitorais, decidiu impedir à força a posse, mar-
cada para novembro daquele ano, do candidato oficial, Júlio
Prestes, eleito em março de 1930. Reforçada pela adesão dos te-
nentes, a revolta teve como base um movimento regional, par-
tindo do Rio Grande do Sul, Minas e Paraíba, na qual se deu o
124 O tempo e o vento • 50 Anos
11. Cf. ZILBERMAN, Regina. “O Tempo e o Vento: história, mito, literatura”. In: Discurso histórico e
narrativa literária. Campinas: Editora da UNICAMP, 1998, p. 142.
12. idem, ibidem, p. 144.
13. Cf. TODOROV, Tzvetan. Teorias do símbolo. Lisboa: Edições 70, 1977, p. 203-223.
126 O tempo e o vento • 50 Anos
2 – O retrato
Tens cinco anos menos que eu, rapaz, mas não te invejo, porque
estás preso nessa tela e eu estou livre, e vivo, compreendes? Livre
e vivo! E, caso ainda não saibas, comunico-te que Toni é minha.
E que pretendo romper com o Partido e com o Senador. Daqui por
diante sou um homem novo. O que vai acontecer não sei, nem
quero saber, só sei que vai ser divertido. (p. 552)
3 – A identidade
15. CHAVES, Flavio L. Erico Verissimo: realismo & sociedade. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1981, p. 80.
O r e t r ato e a i d e n t i d a d e 135
ses animais não vêem que está escrito no caixão. Frágil! Frágil!
(...) Mas não sabem ler. São analfabetos, irresponsáveis. Este
país está perdido”. Ao ver que a música da outra face do disco
era Miserere, fica ainda mais furioso: “Miseráveis! Cretinos! O
Brasil não tem mais compostura. Só o Mal. Hermes. É o que
este país merece.” (p. 209)
Pelo que se pode observar, não é exatamente movido por
um senso cívico que Rodrigo toma decisões políticas, nem se-
quer por um bairrismo, no que diz respeito à sua relação com a
comunidade local, santa-fezense. Diante da indagação do pai
quanto à eficácia de sua campanha civilista pelo jornal, manifes-
ta uma crença ingênua na retórica panfletária: “Claro que es-
tou. Se não estivesse, o jornal nasceria morto”. (p. 199), defen-
dendo uma posição nacional na defesa do candidato à presi-
dência. No entanto, algumas páginas adiante, já revela o verda-
deiro sentido de sua militância: “Sim, era médico e pretendia
levar a sério a profissão, cumprir à risca o voto de esculápio.
Mas o que interessava no momento - empurrando a medicina
para um plano inferior - era sua luta contra o Trindade”. (p.
229,230) A compreensão da missão política de Rodrigo decorre
de sua experiência a partir de Santa Fé, a qual, em muitas oca-
siões, serve de referência para o julgamento do quadro nacio-
nal. Ao ver uns cavaleiros chegando do interior para as eleições,
condicionados pela orientação do Intendente a votar no candi-
dato governista, Rodrigo, da janela de sua casa, indignado, mur-
mura: “Isto é um país de botocudos. Só a bala!” (p. 288) A mes-
ma avaliação, do local para o nacional, procede no caso em que
ele socorreu uma pessoa, e tomou partido desta, em razão de a
mesma ter sido agredida ao dar um “viva” ao candidato Rui Bar-
bosa: “Vejam o que o beleguim fez neste pobre homem! Isso
não pode ficar assim. Vou mover um processo contra o bandi-
do. Que país é este em que a polícia em vez de ser uma garan-
tia de vida é um elemento de terror?” (p. 170) Mais adiante, ao
O r e t r ato e a i d e n t i d a d e 139
missão política condicionada por sua vida pessoal, o que lhe in-
funde caráter muito peculiar e ambíguo com a conjuntura. Ao
assumir o seu papel de dono do Sobrado, manifesta o interesse
de fazer modificações: “Se dependesse de mim – murmurou Ro-
drigo – eu tirava também aquele retrato do Júlio de Castilhos da
parede do escritório (...) Não é que eu não admire o homem...
Mas acontece que esse retrato tem qualquer coisa de cemitério,
de mausoléu. Temos de alegrar esta casa. Precisamos de cor!”
(p. 298) Para efetivar a sua vontade, revela sua preferência por
elementos estrangeiros: “Estava pensando em quadros com mu-
lheres nuas – nus artísticos, naturalmente – reproduções de
obras de pintores famosos como Rubens, Ticiano, Manet, Re-
noir... Ah! Como ele gostaria de ter no Sobrado as sugestivas
pinturas de Toulouse-Lautrec, tão típicas da galante vida pari-
siense!” (p. 298)
Toda essa contradição e espírito oportunista pode ser enfa-
tizado pelo modo como Erico retrata a relação de Rodrigo com
o senador Pinheiro Machado. Quando este visitou Santa Fé,
sentiu-se orgulhoso desfilando com o mesmo pelas ruas da cida-
de, às vistas de todos, ainda que ficasse em dúvida com a tenta-
tiva do senador em neutralizar a sua ação local, lisonjeando-o
com a perspectiva de uma carreira nacional, “em páreos mais
importantes”:
4. Conclusão
16. Palavras de Erico: “nunca morri de amores pelo regionalismo e, para ser sincero, tinha e ainda
tenho para com esse gênero literário as minhas reservas, pois acho-o limitado e, em certos ca-
sos, com um certo odor e um imobilismo anacrônico de museu”. Solo de clarineta. Porto Alegre:
Globo, 1974, p. 288.
17. Idem, ibidem, p. 306.
144 O tempo e o vento • 50 Anos
21. “A história, com tudo o que desde o início ela tem de extemporâneo, sofrido, malogrado, se ex-
prime num rosto, não, numa caveira”. idem, ibidem.
“A paisagem era civilizada, mas os homens não. Tinham rudes almas, sem complexidade, e eram
movidos por paixões primárias.”
O Continente – A Teiniaguá
A Imigração Alemã em
O Tempo e o Vento
Lúcio Kreutz*
1. A este respeito veja-se estudos de Epstein, Sutton, Blumer, apud Pujadas (1993).
a imigração alemã em o tempo e o vento 151
2. Veja-se a respeito HALL, Stuart. Identidades culturais na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A
Ed., 1997.
3. Veja-se estudos de Seyferth em relação à forma como foi se constituindo a reconfiguração étnica
entre teuto-brasileiros.
152 O tempo e o vento • 50 Anos
4. Viotti da Costa (1977); Bruit (1982); Schorer Petrone (1982) e Diegues Júnior (1960;1976), entre
outros, também tratam da questão do número de imigrantes para o Brasil. Alertam que não se tem
estatística exata a respeito e que os números devem ser tomados como aproximação. Carneiro diz
que os dados levantados por ele talvez não contemplem o número total de imigrantes, mas que em
todo caso não pecam por exagero.
a imigração alemã em o tempo e o vento 153
Aquilo era até bonito (...) Era bom a gente ver aquelas gentes de
pele clara e roupas de muitas cores inclinadas a virar a terra,
com a cara escondida pela sombra dos chapéus. (...) Toda a fa-
mília tinha parado de trabalhar, voltava-se para Rodrigo e, ti-
rando os chapéus, acenava-lhe (...) E de repente, sem ele mesmo
saber por quê, sentiu um nó na garganta e uma vontade de cho-
rar. Ficou com raiva de si mesmo e meio ressentido com aquela
‘alemoada do diabo.’ (O Continente, p. 254/5).
Duns anos pra esta parte, tem chegado também muito italiano.
Se empoleiraram na serra, porque a alemoada, que chegou pri-
meiro, pegou os melhores lugares na beira dos rios. Já andei por
essas novas colônias da região serrana. A fala deles tem música
e é doce como laranja madura e meio parecida com a nossa. Gos-
tam de comer passarinho, de fazer e beber vinho, de cantar, de
ouvir missa de padre e de procissão. (O Continente, p. 489).
Os imigrantes alemães e
sua participação política
Esses sim é que são felizes. Não sabem o que está se passando e,
se vier a guerra, não terão nada a ver com ela, porque são es-
trangeiros”. Outro felizardo era o Erwin Kunz (...) “passava os
dias a fazer lombilhos e a bater a sola, enquanto a mulher e a fi-
lha faziam doces e cucas cujo cheiro apetitoso o padre às vezes
sentia ao passar pela casa do seleiro. (O Continente, p. 256).
Indicações finais
Bibliografia
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________. O narrador como testemunha da História. Zero Hora, Porto Alegre, 18 set.
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a imigração alemã em o tempo e o vento 179
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ZILBERMAN, Regina. A literatura no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado Aberto,
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“Uma geração vai, e outra geração vem; porém a terra sempre permanece. E nasce o sol, e põe-se o
sol, e volta ao seu lugar donde nasceu. O vento vai para o sul, e faz o seu giro para o norte; continua-
mente vai girando o vento, e volta fazendo seus circuitos.”
Eclesiastes - I, 4-6
OLHAI O QUE O TEMPO NÃO LEVOU.
A Literatura de Erico Verissimo
Introdução
13. Passados mais de sessenta anos do primeiro livro de Erico Verissimo, sua obra permanece atual,
pois continua sendo referência de leitura, tanto para alunos como para professores, tendo sido
indicada recentemente como leitura da Biblioteca Básica para a formação do Professor Leitor, onde
consta a trilogia - O Tempo e o Vento. Folha Proler. Rio de Janeiro, ano III, n°7, julho de 1999.
14. SCHOPENHAUER, Arthur. Op. cit. p. 43.
15. Para Chartier, a noção de apropriação é útil: porque permite pensar as diferenças na divisão, porque pos-
tula a invenção criadora no próprio cerne dos processos de recepção. Uma sociologia retrospectiva, que du-
rante muito tempo fez da distribuição desigual dos objetos o critério primeiro da hierarquia cultural, deve ser
substituída por uma outra abordagem, que centre sua atenção nos empregos diferenciados, nos usos contras-
tantes dos mesmos bens, dos mesmos textos, das mesmas idéias. CHARTIER, Roger. História Cultural. p.
136.
16. Para Calligaris, falar ou escrever de si é um dispositivo crucial da modernidade, uma necessidade cultu-
ral, já que a verdade é sempre e prioritariamente esperada do sujeito - subordinada à sua sinceridade. CAL-
LIGARIS, Contardo. Verdades de Autobiografias e Diários Íntimos. p. 45.
17. GONDRA, José G. A Exibição do Privado. p. 1.
186 O tempo e o vento • 50 Anos
22. Neste texto, consideramos a leitura como um dos processos de socialização, que juntamente com
a função estética tem também uma função pedagógica. A literatura e a leitura como dispositivos
sociais formadores de seus leitores. FREITAG, Bárbara. O indivíduo em formação. p. 10.
188 O tempo e o vento • 50 Anos
lho assuntos que não conhecia, e livros de que apenas ouvira fa-
lar. Sabia de cor versos de poetas brasileiros, portugueses e france-
ses. Lia com delícia Guerra Junqueiro (Quantas vezes o ouvi reci-
tar O MELRO!). Devorava As farpas, de Ramalho Ortigão e Eça
de Queirós. Conhecia toda a obra do autor de Os Maias. Gostava
das crônicas mordazes de Fialho de Almeida. Era íntimo de Her-
culano, Camilo, Garret, Antonio Nobre e Antero Quental. Conhe-
cia muito bem a História de Portugal. Admirava a Inglaterra,
mas seu amor, esse ele reservava para a França. Tomara uma as-
sinatura da revista parisiense L’Illustration. Sua biblioteca crescia
aos poucos. Creio que chegou a ter mais de dois mil livros - isso em
Cruz Alta, na primeira década deste século. Lembro-me de nomes
que eu via em letras douradas na lombada dos volumes ricamen-
te encadernados em couro: Chateaubriand, Lamartine, Taine, Re-
nan, Victor Hugo, Nietzche, Goethe, Tolstoi, Zola, Stendhal, Flau-
bert, Balzac... Numa outra estande não menos pesada alinha-
vam-se brochuras impressas em papel gessado - novelas galantes de
boulevard - com ilustrações em que se notavam ainda influências
de Toulouse-Lautrec.
23. Em 11 de outubro de 1905, surgia no Brasil a primeira publicação de estórias em quadrinhos infantil - O Tico-
Tico -, publicada pela Editora S.A O Malho. Além de história em quadrinhos, a revista publicava estórias em
textos, biografias, folclore, poesias e brincadeiras. PRADO, Maria Dinorah Luz. A Literatura Infantil de
Erico Verissimo. p.11
olhai o que o tempo não levou 189
24. Margarida Pardelhas foi aprovada em concurso público urbano a que se submeteu em fevereiro
de 1904, sendo nomeada para reger a segunda classe complementar, seção feminina do Colégio
Distrital de Cruz Alta. Com esse colégio foi extinto, passou a assumir a 6ª aula mista de 2ª entrân-
cia de Cruz Alta. Em 14 de maio de 1913 foi designada para servir no Colégio Elementar de Cruz
Alta, acumulando a função de diretora. Completou 30 anos de serviço em 31 de dezembro de
1934, passando a atuar no Grupo de Navegantes. Diretoria Geral da Instrução Pública. Almanck
Escolar do Estado do RGS. 1935. Porto alegre: Livraria Selbach, 1935. p. 81.
192 O tempo e o vento • 50 Anos
Quem com ferro fere com ferro será ferido. Na aula Eugênio sen-
tiu-se humilhado como um réu. Na hora da tabuada a professo-
ra apontava os números no quadro-negro com o ponteiro e os
alunos gritavam em coro. Dois e dois são quatro! Três e três são
seis! E o ritmo desse coro lembrava a Eugênio a vaia do recreio.
Calça furada-dá.
25. Para Goulemot, no diário o autor manifesta sua consciência, sua visão privilegiada por ser comum
e exterior aos fatos, sua vontade de salvar do esquecimento o que viu, escutou ou ouviu dizer. Nes-
sa prática, o sujeito que escreve se coloca como o fundamento da verdade daquilo que enuncia. O
que garante a veracidade do conteúdo do diário paradoxalmente pertence ao não público, ao pri-
vado e ao íntimo, (...) a esse olhar individual, à margem, quase secreto, lançado sobre as coisas e o
mundo. GOULEMOT, J.M. op. cit. p.392. Para Calligaris, os conteúdos do diário são invariavelmen-
te afirmações da substancialidade de quem escreve. (...) de um diário o indivíduo espera identida-
de, significação e valor. CALLIGARIS, Contardo. Verdades de Autobiografias e Diários Íntimos. p. 50.
26. Os romancistas e a crítica de 30 compartilham a evolução da literatura infantil brasileira. O crescimento quan-
titativo da produção para crianças e a atração que ela começa a exercer sobre escritores comprometidos com a
renovação da arte nacional demonstram que o mercado estava sendo favorável aos livros. Essa situação rela-
ciona-se aos fatores sociais: a consolidação da classe média, em decorrência do avanço da indústria e da mo-
dernização econômica e administrativa do país, o aumento da escolarização dos grupos urbanos e a nova po-
sição da literatura e da arte após a revolução modernista. Há maior número de consumidores, acelerando a
oferta. LAJOLO, M. e ZILBERMAN, R. Literatura Infantil Brasileira. p. 47.
27. Recentemente, o Ministério de Educação divulgou a lista de títulos considerados indispensáveis
em bibliotecas de escolas públicas selecionados entre autores nacionais e clássicos da literatura
para crianças. Nesta lista não consta nenhuma obra de literatura infantil de Erico Verissimo. ZERO
HORA. Caderno de Cultura. Porto Alegre, 6 de março de 1999.
28. Para Filipouski e Zilberman esse tipo de literatura tem a função de fornecer informação científi-
olhai o que o tempo não levou 195
ca, moralizante e fantástica, ensinando divertindo. Também, essa produção age como um exercício
preparatório para a vida futura, nos quais a criança adquire noções primárias sobre o meio ambiente através
de uma efabulação com contornos dramáticos que, mesmo possuíndo índole fantástica, volta-se para o real. FI-
LIPOUSKI, Ana Maria e ZILBERMAN, Regina. Erico Verissimo e a Literatura Infantil. p.58-59.
29. LAJOLO, M. e ZILBERMAN, R. op. cit. p. 79.
30. No Prefácio, encontramos referência que a obra de Conan Doyle - O Mundo Perdido -, “fêz que -
sendo já adulto - meu interesse por aqueles monstros pré-históricos revivesse. Procurei dar neste
livro destinado a leitores de todas as idades - leigos como eu na matéria - um história compreen-
siva daqueles truculentos habitantes do mundo antediluviano. Tratei de açucarar a pílula, envol-
vendo a narrativa nos véus do romance e por sinal romance folhetinesco ao qual não faltam o mo-
cinho, a mocinha e nem mesmo o homem mau detentor duma hipoteca...”
196 O tempo e o vento • 50 Anos
René E. Gertz*
tária em 1940 ainda era mais numerosa no Sul, com 2.695 indi-
víduos com curso superior, contra 2.138 no Norte, e nesse sen-
tido os diálogos de O Arquipélago – mesmo desconsiderando fa-
tores culturais – soariam deslocados na região colonial.
A religiosidade do mundo gaúcho tradicional certamente
não era muito intensa. O “ciclo de Vargas”, no entanto, coinci-
de com um movimento nacional de renovação do catolicismo e
com desafios representados pelo ingresso de confissões protes-
tantes de origem não-imigrantista. E diante desse quadro estru-
tura-se no Rio Grande do Sul uma Igreja Católica fortemente
marcada por traços coloniais – o que não é necessariamente a
mesma coisa que alemão ou italiano: a liberal madre superiora
do colégio de Santa Fé viera da Alemanha, já o vigário era de
“origem” alemã. D. João Becker governava desde 1912 a arqui-
diocese de Porto Alegre, permanecendo nela até sua morte, em
1946. Na década de 1920, o encontramos tentando ampliar sua
influência política, candidatando-se a mediador do conflito de
1923. Em 1929, iria colocar um de seus mais estreitos colabora-
dores, monsenhor Nicolau Marx, numa cadeira da Assembléia
de Representantes, de cuja tribuna sairia em defesa da candida-
tura de Getúlio Vargas em 1930, contra as acusações de ateísmo
positivista formuladas por grande parte do clero do restante do
país. Além de Marx, a equipe em torno do arcebispo incluía
nomes como José Barea e Vicente Scherer. Das 47 funções pas-
torais de Porto Alegre em 1940, 30 estavam ocupadas por pa-
dres de sobrenome alemão ou italiano. No restante da arquidio-
cese, 101 do total de 119 paróquias eram presididas por padres
de sobrenome alemão ou italiano.
É, porém, ao nível da política – para os historiadores, o
mais imediato e cambiante – que se destaca com intensidade
não só a percepção, mas também a pesquisa histórica de Erico.
É natural que nem toda a história política do romance seja uma
história “verdadeira” – o autor mistura personagens e fatos fic-
o c i c lo d e va r g a s s e g u n d o v e r i s s i m o 203
1. NAVARRO, Rául, Béjar; CAPELLO, G. Héctor Manuel. Bases teóricas y metodológicas en el estudio de
la identidad y el carácter nacionales. Cuernavaca: Universidad Autónoma de México, 1990. p. 24.
2. VERÍSSIMO, Erico. Ana Terra. 9 ed. Porto Alegre: Globo, 1977.
208 O tempo e o vento • 50 Anos
9. O padre Carlos Teschauer. S.J. publicou, em 1818, o primeiro dos três volumes da sua HISTÓ-
RIA DO RIO GRANDE DO SUL DOS DOUS PRIMEIROS SÉCULOS, a qual pode ser classifica-
da como integrante da vertente hispânica. (nota nossa)
10. JAEGER, P. Luis Gonzaga, S. J. Aurélio Porto e sua história das Missões Orientais do Uruguai -
Prólogo da segunda edição.In: PORTO, Aurélio. História das Missões Orientais do Uruguai – 1ª
parte. Porto Alegre: Selbach, 1954, p. 5 e 6.
216 O tempo e o vento • 50 Anos
T e ó f i lo Oto n i Va s c o n c e lo s Tor r o n t e g u y *
A Trama Ficcional
Dona Bibiana pediu que o neto deixasse aquela china. Ele pen-
sou, e sua vontade era outra. Alice, sua prima, tinha dotes para
ser uma boa dona de casa. Ele a considerava bonitinha. Com
a a b o l i ç ã o d a e s c r avat u r a a s e r v i ç o d a r e p ú b l i c a 221
certeza, ela daria uma boa esposa e boa mãe. Olhava Alice com
respeito, pois logo ela seria sua esposa. Mas, ele não conseguia
deixar de pensar em Ismália. Licurgo amava aquela chinoca
que nunca havia lhe pedido nada e que nada esperava dele.1
1. VERÍSSIMO, 1987:591.
2. VERÍSSIMO, 1987:565.
222 O tempo e o vento • 50 Anos
5. TORRONTEGUY, 1994:134.
6. VERÍSSIMO, 1987:630.
7. VERÍSSIMO, 1987:631.
224 O tempo e o vento • 50 Anos
A Trama Política
8. IANNI,1987:23 e 24.
226 O tempo e o vento • 50 Anos
9. VERÍSSIMO, 1987:273.
10. VERÍSSIMO, 1987:584.
11. VERÍSSIMO, 1987:586.
12. VERÍSSIMO, 1987:568.
a a b o l i ç ã o d a e s c r avat u r a a s e r v i ç o d a r e p ú b l i c a 227
Introdução
A Leitura do Espaço
Literatura e História
5. MARCEL, Odile, -Formes Urbaines et Littérature. In: Le Courier du CNRS-La Ville N.81/1994 p.123.
236 O tempo e o vento • 50 Anos
6. PESAVENTO, S.p15 O Imaginário da Cidade-Visões Literárias do Urbano. Porto Alegre: Ed. da Uni-
versidade, UFRGS 1999, p. 12.
7. RICOEUR, Paul. Tempo e Narrativa. S.Paulo: Papirus, 1998. p. 329.
a r e p r e s e n ta ç ã o d o E s pa ç o n a o b r a d e e r i c o v e r i s s i m o 237
8. BAZCKO, op.cit.
9. idem, op. cit. p. 309.
a r e p r e s e n ta ç ã o d o E s pa ç o n a o b r a d e e r i c o v e r i s s i m o 239
O Tempo e o Vento
saparece, e nada faz crer que um dia isso possa acontecer. Pelo
contrário, seu processo de evolução urbana é contínuo come-
çando na formação do povoado, chegando a condição de vila,
cabeça de comarca e depois a cidade, indo até o término da his-
tória em 1945 nesta condição, mas já delineando algumas ten-
dências para o futuro.
O espaço, colocado como um elemento incessante no de-
senrolar da trama, funcionará como a base articuladora dos
acontecimentos do início ao fim do romance. A evolução urba-
na de Santa Fé está colocada, portanto, sempre relacionada à
formação da família protagonista central da história. Aliás, o que
justifica o desenvolvimento urbano é justamente o desenvolvi-
mento dos Terra ou Terra Cambará, como justificam as fases:
I - Antecedentes - 1754-1804
Ordeno a Vmcê que faça medir com brevidade meia légua de ter-
reno no lugar onde pretendem formar a povoação, contendo des-
de o ponto em que desejam ter a capela, um quarto de légua na
direção de cada rumo cardeal, em rumos direitos de Sul a Norte
e de Leste a Oeste.22
Amarais, para acabar caindo de borco no meio da rua com a cara me-
tida numa poça de sangue, morte essa assistida por Bibiana das ja-
nelas do Sobrado.
Antes já teria havido um enforcamento na praça assistida de
camarote, por quem quisesse, através das janelas da sala do So-
brado. Esses fatos tornarão a acontecer com o cerco do sobrado
em 1895, e o Sobrado como protagonista se tornará revelador.
Depois da Guerra contra Rosas e da Guerra do Paraguai,
que Licurgo esperava poder alcançar, assim que completasse 18
anos, mas que terminou antes que o fizesse, uma certa paz per-
mitiu o desenvolvimento da vila que a conduziu, no fim do pe-
ríodo, à duas grandes comemorações: à elevação da vila à cida-
de e ao casamento de Licurgo Cambará com sua prima Alice,
neta de Juvenal, irmão de Bibiana.
Conclusão
As narrativas não têm vida própria, senão as que servem para ex-
plicar a trajetória de Rodrigo Cambará, mostrando como era e em
que se transformou. Além disso, o romance centraliza na biografia
do protagonista, substituindo a composição centrífuga, de O Con-
tinente por uma seqüência centrípeta, cujo eixo é o líder dos Cam-
barás, impedindo que cada parte assegure para si a autonomia
narrativa.38
38. ZILBERMAN, Regina. O Tempo e o Vento: História, Mito, Literatura. In: LEENHARDT, Jacques
e PESAVENTO, Sandra J.(orgs). Campinas: Col. UNICAMP, 1998, p. 142.
258 O tempo e o vento • 50 Anos
Santa Fé, que era menina, agora se faz moça. E nós, que a ama-
mos e nos envaidecemos dela, apresentamo-la ao mundo e excla-
mamos: Vede como cresceu nossa menina, como se fez tão gracio-
sa e bela.39
Para o ano de
1899
por Andrey Rosenthal Schlee*
Ao leitor
A Direção
262
Enquanto não houve autoridades civis era o Maj. Amaral quem aco-
modava todas as questões, pois os habitantes da povoação, os da campa-
nha e até os padres, submetiam-se ao seu parecer conciliador e discreto.
Como dizia o Pe. Atílio Romano: Santa Fé é obra de muitos homens,
de muitas famílias e principalmente uma dádiva do Todo-Poderoso!
duas longas asas e nas mãos um arcabuz. Deus botou também na testa da
noite um lunar como o de São Sepé.
267
Poesia I
forro artesoado, ladeado por quatro pequenos escritórios, dois de cada
lado. O porão repete a mesma distribuição, só que os escritórios dão lu-
gar às celas.
269
rigido pelo Dr. Manfredo Fraga; e O Democrata, órgão oficial do Parti-
do Republicano, dirigido pelo Dr. Toríbio Rezende.
Agora sou ordenança
De toda moça bonita...”
271
Poesia II
FATOS CURIOSOS
Medicina Caseira
que o marido deve respeitar religiosamente. Também ela deve estar con-
victa, que será severamente castigada e terá em conseqüência graves
doenças nervosas e nos órgãos sexuais.
A bem da saúde aconselhamos as mulheres e as moças, que lavem
suas partes íntimas duas vezes por semana com água morna.
Poesia III
andar superior ficam os dormitórios e no pavimento térreo, a sala prin-
cipal, o escritório, a sala de jantar, a cozinha e a despensa.
Lendas da Província
Então disse Jesus:
— Jamais te sairá do corpo o poncho que possuis, ainda
que morras de calor.
Poesia IV
Autor desconhecido
277
CALENDÁRIO DE SANTA FÉ
1889 – República
1893 – 1895 – Guerra civil Rio-Grandense
278
O Clima
Eclipses
17 de dezembro – parcial da lua, central em Cabo Verde
Poesia V
neira de trajar, quer por sua capacidade de recitar versos, quer por seus do-
tes artísticos e musicais (era capaz de tocar cítara). Foi casada com o Sr. Bo-
lívar Cambará.
Dr. Carl Winter, médico alemão, natural de Eberbach, formado pela
Universidade de Heidelberg. Embora vivendo em Santa Fé desde 1851,
nunca abandonou os hábitos europeus, principalmente no que diz respeito
ao modo de vestir. Seu conhecimento na área da medicina e seu caráter
distintivo fizeram com que a sociedade local o aceitasse com grande rapi-
dez. Homem de grande cultura, tocava violino e dominava o francês. Foi o
responsável pela fundação e organização da Banda de Música Santa Cecília.
Licurgo Cambará, filho único de Bolívar Cambará e de Luzia da Silva.
O mais importante membro do Partido Republicano de Santa Fé, do qual
foi fundador juntamente com o bacharel bahiano Toríbio Rezende. Aboli-
cionista ferrenho, quatro anos antes da assinatura da Lei Áurea, libertou os
seus escravos dando exemplo à toda sociedade local. Durante três dias de ju-
nho de 1895, em nome dos ideais republicanos, juntamente com sua famí-
lia e agregados, esteve sitiado em seu Sobrado pelas forças federalistas.
AS RAÇAS HUMANAS
Encontram-se ainda, na América do Norte, vestígios de outra raça que
diminui cada dia, e talvez haja de desaparecer em breve. Os indivíduos que
a compõem são designados sob o nome de Peles-Vermelhas.
Poesia VI
O PRESTIGIO DA ARTE
proprietário da estância São Sebastião em Uruguaiana, acompanhado de
seu filho (retornando de um período de estudos no Rio de Janeiro).
Livros
José Antônio do Valle, “Minas de Prata”, de José de Alencar e “Auras do
Sul”, de Lobo da Costa.
284
Poesia VII
Autor desconhecido
Erico Verissimo
Vitor Biasoli
288 O tempo e o vento • 50 Anos
breve crônica duma editora de província 289
II
Deve ter sido lá por 1923 que comecei a prestar uma aten-
ção especial à Livraria do Globo, através dos raros livros que ela
publicava. Claro, eu os achava um tanto provincianos, quando
os comparava às edições européias ou mesmo às que se faziam
no Rio de Janeiro e São Paulo, onde Monteiro Lobato já havia
começado a sua notável revolução editorial.
Em matéria de edições a Livraria do Globo deve tudo quan-
to fez na década de 20 a Mansueto Bernardi, poeta e prosador,
que exercia então na Casa as funções de orientador intelectual.
Tinha ele o seu “reino” no famoso “primeiro andar”, onde se
encontravam livros e revistas estrangeiros, em sua maioria im-
portados da França, da Espanha e da Itália. O inglês era então
uma espécie de língua vagamente bárbara. Quanto ao alemão,
na capital dum Estado de forte imigração teutônica, era natu-
ral que houvesse livrarias especializadas na venda de livros nes-
sa língua. Os intelectuais da cidade costumavam reunir-se, a cer-
tas horas do dia, no “salão” de Mansueto Bernardi. Ocasional-
mente ali aparecia um que outro literato de alheios climas, que
era devidamente festejado.
Nascido em Treviso, Itália, Mansueto viera muito menino
para a nossa terra, e se naturalizara brasileiro. Falava um portu-
guês sintaticamente correto, até com um certo sabor castiço,
mas pronunciava as palavras à maneira nítida e quadrada dos
gaúchos, e havia em sua voz uma certa musiquinha italiana, que
ele haveria de conservar até o dia de sua morte. Era uma figura
esguia, de rosto anguloso e lábios finos, desses que a gente en-
contra freqüentemente em quadro de pinturas italianas. Ocor-
re-me agora que, com um turbante na cabeça, Mansueto bem
poderia ser um doge de Veneza retratado por Giovani Bellini.
292 O tempo e o vento • 50 Anos
breve crônica duma editora de província 293
III
IV
VI *
* Optamos por inserir aqui o número VI (que se repete na página 10 do original), em função da
seqüência da crônica. (N. E.)
304 O tempo e o vento • 50 Anos
breve crônica duma editora de província 305
VII
Erico Verissimo
“Na verdade o que lhe disse foi simplesmente:
– Aqui estão finalmente os originais de meu décimo quarto romance.”
Breve Crônica duma Editora de Província
POSFÁCIO
José Mindlin
Formato 16 x 23 cm
Mancha 25 x 42 paicas
Tipologia New Baskerville (texto)
Trajan (Títulos)