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Star Wars - A Armadilha Do Paraíso - A. C. Crispin PDF
Star Wars - A Armadilha Do Paraíso - A. C. Crispin PDF
livro é dedicado à minha amiga Thia Rose. Quando nós tínhamos 12 anos,
juramos que seríamos melhores amigas para sempre...
EDITORA ALEPH
Agradecimentos
Han lembrou que Teroenza tinha dito que seu povo vinha de Nal Hutta, o
planeta natal dos Hutts, mas não tinha percebido naquele momento que isso
significava que havia Hutts vivendo em Ylesia. Quando questionado, Muuurgh
confirmou que tinha visto vários dos “mestres-lesmas que se movem no ar”,
como ele os chamava.
Existe apenas um motivo para que os Hutts estejam aqui, pensou Han. Eles
são os verdadeiros mestres de Ylesia. Afinal, eles dominam o negócio de
contrabando de especiarias...
O almoço estava bom, mesmo que nada imaginativo e (para o gosto de Han)
um tanto insosso. Ainda assim, o ser responsável pela cozinha não era nenhum
amador. O pão ázimo era muito bom, pensou Han enquanto mastigava um
pedaço de pão alderaaniano. Percebeu de súbito, com uma pontada de dor, que já
fazia quase um dia que não pensava em Dewlanna. Isso o fez se sentir
vagamente desleal, mas então ele recuperou o autocontrole. Dewlanna não ia
querer que Han ficasse todo choroso e deprimido por causa dela. Sempre tinha
curtido a vida e não esperaria que Han agisse de forma diferente só porque ela se
fora...
Han voltou de seu devaneio e se deparou com Muuurgh o observando com
curiosidade.
– Piloto está pensando em alguém distante – comentou o Togoriano,
acenando com o osso que tinha acabado de roer. Ainda havia alguns pequenos
fragmentos de carne, mas Muuurgh tinha feito um trabalho impressionante,
pensou Han. Tinha que aproveitar cada pedacinho, pois era necessária muita
carne crua para sustentar aquele corpo imenso.
– É verdade – concordou Han com um suspiro. – Alguém tão distante quanto
se poderia estar.
– Piloto tem namoradinha?
Han balançou a cabeça.
– Bem, houve algumas garotas aqui e ali – admitiu –, mas ninguém especial.
Não, estava pensando na pessoa que mais ou menos me criou.
Muuurgh tomou um longo gole de alguma bebida espumante numa caneca.
– Humanos criam filhotes muito diferente do jeito do meu povo – afirmou.
– É mesmo? Me conte sobre seu mundo.
Muuurgh, obediente, se lançou numa descrição de Togoria, um mundo onde
machos e fêmeas eram iguais em direitos, mas não misturavam suas sociedades.
Machos viviam uma existência de caçadores nômades, sobrevoando as planícies
em seus enormes répteis alados de estimação, chamados mosgoths. Caçavam em
alcateias.
As fêmeas, por outro lado, tinham domesticado criaturas que abatiam pela
carne, então não precisavam caçar. Viviam em cidades e vilas, e foram as fêmeas
Togorianas que desenvolveram toda a tecnologia do planeta.
– Bem, se o seu povo não vive junto, como vocês... – Han buscou um termo
educado – hum, se reúnem, você sabe, para... hum... se reproduzir?
– Viajamos para cidade para ficar com parceira uma vez por ano – disse
Muuurgh. – Entretempos, pensamos muito um no outro. Togorianos povo muito
emocional, capaz de grande amor – acrescentou com sinceridade. –
Especialmente machos. Grande amor é motivo de Muuurgh estar aqui. Macho da
minha espécie raramente sai de nosso mundo, Piloto sabe disso?
– Agora sei – disse Han. – Então... Muuurgh... quando você diz que grande
amor fez você vir a Ylesia, o que quis dizer com isso? Você tem uma parceira?
O Togoriano fez que sim com a cabeça.
– Parceira prometida. Algum dia parceiros por vida toda, se Muuurgh
conseguir encontrar ela. – O imenso alienígena suspirou, parecendo tão infeliz
que Han sentiu pena dele.
– Qual é o nome dela?
– Mrrov. Bela, bela Mrrov. Como normal para fêmeas Togorianas, ela
decidiu ver grande galáxia. Muuurgh implorou para ela não ir, mas fêmeas muito
teimosas.
O alienígena olhou para Han, que concordou com um aceno de cabeça.
– É, eu também já passei por isso.
– Mrrov longe muito tempo, anos. Quando ela não voltou para casa para
união, Muuurgh tão triste que não pôde ficar em Togoria. Precisa descobrir o que
aconteceu com ela.
– Então... você descobriu? – Han tomou um gole da cerveja polaniana.
– Muuurgh rastreia ela. Alguém em Ord Matell diz que viu ela embarcar
nave em espaçoporto. Muuurgh confere horários, descobre que nave tem muitos
peregrinos. Vários portos de parada para nave. Muuurgh arrisca chance, vem
para cá porque tantos peregrinos vêm para cá. – O grande felinoide suspirou
forte e mordiscou um osso cheio de carne. – Chance não boa. Muuurgh pergunta,
sacerdotes diz nenhum Togoriano aqui. Muuurgh não sabe mais onde ir.
Muuurgh precisa créditos para continuar procurando... – O alienígena engoliu
uma última mordida, e seus bigodes se inclinaram para baixo.
– E aí você decidiu aceitar um emprego como guarda aqui, enquanto junta
dinheiro suficiente para seguir com sua busca – disse Han, deduzindo a
conclusão lógica da história.
– Sssim...
Han balançou a cabeça.
– Isso é muito triste, meu chapa. Espero que você encontre ela, de verdade. É
difícil perder alguém que você ama.
O guarda-costas concordou com a cabeça.
Depois do almoço, os dois desceram até as fábricas e passearam em volta dos
grandes prédios. Han farejou o ar, sentindo o cheiro misturado das diferentes
especiarias. O nariz dele formigou um pouco, e ele se perguntou se bastaria
sentir o odor da especiaria para ficar intoxicado. Acenou para o prédio de
brilhestim.
– Vamos entrar. Ouvi falar sobre como eles processam esta especiaria e
queria ver em pessoa.
Quando eles entraram no prédio cavernoso, um guarda os deteve e falou com
Muuurgh, que explicou quem era Han. O Rodiano de guarda lhes entregou
crachás e óculos infravermelhos, depois acenou para que entrassem.
– Óculos? – indagou Han em rodiano. Entendia a linguagem perfeitamente,
mas sua pronúncia era um pouco penosa. – Nós temos que usá-los?
Os olhos roxos do guarda faiscaram ao ouvir um humano falando sua língua.
– Sim, piloto Draygo – respondeu. – Abaixo do térreo não há nenhuma luz
visível. Você desce no turboelevador. Cada andar para baixo representa uma
melhoria de um grau na qualidade da especiaria. As fibras melhores e mais
longas são processadas bem no subterrâneo, para eliminar qualquer possibilidade
de serem estragadas pela luz.
– Certo – disse Han, chamando Muuurgh. Os dois andaram entre prateleiras
de suprimentos até alcançar a plataforma do turboelevador no centro da
instalação. – Vamos até o nível mais fundo e ver o bagulho realmente bom –
sugeriu ao Togoriano. Para si mesmo, Han se perguntava se conseguiria
surrupiar alguns daqueles frasquinhos negros. Vender um pouco de brilhestim
paralelamente numa cidade portuária engordaria rapidamente sua reserva de
créditos...
Han apertou o botão do andar mais baixo, e a plataforma, balançando um
pouco, começou a descer.
Ar fresco subia das profundezas enquanto o turboelevador se deslocava nas
trevas absolutas. A corrente de ar era deliciosa depois do calor úmido da selva
ylesiana.
Depois de um andar, toda luz se foi. Han remexeu nos óculos e os colocou
sobre os olhos. Imediatamente voltou a ver, apesar de tudo estar em tons de preto
e branco. A iluminação vinha de pontos embutidos nas paredes. O turboelevador
continuou descendo, e Han viu os trabalhadores curvados sobre suas estações de
trabalho. Havia pilhas de filamentos crus cravejados de minúsculos cristais
diante de cada um deles.
Finalmente, depois de seis andares, o turboelevador parou. Han e Muuurgh
saltaram.
– Você já esteve aqui antes? – perguntou ao guarda-costas em voz baixa. O
pelo do cangote de Muuurgh estava arrepiado, e os bigodes brancos se eriçavam
abaixo dos óculos.
– Não... – sussurrou de volta o Togoriano. – Meu povo vive em planícies.
Não gosta cavernas. Não gosta escuro. Muuurgh vai ficar feliz quando Piloto
quer sair deste lugar. Só palavra de honra de Muuurgh segura ele aqui no escuro
maldito.
– Calma – respondeu Han. – Não vamos ficar aqui tanto tempo. Só quero dar
uma olhada.
Ele saiu na frente fábrica adentro. A área cavernosa estava cheia de um
farfalhar suave, mas não havia nenhum outro ruído. Longas mesas estavam
encostadas ao longo das paredes e distribuídas em colunas nos corredores. Cada
mesa era uma estação de trabalho, e um trabalhador ficava sentado ou acocorado
diante dela, de acordo com sua anatomia individual. Havia muitos humanos, Han
percebeu, sentados em altos bancos e encurvados sobre o trabalho.
Poucos ergueram o olhar quando Han e Muuurgh foram até a supervisora do
andar, uma peluda Devaroniana, e se identificaram. A supervisora indicou o
andar com um gesto da mão vermelha com unhas afiadas.
– Meus trabalhadores são os mais habilidosos – declarou ela, orgulhosa. – É
preciso muita perícia para medir e cortar o número certo de filamentos fibrosos
para que cada dose contenha a quantidade certa de especiaria. É essencial, e
muito difícil, alinhar as fibras tão precisamente de forma que sejam ativadas ao
mesmo tempo quando expostas à luz visível.
– Essa substância é um mineral? – perguntou Han. – Sei que é minerada.
– Ocorre naturalmente, mas não sabemos como é formada, Piloto.
Acreditamos que tenha uma origem biológica, mas não temos certeza. É
encontrada bem nas profundezas dos túneis em Kessel e precisa ser extraída em
escuridão absoluta, tal qual você vê aqui.
– E os filamentos precisam ser colocados nesses recipientes do jeito certo.
– Isso mesmo. O alinhamento incorreto pode fazer os pequenos cristais se
fraturarem uns contra os outros. Se isso acontecer, eles moem uns aos outros
num pó muito menos potente e valioso. Um trabalhador habilidoso leva uma
hora para alinhar adequadamente só um ou dois cilindros de brilhestim.
– Faz sentido – disse Han, fascinado. – Você se importaria se eu desse uma
olhada por aí? Prometo que não vou mexer em nada.
– Pode dar uma volta, sim. Porém, por favor, evite distrair os trabalhadores
enquanto eles estiverem alinhando a especiaria. Um giro acidental, como eu
disse, poderia arruinar um filamento inteiro.
– Entendi – disse Han.
Os filamentos de brilhestim cru eram todos negros, mas Han tinha ouvido
falar que brilhariam azuis quando ativados com luz visível. Han parou atrás de
um dos trabalhadores humanos e assistiu com fascinação enquanto ele separava
os filamentos de especiaria cor de ébano, alinhando-os com cuidado absoluto. Os
filamentos se enrolavam nos dedos do trabalhador, alguns deles tão delicados
quanto seda, mas os pequenos cristais os deixavam muito afiados.
O trabalhador posicionou um grupo de filamentos incrivelmente
emaranhados nas mandíbulas de um pequeno torno, depois passou a separá-los
meticulosamente, até que as estruturas cristalinas ficaram alinhadas. Os dedos do
trabalhador se moviam quase rápido demais para se ver, e Han percebeu que
estava assistindo a um artesão... não, artesã , incrivelmente habilidosa. Ele ficou
espantado que os peregrinos conseguissem realizar alguma coisa que exigisse
tanta destreza assim. Depois de vê-los na noite passada, depois da “Exultação”,
tinha mais ou menos presumido que se tratava de cretinos mentalmente
limitados. Certamente pareciam sê-lo...
A operária de brilhestim pegou um minúsculo alicate para desembaraçar um
emaranhado particularmente ruim. Ela enfiou as pontas finas da ferramenta no
meio da maçaroca, espiando intensamente para localizar o ponto em que os
pequenos cristais se prenderam uns nos outros. O brilhestim fibroso se enrolava
nas mãos dela como pequenos tentáculos vivos, com cristais cintilantes. A artesã
de repente trouxe a mão para trás, puxando, e num instante o emaranhado se
endireitou até que todas as fibras se alinharam perfeitamente.
Exceto uma.
Han observou angustiado quando um filamento cravejado de cristais afiados
cortou a carne entre o indicador e o polegar da mulher. Uma linha fina de sangue
emergiu do corte profundo. Han prendeu a respiração. Mais alguns milímetros de
profundidade, e o tendão do polegar teria sido rompido. Ela sibilou de dor,
murmurou alguma coisa em língua básica e, soltando a mão, ergueu-a para parar
o sangramento. Han ficou paralisado ao ouvir o sotaque. Essa peregrina era
corelliana!
Ele nem tinha olhado para ela antes, escondida como estava pelo manto bege
sem forma, com o chapéu bem puxado sobre a cabeça e os óculos. Só que agora
o rapaz notou que ela era jovem, não velha. A mulher fez uma careta de leve ao
examinar o corte. Virou a mão, girou no banco e apoiou a mão sobre o piso, para
que o sangue não pingasse na mesa de trabalho.
Han sabia que não deveria falar com a peregrina, mas ela não estava
trabalhando no momento, e ele estava preocupado. Ela sangrava profusamente.
– Você está ferida – afirmou ele. – Deixe-me chamar a supervisora para que
ela possa ajudar você.
A garota (que tinha a idade dele, talvez menos) levou um leve susto, depois o
encarou. Seu rosto era um borrão branco esverdeado sob os óculos e o chapéu, e
parecia mortalmente pálida sob a luz infravermelha. Não é de se estranhar,
pensou Han, trancafiada aqui embaixo o dia inteiro, sem exposição à luz do sol.
– Não, por favor, não – respondeu ela, falando língua básica com um sotaque
suave que a marcava como sendo do continente meridional de Corellia. – Se ela
me mandar para a enfermaria, eu vou perder a Exultação. – A moça estremeceu
com o pensamento, ou talvez de frio. O próprio Han tinha começado a se sentir
meio friorento, e não estava lá embaixo há horas. Como aqueles peregrinos
aguentavam trabalhar ali embaixo na escuridão gélida o dia todo?
– Mas esse corte está com uma cara horrível – protestou Han.
A peregrina deu de ombros.
– Já está parando de sangrar.
Han percebeu que era verdade.
– Mas e quanto a...
Ela balançou a cabeça, interrompendo o rapaz no meio da frase.
– Agradeço sua preocupação, mas não foi nada. Acontece toda hora. – Com
um sorriso irônico, ela estendeu as mãos. Os dedos, pulsos e antebraços estavam
completamente riscados com pequenos cortes. Alguns eram antigos, brancos e já
tinham sarado, mas muitos estavam roxos, ainda recentes e dolorosos.
Han viu pequenos pontos fosforescentes entre os dedos dela e percebeu que
deveriam ser o fungo que ele tinha descoberto em si mesmo aquela manhã.
Enquanto ele observava, um filete luminescente se estendeu de repente,
crescendo na direção do corte entre os dedos. Ela exclamou baixinho e arrancou
a coisa.
– O fungo adora sangue fresco – comentou ela, evidentemente notando o
nojo dele. – Pode infeccionar um corte e deixar você doente muito fácil.
– Coisa asquerosa – disse ele. – Tem certeza que não precisa cuidar disso?
Ela balançou a cabeça.
– Como você pode ver, acontece o tempo todo. Com licença, mas... você é
corelliano, não é?
– Que nem você – respondeu Han. – Eu sou Vykk Draygo, o novo piloto. E
você é?
A moça apertou os lábios.
– Eu... não deveria estar conversando. Melhor voltar ao trabalho.
Muuurgh, que tinha ficado observando em silêncio, falou de repente:
– Trabalhadora certa. Piloto tem que deixar trabalhadora voltar a trabalho
agora.
– Certo, meu chapa, entendi – respondeu Han ao Togoriano, mas depois
acrescentou para a corelliana: – Talvez a gente possa conversar outra hora. No
jantar, talvez.
Ela balançou a cabeça silenciosamente e voltou ao trabalho.
Muuurgh sinalizou para que Han seguisse adiante.
O rapaz deu um passo, mas continuou falando.
– Certo, mas... nunca se sabe. A gente com certeza vai se esbarrar de novo,
este lugar não é tão grande assim. Então... qual é o seu nome?
Ela balançou a cabeça de novo, sem falar. Muuurgh soltou um rosnado
gutural bem grave, mas Han continuou ali, teimoso.
A mulher parecia perturbada pela ameaça implícita de Muuurgh. Enquanto
amarrava uma bandagem no corte, respondeu:
– Abandonamos nossos nomes quando desistimos de todas as coisas
mundanas pelo santuário de Ylesia.
Han se sentia cada vez mais frustrado. Ali estava alguém que conhecia este
lugar intimamente, e ela era a primeira pessoa do seu mundo natal que ele
descobria neste planeta.
– Por favor – insistiu ele enquanto Muuurgh o empurrava de leve. – Deve ter
algum jeito que eles usam para se referir a você. – Han abriu seu sorriso mais
charmoso. Muuurgh rosnou de novo, mais alto, e mostrou as presas.
Os olhos da mulher se arregalaram com a exibição de dentes.
– Sou Peregrina 921 – respondeu ela apressadamente. Han ficou com a
impressão de que ela falou para salvá-lo da ira de Muuurgh.
Muuurgh agarrou o braço de Han e começou a se afastar, arrastando o
corelliano sem esforço.
– Obrigado, Peregrina 921 – exclamou Han para ela, acenando
animadamente, como se ser arrastado pelo Togoriano fosse uma ocorrência
corriqueira. – Boa sorte com essas fibras. A gente se vê.
Ela não respondeu. Quando Muuurgh enfim o soltou, no fim do corredor,
Han seguiu o guarda-costas obedientemente, meio que esperando uma bronca do
ser gigante. Mas Muuurgh parecia satisfeito que Han o estivesse obedecendo e
retornou ao silêncio atento.
Han olhou de volta e percebeu que a corelliana estava mais uma vez
concentrada no trabalho, como se já o tivesse esquecido.
Peregrina 921 , pensou ele. Eu me pergunto se seria mesmo capaz de
reconhecê-la... Considerando os óculos, o chapéu e a visão prejudicada dele,
Han não fazia ideia de qual seria a aparência da mulher; sabia apenas que era
jovem.
Han perambulou por toda a instalação, observando vários outros
trabalhadores que alinhavam filamentos e cristais para que ficassem
perfeitamente simétricos. Não tentou falar com nenhum deles. Finalmente,
voltou à supervisora Devaroniana.
– Então, quando eles terminam o trabalho aqui, quem é que coloca os
filamentos e cristais nos frascos? – indagou.
– Isso é feito no quinto andar – explicou a supervisora.
– Acho que vou dar um pulo lá – comentou Han. – Isto é muito fascinante,
sabia?
– Certamente.
Certo, então eles terminam o processamento do bagulho realmente bom aqui
em cima , pensou Han enquanto ele e Muuurgh subiam pelas trevas. O Togoriano
soltou um uivinho de protesto quando Han levou o elevador só um andar acima.
– Fica frio, Muuurgh – disse ele. – Só quero dar uma olhadinha rápida por
aqui.
O rapaz vagueou pelos corredores, tentando descobrir discretamente o lugar
onde o brilhestim de alta qualidade era embalado nos pequenos frascos negros
que qualquer usuário da substância reconheceria. Quando chegou lá, porém, seu
estômago gelou. Quatro guardas armados estavam ao lado da esteira
transportadora, vigiando os pequenos frascos enquanto os trabalhadores traziam
cestas cheias e as despejavam. Han sentiu uma corrente de ar, percebendo que
havia uma pequena unidade aquecedora ali, afastando a friagem, evidentemente
para o conforto dos guardas.
Quatro guardas? Han espiou mais atentamente a penumbra. Não, espera um
segundo . Viu um borrão de movimento, mas não conseguiu discernir nada por
um longo instante. Depois, no que focalizou os olhos, distinguiu lentamente um
negrume oleoso e granulado, mal visível no meio de tanta treva. Só que havia
olhos no meio da escuridão, olhinhos vermelho-alaranjados. Quatro deles. Han
estreitou os dele, ficou imóvel, forçando a visão. Então notou duas pistolas, cada
uma atada a uma perna negra verruguenta.
Aar’aa! Percebeu. Camaleões!
Os Aar’aa eram uma espécie do outro lado da galáxia. Habitantes de Aar
eram capazes de mudar de cor gradualmente para igualar-se à cor do que
houvesse atrás deles. Essa habilidade os deixava muito difíceis de ver,
especialmente nas trevas.
Han tinha ouvido falar nos Aar’aa antes, mas nunca esbarrara num deles até
agora. Eram criaturas reptilianas, o que explicava por que aquela seção da
fábrica subterrânea era aquecida. Muitos répteis ficavam lentos e abobados no
frio.
Han espiou a penumbra e lenta e gradualmente percebeu os contornos dos
dois guardas Aar’aa. Tinham uma pele de textura pedregosa, mãos e pés com
garras e uma pequena crista de pele correndo pelas costas. As cabeças eram
grandes, com arcadas supraorbitárias salientes, sob as quais os olhos pareciam
duplamente pequenos. As caras tinham focinhos curtos e, quando uma das
criaturas abriu a boca, Han vislumbrou uma língua vermelha grudenta e dentes
brancos afiados. Uma crista ereta de pele começava entre os olhos, subia pelo
alto da cabeça até descer para a nuca e se conectava com a crista das costas.
Apesar da aparência desajeitada, pareciam ser bem ágeis. Han decidiu que
não queria se meter com eles. Apesar de serem mais baixos que o rapaz, tinham
ombros largos e certamente eram mais pesados que ele por uma vasta margem.
Han suspirou. Esqueça o Plano A.
Além dos Aar’aa, os outros guardas -– dois Rodianos, um Devaroniano e um
Twi’lek – pareciam durões e obviamente levavam o serviço a sério. Não eram
Gamorreanos, então não havia muita chance de desnorteá-los, confundi-los,
distraí-los ou, de alguma forma, enrolar algum deles para lhe entregar uma
fortuna em especiaria. Han fez uma careta e partiu com Muuurgh de volta ao
turboelevador. E não há Plano B, pensou ele soturno. Acho que terei que faturar
meus créditos do jeito honesto.
Nem ocorreu ao rapaz que transportar especiaria pela galáxia já seria, em si,
altamente ilegal.
Naquela noite, Han faltou à cerimônia para poder passar tempo com vários
dos simuladores. Era sua primeira oportunidade de ganhar a vida
“honestamente” e não queria estragar tudo. Han sabia que os cidadãos
reclamavam sobre como trabalhavam duro e concluiu que isso seria essencial
para o sucesso. Era verdade que mendigar, bater carteiras, roubar casas e aplicar
golpes em cidadãos muitas vezes exigia muito tempo e esforço, mas Han sabia,
de alguma forma, que simplesmente não era comparável.
Ele foi até o console de simulação no quarto e verificou o conteúdo do
sistema, os programas que estavam disponíveis para ele. Teroenza tinha
cumprido a promessa, e os simuladores estavam lá. Han viu quais eram as
opções, escolheu os simuladores que queria praticar e ordenou ao sistema que
preparasse várias sequências. Tomou o cuidado de especificar que “turbulência
atmosférica” fosse incluída em cada exercício de treinamento.
Olhou para Muuurgh, que estava ali parado, observando.
– Vou ficar trabalhando um tempo – anunciou. – Por que você não tira um
tempo para descansar?
Muuurgh balançou a cabeça devagar.
– Muuurgh não deixa piloto sozinho. Contra ordens.
– Tudo bem. – Han deu de ombros. – Você que sabe.
Muuurgh observou nervoso enquanto Han vestiu o visicapuz, cortando
qualquer contato com o mundo real ao seu redor e mergulhando num voo de
treino que parecia exatamente a coisa real. Tecnologia deixava o Togoriano
desconfortável.
Han se deixou afundar no simulador e, em questão de minutos, o programa
tinha alcançado um de seus objetivos primários – ele tinha esquecido
completamente que estava num simulador. Estava convencido de que realmente
pilotava – que realmente traçava uma rota em meio a campos de asteroides em
alta velocidade, que realmente navegava na atmosfera ylesiana, que realmente
aterrissava a nave sob toda sorte de condições adversas.
O corelliano emergiu do simulador duas horas depois, tendo obtido sucesso
em pousos, voos, decolagens e executado todas as variações de manobras
possíveis para a nave auxiliar que pilotaria até Colônia Dois e Colônia Três no
dia seguinte. Tinha também revisto os controles das naves de transporte que
comandaria – a Sonho Ylesiano estava sendo convertida para pilotagem manual
– além dos controles do iate particular de Teroenza.
Àquela altura, o curto dia ylesiano já tinha se esvaído há muito. Muuurgh
estava cochilando na cadeira, mas acordou instantaneamente assim que Han se
espreguiçou. Han espiou o Togoriano, lamentando o fato de o alienígena ser tão
alerta. Seria muito difícil partir nas expedições furtivas noturnas que ele tinha
em mente...
Muuurgh caminhava atrás do piloto, feliz que seu fardo tivesse sugerido uma
visita ao refeitório para uma ceia tardia. O Togoriano estava sempre faminto. Seu
povo estava acostumado a caçar e matar, depois compartilhar da presa, então
carne fresca era uma parte constante da dieta deles. Aqui, ele tinha que se virar
com carne cura descongelada.
Antes de o Piloto aparecer na sua vida, ele tinha a liberdade ocasional de
entrar na selva e caçar, para manter as garras – e as habilidades – afiadas.
Sentia falta da sua mosgoth, de voar pelo ar montado nela, de sentir os
poderosos músculos das asas propelindo-o pelos céus de Togoria.
Muuurgh suspirou. Os céus de Togoria eram de um azul-esverdeado vívido,
muito diferente deste azul-acinzentado desbotado do céu em Ylesia. Sentia falta
disso. Será que um dia os veria de novo, algum dia voaria em sua mosgoth rumo
a um ocaso carmesim naqueles céus tão vívidos?
Os sacerdotes tinham feito o Togoriano assinar um contrato de seis meses
pelos seus serviços de guarda. Ele tinha dado a palavra de honra de que
cumpriria o contrato. Se passariam muitas dezenas de dias antes que pudesse
voltar à sua busca por Mrrov.
Muuurgh a visualizou em sua mente, o pelo cor de creme, as listras
alaranjadas, os olhos amarelos inteligentes. Linda Mrrov. Ela tinha sido parte da
vida dele por tanto tempo que não saber seu paradeiro era como uma ferida
aberta no coração. Será que ela teria voltado a Togoria? Estaria ela de volta ao
mundo dos dois, esperando por Muuurgh?
Muuurgh desejou poder mandar uma mensagem ao seu mundo natal,
perguntar se Mrrov tinha voltado, mas mensagens enviadas por distâncias
interestelares eram muito caras, e uma delas acrescentaria quase dois meses ao
seu tempo aqui em Ylesia.
Ainda assim... Muuurgh considerou, depois pensou que talvez numa das
entregas de especiarias a Nal Hutta, Piloto não se incomodaria se Muuurgh
mandasse uma mensagem. O Togoriano não tinha confiança suficiente nos
sacerdotes Ylesianos para mandar uma mensagem deste mundo.
Piloto parecia ser um camarada decente, para um humano, ruminou
Muuurgh. Ardiloso, rápido, sempre procurando por um jeito de contornar as
coisas, mas humanos eram frequentemente assim. Pelo menos Piloto tinha
aceitado a dominância de Muuurgh como líder de alcateia. Foi esperto da parte
dele. Viveria muito mais tempo assim...
Muuurgh realmente torcia para que Piloto continuasse sendo esperto. Ele
gostava do humano e não queria ser obrigado a machucá-lo.
Só que, se Piloto tentasse quebrar as regras, Muuurgh não hesitaria em
machucar – ou mesmo matar – o corelliano. Teroenza tinha dado a Muuurgh
ordens específicas, e o Togoriano as cumpriria da melhor maneira possível.
Tinha dado a palavra de honra, e isso era a coisa mais importante do mundo para
seu povo.
O Togoriano distraidamente penteou os bigodes e o pelo do rosto, refletindo
que, desde que Piloto não saísse da linha, tudo ia ficar bem...
No dia seguinte Han levou a nave auxiliar ylesiana a Colônia Dois e Colônia
Três. Descobriu que gostava muito de comandar naves maiores, e sua pilotagem
era perfeita. Conseguiu descolar alguns minutos extras no trajeto de volta a
Colônia Um para praticar voo em baixa altitude, dando um rasante tão baixo
com o transporte que a barriga quase raspou nas copas das árvores da selva. Ao
lado dele, Muuurgh alternava entre a euforia e o terror enquanto vivenciava
rasantes, tonneaus e até voar de cabeça para baixo em alta velocidade. Han
estava em seu elemento, executando manobras com a nave auxiliar que só tinha
feito antes em simulador. O corelliano percebeu que gritava alegre e empolgado
com a pura emoção daquilo tudo.
Como seu último e melhor feito de voo de precisão, Han mergulhou com a
nave a toda velocidade e correu por um cânion escavado por um rio, zunindo
entre as paredes rochosas com tão pouco espaço de sobra que Muuurgh uivou,
fechou os olhos e se recusou a abri-los. Uma vez que eles estavam de volta a céu
aberto, Han teve que chacoalhar o braço do Togoriano e assegurar repetidamente
ao grande alienígena que ele tinha terminado a prática daquele dia.
– Muuurgh certo de que Piloto é louco – afirmou o Togoriano, abrindo
cuidadosamente os olhos e se endireitando no assento. – Muuurgh voa na sua
mosgoth em casa, mas não desse jeito . Mosgoths sensatos demais para voar
assim . Muuurgh sensato também. Piloto – o Togoriano lançou um olhar
queixoso –, prometa a Muuurgh que não vai mais voar maluco.
– Mas, Muuurgh – retrucou Han, pousando cuidadosamente no campo de
aterrissagem em Colônia Um –, eu tenho que treinar sempre que tiver uma
chance! Veja bem... – Ele hesitou, depois decidiu confiar parte da verdade a
Muuurgh. – Eu meio que exagerei um pouquinho os fatos quando contei da
minha experiência de voo a Teroenza. Realmente sou um piloto campeão, isso é
verdade, mas... eu preciso praticar com esta nave auxiliar. E com as naves
maiores. Simuladores são legais, mas não se comparam à experiência real.
Muuurgh encarou Han longa e diretamente, depois concordou com um aceno
de cabeça.
– Muuurgh compreende. Piloto confia em Muuurgh para não dizer isso a
Teroenza?
– É, alguma coisa do tipo – admitiu Han. – Então, eu posso? Quero dizer,
confiar em você?
O Togoriano tratou pensativo dos bigodes brancos.
– Enquanto Piloto não bater com nave, Muuurgh não fala nada.
– Muito justo, meu chapa – respondeu Han com um sorriso.
Quando ele e Muuurgh desceram pela rampa da nave, Veratil os aguardava
na chuva torrencial. Àquela altura, Han já estava acostumado com os temporais
diários, apesar de o calor úmido ainda o deixar exausto.
– O sumo sacerdote deseja vê-lo imediatamente, piloto Draygo – informou-o
Veratil.
O sacredot levou Han e seu guarda-costas aos aposentos pessoais do sumo
sacerdote, que ocupavam uma grande porção do nível subterrâneo do centro
administrativo. Depois que Veratil digitou o código de autorização de segurança
e eles entraram pelas imensas portas duplas no santuário pessoal do sumo
sacerdote, Han não conseguiu conter um assovio de espanto.
– Lugarzinho bacana!
– Esta é a sala de exposição do sumo sacerdote – anunciou Veratil. – Ele é
um colecionador ávido e muito orgulhoso de sua coleção de raridades.
– Merecidamente – afirmou Han, com sinceridade.
O aposento era pelo menos dez vezes maior que o pequeno apartamento de
Han no primeiro andar. Mesas, prateleiras e estantes de exposição continham
tesouros e antiguidades de toda a galáxia. Esculturas de uma dúzia de mundos,
pinturas e outros objetos de arte estavam espalhados em meio a ornadas armas
antigas. Tapeçarias decoravam as paredes. Tapetes de beleza extraordinária
estavam cobertos por campos de força protetores que tinham uma textura
gelatinosa quando Han caminhou sobre eles.
Gemas semipreciosas adornavam a coleção de flautas e outros instrumentos
musicais. Garrafas das bebidas alcoólicas mais raras da galáxia estavam
suspensas numa estante com altos-relevos dourados.
Os dedos de Han literalmente coçaram durante todo o tempo que ele levou
para atravessar a sala de exposição. Se eu pudesse ter cinco minutos a sós aqui
dentro, estaria feito pelo resto da vida! , pensou, desejoso, enquanto reduzia o
passo para observar um drreelb escavado em gelo vivo. A pequena estatueta
estava coberta com uma camada de poeira, que foi perturbada pela respiração de
Han. O pó se espalhou no ar, e o piloto deu um espirro retumbante.
Poeirento ou não, este lugar vale várias fortunas. Se ao menos...
Severo, Han lembrou a si mesmo que tinha virado a página e era um cidadão
honesto e trabalhador naqueles tempos.
Veratil levou os dois por mais outra porta de segurança até o alojamento
pessoal do sumo sacerdote. Os visitantes foram recebidos por um antiquíssimo
mordomo Zisiano, que Teroenza chamou de Ganar Tos. O Zisiano era
humanoide, mas tinha uma pele verde enrugada que pendia em papadas flácidas
do queixo quase inexistente. Os olhos alaranjados eram ranhentos, e ele fungava
constantemente, como se tivesse sinusite. Provavelmente alérgico a toda aquela
poeira, pensou Han.
O sumo sacerdote acenou para que Han e Muuurgh se sentassem e se dirigiu
aos dois.
– Tão bom você ter vindo, piloto Draygo. Ouvi boas coisas sobre sua
pilotagem de Colônia Dois e Três. Hoje nosso droide médico colocou o outro
piloto, Jalus Nebl, em licença por duração indeterminada, então você assumirá o
lugar dele em voos interestelares de agora em diante.
Han assentiu com a cabeça, tentando esconder o entusiasmo.
– Ótimo, senhor. Vou cumprir os prazos. Quando eu parto?
– Depois de amanhã – contou Teroenza. – Muuurgh vai acompanhá-lo, é
claro.
– Quais são a carga e destino, senhor? – indagou Han.
– Você vai se encontrar com uma nave de Nal Hutta nas coordenadas que
vamos lhe passar no último minuto. A segurança é vital, como você pode muito
bem entender. Sabe que tivemos problemas com piratas no passado. – Teroenza
aceitou uma pequena criatura debilitada que o mordomo lhe estendeu e fez uma
pausa para engoli-la. – Você treinou Muuurgh como artilheiro, piloto?
– Hum, não, ainda não, senhor.
– Cuide disso. Um bom piloto está preparado para todas as eventualidades,
correto?
– Sim, senhor – concordou Han. – Vou cuidar disso. Hum, senhor? Qual é a
carga?
– Você levará uma remessa de carsunum processado e receberá um
carregamento de ryll virgem trasladado de Ryloth.
– Mas a nave com a qual vou me encontrar é de Nal Hutta?
– Sim. – Teroenza não se estendeu na explicação, então Han abandonou o
assunto, decidido a ficar de orelhas em pé. Percebeu que havia mais que o sumo
sacerdote não lhe contava, mas não estava exatamente em posição de exigir
todos os detalhes sujos.
Teroenza se sentou sobre os imensos quartos traseiros, acenando com os
bracinhos para o portal pelo qual Muuurgh e Han entraram.
– Soube que você gostou da minha sala de exposição?
– Se eu gostei? – Han pôde responder com total honestidade. – É incrível ,
senhor. Nunca vi tantos tesouros reunidos fora de um museu!
– Minha espécie tem uma longa vida, assim como nossos primos, os Hutts –
contou Teroenza. – Já venho colecionando há centenas de anos-padrão, mais
tempo que você, em sua juventude, poderia imaginar, piloto.
– Eu realmente queria fazer um tour um dia – comentou Han.
– Eu gostaria que minha coleção estivesse em condições de ser vista –
lamentou Teroenza. – Ganar Tos, mesmo sendo um excelente cozinheiro e um
camareiro eficaz, não recebeu o treinamento necessário para fazer a manutenção
das minhas peças, muito menos catalogá-las e arrumá-las adequadamente. E eu
sou muito ocupado para dedicar meu tempo a essa atividade. – O ser gigante os
dispensou com um aceno da mãozinha. – Por hora é tudo. Nos vemos quando
você voltar, piloto.
– Sim, senhor. – Han se levantou e chamou Muuurgh. Os dois partiram,
escoltados por Veratil.
Uma vez do lado de fora, o sacredot saiu para cuidar de alguma tarefa,
deixando os dois sozinhos. Han deu uma olhada no crono e então para o sol
ocidental.
– Esta noite vou começar a treinar você na função de artilheiro – disse ele ao
Togoriano –, mas, por enquanto, acho que a gente merece uma folga. Na
verdade, está bem na hora de visitarmos o refeitório onde os peregrinos comem.
Vamos lá.
– Por quê? – indagou Muuurgh. – Piloto não quer comida de peregrino.
Piloto e Muuurgh comem no refeitório do centro administrativo... comida
decente, não lixo.
Han balançou a cabeça e seguiu pela trilha que cortava a selva até a área dos
peregrinos.
– Eu não quero comer com os peregrinos, meu chapa – explicou ele. – Só
quero conversar com alguns deles. Calculei que, na hora do jantar, eles estarão
todos juntos, e eu poderei encontrar... eles... mais fácil.
– Eles? Quantos são “eles”?
– Hum... bem, olha só... – começou Han, depois parou, fazendo uma careta.
– Só uma – admitiu. – Peregrina 921, aquela que eu vi no outro dia. Eu gostaria
de ver como ela realmente é.
Muuurgh assentiu com a cabeça.
– Ah, sssim... Muuurgh entende muito bem o que Piloto quer.
Han sentiu a cara ficar quente e ficou feliz que o Togoriano não pudesse
reconhecer aquele sinal denunciador de vergonha.
– Você sabe, Muuurgh, meu velho chapa – começou ele, deliberadamente
mudando de assunto –, você fala língua básica muito bem para quem só
aprendeu há menos de um ano. Só que tem uma parte do idioma que você ainda
não dominou, que são os pronomes. Nunca achei que ia dar uma de professor,
mas, vamos lá...
Os dois caminharam juntos pelo caminho, enquanto Han explicava as regras
gramaticais que governam o uso dos pronomes...
Depois que Han deixou Muuurgh aos cuidados atenciosos dos droides
médicos, voltou à Sonho e ligou para Ylesia. Teroenza não estava disponível,
então ele pediu para falar com Veratil. Quando o semblante chifrudo e inchado
do Ylesiano apareceu na tela, Han lhe deu um relato resumido das aventuras
recentes, prometendo partir de volta para Ylesia no dia seguinte. Veratil, por sua
vez, se comprometeu a providenciar o pagamento pelos reparos da nave e o
tratamento de Muuurgh.
Depois de encerrar a chamada, Han percebeu que estava com fome. Então,
depois de conferir sua pequena reserva de créditos, seguiu para uma combinação
de taverna e lanchonete no campus da Universidade de Alderaan. Ficava num
pátio reservado, e um chafariz das cores do arco-íris lançava cascatas de gotas
cristalinas no ar diante da entrada.
Han abriu a porta e entrou.
A taverna estava cheia de jovens vestidos com roupas da moda...
conversando, rindo, bebendo e comendo. Han hesitou, sentindo-se subitamente
inibido, mas sua ousadia natural veio ao resgate. Sou tão bom quanto qualquer
um deles, pensou ele, desafiador, seguindo o droide garçom até uma mesinha.
Apesar da fachada de coragem, o jovem corelliano estava embaraçosamente
ciente da forma como seu macacão manchado de suor e jaqueta surrada
contrastavam com os trajes elegantes e contemporâneos dos estudantes que
papeavam e riam nas mesas.
Uma vez sentado, Han pediu uma cerveja alderaaniana. Estudou o menu e
notou que o lugar oferecia, como prato do dia, “cubos de nerf e tubérculos em
molho de vinho”. Era meio caro, mas ele pediu mesmo assim, sabendo que nerf
era conhecido como uma iguaria. O ensopado veio com um prato de pão ázimo,
o que o fez pensar na Peregrina 921. Queria que ela estivesse aqui, pensou ele.
Seria legal ter alguém com quem conversar... Mergulhou um pedaço de pão no
caldo, provou, mastigou e sorriu. Isto é bom demais! Fazia muito, muito tempo
que ele não comia algo bom de verdade... os habitantes da Sorte de Mercador
frequentemente sobreviviam à base de rações espaciais durante as viagens. As
únicas vezes que Han comera bem tinha sido quando desempenhava um papel
num dos golpes de Garris Shrike. Lembrava de um churrasco a que tinha ido em
Corellia. Costelas de traladon com molho especial...
Só que mesmo costelas de traladon grelhadas não se igualavam a nerf,
concluiu ele. Esfomeado, Han caiu matando no prato. Quando estava na metade,
uma menina bonita com longos e cacheados cabelos castanhos e olhos azuis
brilhantes subiu no pequeno palco, carregando uma bandoviola. Sentou-se num
banco e começou a dedilhar. Então, um momento mais tarde, sua voz soou, clara
e cristalina, no que era evidentemente uma balada tradicional alderaaniana.
Era aquela história de sempre, sobre uma garota que perdeu o namorado para
o encanto das trilhas espaciais, e como ela o esperava, mas ele nunca voltava
para casa – só que a voz da cantora era tão pura, tão sem afetações, que ela
conferia emoção verdadeira e dignidade à letra cheia de clichês.
Depois que ela terminou, Han, acompanhado dos outros presentes, bateu
palmas com entusiasmo. A jovem cantou outra canção, depois desceu do palco e
veio direto na direção de Han. Por um momento, ele achou – torceu! – que ela
estivesse vindo se sentar com ele, mas não teve essa sorte. Ela se acomodou num
assento na mesa ao lado.
Como a taverna era evidentemente um ponto de encontro popular, as mesas
ficavam todas bem próximas; a moça estava a um braço de distância de Han. A
outra pessoa na mesa era um jovem de rosto redondo, um ano ou dois mais velho
que o piloto. Provavelmente o namorado dela, pensou Han, espiando o rapaz
disfarçadamente. Tinha cabelos castanho-claros e olhos verde-castanho-claros
pálidos. Ao contrário da garota, que vestia um vestido simples, que descia até os
tornozelos, e sandálias, o acompanhante era um tributo à moda moderna.
Sua túnica roxa era atada com um largo cinturão laranja que contrastava com
as botas vermelhas até os joelhos. As calças amarelas aderiam às pernas como
uma segunda pele. Han, em seu velho macacão cinzento, parecia um pardal perto
de uma ave do paraíso.
Quando a cantora jogou o cabelo para trás e sorriu triunfante, Han conseguiu
chamar sua atenção. Fez um gesto de bater palmas em silêncio, e ela sorriu e se
curvou em agradecimento.
– Você foi ótima! – disse ele.
– Obrigada! – respondeu ela. – Foi a primeira vez que eu tive coragem de
cantar diante de uma plateia! – A garota estava corada, sem fôlego e era muito
charmosa. Han sorriu de volta para ela. Não me incomodaria em passar algumas
horas (e o resto da noite) com ela...
Em voz alta, ele disse:
– Somos uma plateia muito sortuda, então. Testemunhamos o nascimento de
uma grande carreira.
– Obrigada! – Ela estendeu a mão. – Sou Aryn Dro, e este é Bornan Thul.
Han tomou a mão dela e, em vez de apertar, curvou-se sobre ela, como se
Aryn fosse da nobreza corelliana. Seus lábios não chegaram a tocar as costas da
mão da cantora, mas chegaram perto o bastante para que ela sentisse o calor do
hálito dele na pele.
– Estou honrado, Aryn – disse ele. – Vykk Draygo.
Depois que soltou a mão de Aryn e se virou para cumprimentar o rapaz, Han
percebeu que este estava irritado e não fazia o menor esforço para esconder.
– Saudações... – disse Han, já que não sabia qual honorífico seria apropriado
em Alderaan, isso se eles usassem algum.
– Saudações – respondeu Thul. – Aryn, você esteve magnífica. Gostaria de ir
a algum outro lugar para celebrar seu triunfo?
Não aguenta a competição ... pensou Han, sufocando um sorriso maroto. Ele
também tinha visto os olhos azuis de Aryn se iluminando quando Han se
apresentou.
– Olha, não quero atrapalhar – afirmou Han, abrindo seu sorriso mais
charmoso para a cantora. – Só queria lhe dizer o quanto eu gostei de te ver
cantar. Não vou mais tomar seu tempo.
Thul o encarou como se quisesse dizer “ótimo!” mas não tivesse coragem.
Aryn balançou a cabeça e pousou a mão de forma reconfortante no braço de
Han.
– Ah, não! Claro que você não está atrapalhando... Vykk. – Ela espiou o
macacão. – Eu ia perguntar se você era aluno aqui, mas você não é, é?
Han fez que não com a cabeça.
– Não, eu só estou por aqui esta noite. Cheguei esta manhã para fazer
reparos. Me meti numa luta com alguns piratas e minha nave sofreu alguns
danos.
Os grandes olhos azuis se arregalaram ainda mais.
– Nave? Piratas? Você é piloto estelar?
Han deu de ombros modestamente.
– Sou.
Bornan Thul estava ficando irritado, o corelliano notou. Não gosta da ideia
da sua garota conversando com um cara trabalhador que nem eu, esse palhaço
metido a besta... bem, azar o seu, irmão Bornan...
– Minha nossa... – suspirou Aryn. – Isso é tão... empolgante. Piratas de
verdade? O que aconteceu?
Han deu de ombros outra vez.
– Saí do hiperespaço, e eles colaram em mim mais rápido que fedor num
skeeg. Dois deles. Detonei um, mas os dois juntos conseguiram estragar meu
hiperdrive. Então eu vim para Alderaan consertar a nave.
– Você detonou um? – inquiriu Bornan agressivamente, erguendo uma
sobrancelha cética. – Com o quê?
– Com um míssil Arakyd, meu chapa – respondeu Han calmamente. –
Explodi o traseiro dele em mil pedacinhos.
Aryn teve um calafrio, em parte de excitação, em parte de aflição.
– Isso parece... realmente assustador.
Han deu um gole na cerveja.
– Um mero dia de trabalho – comentou, deliberadamente lacônico.
A essa altura, Bornan já tinha aturado demais. Com o rosto vermelho, ele
segurou o braço de Aryn.
– Querida, vamos indo? Vou levar você ao melhor restaurante da cidade. Se
você nos dá licença... Piloto Draygo.
Aryn hesitou por um longo momento. Eu poderia conquistá-la, pensou Han.
Sei que poderia. E isso ia deixar esse babaca de alta classe realmente fulo da
vida, ver sua garota sair daqui comigo...
Por um momento, Han se sentiu tentado, depois decidiu relaxar e abrir mão
da conquista. Sentia que Aryn era uma garota muito legal , alguém que não
merecia ser tratada como uma peça de jogo para que ele pudesse ganhar pontos
em cima do namorado arrogante dela. Uma das razões que ele a achava tão
atraente, Han percebeu, era que Aryn o lembrava um pouco de 921, com seus
grandes olhos azuis e sorriso doce.
Além disso, pensou ele, aqueles sujeitos de segurança provavelmente ainda
estão me seguindo. O velho Bornan aqui poderia ser homem o bastante para
comprar uma briga, e se eles ainda estiverem por aí, a coisa pode ficar feia...
Então Han se levantou de forma respeitosa e se curvou formalmente para
Aryn.
– Foi um grande prazer – disse. – Divirta-se na sua celebração.
– Obrigada... – respondeu ela, abrindo um último e rápido sorriso para o
piloto antes de deixar que Bornan a conduzisse para fora.
Han se sentou de volta com o jantar que esfriava, refletindo que o incidente
reforçava o quanto ele detestava gente rica e metida. Tinha encontrado muitos
deles em Corellia, quando trabalhava nos golpes de Shrike, e o fato de que a
maioria deles não valia o custo de um tiro de arma de raios para desfazê-los em
átomos era a única coisa que possibilitara sua participação nos golpes.
Quando Han chegou à Sonho Ylesiano e à minúscula cama de campanha que
tinha sido instalada na área de carga para ele, já estava meio afetado pela cerveja
alderaaniana. Pensamentos sobre 921 continuavam voltando à sua cabeça, e ele
praguejou em voz alta na nave silenciosa, desejando ser capaz de parar de
pensar nela. Han nunca tinha encontrado uma mulher em quem pensasse tanto
quando não estava com ela...
Saber que 921 tinha se aninhado tão profundamente na sua mente deixava
Han perturbado e incomodado. Ela é só uma garota, Solo. Você nem sabe o
maldito nome dela. Pare de sonhar acordado assim. Tá ficando abestalhado?
Han se jogou na cama e grunhiu em voz alta, relembrando os eventos do dia.
Que planeta, pensou ele, sonolento. Tão certinho que um cara não consegue
nem vender uma carga perfeitamente boa de especiaria...
A viagem de volta a Ylesia foi tranquila. Han pilotou a Sonho através das
nuvens na reentrada sem problema nenhum, e praticamente não houve
turbulência. Nem mesmo Muuurgh, que ainda sofria de dor de cabeça, pôde
reclamar. Para Han, o processo de ver, analisar e evitar os imensos sistemas de
tempestades do planeta estava se tornando algo instintivo.
Assim que a nave se assentou na plataforma de pouso, o comunicador de
Han ganhou vida, convocando-o para se encontrar com Teroenza imediatamente.
Han já esperava por isso. Mandou Muuurgh para a enfermaria para que
cuidassem da sua dor de cabeça e caminhou sozinho até o centro administrativo.
Desta vez, foi recebido por Ganar Tos e escoltado ao santuário interior do
sumo sacerdote, que já tinha visitado antes. Teroenza descansava numa peça de
mobília muito exótica – um tipo de rede que permitia que o sumo sacerdote se
reclinasse para trás sobre os imensos quartos traseiros, tirando o peso das patas
posteriores. As grossas pernas dianteiras ficavam apoiadas num descanso
acolchoado que girava para dentro e para fora, permitindo que ele entrasse e
saísse da engenhoca.
Assim que o sumo sacerdote viu Han, sua expressão (que o rapaz estava
começando a conseguir interpretar) se tornou positivamente benevolente.
– Piloto Draygo! – ribombou. – Fiquei sabendo que você é um herói! Sua
bravura e coragem não têm preço, mas ordenei que um bônus fosse depositado
na sua conta.
Han piscou, depois sorriu.
– Obrigado, senhor.
– No último ano e meio, perdemos duas naves que deixaram de voltar dos
pontos de encontro – continuou Teroenza. – Você é o primeiro piloto a dar uma
olhada nos atacantes e voltar para nos contar quem eram. O que você viu?
Han deu de ombros.
– Bem, tudo aconteceu muito rápido, e eu estava meio que ocupado, senhor.
Mas eu tenho bastante certeza de que a nave que eu destruí era de construção
drelliana. Parecia muito. Aquela proa afilada e popa atarracada são bem
distintas.
– Eles se comunicaram com você? Deram alguma chance de se render antes
de atacar?
– Não, eles chegaram atacando e atiraram sem parar. Não estavam tentando
destruir a Sonho , porque, se eles quisessem isso, teriam conseguido. Só que eles
não tinham interesse pela nave, o que é estranho. A maioria dos piratas tentaria
enfraquecer a nave o suficiente para tomá-la, mas sem causar estragos que não
fossem fáceis de consertar, para poderem usá-la ou vendê-la depois. Esses caras
queriam avariar a Sonho e matar Muuurgh e eu.
– Como eles atacaram?
– Por trás. Poderiam ter detonado a gente antes mesmo que soubéssemos que
eles estavam lá. Tiveram pelo menos dois tiros livres, e os escudos da Sonho não
são tão bons assim. – Ao se lembrar da batalha, Han respirou fundo. – Acho que
temos que reforçar os escudos, senhor.
– Vou mandar que isso seja feito, piloto – concordou Teroenza. O enorme
T’landa Til cruzou os bracinhos e franziu a testa imensa enquanto considerava o
relatório de Han. – Interessante que eles tenham atacado primeiro, sem usar um
raio trator para tentar provocar sua rendição.
– É... foi isso que eu pensei.
Han havia conhecido vários mercadores na Sorte que tinham passado algum
tempo em tripulações de piratas e tinha ouvido esses sujeitos se gabando sobre
suas aventuras. Um ataque direto não fazia o estilo piratesco; teria sido mais
típico que um pirata interestelar disparasse um tiro de advertência, e então,
depois que o piloto tivesse se rendido, abordasse a nave.
– Estranho, é como se eles tivessem planejado aleijar a Sonho ,
provavelmente matando Muuurgh e eu no processo, e então abordar, enquanto
ela estivesse à deriva no espaço.
– Absolutamente nenhuma comunicação ou exigência de rendição.
– Não – confirmou Han.
Teroenza alisou as dobras de pele frouxa da papada pensativamente.
– Quase como se eles estivessem dispostos a correr o risco de destruir a
Sonho e sua carga em vez de se comunicar com você...
– É, eu diria que sim.
– Quão perto você estava do ponto de encontro quando foi atacado?
– A gente tinha saído do hiperespaço há menos de cinco minutos. Sem
dúvida, senhor, eles estavam esperando. Sabiam que a gente estava chegando.
– Você fez alguma transmissão fazendo referência à sua rota ou coordenadas,
piloto Draygo?
– Não, senhor. Conforme instruído, mantive silêncio estrito em todas as
frequências.
Teroenza retumbou nas profundezas do peito, enquanto pensava, e por fim
assentiu com a enorme cabeça chifruda.
– Mais uma vez, parabéns pela sua bravura. Como vai Muuurgh?
– Ele vai ficar bem. Mas levou uma bela pancada na cabeça.
– Quero falar com ele quando estiver melhor. Muito bem, piloto, dispensado.
Han não se moveu.
– Senhor... gostaria de pedir um favor.
– Sim?
– Minha pistola de raios foi confiscada quando eu cheguei em Ylesia. Queria
ela de volta. Se há chance de eu ser abordado por piratas em algum momento do
futuro, quero poder atirar de volta.
Teroenza considerou por um momento, depois fez que sim com a cabeça.
– Vou mandar que lhe devolvam sua arma, piloto. Você certamente
demonstrou sua lealdade e conquistou nossa confiança com suas ações nestes
últimos dias. – O enorme ser acenou com a mãozinha. – Diga-me, piloto Draygo,
nunca lhe ocorreu tentar vender a carga e nos dizer que ela foi roubada por
piratas?
Han balançou a cabeça.
– Não, senhor, de forma alguma – respondeu ele, soando sincero.
– Muito bem. Eu estou... impressionado. – A boca larga e sem lábios de
Teroenza se curvou para cima naquilo que obviamente era para ser um sorriso de
aprovação. – Muito impressionado...
Han saiu do centro administrativo, grato por ser capaz de mentir de forma
convincente desde os 7 anos de idade. Estava especialmente orgulhoso da
habilidade de inventar histórias no calor do momento.
Seus passos o levaram pela trilha da enfermaria. Hora de conferir Muuurgh,
ver como o Togoriano estava. Além disso... era hora de conhecer Jalus Nebl, o
piloto Sullustano que tinha sido colocado em licença médica.
Han tinha algumas perguntas para o Sullustano...
Muuurgh estava deitado, enrodilhado num dos grandes catres que a espécie
dele usava como cama. Han foi até o Togoriano e se sentou ao lado dele.
– Como vai a cabeça?
– Minha cabeça ainda dói – respondeu Muuurgh. – O droide médico disse
que eu tenho que ficar aqui esta noite. Mas eu lhe disse que não, eu não poderia
fazer isso, porque Vykk poderia precisar de mim.
– Não, eu estou bem – garantiu Han ao grande felinoide. – Vou visitar o
Sullustano, jantar, treinar no simulador e praticar um pouco de tiro ao alvo.
Depois eu vou me deitar cedo. Foi um longo dia.
– Vykk falou com Teroenza sobre os piratas?
– É, falei sim. Ele vai querer conversar com você quando você conseguir. E...
boas notícias. Teroenza me deu minha pistola de volta.
– Ótimo – afirmou Muuurgh. – Vykk precisa se proteger de piratas.
– Foi isso que eu comentei, meu chapa. – Han se levantou. – Escuta, eu vou
no quarto ao lado, bater um papo com o outro piloto. Volto aqui para te ver de
novo amanhã de manhã, está bem?
Muuurgh se espreguiçou luxuriantemente, depois se enrodilhou no catre,
parecendo quase um enorme círculo negro e peludo.
– Tudo bem, Vykk.
Han seguiu pelo corredor até encontrar o droide médico, depois pediu para
ser levado ao quarto do piloto Sullustano.
Uma vez lá, tocou a campainha e, um momento depois, ouviu uma voz em
sullustano dizer:
– Entre.
Han abriu a porta e se deparou com uma parede de vento que cobria a
entrada como uma cortina. O rapaz passou do calor a uma atmosfera fria e
refrescante. A porta se fechou atrás dele com um sibilo. Ar enlatado, percebeu
Han. Eles colocaram o Sullustano num sistema de ar recirculante, para que ele
não respire ar ylesiano. Por que será?
Jalus Nebl estava sentado diante de uma vid-unidade de entretenimento,
assistindo a um documentário de notícias galácticas. Han foi até lá e ofereceu a
mão ao ser olhudo com bochechas caídas.
– Oi, sou Vykk Draygo, o novo piloto. Prazer em conhecê-lo.
Falou em básico, torcendo para o alienígena entender. O ser bochechudo
assentiu para Han e respondeu na própria linguagem, rápida e aguda.
– Você entende a língua do meu povo, ou vamos precisar de um tradutor para
conversar?
– Eu entender – respondeu Han em sullustano extremamente precário –, mas
fala só mau. Entender básica você bom?
– Sim – confirmou o Sullustano. – Eu entendo língua básica muito bem.
– Ótimo – concluiu Han, voltando ao próprio idioma. – Você se importa se
eu me sentar?
– Por favor, fique à vontade – respondeu o outro piloto. – Eu já queria falar
com você há algum tempo, mas estive muito doente e, como você pode ver,
confinado a estes poucos aposentos onde o ar é filtrado especialmente para mim.
Han se sentou num banco baixo e deu uma boa conferida no alienígena. Não
conseguiu ver nenhum ferimento ou dano externo.
– Que chato, meu chapa. O que foi que aconteceu? Trabalho demais?
A boca pequena e molhada do Sullustano se franziu, infeliz.
– Missões demais, é. Tempestades demais, eu tive que enfrentar. Quase-
colisões demais, meu amigo. Um dia eu acordei, e minhas mãos... – O
Sullustano ergueu as pequenas mãos delicadas com suas estreitas unhas-garras
ovais. – ... minhas mãos não paravam de tremer. Eu não conseguia mais lidar
com os controles da minha nave. – A expressão já pesarosa do alienígena ficou
ainda mais triste. Han quase esperou ver lágrimas enchendo aqueles grandes
olhos já tão úmidos.
Han espiou as mãos do outro piloto e viu que, de fato, tremiam
descontroladamente. Sentiu uma mistura de consternação e pena. Pobre sujeito!
Isso deve ser horrível!
– Mas que azar, meu chapa – comentou o rapaz. – Foi só, cê sabe, os seus
nervos indo pro espaço, ou o quê?
– Muita pressão, sim – concordou o Sullustano. – Missões demais, descanso
de menos, repetidamente. Tempestades demais. Só que também... muito
transporte de brilhestim. Droide médico diz que eu tenho reação ruim a isso.
Deixa Jalus Nebl muito doente mesmo.
Han se ajeitou desconfortável no banco.
– Você quer dizer que é alérgico a brilhestim?
– Isso. Descobri assim que comecei a transportar e tentei ficar longe da
substância, mas está no próprio ar deste mundo. Mesmo trancado naqueles
frascos, mínimos resíduos escapam no ar. Quando Jalus Nebl respira isso tudo,
ao longo de dias, semanas, mais de um ano planetário... causa maus efeitos.
Tremores nos músculos. Reflexos reduzidos. Estômago revirado, respiração
difícil...
– Então é por isso que você está confinado à enfermaria, com esses filtros de
ar – percebeu Han. – Tentando tirar isso aí do seu sistema.
– Correto. Eu quero voar de novo, amigo e colega piloto Draygo. Você é um
dos poucos que conseguem entender, correto?
Han pensou em como se sentiria se não pudesse mais voar – se ficasse tão
sobrecarregado de trabalho e envenenado por exposição a especiaria que suas
mãos tremessem o tempo todo – e assentiu com a cabeça.
– Ei, chapa – comentou ele com sinceridade. – Lamento muito mesmo.
Espero que você melhore logo. – Baixou a voz e passou a falar em jargão de
mercador. – Entende tu fala-de-mercador, amigo?
O Sullustano fez que sim com a cabeça.
– Não falo – respondeu, em voz igualmente baixa. – Mas entendo bem.
Han deu uma olhada para o teto. Estariam os Ylesianos ou seus seguranças
monitorando o quarto? Não havia como ter certeza. Mas Han não conhecia
muitos droides capazes de traduzir jargão de mercador, porque se tratava de uma
mistura bastarda de uma dúzia ou mais línguas e vários dialetos, sem uma
sintaxe fixa. Han aumentou o volume do documentário mais... e mais, depois
disse, mal emitindo som:
– Amigo-piloto, quando mãos ficar firme, então se eu você, não dizer adeus,
só voar para longe mau mundo de especiaria, rápido rápido, entende?
O Sullustano fez que sim com a cabeça.
Han baixou um pouco o volume do programa, depois continuou
conversando, como se nada tivesse acontecido.
– Fui atacado por piratas outro dia.
O Sullustano se inclinou para a frente.
– O que aconteceu?
– Eles atiraram na minha nave, estragaram os motores hiperdrive, mas eu
consegui pegar um deles com um míssil – contou Han, fazendo um gesto de
“buum” com as mãos. – Tive que fazer uma parada em Alderaan para o conserto.
Já passou por lá?
– Mundo legal – comentou o Sullustano secamente. – Legal até demais, em
alguns aspectos.
– Nem me fale – concordou Han de coração. – Enfim, quando cheguei aqui
de volta, Teroenza me fez um milhão de perguntas sobre que tipos de nave os
piratas usaram, por que eles não dispararam tiros de advertência ou tentaram
sequestrar a Sonho , coisas assim. Eu fiquei com a impressão clara de que esse
ataque era algo mais que uma mera ação de pirataria. Para começar, eles estavam
me esperando no ponto de encontro. Como poderiam ter descoberto as
coordenadas?
– Ah – disse Jalus Nebl. – Pode mesmo haver muita coisa por trás desse
ataque, piloto.
– Por favor... me chame de Vykk. Nós, pilotos, temos que ficar unidos.
– Você me chame de Nebl, então. Meu nome de ninho.
– Obrigado. Então, o que você acha que está acontecendo?
– Acredito que os T’landa Til estejam preocupados que essas naves “piratas”
possam ser na verdade de Nal Hutta. Despachadas por Hutts, se passando por
piratas comuns.
Han assoviou baixinho.
– Por todos os Lacaios de Xendor... essa foi demais. Os Hutts estão lutando
uns contra os outros?
– Não é difícil de acreditar se você já tiver passado um tempo entre eles –
comentou Nebl secamente. – As alianças dos Hutts são criadas e rompidas no
girar de uma moeda. A lealdade hutt derrete diante da perda de lucro ou poder,
sabe?
– Estou começando a perceber um padrão, aqui – afirmou Han, se ajeitando
desconfortável no banco duro, pensando em como chegou perto de virar poeira
cósmica. – Tem facções hutts em Nal Hutta?
– Ah, sim. Uma família ou clã acumula poder e riqueza só para cair quando
outra família planeja sua derrota. Não é de se espantar que os Hutts sejam os
mais desconfiados dos sencientes. Ser um provador de comida para um Hutt é
provavelmente uma carreira muito curta, Vykk. É bem difícil envenenar um
Hutt, mas isso não impede os assassinos de tentar e, de vez em quando, de
conseguir. Os clãs também não deixam de usar mísseis, assassinos ou tropas de
infantaria para atingir seus objetivos.
– Só que são os Hutts que realmente mandam aqui – argumentou Han.
– Ah! Você viu Zavval, então?
– Se esse for o filho da mãe inchado que anda por aí num trenó repulsor,
pode apostar que eu vi. Ainda não tive a honra de me encontrar com ele cara a
cara.
– Reze para isso nunca acontecer, Vykk. Zavval, como a maioria dos Hutts,
não é fácil de agradar. Os sacerdotes podem até ser mestres difíceis de satisfazer,
mas não são nada comparados aos Hutts, os mestres deles .
– Então, o que está rolando neste mundo? Temos Hutts que mandam aqui e
que estão brigando com outros clãs de Hutts em Nal Hutta. Por quê? – Han
pensou por um momento, depois respondeu à própria pergunta. – Ah. É claro.
Pela especiaria.
– Naturalmente. Os Hutts e os T’landa Til, seus representantes, lucram com
Ylesia de duas formas. Primeiro, tem a especiaria processada. Só que os Hutts
Ylesianos precisam comprar a especiaria-base de outras famílias Hutts que
fornecem a matéria-prima. Você já ouviu falar em Jiliac ou Jabba?
– Jabba? – Han franziu o cenho. – Jabba, o Hutt? Acho que ouvi falar nele
sim. Não é o tal do cara que praticamente controla toda Nar Shaadaa, a lua de
contrabandistas em órbita de Nal Hutta?
– Ele mesmo. Jabba divide o tempo entre seu lar em Nal Hutta e uma
operação de translado de especiarias que ele faz passar por um planeta no meio
do nada, chamado Tatooine.
– Tatooine? Nunca ouvi falar.
Nebl estremeceu.
– Acredite em mim, você não ia querer ir lá. É uma espelunca.
– Vou me lembrar disso. Então os tais Jabba e Jiliac pegam a especiaria crua
e mandam para cá para ser processada, certo?
– Isso. Só que eu acho que, ultimamente, eles podem estar tentando engordar
os lucros, mandando naves se passando por piratas para roubar os transportes de
especiarias ylesianos. Assim, Jabba e Jiliac ficam com a especiaria processada
de graça, algo que os agradaria imensamente.
Han franziu os lábios num assovio silencioso.
– Isso é que é morder a mão que o alimenta...
– De fato. Porém, não tenho dificuldade alguma em crer que eles são capazes
de tal ato.
Han passou a mão no cabelo e suspirou. Tinha sido um dia muito longo.
– É, pelo que eu ouvi, um Hutt venderia a própria avó por um crédito de
lucro; isso se eles tiverem avós.
– Portanto você precisa ser muito, muito cauteloso, jovem Vykk. Diga a
Teroenza que você precisa de escudos reforçados.
– Já disse.
– Ótimo. Mais poder de fogo também não seria ruim.
– É, tem razão. – Han encarou fixamente o Sullustano. – Nebl, já que a gente
tá conversando francamente aqui, me diz uma coisa. Essa religião que os
sacerdotes empurram pros peregrinos não vale nada, né?
– Acredito que não, Vykk. Porém, eu não entendo exatamente no que
consiste a Exultação. Não sou um fiel, então nunca a senti. Entretanto, a julgar
pela forma como os peregrinos reagem, tem um efeito mais intoxicante que
qualquer dose de especiaria.
– É, tem um coice brabo mesmo – concordou Han. – O que eu estou
percebendo é que essa coisa toda aqui em Ylesia é um imenso golpe para poder
processar especiaria baratinho.
– Não é o único motivo, Vykk. Você lembra que eu afirmei que havia duas
formas pelas quais os sacerdotes e Hutts lucravam com estas colônias?
– Lembro – disse Han. – Então me conta, qual é a segunda forma?
– Escravos – revelou Nebl sem rodeios. – Escravos treinados e dóceis. Os
Ylesianos exportam os peregrinos das fábricas de especiarias quando consideram
ter terminado seu treinamento e removido toda vontade de resistir. São levados a
outros mundos para serem vendidos. Seus lugares nas fábricas são ocupados por
novas levas de peregrinos.
– E os escravos estão submissos e condicionados demais para reclamar ou
contar a verdade sobre Ylesia e sobre o que aguarda os peregrinos por aqui? –
complementou Han.
– Certamente. E mesmo se eles falassem, quem é que escuta um escravo? E
se o escravo ficar barulhento demais... – Nebl fez um gesto súbito e
inconfundível com a mão, como se cortasse a garganta. – Silenciar um escravo é
fácil.
Han estava pensando em 921. Ela contou que já estava em Ylesia havia
quase um ano...
– Quanto tempo os escravos ficam aqui antes de serem despachados? E para
onde são mandados?
– O padrão é um ano. Eles mandam muitos dos mais fortes para Kessel, para
trabalhar nas minas de especiaria. Ninguém nunca sai vivo de Kessel, você sabe.
E os bonitinhos... São os poucos sortudos. Viram dançarinos ou dançarinas, ou
acabam nas casas de prazer de quartel. Uma vida sem dignidade, talvez, mas
muito mais fácil que escravidão e morte nas minas.
Nebl observava Han atentamente com seus olhos úmidos e luminosos.
– Por que você pergunta? Tem alguma escrava em particular que lhe é
importante?
– Bem... mais ou menos – admitiu Han. – Ela trabalha na fábrica de
brilhestim, lá no nível mais fundo. Já está aqui há quase um ano.
– Se você se importa com ela, deveria tirá-la daqui, Vykk – aconselhou o
Sullustano. – As taxas de mortalidade dos operários de brilhestim são muito
altas. A especiaria os corta, depois o fungo entra na corrente sanguínea deles, e...
– Nebl fez um gesto de jogar fora. – Tire-a daqui. Ser despachada para fora deste
mundo como escrava é sua última esperança.
– Fora deste mundo? – Han sufocou uma pontada de medo ao pensar que
poderia não ver a Peregrina 921 nunca mais. – O quê, eu tenho que torcer para
que ela seja mandada para uma casa de prazer de quartel, para ser um brinquedo
para soldados imperiais entediados?
– Melhor que uma morte lenta e dolorosa por envenenamento sanguíneo.
Han estava pensando rápido e não gostava de seus pensamentos.
– Escuta, Nebl, foi bom a gente ter conversado. Vou voltar para te visitar de
novo outro dia. Por enquanto... tem uma coisa que eu preciso fazer.
O alienígena acenou com a cabeça, compreensivo.
– Eu entendo bem, Vykk.
Uma vez do lado de fora, Han percebeu que o curto dia ylesiano estava
definitivamente terminando. Os peregrinos estariam nas devoções vespertinas.
Se ele corresse, talvez pudesse alcançar 921 e falar com ela. Tinha que inventar
algum jeito de tirá-la daquela fábrica e mesmo assim mantê-la em Ylesia.
Apesar do calor úmido e da garoa fina que caía, Han começou a correr pela
selva, até a trilha familiar. Seu peito ardia a cada respiração, depois dos
primeiros cinco minutos, mas ele se recusou a reduzir o passo. Tinha que ver o
rosto de 921 de qualquer jeito, se assegurar de que ela ainda estava lá, em Ylesia.
E se ela tivesse sido despachada? Ele nunca a encontraria... nunca! Han
sentiu o pânico roer os limites da sua mente e se xingou em todas as línguas que
conhecia. O que foi que deu em você, Solo? Você tem que se controlar! As coisas
vão bem para você aqui em Ylesia. No fim do ano, você terá uma pilha de
créditos lhe esperando numa conta em Coruscant. Agora não é hora de perder a
cabeça por causa de uma fanática religiosa qualquer. Supere isso!
Só que seu corpo e seu coração não estavam escutando aos apelos de sua
mente. Os passos de Han ficaram mais longos e rápidos até que ele começou a
correr a toda velocidade. Virou uma curva perto das Planícies Floridas e quase se
chocou contra os primeiros peregrinos que voltavam da cerimônia de fim de
tarde. Eles cambaleavam ou bamboleavam adiante, com aquela expressão
drogada e extasiada nos olhos vidrados.
Han começou a se acotovelar pela massa, sentindo-se como um peixe
nadando rio acima. Espiava os rostos na penumbra crescente, sob os chapéus,
procurando, procurando...
Cadê ela?
Cada vez mais preocupado, Han começou a segurar os peregrinos pelo braço
e inquirir se algum deles tinha visto a Peregrina 921. A maioria o ignorou ou só
olhou estupidamente, de queixo caído, mas finalmente uma velha mulher
corelliana apontou para trás com o dedão. Han se virou e descobriu 921 a
alguma distância atrás dos outros. O alívio lhe inundou o corpo. Se apressou ao
seu lado, ainda ofegante, suado e desarrumado por conta da corrida.
– Oi – ofegou ele, torcendo para que a saudação não tivesse soado tão
ridícula para ela quanto soara para ele.
Ela ergueu o olhar para o rapaz no crepúsculo.
– Oi – respondeu, incerta. – Você sumiu por um tempo.
– No espaço – explicou Han. Tomou o braço dela e passou a caminhar ao seu
lado. – Tinha carga para levar.
– Ah.
– Então, como vão as coisas? – indagou ele.
– Bem. A Exultação foi maravilhosa esta noite.
– É – concordou Han, aborrecido. – Tenho certeza de que foi.
– Como foi sua viagem, Vykk? – perguntou ela depois de um minuto de
silêncio. Han ficou feliz com a pergunta; era a primeira vez que 921 demonstrara
qualquer curiosidade sobre ele e sua vida.
– Acabou tudo bem – contou o rapaz, escolhendo um caminho pela trilha
enlameada, tentando não deixar as botas ainda mais sujas do que já estavam. Por
causa da corrida, sua perna estava emporcalhada até a altura dos joelhos. – Mas
uns piratas atiraram em mim.
– Ah, não! – Ela parecia angustiada. – Piratas! Você poderia ter se
machucado!
Han sorriu e mudou o braço de lugar para que eles caminhassem de mãos
dadas.
– Que bom saber que você se importa – comentou ele com um traço da sua
velha arrogância. Por um momento, Han achou que 921 poderia se afastar, mas
deixou que ele continuasse segurando sua mão.
Quando eles chegaram ao dormitório, já estava escuro. Han a levou até o
mesmo lugar, a meio do caminho entre a luz e as trevas. Então tirou os óculos
infravermelhos dela.
– O que você está fazendo? – indagou ela, nervosa.
– Eu quero te ver – explicou Han. – Você sabe que estes óculos escondem
seus olhos. – Han levou aos lábios e beijou a mão de 921. – Senti sua falta
enquanto estava fora – murmurou.
– Sentiu?
Han não conseguia definir se a ideia a agradava ou angustiava. Talvez
ambos.
– É, eu pensei em você – continuou ele baixinho. O rapaz percebeu que
nunca tinha sido tão honesto sobre seus sentimentos com uma garota. Pela
primeira vez na vida, não estava fingindo. – Eu não queria – acrescentou, com
sinceridade –, mas pensei. Você também sente alguma coisa, né? Um
pouquinho?
– Eu... eu... – gaguejou ela. – Eu não sei... – 921 tentou puxar a mão, mas
Han não deixou. Ele começou a beijar os dedos, os dedos cheios de cicatrizes e
cortes. O toque da pele da menina contra seus lábios o intoxicou tanto quanto a
cerveja alderaaniana. Ele despejou beijinhos delicados nos nós e pontas dos
dedos.
– Pare com isso... – sussurrou ela. – Por favor...
– Por quê? – indagou ele, virando a mão dela para beijar o pulso. Han se
sentiu extasiado com o saltar da pulsação dela contra os lábios. Pressionou a
boca contra a palma, sentindo o relevo das velhas e novas cicatrizes. – Você não
gosta?
– Sim... não... eu não sei! – explodiu 921, soando à beira das lágrimas. Puxou
a mão de volta e, desta vez, Han deixou, mas deu um passo à frente para pegar
sua manga.
– Por favor... – pediu o piloto, segurando-a com os olhos tanto quanto com as
mãos. – Por favor... não vá. Você não percebe que eu gosto de você? Eu me
preocupo com você, eu penso em você... Eu gosto de você. – Han engoliu, e isso
doeu. – Muito.
Ela ofegou e soou como um soluço de choro.
– Eu não quero que você goste – retrucou ela com a voz emocionada. –
Porque eu não posso gostar...
– Você não me disse nem o seu nome – acusou Han, sem conseguir esconder
o amargor na voz.
921 estava pronta para fugir, como um pássaro, com olhos arregalados e
atormentados.
– Eu gosto de você também – ela sussurrou, finalmente. A voz tremia. – Mas
eu não deveria. Só devo me importar com o Um e com o Todo! Você quer que eu
quebre meus votos, Vykk! Como eu poderia desistir de tudo em que acredito?
Ouvir a admissão de que ela tinha sentimentos por ele fez o coração de Han
dar um salto.
– Me diga seu nome – implorou ele. – Por favor...
921 o encarou, olhos brilhantes com lágrimas, depois sussurrou:
– É Bria. Bria Tharen.
Então, sem outra palavra, ela ergueu a barra do robe e saiu correndo pela
porta dormitório adentro.
Han ficou na escuridão e sentiu um lento e largo sorriso se abrindo no rosto.
Todo o cansaço sumiu, e o piloto se sentiu como se vestisse botas repulsoras.
Afastou-se do alojamento, ainda sorrindo, e mal notou quando os céus se
derramaram num temporal.
Ela gosta de mim... pensou ele, caminhando pela lama onipresente. Bria...
que bonito. Parece música ou coisa assim. Bria...
Naquela mesma noite, Han foi até a sala de tesouro de Teroenza se encontrar
com Bria. Estava se perguntando se ela iria à cerimônia agora que sabia que era
falsa. Parado do lado de fora, Han bateu na pesada porta revestida de metal.
– Sou eu – disse ele em resposta à voz dela do lado de dentro.
A porta se abriu, e Bria saiu. Han arregalou os olhos.
– Ei! Você está linda !
Pela primeira vez desde que Han a conhecera, Bria dispensou os robes beges
e o chapéu. Em vez deles, ela vestia uma túnica azul-clara simples e calças.
Mesmo não sendo reveladoras, as roupas evidenciavam uma silhueta esguia, mas
definitivamente feminina.
– O Exaltado Teroenza me disse que eu poderia dispensar meus robes de
peregrina quando estivesse trabalhando com a coleção – explicou ela. Quando
notou a ternura nos olhos do piloto, Bria corou um pouco, mas sorriu. – Ele
temia que eu esbarrasse com o robe em algum artefato precioso e o derrubasse
da estante.
– Bem, eu aprovo – comentou Han. – Topa tomar uma xícara de chá?
– Claro.
Quando os dois estavam sentados no refeitório administrativo, com xícaras
de estim-chá diante de si, Bria sorriu timidamente para Han.
– Então... você realmente gosta da minha aparência?
– Pode crer. Você é a garota mais bonita deste planeta, sem brincadeira.
Bria sorriu, só que o sorriso se desfez e ela pareceu preocupada.
– Parece que você não é o único a pensar assim, Vykk...
– Como assim?
– Tive a experiência mais estranha com Ganar Tos, o mordomo de Teroenza,
hoje de manhã. Ele aparentemente nunca tinha visto além dos robes de
peregrina, só que, quando eu vesti estas roupas, ele me notou pra valer. Ficou me
seguindo por uma hora enquanto eu tentava reorganizar algumas peças, puxando
conversa, ou pelo menos tentando. Aqueles olhos vermelhos-alaranjados dele me
dão arrepios. Ele é velho, mas é óbvio que ainda tem... hum... vida de sobra
dentro de si, se você me entende. Vida masculina.
Han se recostou.
– Você quer dizer que o velho safado estava dando em cima de você?
Bria teve um calafrio.
– Temo que sim. Ele queria saber qual era a minha idade, se eu já fui casada,
se já tive filhos. Perguntou por que acabei vindo parar em Ylesia para ser
peregrina. Perguntas muito pessoais! Ele foi muito intrometido.
Han se inclinou para a frente.
– Então, por que você veio para cá, afinal? Ou você acha que isso é pessoal
demais para me contar, também?
Ela sorriu languidamente.
– Claro que não, Vykk. Por que eu vim parar aqui? Parece que foi há tanto
tempo que é difícil de lembrar. Eu estava passando por um momento ruim. Tinha
acabado o ensino médio e tinha um pouco de medo de ir para a universidade.
Nunca ficara sozinha antes. Mamãe sempre me manteve em rédea curta e me
deixava com a impressão de que eu não era capaz de fazer nada direito. Que eu
fosse muito estudiosa e muito comportada não era suficiente para ela. – Bria
sorriu um sorriso nada simpático. – Papai me encorajou a seguir uma carreira,
mas mamãe só conseguia pensar em me arranjar “um marido fantástico”. Achou
que seus sonhos se realizaram quando comecei a namorar Dael.
Han sentiu uma pontada de ciúmes, mas lembrou a si mesmo que houve
algumas garotas no seu passado. Mais do que algumas, na verdade...
– Estávamos prestes a noivar quando eu o peguei no flagra com outra garota.
Então terminei tudo. Mamãe ficou furiosa comigo por acabar com Dael. Ele era
de uma das famílias mais ricas de Corellia, e ela já tinha começado a planejar o
casamento. – Bria suspirou. – Ela me mandou procurar Dael e pedir desculpas,
fazer ele me aceitar de volta. Pela primeira vez na minha vida, eu lhe disse
“não”.
– Sua mãe parece uma mulher muito... determinada – comentou Han
cautelosamente.
– Determinada não é palavra. Mamãe tinha me empurrado para cima de Dael
desde que éramos colegas de escola, e eu nunca tive coragem de dizer a ela que
eu nem gostava muito dele. É engraçado – seus olhos azuis esverdeados ficaram
úmidos –, eu não queria muito Dael, mas quando eu soube que ele andava
ficando com outra mulher pelas minhas costas, me senti traída e com o coração
partido. As pessoas são estranhas, não são?
Han concordou com a cabeça.
– Continue – encorajou.
– Bem, foi por volta dessa época que eu ouvi que um missionário Ylesiano
estava promovendo reuniões. Eu estava me sentindo muito mal comigo mesma,
porque sabia que simplesmente não conseguia fazer nada direito. Isolada, sabe?
Separada de todo mundo. Então eu fui à reunião. O sacerdote Ylesiano encerrou
o serviço com alguns poucos segundos de Exultação... e aquilo me fez me sentir
tão bem . Como se o meu lugar fosse com aquelas pessoas. Então eu vendi
minhas joias, fugi de casa e peguei a próxima nave para Ylesia.
Ela sorriu melancólica.
– Então essa é minha história. Voltando ao assunto em questão, o que você
acha que eu deveria fazer para manter o pobre e velho Ganar Tos à distância?
– Bem, se ele te incomodar muito, fale com Teroenza. Tenho certeza que ele
não quer que nada interfira com o seu trabalho e, se Ganar Tos estiver
atrapalhando, então ele vai acabar com isso.
– Certo – concordou Bria, se animando. – É uma boa ideia.
– Você vai à cerimônia? – perguntou Han, olhando Bria com seriedade.
Ela balançou a cabeça.
– Não. Não quero ir.
– Eles não vão notar que você não foi?
– Eu sempre posso dizer que fiquei com dor de cabeça ou que fiquei
trabalhando até tarde. A maioria dos peregrinos mal pode esperar para ir, então
eles não controlam quem vai.
– Verdade. Que tal uma caminhada, então?
– Vamos.
Uma vez do lado de fora, Han esperou até chegar às Planícies Floridas para
tocar no assunto que tinha em mente. Resumiu rapidamente a interação daquela
manhã com Muuurgh. Bria ficou alarmada ao descobrir que o Togoriano tinha
escutado a conversa da noite anterior e comentou isso com Han.
– É, eu também fiquei preocupado – respondeu Han. – O grandalhão sabe ser
silencioso de verdade quando quer. Não é de se espantar que ele diga que é o
melhor caçador do planeta. Aparentemente, me seguiu todas as vezes que eu saí
para fazer reconhecimento do terreno e descobrir a melhor maneira de escapar
daqui.
– É melhor nós tomarmos cuidado com a nossa localização quando
discutirmos os planos de fuga – comentou ela, olhando em volta nervosamente.
– Por que você acha que eu trouxe a gente até aqui antes mesmo de tocar no
assunto? As árvores aqui têm ouvidos. A gente tem que ser muito cuidadoso.
Noite passada foi só Muuurgh, então está tudo bem, mas podia ter sido qualquer
um dos camaleões que eles usam de guarda lá na fábrica de brilhestim.
Bria estremeceu com a ideia.
– Então, o que você tinha para me contar?
– Muuurgh vai pedir para sair numa viagem de caça enquanto Jalus Nebl e
eu vamos na missão para Nal Hutta. Estamos com tudo armado. Teroenza
aprovou meu pedido para levar Nebl comigo hoje. Nal Hutta fica a dois sistemas
de distância, e vamos levar quatro, talvez cinco dias. Prometi a Muuurgh que ele
teria esse tempo para descobrir se Mrrov ainda está aqui e que, se ela estiver, a
gente vai levar ela junto.
– Isso seria bom – concordou Bria. – Odiei a ideia de deixar Muuurgh para
trás. Se Teroenza ficar furioso o bastante, ele provavelmente o mataria por nos
deixar escapar, quer fosse culpa dele ou não.
– Verdade. – Han suspirou. – Eu só queria descobrir um jeito de invadir os
aposentos de Teroenza e vasculhar o lugar até achar onde ele guarda os códigos
de acesso das naves e os códigos de segurança da coleção. Até agora, estou
empacado. Sei como manter os guardas ocupados, só que, se eu não conseguir os
códigos, talvez tenha que mudar os planos. Quem sabe tacar fogo no Centro de
Hospitalidade ou coisa assim.
– Códigos de segurança? – Bria franziu o cenho e fechou os olhos. – Códigos
de segurança... – Ela respirou fundo e começou a recitar uma sequência de
números, símbolos e letras.
– Parece que é isso mesmo! – Han segurou o braço de Bria, empolgado. – E
como você descobriu?
Bria abriu um sorriso trêmulo.
– Estavam na mente de Teroenza. Temo que estejam gravados na minha,
junto com tudo mais. Eu queria poder esquecer os códigos e todas as outras
coisas, só que não consigo.
Han segurou os ombros dela e lhe deu uma chacoalhada animada.
– Bem, não deseje isso até que a gente esteja fora deste buraco imundo. Bria,
querida, isto é ótimo! Você me poupou um trabalhão.
Ela deu outro sorriso incerto.
– Paguei um preço horrível por isso mas, se nos ajudar... acho que valeu a
pena.
– Vai valer – prometeu Han. – Confie em mim. Eu juro que vai valer.
Ela assentiu com a cabeça.
– Então a gente só precisa evitar criar suspeitas até que estejamos prontos
para dar no pé. Vai ser fácil para mim; Nebl e eu estaremos em Nal Hutta. Você
acha que consegue manter tudo na normalidade por aqui até eu voltar?
– Acho que sim. Mas... não demore!
– Não vou demorar, querida.
Bria lhe lançou um olhar suplicante.
– Depois que nós estivermos livres, poderíamos ir a Corellia, Vykk? Quero
ver minha família de novo. Quero que eles saibam que eu estou bem.
Han lhe deu um sorriso tranquilizador.
– Claro, meu bem. Eu tenho alguns assuntos a resolver em Corellia, então
essa vai ser uma das nossas primeiras paradas, tudo bem?
Bria abriu um sorriso radiante em resposta.
– Tudo bem.
Han deu uma olhada no alto vulto Togoriano que ocupou o assento de piloto
ao lado dele e exclamou, surpreso:
– Você não é Muuurgh!
– Sou Mrrov – apresentou-se a fêmea Togoriana. Ela tinha se livrado do robe
de peregrina, e a gloriosa pelagem branca com listras alaranjadas reluzia como
fogo. – Vou cuidar das armas para você; apresente-me o que nós temos, por
favor. Você verá que sou uma oficial artilheira muito melhor que Muuurgh. Na
nossa espécie, as fêmeas são as técnicas e as especialistas em instrumentos. – Ela
deu uma olhada para Han, que viu que os olhos de pupilas fendidas dela eram
amarelos. – Além disso, Muuurgh foi ferido, e não está em condições de lutar.
– Ele vai ficar bem? – Han sentiu uma pontada de preocupação.
– Acho que sim. Meu povo é muito forte e resistente. Bria; esse é o nome
dela? – Han assentiu com a cabeça. – Sua Bria está com ele. Muuurgh está
descansando.
– Certo – disse Han. – Esta belezoca não tem muito armamento, mas conta
com alguns mísseis de concussão e um canhão laser leve. Bem ali. Canhões laser
à sua direita, lança-mísseis à esquerda. Computador de tiro bem à frente.
– Muito bem. – Depois de alguns momentos conferindo o painel diante dela,
Mrrov assentiu com a cabeça. – Tudo bem, eu dou conta. Quem atirou em nós?
– É isso que eu estou tentando descobrir – respondeu Han, estudando as
leituras de sensores. – Não acho que os sacerdotes tenham armas superfície-ar,
mas não consigo...
Han se interrompeu com uma gargalhada, bem quando a Talismã estremeceu
de novo. Mrrov olhou para o piloto, que ainda ria, como se ele fosse louco.
– Está tudo bem – afirmou ele.
Ela apontou a leitura técnica do espaço ao redor deles. Havia várias células
de tempestade, a uma distância segura do vetor de escape deles, mas havia
também uma pequena nave em forma de lágrima que se aproximava rapidamente
da Talismã.
– Como assim, “tudo bem”? Tem alguém nos perseguindo e atirando, e está
chegando perto!
– Ahhhh... é só o velho Jalus Nebl na Sonho Ylesiano – respondeu Han,
acenando de forma desdenhosa. – Os sacerdotes devem ter mandado ele subir
aqui e derrubar a gente. – Ele riu de novo.
A Talismã deu um tranco leve. Han riu mais uma vez.
Mrrov o encarava, obviamente se perguntado se o piloto tinha enlouquecido
com a pressão. Han sorriu alegremente para ela.
– Você não entendeu.
– Não – concordou Mrrov. – Você se importaria em explicar?
– Sem problema. Jalus Nebl é meu amigo. Ele não me derrubaria, assim
como eu não derrubaria ele. Então está atirando com o canhão laser, errando a
gente por pouco todas as vezes, fazendo parecer de verdade. Estamos ganhando
velocidade a cada momento, logo vamos sair da atmosfera e, cinco minutos
depois disso , teremos escapado do campo gravitacional do planeta. Está tudo
bem, Mrrov. Confie em mim.
Os bigodes de Mrrov tremeram.
– Acredito que esteja começando a entender. Seu amigo Jalus Nebl está
fingindo tentar nos derrubar? Portanto não temos nada com que nos preocupar?
– Isso – confirmou Han, animado. – Estamos quase livres da atmosfera e, se
Nebl tiver um grão de bom senso, vai pegar a Sonho Ylesiano e carregar aquela
carcaça bochechuda para longe de Ylesia, também. Ou talvez ele tenha decidido
ficar com os sacerdotes e pedir um aumento. Eles vão ficar desesperados, com só
um piloto.
Outro tiro de raspão fez a Talismã tremer.
– Esse passou perto – murmurou Han, verificando o casco da nave e os
sistemas. – Aquele desgraçado está se exibindo.
Han continuou rastreando a Sonho Ylesiano enquanto ela os seguia pelo final
da estratosfera até a fina camada da ionosfera. Adiante aguardava a mais tênue
camada da atmosfera superior – a exosfera.
Enquanto disparavam para cima, Han voltou sua atenção ao navicomputador,
conferindo a programação do salto ao hiperespaço. Eles ainda levariam vários
minutos para se libertar do campo gravitacional de Ylesia, mas ele queria estar
pronto.
– Vejo um veículo em nossos sensores – anunciou Mrrov. – Acima e no
nosso caminho.
– É só a estação espacial. Ela se mantém numa órbita geossíncrona sobre
Colônia Um – respondeu Han sem erguer o olhar. – É onde eles descarregam os
peregrinos quando as naves os trazem. Você deve ter passado por lá.
– Não, Han. – Mrrov soava subitamente alarmada. – Eu me lembro dela
muito bem, mas não é isso. Aquilo não é uma estação espacial, é uma
espaçonave! E das grandes!
Finalmente preocupado, Han ergueu o olhar e começou a praguejar em seis
línguas.
– É uma corveta corelliana! O que está fazendo aqui?
As mãos do piloto voaram sobre os controles quando ele iniciou manobras
evasivas, acelerando e alterando o curso para longe da enorme nave. Com uma
parte da mente, Han notou que o blip da Sonho se desviou na direção oposta.
De repente, a Talismã deu um tranco forte e corcoveou. O motor começou a
se esforçar.
– Qual é o problema? – inquiriu Mrrov bem quando Bria irrompeu na cabine.
– Han... o que aconteceu? – perguntou ela.
Han ativou a força auxiliar, sentiu o iate ylesiano fazendo esforço, mas...
não... ia... ser... suficiente...
– Não! – gritou ele, frustrado, à beira do pânico. – Não, a gente não pode
voltar!
As passageiras o encararam, os olhos arregalados de medo, quando Han
começou a desativar os motores para que não se queimassem.
Foi então que uma voz surgiu na unidade de comunicação.
– Atenção, Talismã . Aqui fala o capitão Ngyn Reeos, no comando da
corveta corelliana Grilhão do Servo, vinda de Kessel. Aconselhamos que vocês
desliguem seus motores. Estão presos em nosso raio trator.
– Eu sei! – gritou Han, sem se dar ao trabalho de ativar a unidade de
comunicação. – Obrigado por me contar!
Capitão Reeos continuou falando, inexorável.
– Nós os detivemos porque fui informado pelas autoridades planetárias que
vocês levaram a Talismã sem autorização. Essas mesmas autoridades planetárias
nos pediram para entregá-los de volta a Ylesia para responder às acusações.
Preparem-se para serem abordados. Qualquer tentativa de resistência será
respondida com força sumária.
Han fitou a nave acinturada com seus onze enormes tubos de reatores. A
corveta era facilmente vinte vezes maior que a nave deles. Han percebeu que ela
tinha sido modificada com um vão de atracagem.
– É uma nave imensa – sussurrou Bria. – Estão nos puxando, Han.
– Não tem nada que eu possa fazer, meu bem – retrucou Han. – Eles
prenderam a gente, não tem como a gente escapar.
– Quantos tripulantes a bordo daquela nave? – indagou Mrrov, fitando a nave
de escravos como se estivesse hipnotizada, a nave que viera levá-la e os outros
peregrinos a um destino amargo nas minas.
– Com uma tripulação da Marinha, são 165. Mas esta é uma corveta
modificada . Foi alterada para atracar no espaço, provavelmente para facilitar o
carregamentos ou embarque de escravos. Provavelmente são quarenta ou
cinquenta tripulantes.
– Gente demais para enfrentar – concluiu Bria asperamente.
– Eles não vão me levar sem luta – declarou Han. Sacou a arma de raios e
olhou para elas. – Quem está comigo?
Bria balançou a cabeça.
– Só nós três? Contra quarenta? Han, você tem mais coragem que bom
senso!
Han balançou a cabeça e, com um gesto súbito e violento, guardou a pistola
de volta no coldre.
– Tem razão. Mas eu não tenho que gostar disso.
Sem aviso, um crepitar súbito numa frequência diferente ecoou na cabine de
controle.
– Aceleração máxima. Guinada para bombordo. Sete segundos. Contando! –
disparou uma voz em Sullustano.
– Mas quê... – Os dedos de Han se moveram automaticamente e aceleraram
de novo, usando toda a potência que ele conseguiu espremer dos motores
principais e auxiliares. O som do esforço das máquinas era doloroso de ouvir
enquanto elas giravam, enfrentando inutilmente o raio trator inexorável.
Àquela altura, a Talismã já tinha sido quase engolida pela bocarra da baia de
atracagem da nave maior. Algumas poucas centenas de metros separavam as
duas naves.
Han programou os controles para uma guinada a bombordo e manteve a mão
erguida, pronto para implementar o comando. Os motores gemiam e forçavam.
Seriam destruídos em instantes.
– O que aquele maluco...
Han se calou espantado quando a Sonho Ylesiano veio na direção deles,
movendo-se numa velocidade terrível.
Todos na cabine de comando da Talismã se abaixaram quando o pequeno
cargueiro zuniu acima, depois guinou forte para estibordo. Jalus Nebl levou a
Sonho Ylesiano entre a Talismã e a Grilhão do Servo com aceleração máxima.
Esse espaço era tão apertado que o pequeno Sullustano teve que virar a Sonho de
lado para que pudesse passar entre as duas naves que se aproximavam.
– Vai! – gritou Han. – Vai, Nebl! – Ele ativou os controles, virando a Talismã
para bombordo o máximo possível.
Quando a Sonho passou entre as duas naves, rompeu o raio trator por poucos
e preciosos segundos. A nave subitamente libertada de Han ricocheteou para
longe da corveta corelliana como um raio de pistola, disparando para a esquerda
enquanto Jalus Nebl se afastava para a direita.
– Yeeeeehah! – gritou Han em puro júbilo quando sentiu que a nave se
afastava da Grilhão do Servo . Enquanto dava um rasante sobre a imensa nave,
só por via das dúvidas, Han disparou dois mísseis de concussão contra o
principal painel solar da Grilhão e a aleta estabilizadora, que ficavam no dorso à
meia nave.
Assistiu, boquiaberto, quando o primeiro míssil eliminou o escudo mínimo
que fora a única proteção da aleta, permitindo que o segundo míssil explodisse
com força letal e a destruísse quase por inteiro.
– Eles estavam com os escudos pesados baixados, os idiotas ! – comemorou.
– Pensaram que a gente estava no papo, então deixaram aquela aleta quase
desprotegida!
Ele sabia que a corveta ainda representava uma ameaça, então não reduziu a
velocidade. Jalus Nebl também não. O pequeno Sullustano ainda ganhava
velocidade quando o sensor de Han relatou, vários minutos mais tarde, que ele
tinha completado o salto para o hiperespaço com sucesso.
– E nós somos os próximos – anunciou Han, sorrindo para Bria. – Diga
adeus ao paraíso, meu bem...
Com um floreio, ele cravou o dedo no controle que os levaria ao hiperespaço
e exultou com a onda súbita de poder que os arrancou do espaço real e os lançou
no túnel riscado de estrelas.
– Sãos e salvos – sussurrou Han, desabando na cadeira, percebendo só então
como estava profundamente cansado.
Bria sorriu e apertou-lhe a mão. Mrrov esfregou o rosto em sua bochecha.
– Obrigada – sussurraram as duas.
Han nunca se sentira tão bem...
Han acordou com o som de um soluçar leve e abafado. Estava dormindo no
chão dos aposentos de Teroenza, numa pilha de tapetes caros que tinha arrastado
até ali. Insistira que Bria ficasse com a única cama estilo humano. Já que Mrrov
era a única que descansara na noite anterior, se oferecera para cochilar no
assento do piloto e ficar de olho nos alarmes – mesmo que, agora que eles
tinham alcançado o hiperespaço, não houvesse muito que pudesse dar errado.
Han se sentou com um grunhido, sentindo-se todo duro. O dia anterior tinha
sido muito difícil e agora ele lembrava, tardiamente, que não tinha comido nada.
A sede estava ainda pior que a fome. Levantou-se, cambaleou até o bebedouro
do quarto e tomou vários copos.
Enquanto bebia, a mão esbarrou no rosto, e Han franziu o cenho ao tocar o
queixo e sentir a barba que crescia grossa. Tinha se esquecido de fazer a barba
desde que pousaram em Nal Hutta.
Os sons de soluçar humano cessaram. Han pegou as roupas e entrou na
luxuosa unidade de higiene, feliz porque ela continha itens para quase todos os
tipos de espécies. Achou até mesmo um aparelho de barbear.
Minutos depois, vestido e se sentindo consideravelmente melhor, foi
procurar Bria.
Encontrou-a na pequena saleta de guarda, sentada no leito, com os braços
segurando os joelhos e com o rosto encostado nestes.
– Ei – sussurrou Han. – O que foi? O que está acontecendo?
Bria não ergueu o rosto, só o dispensou com um aceno.
– Não, por favor... me deixa... em paz. Eu vou... ficar bem. Não quero que
você... me veja assim. – Ela fungou. – Eu estou... horrível.
Han se sentou ao lado dela, mas não a tocou.
– Eu estou horrível, também – disse ele. – Uma troca de roupas cairia bem
para todos nós. Ei... – brincou ele, tentando fazer que Bria olhasse para ele –,
pelo menos eu me livrei da barba. Melhorei muito.
Bria levantou a cabeça e lhe lançou um sorriso aguado. O nariz e os olhos
estavam vermelhos, mas ela ainda parecia linda para Han.
– Você realmente estava meio... relaxado... ontem à noite.
Han se endireitou, fingindo estar ofendido.
– Relaxado? Eu? Nunca! – passou um braço com delicadeza em volta dela. –
Bria, querida... qual é o problema? Me conta.
Ela começou a estremecer.
– É a Exultação, Han. Eu acordei e percebi que os peregrinos estão se
reunindo para a cerimônia agora mesmo. E percebi que nunca mais a receberei;
nunca mais vou me sentir tão bem!
Han não sabia o que dizer. Ele percebeu que sentia falta das sensações físicas
e emocionais que acompanhavam a Exultação tal e qual um viciado sentiria falta
de uma dose da sua droga preferida. A percepção o assustou. Será que Bria
poderia enfrentar a dependência e vencer? Ou será que ela passaria o resto da
vida lamentando o que tinha perdido?
– Acho que isso é natural – comentou ele com cuidado, sem querer assustá-la
dando voz aos pensamentos reais. – Claro que você vai sentir falta por um dia ou
dois, talvez uma semana. Mas nós todos vamos te ajudar a superar, meu bem.
Você é uma pessoa forte. Vai conseguir. E então... – Han fez um gesto amplo
com a mão. – É uma galáxia grande, gata. E agora ela é toda nossa. Vamos
vender as coisas de Teroenza, vender a Talismã ...
– Vender a Talismã ? – indagou ela.
– É, infelizmente ela é muito reconhecível. Vou deixar Muuurgh e Mrrov em
casa, depois a gente procura um lugar para vender esta nave. Acho que sei onde.
Um vendedor de naves usadas em Tralus, no sistema corelliano. E a gente pode
comprar uma passagem de lá para Corellia fácil, fácil.
Han deu uma apertadinha nos ombros de Bria.
– E tem uma enorme vantagem em irmos como passageiros... Eu não vou
ficar ocupado pilotando. Você terá a minha – Han deu um beijo no rosto dela –
atenção completa.
Bria engoliu em seco e pareceu acanhada. Han começou a se inclinar na
direção dela de novo, mas Bria recuou um pouco, e Han entendeu a dica.
Ela mordeu o lábio, com olhos assombrados.
– Ah, Han... e seu eu não conseguir superar essa... essa... ânsia? Han – Bria
torceu as mãos num gesto convulsivo –, é pior que uma ânsia! É como um... um
desejo ! Todo meu corpo e alma gritam pela Exultação! Eu me sinto como se
alguém tivesse aberto um buraco enorme em mim e levado parte de mim
embora!
Bria começou a tremer violentamente. Han a puxou para perto de si,
abraçou-a com força e acariciou-lhe os cabelos, murmurando palavras de
conforto. Por dentro, porém, a mente dele estava agitada, e o rapaz percebeu que
ele também estava com medo. Com medo do quanto ele sentia por aquela
mulher. Han fizera alguns planos bem definidos em relação a Bria que
envolviam passar muito, muito tempo a sós, nos braços um do outro.
Só que ela não está pronta para isso, percebeu ele com ansiedade crescente.
Ela precisa de um amigo, não de um amante.
Quanto tempo Bria levaria para recuperar o próprio eu?
Só o tempo diria.
Han traçou uma rota para a Talismã que os levava para bem longe do espaço
Hutt e os trouxe numa jornada descansada de três dias até o sistema corelliano.
Ele prolongava deliberadamente o tempo que passaria sozinho com Bria. Por
dentro, ficava muito apreensivo de ter que voltar a Corellia e conhecer a família
dela. Não sabia quase nada sobre como os “cidadãos” viviam e tinha certeza de
que teria dificuldades em se adaptar.
Também sabia que, uma vez que chegassem a Tralus, ele teria que botar
mãos à obra. Han estava preparado para mudar de identidade assim que pousasse
em Corellia. Mas Bria era procurada pelos T’landa Til e os Hutts também, e eles
sabiam o nome verdadeiro dela. A primeira coisa que Han planejava fazer, assim
que tivesse créditos para tanto, era fornecer uma identidade falsa a Bria.
Além disso, Han tentava dar a ela o máximo de tempo possível para sarar.
Ele sabia que ela ainda ansiava pela Exultação, mesmo que não tivesse mais
ataques de pânico ou crises de choro. Porém, várias vezes ele acordara no meio
da noite e dera pela falta dela.
Ao procurar por Bria, geralmente a encontrava na cabine de controle, sentada
no assento do copiloto, contemplando as estrelas com um desejo tão intenso nos
olhos que Han sentia uma pontada de ciúmes.
Por que eu não posso ser suficiente para ela? Por que nosso amor não
basta? perguntou-se ele. Han queria ser suficiente para Bria, queria que ela fosse
feliz e contente, mas percebia claramente que esse não era o caso. Isso o
entristecia e o deixava irritado também.
Certa vez, tentou falar sobre a questão com ela.
– Já faz quase dez dias! Por que você sente tanta falta, ainda? – inquiriu ele,
notando o tom de raiva na voz, mas incapaz de contê-lo. – Me conta, Bria, me
explica!
Bria o fitou com olhos verde-azulados muito tristes, quase assombrados.
– Eu não posso explicar, Han. É como se eles tivessem tirado um pedaço de
mim... um pedaço do meu espírito. Não é só questão de eu sentir falta da própria
Exultação, do prazer, do calor. Estou superando isso. É...
Han estava sentado ao lado dela no lugar do piloto e pegou as mãos dela, que
estavam frias, e as aqueceu gentilmente.
– Continue... – disse ele em voz baixa. – Estou aqui. Estou ouvindo.
– Tanto Mrrov quanto Teroenza estavam enganados quando disseram que só
pessoas de mente fraca caem na armadilha da religião ylesiana – afirmou Bria
lentamente, escolhendo as palavras com cuidado. – Ah, alguns dos peregrinos
podem ser gente descontente que nunca teve sucesso na vida e que procuram um
jeito de fugir das responsabilidades. Mas não é o caso da maioria. Conheci
muitos deles, Han.
– É verdade – encorajou ele.
– A maioria dos peregrinos Ylesianos era de... idealistas, acho que se poderia
dizer. Gente que acreditava que havia alguma coisa melhor , algum sentido para
a vida. Saíram procurando nos lugares errados e foram iludidos pela baboseira
dos sacerdotes sobre o Um e o Todo... mas isso não faz que a meta deles, a
aspiração deles de acreditar num poder superior, seja idiota.
Han concordou com um aceno da cabeça e viu as lágrimas se acumulando,
depois se derramando dos belos olhos. Preocupado, começou a falar:
– Bria... meu bem. Não se torture assim! Só porque esta religião acabou
sendo uma farsa e uma vigarice, não quer dizer que a vida não valha a pena. Nós
temos um ao outro. Nós vamos ter dinheiro. Vamos ficar bem.
– Han... – Bria tocou a bochecha dele, acariciou seu rosto e lhe abriu um
sorriso carinhoso. – Você é um pragmático absoluto, não é? Se não tiver
ninguém atirando em você, ou nenhum raio trator, a vida está ótima, não é?
Han balançou a cabeça, um pouco magoado.
– Eu sou um cara simples, verdade, mas isso não significa que eu seja
incapaz de entender do que você está falando, Bria. Seria bom se houvesse
algum poder superior, talvez. Eu só não calho de acreditar que isso exista. E me
magoa ver você tão magoada.
– Han... você não percebe que a única pessoa de quem você pode realmente
cuidar e proteger é você mesmo...
– E você , Bria – interrompeu-a ele. – Não se esqueça disso nem por um
segundo. Nós somos uma equipe, querida.
– É, nós somos uma equipe. Mas é difícil para mim ficar satisfeita em não
levar tiros ou ter algum dinheiro. Eu quero mais.
– Você quer alguma razão que explique tudo que acontece. Você quer
trabalhar para transformar seus ideais em realidade – afirmou Han.
– Isso – concordou ela. – Mas eu entendo que você não permite que questões
como o sentido da vida o atormentem. Você provavelmente é o mais inteligente
aqui, Han.
– Inteligente? – Han franziu o cenho. – Eu não sou burro, sei disso, mas
nunca fingi que era um filósofo ou coisa assim.
– Certo. Você não se rasga todo por causa da injustiça, da corrupção e dos
malfeitos. Você aceita as coisas como elas são e descobre um jeito de contorná-
las. Não é?
Han pensou nisso e finalmente concordou com a cabeça.
– É mesmo, acho que sim. Talvez, há muito tempo, eu tivesse algumas ideias
sobre como eu poderia me tornar alguém que faria o bem e enfrentaria os vilões,
mas... – Ele suspirou e abriu um sorriso irônico. – Acho que essas noções foram
expelidas de mim na base da porrada quando eu ainda era bem novinho. Quando
você vive sob o jugo de Garris Shrike, aprende rapidinho que ninguém vai cuidar
de você exceto você mesmo, e que correr qualquer risco por qualquer outra
pessoa é um bom jeito de acabar morto.
– E quanto a Dewlanna? – indagou Bria.
– É, eu sabia que você ia falar nela. – Han passou a mão pelo cabelo e sorriu.
– Dewlanna era diferente. Nós cuidávamos um do outro, sim. Mas ela era a
única, Bria. A única pessoa que dava a mínima para se eu viveria ou morreria.
Saber disso me transformou num... pragmático, eu acho.
– É claro que transformou. É perfeitamente natural.
– Mas continue – urgiu Han. – Você estava me contando sobre como os
peregrinos eram... idealistas. Você também é?
Bria fez que sim com a cabeça.
– Acho que sim, Han. A minha vida inteira eu sempre quis ser mais , ser
melhor, tornar o universo um lugar melhor por causa da minha presença. Quando
eu descobri a religião ylesiana, realmente, verdadeiramente pensei que tinha
encontrado. Que eu, de alguma forma, poderia mudar o universo com a minha
crença e a minha fé. – Ela sorriu ironicamente e deu de ombros. – Obviamente,
escolhi a fé errada em que acreditar.
– É – concordou ele, revirando na cabeça tudo que ela tinha dito. – Só que
existem outras coisas em que acreditar, Bria. Talvez algumas delas sejam reais.
Talvez você só tenha que descobrir quais são essas coisas.
Bria se levantou e veio até ele, depois se curvou e beijou o topo da cabeça
dele. O piloto se levantou e a abraçou com força.
– Eu sei de uma coisa real – afirmou ela. – Você é real . Você é a pessoa mais
real que eu já conheci. A mais viva.
Han beijou o rosto de Bria, que apoiou a cabeça no ombro dele. Ficaram
assim por um minuto, sem falar.
– Dewlanna me contou sobre algo em que ela acreditava – disse ele,
finalmente. – Alguma forma de energia vital compartilhada por todas as
criaturas, todas as coisas. Ela acreditava nisso. Jurou para mim que era real.
– Talvez eu devesse ir a Kashyyyk – comentou ela. – Numa peregrinação.
– Claro – concordou Han. – Um dia a gente vai lá. Eu gostaria de conhecer.
Dewlanna me contou que é um belo mundo. Eles vivem no alto das árvores.
– Seria muito bom – disse Bria, sonhadora. – Só eu e você em cima de uma
árvore. O que a gente ia fazer o dia todo?
– Eu sei de uma coisa – retrucou Han e se curvou para beijá-la com tanta
paixão que até mesmo as estrelas pareceram girar ao redor dela com longos
rastros, e seus ouvidos começaram a apitar...
Não, ela percebeu, um momento depois, aquelas não eram reações ao beijo
de Han – era o alarme avisando que eles tinham saído do hiperespaço. Han fez
uma careta.
– Por falar em timing ruim, doçura. Bom, mais tarde, está bem?
Ela sorriu.
– Mais tarde... eu vou te lembrar disso.
Ele já tinha voltado ao assento de piloto e conferia as coordenadas, mas
separou um momento para lançar um sorriso que fez o coração de Bria dar uma
cambalhota.
– Eu mal posso esperar.
Mais tarde, naquele mesmo dia, “Janil Andrus” e sua esposa, “Drea Andrus”,
embarcaram num transporte de passageiros intersistêmico com destino a
Corellia. Bria ficou preocupada em posar como marido e mulher, mas Han tinha
lhe garantido que os boletins de ALERTA DE SEGURANÇA dos Hutts os listavam
como sendo solteiros. Privativamente, ele se preocupava com a possibilidade de
os Hutts tentarem rastreá-los, já que sabiam o sobrenome de Bria, mas também
sabia que os Hutts não queriam criar uma cena ou revelar o golpe de Ylesia ao
público. Ele torcia para que isso fosse o suficiente para que eles evitassem tentar
prendê-los abertamente. Han não planejava ficar em Corellia por muito tempo...
O par chegou ao mundo natal no começo da noite e pegou um transporte
transcontinental para o continente sul, onde o lar dos Tharen ficava. Quando
chegaram à estação, de onde, segundo Bria, dava para ir a pé até a casa dela, os
dois estavam cansados e suados, sem ter como trocar de roupa. A única bagagem
era a mochila que continha os tesouros de Teroenza.
– Então... – começou Han, passando o peso do corpo de um pé ao outro,
olhando pela janela da estação para a neblina e a garoa leve que caía. – E agora?
Procuramos um lugar para nos entocarmos até de manhã? Ou seria melhor ligar
para sua família e avisá-los?
– Acho melhor ligar – respondeu Bria, soando tão em dúvida quanto Han. –
Espere aqui. – Ela foi pedir emprestado o comlink do administrador da estação e
voltou alguns minutos depois.
Han percebeu quão cansada Bria parecia e passou o braço pelos seus ombros.
– Então... como foi?
Ela sorriu palidamente.
– Mamãe quase desmaiou, depois começou a gritar comigo. – Ela suspirou. –
Eu sei que ela me ama, mas a forma como demonstra faz que eu fique com
vontade de gritar, às vezes. Quer o melhor para mim, desde que seja de acordo
com o que ela considera melhor!
Han concordou com um aceno de cabeça, pensando pela primeira vez na
vida que talvez tivesse tido sorte, de certa forma, de nunca ter precisado lidar
com pais.
– Então, vamos andando?
Bria balançou a cabeça.
– Não vai ser necessário, papai vem nos buscar no speeder. Deve chegar a
qualquer momento.
Enquanto ela ainda falava, um speeder luxuoso parou diante da estação. Era
pilotado por um homem bonito e distinto, com cabelos grisalhos e porte
corpulento.
Quando Han e Bria se aproximaram do veículo, o homem saltou do speeder
e, rindo e chorando ao mesmo tempo, abraçou a filha. Longos momentos depois,
virou-se para apertar a mão de Han.
– É um prazer conhecê-lo – disse o homem. – Pelo que entendi, você salvou
Bria de... bem, de coisas terríveis. Só posso lhe dizer... obrigado. Obrigado, er...
– Solo, senhor – respondeu Han. – Pode me chamar de Han.
O aperto de Tharen era firme.
– Por favor, me chame de Renn, Han.
– Sim, senhor.
A volta para a casa de Bria foi rápida. Passaram por um conjunto reforçado
de portões de segurança, depois seguiram por uma estrada que parecia não ter
nenhuma casa. Han deu uma olhada para os dois lados e viu grades altas, do tipo
que ele costumava zombar nos seus tempos de ladrão.
– Não tem muita gente morando aqui – comentou.
– Ah, esta terra é nossa – respondeu Renn Tharen distraidamente. – Comprei
há alguns anos para nos separar dos nossos vizinhos. Sou um homem que
valoriza a privacidade.
Entrou com o veículo numa estrada secundária que era fechada com outro
portão igualmente reforçado, porém mais ornamentado. Além dele, Han viu a
casa e murmurou um xingamento virulento em huttês. Bria, meu bem... pensou
Han severamente, por que você não me contou que sua família era rica o
bastante para comprar e vender metade de Corellia?
A casa era imensa... alas e torres modificadas, e paisagismo à altura. A
mansão Tharen fazia a moradia do primo Thrackan parecer um casebre. Bria se
virou para Han e abriu um sorriso trêmulo.
– Bem, chegamos.
– É – respondeu Han, fazendo um esforço deliberado para manter a voz
neutra. Tinha notado que Bria estava quase nauseada de ansiedade e não queria
deixá-la ainda mais preocupada. Havia pelo menos uma vantagem no fato de os
pais de Bria serem ricos – os Hutts nunca ousariam tentar agarrá-la enquanto
estivesse em casa. Isso certamente causaria um grave incidente interestelar, e os
Hutts preferiam trabalhar clandestinamente.
Antes que o grupo pudesse alcançar a porta da frente, a mãe de Bria saiu
correndo, usando um vestido que Han só podia descrever como “rico”.
– Querida! – exclamou, abraçando a filha. Han ficou um pouco afastado,
feliz em ficar fora do caminho até que os pais de Bria terminassem de lhe dar as
boas-vindas.
No meio de todo o tumulto de saudações, recriminações, lágrimas, abraços e
perguntas e respostas animadas, o irmão de Bria chegou em casa. Han lembrava
que Bria tinha dito que o nome do irmão era Pavik. Ao contrário da irmã, Pavik
Tharen tinha puxado a mãe; era baixo, magro, com cabelos escuros e olhos
verdes. Era um rapaz bonito e parecia gostar de verdade da irmã.
Demorou um bom tempo até Bria conseguir se desembaraçar da família para
apresentar Han. Com olhos brilhantes, tomou a mão dele e o levou para conhecer
a mãe, Sera Tharen, e o irmão.
– Prazer conhecê-la, lady Tharen – disse Han, apertando mãos e exibindo
suas melhores maneiras. – Você também, Pavik.
O aperto de mão de Sera era frouxo e sem entusiasmo. Estudou Han, que
logo percebeu que ela não tinha gostado muito do que via. Han suspirou por
dentro. Tenho um mau pressentimento quanto a isso...
– Bem, por favor, entre – disse Sera Tharen. – Vamos todos nos sentar. Tenho
que dizer, isto foi um choque. Pensei que jamais veria minha filhinha de novo,
nunca mais mesmo. Bria, querida, como você pôde fazer isso conosco?
Ainda murmurando recriminações, Sera Tharen os levou para dentro.
Quando Han chegou à sala de estar e todos se sentaram, ele teve que reprimir
o impulso de se levantar num salto e sair apressado. Aqui não é o meu lugar,
pensou. Eu sei disso, e eles sabem também.
O pensamento o deixou com raiva. Han se recusou a permitir que o
constrangimento transparecesse, e assim se sentou e se reclinou nas almofadas
opulentas, com um ar deliberado de relaxamento. Deu uma olhada em volta, seu
senso profissional avaliando automaticamente o valor em créditos que
bugigangas e objetos decorativos teriam para um receptador.
– Casa bacana – comentou ele, casualmente.
– Bem, er... – começou Sera.
– Han. Pode me chamar de Han, lady Tharen.
– Muito bem, Han – continuou a mãe de Bria, muito séria. – Entendo que foi
graças a você que Bria voltou. – Os olhos dela estavam fixados na arma de raios
de Han, que percebeu que, como a maioria dos cidadãos, ninguém na família de
Bria andava armado. Só lamento, madame , pensou Han. Não tiro minha pistola
para você nem para ninguém. Vai ter que me aturar.
– Bem, eu tentei ajudar, lady Tharen – respondeu Han. – Mas eu não teria
conseguido sem Bria. Ela é bem durona quando quer. Boa de briga.
Lady Tharen se enrijeceu, e Han percebeu que a mulher não consideraria as
palavras dele como elogios.
– Ah, céus... – murmurou ela. – Bria, querida, antes de se sentar, por que
você não vai se trocar? Ora, minha filha, onde você arranjou essas roupas
horríveis ?
– Com o droide alfaiate na colônia ylesiana – respondeu Bria rapidamente, e
lançou um olhar a Han, como se para perguntar se ele ficaria bem.
Han acenou para tranquilizá-la.
– Pode ir, meu bem.
Lady Tharen se enrijeceu de novo perante o tratamento íntimo e casual. Bria
sorriu para Han, lançou um olhar duvidoso à mãe e ao irmão, e saiu rapidamente
da sala.
– Então, Han – disse Pavik Tharen. – O que você faz? – O rapaz fitava Han
atentamente, contemplando-o de um jeito que deixou o piloto desconfortável.
– Ah, o que for necessário para me virar – respondeu Han, despreocupado. –
Mas o que eu mais faço é pilotar.
– Na Marinha? – indagou lady Tharen, animando-se um pouco. – Você é um
oficial?
– Que nada. Cargueiros, senhora. Consigo pilotar qualquer coisa em qualquer
lugar. Por isso que eu estava em Ylesia, trafi...– Han se deteve, lembrando pela
primeira vez em muito tempo que o negócio de contrabando de especiarias era
altamente ilegal. – Quer dizer, transportando carga.
– Ah – murmurou lady Tharen, obviamente não entendendo, mas
desconfortável com a resposta de Han. – Que interessante.
– É, tem lá seus momentos.
– Eu comecei como piloto, há muitos anos – afirmou Renn Tharen, com um
tom de aprovação na voz. – Quando eu tinha mais ou menos a sua idade, Han.
Dei duro até virar dono da empresa de transportes. Foi assim que eu fiz o meu
primeiro milhão.
Han pensou em contar a Renn Tharen que pretendia entrar para a Academia
Imperial, mas o hábito dele de nunca revelar nenhuma informação pessoal estava
arraigado demais. Apenas sorriu e assentiu para o pai de Bria.
– Aqueles eram os dias emocionantes, senhor – Han comentou. – Muitos
piratas naqueles tempos, não é?
Renn Tharen sorriu.
– Eu me meti em algumas escaramuças. Imagino que você tenha, também.
Han sorriu de volta.
– Algumas.
Sera Tharen olhou de um para o outro, vagamente perturbada.
– Ah, céus. Isso soa... perigoso.
– Faz parte do trabalho, lady Tharen – disse Han.
– Mas eu estou esquecendo meus bons modos! – exclamou ela. – Capitão
Solo, posso lhe oferecer algo para comer ou beber?
– Eu gostaria de uma cerveja alderaaniana – pediu Han. – E um pouco de pão
ázimo com carne e queijo. Passamos o dia viajando.
– Vou pedir à cozinheira – disse lady Tharen. Han ficou espantado ao
perceber que a “cozinheira” era um ser vivo, uma Seloniana, em vez de um
droide. Esta evidência adicional de riqueza impressionou Han além de tudo mais
que ele tinha visto até então.
Quando Bria finalmente voltou, Han estava sentado na sala de jantar,
comendo. Ao vê-la chegar, o piloto parou no meio da mordida.
Ela usava um vestido verde-azulado simples que combinava com seus olhos.
O tecido macio brilhava levemente e colava no corpo em todos os lugares certos.
E, pela primeira vez desde que Han a conhecera, Bria tinha os cabelos
arrumados de forma atraente, escovados num halo de cachos ruivo-dourados
macios. Ela parecia tão diferente da ladra armada de alguns dias antes que
parecia ter saído de outro universo.
Ainda bem que Ganar Tos não pode vê-la agora , pensou Han com ironia.
– Você está linda, meu bem – comentou ele. – É um belo vestido.
Han era sofisticado o bastante para concluir que o vestido provavelmente
custava mais créditos do que um piloto espacial médio ganharia em uma semana.
Ela foi criada para ter tanto , pensou Han, preocupado. Como vai reagir à vida
sustentada pelo salário de um cadete imperial, no começo, e depois de um
oficial do Império?
Bria sorriu e sentou-se ao lado dele.
– Mãe, eu poderia ter alguma coisa para comer, também? Estou morrendo de
fome!
Enquanto Han e Bria devoravam seu lanche de fim de noite, a família Tharen
se reunia ao redor da mesa e bebericava caro-cofeína em frágeis xicrinhas de
porcelana de Levier, enquanto o mordomo, outro Seloniano, os servia.
– Então, capitão Solo... você é corelliano? – indagou lady Tharen, erguendo
uma delicada sobrancelha para indicar que tinha bastante certeza que sim. Han,
que ainda mastigava, assentiu com a cabeça, depois engoliu.
– Sim, senhora.
– E a sua família? – continuou ela. – Você é um dos Sal-Solos? – Havia um
toque de esperança na voz dela. – Eles têm uma linda mansão ancestral, pelo que
eu soube. Encontrei o filho algumas vezes, mas lady Sal-Solo é muito reclusa.
Entendo que a saúde dela é frágil.
– Não, lady Tharen – respondeu Han. – Não temos parentesco.
– Ah, disse ela, visivelmente decepcionada. – De qual ramo da família você
vem, então?
Bria parecia muito constrangida, Han notou, mas não conseguiu concluir se
era por ele, ou por causa dele.
– Não sei dizer, lady Tharen – respondeu o piloto, com honestidade. – Sou
muito provavelmente um órfão. Mercadores me encontraram vagueando num
beco das docas perto do Espaçoporto Capital, quando eu era um menininho. Fui
criado por eles. Passei quase minha vida toda no espaço. – Parte dele teve um
prazer perverso em ver a reação da dama àquela informação.
– Que estranho – comentou Pavik Tharen. – Você me pareceu tão familiar.
Sei que já o vi antes. Em algum lugar... num churrasco, penso eu. Tenho uma
imagem mental de vê-lo num churrasco que se seguiu à uma corrida de swoop.
Han se enrijeceu por dentro. Agora que Pavik mencionara, Han se lembrou
dele também. O irmão de Bria era talvez 2 ou 3 anos mais velho que Han e tinha
sido um competidor frequente em algumas das corridas de swoop. Devido à
diferença de idade, eles nunca tinham corrido um contra o outro, mas Han se
lembrava de tê-lo visto.
E, é claro, toda vez que Han participara de algum circuito de corrida de
swoop, ele tinha sido membro de alguma “unidade familiar” criada por Garris
Shrike para extorquir dinheiro de corellianos ricos.
– Desculpa, mas não me lembro de você – afirmou Han, casual. – Passei os
últimos anos todos longe de Corellia. Acho que não como um churrasco
corelliano desde que era criança.
– Só que eu me lembro com tanta clareza... – insistiu Pavik, estreitando os
olhos, desconfiado. – Você estava encostado num swoop, comendo um prato de
costelas de traladon. A imagem na minha mente é muito distinta.
– Isso é um troço engraçado que acontece comigo – comentou Han, se
reclinando com um sorriso. – As pessoas estão sempre me dizendo coisas assim.
Eu devo ter uma daquelas caras tão comuns que muita gente me confunde com
outros sujeitos.
– Não acho que você tenha aparência comum, Han – disse Bria, sem
entender o que estava acontecendo, mas tentando ser leal. – Não penso que
ninguém que o conhecesse poderia esquecê-lo. Você é... único. – Bria sorriu. –
Bonito, também.
Han respirou fundo e conseguiu sorrir fracamente para os Tharen reunidos.
– Obrigado, querida. Mas eu sou só um cara bem comum, mesmo.
Bria por fim captou a mensagem sutil e ficou quieta. Pavik Tharen continuou
a estudar Han, desconfiado.
– Bem – exclamou Sera Tharen, animada demais. – Imagino que vocês dois
estejam cansados. Capitão Solo, vou mandar Maronea preparar um dos quartos
de hóspedes para você. Bria, você obviamente vai querer seu quarto de volta e,
querida, não mudei nada nele. Eu simplesmente sabia que algum dia você
recuperaria a cabeça e voltaria para nós!
– Eu não tinha como decidir voltar, mamãe – respondeu Bria em voz baixa. –
Uma vez que você vai a Ylesia, eles não deixam você sair. Não há naves, mas
tem guardas armados de sobra. Se não fosse por Han... eu jamais teria
conseguido escapar.
– Ah, céus... – disse lady Tharen, aflita e parecendo incapaz de decidir no
que acreditar. Han teve a impressão de que ela só tivera contato com o lado mais
amargo da vida por meio das séries de aventuras em holo.
– Eu entendo isso, Bria – afirmou Renn Tharen, sustentando o olhar de Han.
– E jamais me esquecerei. Han é um herói, Sera, e nós lhe devemos mais do que
um dia poderíamos pagar. Se não tivesse sido por ele, nunca mais teríamos visto
Bria outra vez. Ele provavelmente salvou a vida dela.
– Ah... ah, céus... – lady Tharen estava cada vez mais aflita com essas
alusões ao perigo que a filha tinha corrido. O ceticismo de Pavik Tharen parecia
crescer.
Han seguiu a empregada Seloniana, Maronea, até o quarto no lado oposto da
casa. Achou engraçado quando percebeu que seu quarto ficava o mais longe
possível do de Bria e que a suíte master ocupada pelos pais dela ficava entre os
dois. A mãe de Bria pelo jeito tinha decidido cortar pela raiz qualquer
possibilidade de encontros amorosos na calada da noite entre o hóspede e a filha.
Mal posso esperar até a gente vender as tralhas de Teroenza e cair fora
daqui, pensou Han enquanto se despia e se deitava. O pai de Bria é gente boa,
parece ter sido um sujeito comum, mas a mãe e o irmão...
Han suspirou e fechou os olhos. Naquela noite, pelo menos, lady Tharen não
precisava ter medo. Ele estava tão cansado que só pensava em dormir.
Engraçado isso, aliás... de certa forma, passar duas horas na companhia da
família de Bria o tinha exaurido mais que aquela fuga inteira de Ylesia...
A mãe de Bria veio ao quarto dela para dizer boa noite e lhe dar um último
abraço antes de adormecer. Foi um momento de lágrimas tanto para a mãe como
para a filha. Abraçaram-se e choraram um pouco, depois se abraçaram de novo.
– Estou tão feliz em ter minha garotinha de volta – sussurrou lady Tharen.
– É bom estar de volta, mamãe – concordou Bria, e naquele momento estava
sendo sincera. Aquela noite tinha sido uma provação, sem dúvida. Só que as
coisas vão melhorar, com certeza, pensou ela, tentando se confortar. Han é tão
adorável. Ela certamente vai ceder ao charme dele e verá como ele é
maravilhoso.
– Esse jovem que você trouxe para casa... – começou a mãe, quase como se
tivesse lido o pensamento da filha. – É bem óbvio que vocês não são apenas...
amigos, querida. Exatamente quão... envolvidos... vocês estão?
Bria contemplou a mãe sem vacilar.
– Eu amo Han, mamãe, e ele me ama. Ele quer que eu fique com ele.
Ninguém falou em casamento, ainda, mas eu não ficaria surpresa se o assunto
fosse mencionado.
A mãe inspirou nitidamente, como se seus piores temores tivessem se
confirmado. Mas alguma coisa na escolha de palavras de Bria a tinha alertado e,
como um vrelt faminto, deu o bote.
– Entendo. Bem, ele parece ser um bom rapaz, mesmo que um tanto...
rústico, minha querida. Porém, você diz que ele quer que você fique com ele. É
isso que você quer?
Bria assentiu com a cabeça, depois a balançou, depois teve que enfrentar as
lágrimas. Deu de ombros miseravelmente.
– Mamãe, eu não sei com certeza. Eu sei que o amo, de verdade, mas... tem
sido difícil para mim. Deixar Ylesia, descobrir que a religião na qual eu
acreditava e à qual devotava minha vida inteira não passava de uma mentira. Isso
me feriu... muito. Parece que uma parte de mim está faltando, mamãe. E eu
também sinto que não posso prometer ficar com Han quando não estou... inteira.
– Ele sabe que você tem essas dúvidas? – indagou a mãe, acariciando
delicadamente os cabelos de Bria. A jovem mulher não deixou de perceber a
fagulha de alegria que se acendeu nos olhos da mãe quando ela falou de sua
incerteza quanto a ficar com Han.
Ela não quer que eu fique com ele , percebeu Bria com a dor embotada de
uma expectativa cumprida. Eu sabia que ela seria assim. É tão injusto! Eu só
não sei se quero ficar com Han por minha causa, não por causa dele! Só que a
minha mãe não entende; ela é incapaz de entender.
– Nós conversamos – respondeu Bria, não querendo fazer confidências à mãe
mais do que já tinha feito. – E eu não consigo imaginar a vida sem Han, então
vou fazer tudo que puder para ficar com ele e lhe ser útil.
A mãe parecia perturbada, mas não disse mais nada. Bria se deitou e tentou
dormir. Deitar-se na sua velha cama era um luxo depois de ter dormido nos duros
catres ylesianos, e na nave. Sentia falta do calor de Han, porém. A cama parecia
fria. Bria se remexeu e revirou, pensando em Han, perguntando-se o que deveria
fazer.
Ele merece alguém melhor, pensou ela, entristecida. Alguém que possa estar
presente ao lado dele cem por cento...
Bria socou o travesseiro, frustrada, e sentiu as lágrimas se acumulando outra
vez. Por que nada nunca pode ser fácil? Encontrei um homem que posso amar,
que me ama – por que isso não pode ser suficiente?
Mas não era. Sozinha na escuridão do quarto de infância, ela chorou até
adormecer...
No dia seguinte, Han deixou a casa dos Tharen logo depois do café da manhã
e foi pegar um transporte para a cidade grande mais próxima. Levava consigo a
mochila com os itens que ele e Bria tinham roubado de Teroenza. Depois da
renda decepcionante recebida pela venda da Talismã , Han sabia que precisava
obter o preço máximo pelo seu pequeno tesouro.
Desembarcou do transporte na cidade portuária de Tyrena e buscou um
escritório de caixas-fortes, onde sacou algumas centenas de créditos e um
conjunto de documentos “limpos” de um tal de “Jenos Idanian”. Em seguida
visitou uma agência do Banco Imperial e abriu uma conta usando os créditos e
documentos de identidade.
Quando a tarefa foi cumprida, Han saiu em busca de uma loja de arte e
antiguidades que lembrava de ter visto numa de suas escapadas do passado.
Fazia muitos anos desde que ele a visitara e, até onde ele sabia, a lojinha poderia
ter fechado.
Mas não, o lugar ainda estava lá. O letreiro acima da porta era destacado com
luzes holográficas discretas, opalescentes, contra a pedra cinzenta da fachada.
Han entrou com a mochila. Ao abrir a porta, ouviu uma campainha suave em
algum lugar da loja.
O piloto viu a atendente atrás do balcão, mas ignorou a Seloniana. Em vez
disso, avançou tão diretamente quanto possível pelo caminho labiríntico entre as
estantes de mercadorias, até alcançar uma porta discreta nos fundos. Estava
coberta por uma tapeçaria antiga que ilustrava a fundação da República, e apenas
certos “clientes” descobriam que a porta estava ali.
Uma vez lá, Han olhou em volta para garantir que estava sozinho e ninguém
o observava, e em seguida bateu forte, num padrão específico. Esperou e, depois
de mais um minuto, o som de uma tranca eletrônica se abrindo soou do outro
lado da porta. Han ergueu a tapeçaria, passou por baixo e atravessou a porta,
chegando à sala dos fundos.
O proprietário era um homem muito velho, ainda vivaz apesar do corpo
curvado, rosto enrugado e raros cabelos branco-amarelados. Galidon Okanor
tinha exatamente a mesma aparência cinco anos atrás, quando Han o conhecera.
Agora, ergueu o rosto e sorriu para Han.
– Bem, é... hum... quem é hoje, filho?
Han sorriu.
– Jenos Idanian, senhor. Como vai? – Ele gostava genuinamente do
homenzinho, que era, ao mesmo tempo, um assessor e avaliador de arte
genuinamente respeitável, e um receptador muito competente e confiável.
– Ah, não posso reclamar, não posso reclamar – respondeu o homenzinho. –
Porque, se eu o fizesse, que bem isso me faria? – acrescentou, soltando uma
risadinha chiada.
– Tem razão.
Okanor sentava-se num banco alto diante de uma bancada iluminada com
uma luz de joalheiro, especialmente posicionada e equipada para exibir
imperfeições em gemas ou rachaduras e falhas em antiguidades.
– Sente-se, sente-se, Jenos Idanian. O que você me trouxe hoje?
– Muitas coisas – respondeu Han. – Eu gostaria de um preço pelo lote e
gostaria que os créditos fossem depositados imediatamente no Banco Imperial de
Coruscant.
– Muito bem, muito bem – respondeu Okanor. Ele esfregou as mãos idosas e
cheias de veias. – Você geralmente tem bom gosto, Jenos. Agora vejamos o que
você trouxe para mim.
– Certo – disse Han, e começou a descarregar a mochila, colocando cada
item na mesa sob a luz. Guardou para si seu tesouro favorito, uma pequena
estatueta de um paledor corelliano há muito extinto. Era bela, e seus olhos eram
gemas de fogo de Keral perfeitas.
Okanor observou com avidez, murmurando de vez em quando um “oh!” ou
“ahhh”, mas se manteve calado até que Han terminou. Então pegou cada peça
com cuidado, estudou-a com muita atenção, às vezes com uma lupa de joalheiro,
e depois a colocou de volta na mesa e pegou a seguinte.
– Incrível, muito incrível – declarou, por fim. – Vou quebrar uma das minhas
regras e lhe perguntar onde, em nome da galáxia, você encontrou tudo isso?
Num museu? Eu não aprovo roubo a museus, sabia?
Han balançou a cabeça.
– Não foi de um museu.
– Uma coleção particular, então? – Okanor franziu os lábios. – Estou muito
impressionado, meu rapaz. O colecionador em questão é um senciente de bom
gosto e juízo. Também lhe direi, jovem, que ele é bem ousado com suas fontes
de aquisições. Reconheço, pela descrição, que pelo menos metade destes itens já
tinha sido registrada como roubada. Algumas peças já estão nas listas de
PROCURA-SE há anos.
– Isso não me surpreende – disse Han. – E o senhor, o senhor vai vender as
peças a museus, não vai?
– A maioria delas, a maioria delas – concordou Okanor.
– Certo, então, isso é bom – comentou Han, pensando que a informação
agradaria Bria. – É lá que elas deveriam estar. Então... quanto?
Okanor ofereceu um número.
Han lançou ao velho um olhar de desprezo calcinante e pegou a mochila.
– Tem um cara em Kolene que ficará empolgado em dar uma olhada nestas
coisas. Percebo que deveria ter visitado ele primeiro – disse, estendendo a mão
para uma presa entalhada de bantha de Tatooine.
Okanor disse outro número, mais alto. Han começou a guardar os itens em
silêncio.
Okanor suspirou como se fosse seu último sopro de ar e ofereceu outro
número, consideravelmente mais elevado que o anterior.
– E esse é final – acrescentou.
Han balançou a cabeça.
– É melhor que não seja, Okanor. Preciso de pelo menos 5 mil a mais que
isso.
Okanor agarrou o peito e observou com olhos angustiados enquanto Han
continuava guardando itens na mochila. Por fim, quando Han estendeu a mão da
última peça, uma pequena escultura em gelo vivo, ele guinchou:
– Não! Espere! Você está me matando! Empobrecendo! Vou ter que viver
pelado nas ruas, Jenos, meu jovem! Você faria isso com um homem idoso?
Han abriu um sorriso feral.
– Sem pensar duas vezes, Okanor. Eu sei o quanto preciso ganhar nesta
negociação, tenho uma boa ideia do quanto vale, e não vou aceitar menos. –
Fitou o idoso com intensidade. – Sério, Okanor, não posso aceitar o prejuízo de
receber menos. Tenho algo muito importante no que gastar esses créditos. Se os
meus planos derem certo, você nunca mais vai me ver. Vou pular fora dessa vida
de vez.
Okanor assentiu com a cabeça.
– Tudo bem. Você venceu, Idanian. Vou aceitar seu preço.
– Ótimo – respondeu Han, e começou a tirar os tesouros da mochila outra
vez.
Saiu da loja com um sorriso satisfeito, e guardou cuidadosamente as
identidades e os dados bancários de “Jenos Idanian” na bolsa de crédito. Viajaria
usando documentos diferentes, e guardaria “Jenos Idanian” “limpo”, usando-o
apenas na retirada bancária. Planejava guardar o paledor dourado num lugar
seguro que conhecia. Nunca fazia mal ter uma coisinha escondida para as
emergências.
Sabendo que os créditos de Okanor o aguardariam no mundo-capital do
Império, Han seguiu pela rua até a estação de transportes, assoviando.
Han tinha caminhado por toda extensão da propriedade dos Tharen e estava
no caminho de volta quando viu alguém vindo pela trilha, na direção dele. Era
Bria, carregando uma bolsa de bom tamanho pendurada no ombro.
Han viu a cara dela e parou.
– O que houve?
– Vamos embora – disse Bria. – Antes que sintam a nossa falta. Vamos cair
fora daqui. Não confio que Pavik não vá ligar para a segurança pelas costas de
papai.
Han se virou de volta para a estação de transporte.
– Você saiu escondida?
– Deixei um bilhete – respondeu Bria na defensiva. – Você transferiu o
dinheiro para Coruscant?
– Sim, está tudo bem.
Os dois andaram em silêncio por alguns minutos, depois Bria comentou:
– Algum dia eu gostaria de saber toda a verdade. Eu odeio surpresas deste
tipo, Han.
O rapaz suspirou.
– Eu deveria ter contado. Eu vou contar. Tudo. Prometo. É que não estou
habituado a confiar em ninguém.
– Percebi – retrucou Bria, severa.
– Legal do seu pai me defender.
– Papai me disse que você o lembra dele mesmo, quando era um jovem
piloto. – Bria abriu um sorriso leve. – Pelo que sei, ele levou uma existência bem
duvidosa por alguns anos, lá na Orla.
Han assentiu com a cabeça e, com cuidado, estendeu a mão para a bolsa.
– Eu realmente lamento por isto tudo. Posso carregar?
Bria suspirou e entregou a bolsa.
– Tudo bem. Acho que foi uma má ideia vir para cá, de qualquer maneira. –
Depois de um momento, pegou a mão dele. – Agora somos só nós dois outra
vez.
Han concordou com a cabeça.
– É assim que eu gosto, querida.
Não aconteceu nada de mais durante a viagem até Coruscant. Han cumpriu
sua promessa e contou sua história a Bria, sem embelezar ou omitir nada. Ficou
incomodado em ter que admitir muitas das coisas que fizera no passado, mas
levou a sério sua promessa e foi tão honesto quanto possível.
No começo, Han ficou preocupado com a possibilidade de Bria ser repelida
por todas as coisas que ele tinha feito em seu passado renegado, mas ela
tranquilizou o rapaz, dizendo que o amava ainda mais, agora que sabia a
verdade.
A jornada de cinco dias até Coruscant foi longa. Han começava a sofrer de
tédio quando o transporte de passageiros atracou numa das imensas estações
espaciais que serviam à grande cidade-mundo imperial.
Os passageiros foram informados que seriam levados da estação espacial ao
espaçoporto em naves menores. Han ficou surpreso ao descobrir que não havia
praticamente nenhum lugar no imenso mundo onde o chão natural pudesse ser
visto ou tocado.
– Só na Praça Monumental – contou o comissário de bordo aos passageiros
reunidos que tinham viajado na Radiante. – Lá os cidadãos podem tocar o topo
da última montanha restante no planeta. Mais ou menos vinte metros do pico se
erguem ao ar. O resto está escondido sob os prédios.
Coruscant, aparentemente, era um aglomerado de prédios, arranha-céus,
torres, telhados, e mais prédios, todos construídos uns sobre os outros num
imenso emaranhado labiríntico. Han ergueu a mão quando o comissário quis
saber se havia alguma pergunta.
– Você disse que os telhados mais altos ficam mais de um quilômetro acima
das ruas mais baixas? O que que tem lá embaixo?
O comissário balançou a cabeça, numa advertência.
– Senhor, acredite em mim. Você não quer saber. Os níveis inferiores nunca
veem o sol. Ficam tão longe do ar limpo que são fétidos, úmidos e têm seus
próprios sistemas climáticos. Chuva imunda escorre pelas laterais dos prédios.
Os becos são infestados com lesmas graníticas, vermes permacréticos, cracas das
sombras... e, pior de tudo, com os resquícios degenerados daqueles que um dia
foram seres humanos. Esses trogloditas são pálidos devoradores de carniça e
lixo, repugnantes de todas as formas.
– Hum – sussurrou Han a Bria. – Parece meu tipo de lugar.
– Para com isso! – sibilou ela, sufocando um sorriso. – Você é tão
engraçadinho...
– Eu sou mesmo. – Han se reclinou no assento, rindo. – Sou impossível, não
sei como você me aguenta.
– Nem eu – concordou Bria, sorrindo com ironia.
O casal foi até uma das vigias da estação enquanto esperavam pela nave
auxiliar “da superfície”.
– Parece uma linda gema dourada – sussurrou Bria. – Todos aqueles prédios
iluminados...
– Parece uma joia que corusca – concordou Han, espiando o planeta,
pensativo. – Deve ser daí que o mundo tirou o nome.
Eles estavam numa fila, esperando para entrar na nave, quando um oficial se
adiantou e apontou a pistola de Han.
– Lamento, senhor, mas será necessário depositar sua pistola. Armas não são
permitidas em Coruscant.
Han ficou ali parado por um longo momento; então, deu de ombros e
desafivelou a tira da perna, depois soltou a grande fivela do cinturão. Embrulhou
o coldre e a arma com o cinto e os entregou ao oficial, recebendo uma ficha
numerada em troca.
– Basta entregar isto ao oficial antes de embarcar no transporte de volta, e
você receberá a arma de volta – explicou o homem.
Han e Bria voltaram à fila. Han fez uma careta ao sentir como a perna direita
tinha ficado leve sem o peso de sempre na coxa.
– Eu me sinto nu – murmurou ele para Bria. – Como se eu estivesse num
daqueles sonhos em que você aparece em algum evento importante e percebe de
repente que esqueceu das calças.
Bria começou a rir da ideia.
– Não sabia que os homens também tinham esses sonhos.
– Não tenho com muita frequência – respondeu Han, sério.
– Bem, se não tem ninguém armado, então fica justo – argumentou ela,
racional.
Han deu uma olhada para ela enquanto eles caminhavam pelo corredor da
nave auxiliar.
– Querida, não seja ingênua. Tem um submundo criminoso neste planeta, e
você pode apostar seus lindos olhos que eles andam armados.
Bria encarou o namorado enquanto eles atavam os cintos de segurança.
– Como é que você sabe?
– Dei uma olhada nos guardas imperiais. Eles estão armados. Vi os guardas
de segurança em Alderaan, e nenhum dos que eu enxerguei estava armado.
Então eu aposto que os adversários deles também não estariam. Só que estes
imperiais estão armados e vestindo armadura também. Deve ter um bom motivo
para isso.
Bria deu de ombros.
– Tenho que admitir, sua lógica faz sentido.
– Vou me sentir estranho quando entrar naquele banco amanhã sem uma
pistola do meu lado – afirmou Han, olhando entristecido para a perna.
– Fala sério , Han – sussurrou Bria. – De todos os lugares do mundo, o
último em que você poderia entrar armado seria o banco !
– Por que não? – indagou Han. – Não é como se desse para levar os créditos.
Eles não mantêm quase nenhum disco de crédito por lá, ou moedas. É tudo
dados eletrônicos registrados em identidades pessoais. É um bom sistema –
acrescentou, pensativo. – Economiza nos guardas.
– Bem, tanto faz, já que você já teve que deixar a pistola – respondeu Bria,
observando pela vigia a cidade-mundo crescer. Logo eles entrariam na
atmosfera.
– É. Escuta, Bria, acho que agora é uma boa hora para discutirmos planos de
contingência.
– Para o quê? – inquiriu ela, alarmada. – Está esperando problemas?
– Fale baixo – alertou. – Não, não estou esperando problemas. Deve ser uma
operação simples, sopa no mel. “Jenos Idanian” está limpo, porque eu só o usei
para abrir a conta e depositar o dinheiro. Ele deve estar à prova de laser. Mas,
meu bem... eu aprendi há muito tempo que sempre preciso de um plano para as
encrencas.
– Tudo bem – concordou ela. – Que plano você quer fazer?
– É uma cidade grande, e um planeta grande – apontou Han, bem quando a
nave começou a tocar os limites superiores da atmosfera. – Se alguma coisa
acontecer e nós nos separarmos, quero marcar um ponto de encontro.
– Certo, isso faz sentido. Onde?
– O único endereço que eu conheço, porque memorizei o lugar há muito
tempo, é um bar chamado “A Aranha Radiante”. É lá que eu vou entrar em
contato com Nici, o Especialista – explicou Han, mantendo a voz baixa, mas não
chegando a sussurrar. Sussurros atraíam atenção, Han tinha aprendido há muito
tempo, porém, as conversas em voz baixa não tinham esse efeito.
– É o cara que arranja identidades tão perfeitas para as pessoas que nem
mesmo os imperiais podem detectar?
– Ele mesmo. Tem contatos com gente nos escritórios imperiais que faz as
identidades. São perfeitas, acredite em mim. Então, é Nici, o Especialista. Ele
fica na Aranha Radiante. Entendeu?
– Nici, o Especialista. Aranha Radiante – repetiu ela. – Onde fica?
– Nível 132, megabloco 17, bloco 5, sub-bloco 12 – recitou Han. –
Memorize isso perfeitamente. Este mundo é um labirinto, Bria.
Em silêncio, Bria repetiu o endereço para si mesma, até que conseguiu dizer,
confiante:
– Certo, decorei.
– Ótimo.
Quando eles chegaram à “superfície” – o campo de pouso num telhado, onde
a nave pousou –, Han deixou Bria com a parca bagagem deles, enquanto ia até
um centro turístico automatizado para pedir informações e indicações de
caminhos. Ele e Bria precisavam de um lugar econômico para ficar enquanto o
piloto estudava para os exames de admissão à Academia. Han planejava alugar
um quarto barato durante o processo.
Quando voltou para Bria, ela percebeu que ele tinha um computador
localizador portátil.
– E quanto isso aí custou? – perguntou ela, espiando preocupada o
dispositivo. Os fundos da venda do iate ylesiano estavam acabando.
– Só vinte. Eu pensei que é muito fácil se perder neste mundo. Só preciso
colocar nosso destino, assim... – Estreitou os olhos, concentrado, e inseriu: –
Nível 86, megabloco 4, bloco 2, sub-bloco 13...
– Que lugar é esse?
– O hotel onde a gente vai ficar esta noite – respondeu Han, sem erguer o
olhar. – E... ali!
As indicações da localização atual deles surgiram na tela.
– Primeiro, pegamos o turboelevador até o nível 16... – murmurou Han,
olhando em volta. – Ali!
Eles seguiram até o sinal de TURBOELEVADOR .
Uma vez lá dentro, Bria se espantou com a queda súbita. Eles caíram... e
caíram...
– É como estar no espaço – comentou Han, desconfortável. – Quase queda
livre...
– Meu estômago não gosta disso. – Bria engoliu em seco.
Felizmente, o turboelevador reduziu a velocidade ao chegar ao destino. Bria
saiu cambaleante, meio esverdeada.
– Agora é encontrar o megabloco 4... – resmungou Han, ainda concentrado
no aparelhinho. – Aí a gente desce de novo...
Uma vez fora do turboelevador, Bria olhou em volta, impressionada e cada
vez mais claustrofóbica. Por toda parte os prédios se erguiam sobre ela, tão altos
que a mulher tinha que dobrar o pescoço para trás para ver os topos. O ápice de
vários deles suportava outro telhado, provavelmente como aquele onde ela
estava.
Na plataforma de pouso, o dia estivera luminoso, mas friozinho, mas ali
embaixo estava escuro e quente. Nenhum ar parecia se mover nos cânions de
permacreto e transparaço entre os prédios. Bria ouviu um rumor distante de
trovão, mas nenhuma chuva a alcançou, e ela não tinha como determinar se a
tempestade estava acima ou abaixo dela.
Ocasionais poços de circulação de ar desguarnecidos rompiam o permacreto
do telhado e, a uns cem metros, Bria viu a linha de demarcação súbita no fim do
terraço. Evidentemente, um logradouro corria nos níveis mais profundos.
Ela foi até um dos poços olhar para baixo e, depois de uma espiada rápida,
cambaleou para trás, tonta e com as palmas suando de vertigem. Deu uma olhada
em volta, não viu ninguém perto de si, ficou de quatro e engatinhou até a beira
de novo para espiar outra vez. Achava que, desde que não estivesse de pé, a
tontura não seria tão ruim.
Ao se aproximar bem da beirada, segurou com as duas mãos e espiou poço
abaixo.
O poço descia... e descia... e descia. Era incrível, assustador, imaginar o
próprio corpo caindo naquele abismo aparentemente sem fundo, virando e
girando no ar.
Bria encarou as profundezas, tremendo. Se ela se inclinasse um pouco mais,
só mais um pouquinho, cairia poço abaixo. Não haveria esforço. Não teria que
pular, não. Só... inclinar-se... e, se ela o fizesse, jamais sentiria a falta agonizante
da Exultação outra vez. Estaria livre da dor, do desejo. Estaria livre...
Tanto atraída como repelida, Bria oscilou, se inclinando mais e mais em
direção à beira...
– O que você está fazendo ?
Alguém lhe agarrou o ombro e puxou-a de volta, para longe daquela bocarra
aberta para o nada. Bria olhou para cima estonteada, e viu Han a encarando de
volta, com o rosto contorcido de preocupação.
– Bria, meu bem, o que você estava fazendo ?
Ela ergueu a mão à cabeça, que então balançou, tonta.
– Eu... eu não sei, Han. Me senti... tão estranha. – Engoliu seco, com pontos
pretos dançando diante dos olhos, e fez um esforço para não desmaiar ou
vomitar.
Han baixou a cabeça da namorada entre os joelhos dela, depois se ajoelhou
ao lado dela enquanto ela tremia. Acariciou-lhe o cabelo, abraçou-a com força
conforme os tremores pioraram. Bria chacoalhava inteira.
– Calma... calma... é só relaxar.
Finalmente, Bria ergueu o olhar, sentindo os calafrios se reduzirem um
pouco.
– Han, eu não sei o que aconteceu. Me senti tão estanha por um momento.
Acho que quase caí...
– Quase caiu mesmo – respondeu ele. – Chama-se vertigem, meu bem. Já vi
gente com isso antes, no espaço, quando olham para “baixo” e se desorientam.
Vamos lá. Eu sei para onde ir agora. Vamos pegar um tubo horizontal por um
tempo.
No tubo, Bria se encostou em Han, e ele a abraçou com carinho. A
tremedeira foi passando.
– Você não fica incomodado também? – indagou ela. – Com este mundo? Eu
me sinto oprimida. Fascinada, mas oprimida também.
– Não se esqueça de que eu cresci no espaço – lembrou Han. – Não podemos
nos dar ao luxo de ter vertigem ou claustrofobia por lá. Eu devo ter me ajustado
há muito tempo, porque este lugar não me incomoda. Só que você... você
cresceu em Corellia, com um céu acima o tempo todo. Não é de se espantar que
esteja odiando isso aqui.
– Não vou tentar olhar para baixo outra vez – comentou Bria.
– Ótima ideia.
Depois de mais várias descidas em turboelevadores, eles alcançaram a
pequena pousada onde Han tinha reservado um quarto e pagaram com dinheiro
vivo de suas reservas cada vez menores.
– Quando é que você vai buscar o dinheiro no Banco Imperial? – perguntou
Bria, se jogando na cama e se esticando com um suspiro cansado.
– Vou amanhã de manhã cedinho. Escuta, querida, você parece exausta. Vou
buscar comida e trazer aqui de volta. A gente se deita cedo.
– Mas você não quer ver os pontos turísticos? – indagou ela, pensando
consigo mesma que o plano dele parecia a melhor coisa que ela ouvira o dia
todo.
– Terei tempo de sobra para isso. Só quero comer e dormir. Talvez assistir
um pouco de videotela, ver que tipo de propaganda política a Cidade Imperial
anda passando hoje em dia.
– Tudo bem – concordou Bria, sufocando um bocejo exausto. – Gostei do
seu plano.
Nas horas que antecediam a aurora, neste mundo onde noite e dia
significavam muito pouco para qualquer um que não vivesse uma existência
privilegiada do “alto nível”, Bria Tharen estava sentada encolhida na grudenta e
apertada unidade de higiene. Tinha nas mãos uma caneta digital, e diante dela,
uma folha de flimsi e uma grande pilha de créditos.
Ouvia de leve, vindos do quarto, os roncos de Han. O piloto estava tão
exausto que nem ouviu quando ela se levantou e saiu, nem acordou quando ela
voltou, horas mais tarde.
Agora Bria lutava com o flimsi e a caneta, parando toda hora para enxugar as
lágrimas que borravam seus olhos, dificultando imensamente o ato de escrever.
Seis ou sete vezes ela apagou o flimsi e recomeçou, mas o tempo passava, e ela
não poderia estar ali quando Han acordasse. Se isso acontecesse, Bria sabia que
nunca, jamais conseguiria partir.
Ela estava sendo covarde, mais uma vez. Seus soluços entalaram na
garganta, e Bria levou as duas mãos ao peito. Por um momento, se perguntou se
o coração pararia com a dor que sentia, então balançou a cabeça e disse a si
mesma para deixar de enrolar. Eu sinto muito , ela se fez escrever. Por favor me
perdoe por fazer isto...
Aquela noite, pela primeira vez, Bria percebeu que Han poderia nunca
alcançar seu sonho se ela ficasse com ele. Bria o atrasara, como uma âncora, por
semanas, mas não quis admitir. Porém, aquela noite... ela tinha visto a angústia
nos olhos dele, ouvido a tristeza em sua voz – tinha sido terrível demais para
aguentar.
Então ela saiu escondida, encontrou um bar em que o proprietário permitiu
que ela pagasse para pegar o comlink emprestado e ligou para o pai. Bria pediu
ajuda, tanto para si como para Han. A pilha de certidões de crédito no chão era o
resultado. Renn Tharen era um homem que sabia como resolver as questões e
não perdia tempo. O dinheiro tinha sido entregue a Bria por um dos parceiros de
negócios do pai em Coruscant, que lhe entregou os créditos, recusou o
agradecimento e depois saiu de volta para a noite, claramente feliz em se livrar
da taverna sórdida.
Durante a curta conversa, o pai de Bria lhe avisara que não deveria voltar
para casa. Renn Tharen contou que inspetores de SegCor tinham aparecido na
mansão logo após a fuga de Bria e Han, indagando pelo paradeiro dela.
– Eu não lhes disse nada. Seu irmão e sua mãe não falam mais comigo,
porque eu cortei a mesada deles por um mês, mesmo que tenham jurado que não
chamaram a SegCor. Tome cuidado, querida...
– Vou tomar, papai – prometeu Bria. – Eu te amo, papai. Obrigada...
Eu o magoei também , pensou Bria. Por que eu sempre magoo as pessoas
que mais amo?
O desespero a tomou, mas Bria se recusou a ceder. O melhor que ela poderia
fazer por Han, se ela o amava, era deixá-lo. Seja forte, Bria, comandou a si
mesma.
Segurando a caneta com força, Bria enxugou as lágrimas, depois se obrigou a
terminar a carta mais difícil que ela escreveria na vida...
Han sabia que tinha alguma coisa errada antes mesmo de abrir os olhos. Não
havia som nenhum.
– Bria? – chamou ele. Cadê ela? Saiu da cama e se vestiu. – Bria, querida?
Sem resposta.
Han respirou fundo e mandou o coração violentamente disparado se acalmar.
Ela provavelmente saiu para comprar estim-chá e pães para o café-da-manhã ,
disse a si mesmo. Era uma dedução razoável, dadas as circunstâncias – mas
alguma coisa lhe disse que estava enganado.
Selou a frente do macacão e pegou a jaqueta. Só então percebeu que a bolsa
de Bria tinha sumido.
Com um gemido baixo de angústia, viu algo branco saindo do bolso da
jaqueta. Han puxou o objeto – e deparou com uma bolsa contendo certidões de
crédito de valor elevado. E havia algo mais, também...
Um bilhete. Escrito em flimsi vincado e dobrado. Han fechou os olhos,
agarrando o bilhete. Levou um minuto inteiro para se obrigar a abrir os olhos, se
obrigar a ler:
Han se obrigou a ler a carta até o fim. Cada palavra se calcinou na mente
dele como um maçarico laser. Quando terminou, decidiu relê-la, para assim adiar
o momento em que teria que voltar a pensar e sentir de novo. Enquanto lia o
flimsi de Bria, era como se ela ainda estivesse ali. Quase dava para ouvir a voz
dela. Han sabia que, assim que ele parasse de ler, ela sumiria de novo.
Só que, desta vez, apesar de estar espremendo muito os olhos, ele não
conseguiu mais ler as palavras. Estavam borradas demais.
– Querida – sussurrou para a carta, com a garganta tão áspera que mal
conseguiu forçar as palavras. – Você não deveria ter feito isso. Nós éramos um
time , lembra?
Ao se ouvir usar o pretérito, Han estremeceu, como um homem nas garras da
febre. Levantou-se e começou a andar de um lado ao outro, de um lado ao outro.
Mover-se parecia ser a única coisa que ajudava a aguentar. Ondas de raiva e
frustração se alternaram com momentos de mágoa tão profunda que ele achou
que seria mais fácil enlouquecer.
Ela mentiu. Nunca me amou. Garotinha rica, metida, só queria um lance
fugaz... ela me usou para fugir, me usou até ficar entediada. Eu odeio ela...
Han grunhiu em voz alta, balançou a cabeça. Não odeio, não. Eu amo ela.
Como ela pôde fazer isso comigo? Ela disse que me amava. Mentirosa!
Mentirosa? Não... era verdade. Admita, Han, ela estava sofrendo, você sabe
disso. Bria estava perturbada, em agonia...
É, ela estava em agonia. Han se lembrava de todas aquelas noites em que a
encontrou chorando e a abraçou, tentando reconfortá-la. Meu bem... por quê? Eu
me esforcei tanto para te ajudar. Você não deveria ficar sozinha. Você devia ter
ficado. A gente teria resolvido...
Han ficou aterrorizado com a ideia de que o vício de Bria pudesse mandá-la
de volta a Ylesia. Ele não tinha ilusões quanto à reação de Teroenza caso ela
aparecesse lá. Os T’landa Til não tinham capacidade de sentir pena ou ser
misericordiosos. O sumo sacerdote mandaria que Bria fosse executada se algum
dia pusesse os olhos nela outra vez.
Han olhou em volta atordoado para o quartinho esquálido. Tinha sido apenas
noite passada que eles estiveram ali, nos braços um do outro? Bria o abraçara tão
forte, tão ferozmente. Agora Han entendia o motivo de tanta paixão. Ela soubera
que o abraçava pela última vez...
Ele balançou a cabeça. Como as coisas poderiam mudar tão
irrevogavelmente em apenas poucas horas?
Faça o tempo voltar , disse alguma parte infantil da mente dele. Faça ser
então, não agora. Não gosto do agora. Quero que seja então...
Só que, é claro, aquilo era idiota. Han prendeu a respiração, e o som foi
frágil, cheio de dor. Quase um soluço.
De repente, não aguentava mais estar ali, vendo aquele quartinho horrível.
Meteu as poucas posses na pequena bolsa e distribuiu punhados de certidões de
créditos nos bolsos internos, junto à pele. Por fim, vestiu a velhíssima jaqueta e
meteu a arma nela.
Saiu andando, pelo corredor, além da mulher estranha na recepção.
E continuou andando...
O dia inteiro ele andou, movendo-se como um droide em meio ao povo
suspeito daquela área, que era um dos distritos de luz vermelha “fronteiriços”,
que se misturavam a um dos enclaves de não humanos. Ele não comeu, não
suportava a ideia de comida.
Estava sempre consciente da pistola roubada na frente da jaqueta. Parte de
sua mente torcia que alguém tentasse roubá-lo. Isso lhe daria uma desculpa para
explodir, ferir ou matar – queria destruir alguma coisa. Ou alguém.
Só que ninguém o incomodou. Talvez Han projetasse alguma aura, alguma
linguagem corporal que avisava aos outros que ficassem longe.
A mente brincava de cabo de guerra com o coração. Repassava
repetidamente tudo que os dois tinham feito e dito. Será que ele fizera algo
errado? Será que Bria era uma garota doce, problemática, mas decente que
enfrentava um vício mortal? Ou seria uma menininha rica mimada que jogara
um jogo cruel? Será que ela algum dia o amara de verdade?
Num dado momento, Han se encontrava numa esquina entre duas imensas
pilhas de escombros. Nas mãos tinha o flimsi de Bria e tentava lê-lo à luz
tremeluzente de um bordel. Han piscou. Deve estar chovendo ... O rosto dele
estava úmido.
Olhou para cima, para o céu, mas, obviamente, não havia céu, só um telhado,
bem alto. Estendeu a mão, com a palma para cima. Nada de chuva.
Han dobrou a carta e a guardou cuidadosamente. Resistiu ao impulso
momentâneo de rasgá-la, de transformá-la em cinzas. Alguma coisa lhe disse
que se arrependeria se o fizesse.
O que quer que ela fosse, ela se foi, decidiu Han, endireitando os ombros.
Ela não volta mais, e eu preciso recuperar meu controle. Amanhã de manhã
cedinho, vou procurar Nici, o Especialista, na Aranha Radiante...
Han percebeu que era tarde da noite. Ficara vagando pelas ruas por doze ou
quinze horas. Felizmente, naquele distrito, alguns lugares nunca dormiam. O
corelliano percebeu que precisava de comida e sono – estava tão faminto e
exausto que a cabeça girava.
Começou a voltar lentamente de onde tinha vindo e percebeu que cada passo
era como pisar em areia incandescente. As solas dos pés estavam esfoladas e
cheias de bolhas, e ele mancava.
A dor nos pés era uma distração bem-vinda.
De agora em diante, sou só eu, Han Solo , pensou ele, e parou para espiar o
céu noturno, mal visível no topo de um poço de ventilação. Uma estrela – ou
seria uma estação espacial? – piscava contra as trevas. A declaração mental de
Han tinha a convicção de um juramento. Ninguém mais. Não dou a mínima para
mais ninguém. Ninguém vai se tornar próximo, de agora em diante. Não me
interessa se ela for bonita, inteligente ou doce. Nem amigos, nem amantes...
ninguém vale esse tipo de dor. De agora em diante, sou só eu... Solo. Com uma
parte da mente, percebeu a triste ironia do trocadilho acidental, e riu secamente.
De agora em diante, o nome era ele. Seu nome tinha passado a representar o que
ele era, o que havia dentro dele.
Solo. De agora em diante. Só eu. A galáxia e todo mundo mais nela pode se
explodir. Sou Solo, agora e sempre.
O último resquício de brandura da juventude desapareceu dos traços de Han,
e agora havia uma nova frieza, uma nova dureza nos seus olhos. Ele caminhou
noite adentro, e os saltos das botas soavam duros contra o permacreto – tão
duros e implacáveis quanto a casca que agora protegia seu coração.
Uma semana mais tarde, Han Solo se dirigiu ao Salão de Admissões da
Academia Espacial Imperial. O prédio era uma enorme estrutura no nível mais
elevado, imensa, discreta e com um design solidamente digno.
A luz do pequeno sol branco de Coruscant fez o rapaz piscar. Havia um
longo tempo que ele não via luz solar, e seus olhos ainda estavam sensíveis,
facilmente irritáveis.
Alterar os padrões de retina de um indivíduo era possível, como Han tinha
acabado de provar, mas não fora uma experiência agradável. Fez a cirurgia laser
e o rearranjo celular, depois passou um dia num tanque de bacta, sarando. Então
teve que usar um visor de bacta por mais três dias, deitado num quartinho dos
fundos na “clínica” de Nici.
Aproveitou bem a inatividade forçada, entretanto, e escutou horas de
gravações sobre História e Literatura, preparando-se para as provas que esperava
iniciar. Han não tinha ilusão de que os exames seriam fáceis para ele. Sua
educação fora inconsistente, na melhor das hipóteses.
Nici, o Especialista, tinha valido cada crédito de sua tarifa exorbitante. “Han
Solo” agora existia nos bancos de dados imperiais, além de seus padrões de
retina, e outras marcas de identificação. (A maioria dessas cicatrizes era nova em
folha, cuidadosamente colocadas em seu corpo pelos droides médicos de Nici.
Quase todas as velhas cicatrizes foram apagadas.)
“Han Solo” agora tinha identidades indistinguíveis daquelas de posse de
todos os cidadãos leais do Império. Pela primeira vez em mais de uma década,
ele estava “limpo” – Han Solo não era mais procurado por ninguém por coisa
nenhuma. Não tinha mais que olhar para trás cheio de culpa, ou tentar criar olhos
na nuca. Não precisava mais ficar alerta para o clarão de luz revelador de um
cano de pistola recém-exposto. Ainda ficava tenso com barulhos altos, mas era
apenas reflexo.
Han Solo era um cidadão comum, não um fugitivo caçado.
Ainda tinha as identidades de Vykk Draygo e Jenos Idanian, socadas no
fundo de uma caixa de créditos, mas aguardava uma boa chance de se livrar
delas. O rosto de Han nunca tinha aparecido num pôster de PROCURADO ou num
banco de dados, apenas seus padrões de retina originais. E estes tinham sumido,
sido apagados.
Ao galgar os degraus de pedra do Salão de Admissões, os passos de Han
eram seguros e confiantes. Foi até o oficial de recrutamento humano sentado
detrás de uma escrivaninha e sorriu educadamente.
– Olá. Meu nome é Han Solo, e eu gostaria de me inscrever na seleção da
Academia Imperial. Sempre quis ser um oficial da Marinha.
O atendente não sorriu de volta, mas foi educado.
– Posso ver sua identidade, sr. Solo?
– Certamente – respondeu Han, e a colocou na mesa.
– Vai levar um momento. Sente-se, por favor.
Han se sentou, sentindo-se tenso por dentro, mas dizendo a si mesmo que
não tinha nada a temer. Os créditos de Renn Tharen tinham cuidado disso...
Minutos depois, o atendente devolveu a identidade a Han e ofereceu um
sorriso remoto.
– Está tudo certo, Solo. Você pode iniciar o processo de inscrição e testes
hoje mesmo. Você está ciente de que mais de cinquenta por cento dos candidatos
não são aceitos? E que cinquenta por cento dos aceitos não completa o curso na
Academia?
– Sei sim, senhor. Mas estou determinado a tentar. Sou um bom piloto.
– O imperador precisa de bons pilotos – concordou o homem, com um
sorriso genuíno por um momento. – Muito bem, vamos começar...
C932a
Crispin, A.C.
A armadilha do paraíso [recurso eletrônico] / A. C. Crispin ; traduzido por Edmo
Suassuna. - São Paulo : Aleph, 2017.
287 p. : 2,11 MB.