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Regem a ação de consignação em pagamento os artigos 890 e seguintes do CPC; a

consignação de aluguel ou acessórios da locação de imóvel urbano obedece ao


disposto nos artigos 67 e seguintes da Lei 8.245/91.

A consignação em pagamento consiste no depósito judicial da prestação devida,


suposta a compatibilidade dessa providência com a natureza da obrigação [1] com
vistas à liberação do devedor. “A ação de consignação em pagamento é uma
demanda do devedor contra o credor, fundada na pretensão que ao primeiro
corresponde, de liberar-se extrajudicialmente pelo pagamento, que é a forma
natural, prevista por lei, para solução da obrigação” (Ovídio A. Baptista da Silva,
1993 [2]).

Nos termos do artigo 335 do Código Civil, “a consignação tem lugar: I - se o credor
não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar quitação na
devida forma; II - se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo
e condição devidos; III - se o credor for incapaz de receber, for desconhecido,
declarado ausente, ou residir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil; IV -
se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento;
V - se pender litígio sobre o objeto do pagamento”. O inciso I diz respeito às dívidas
portables (o devedor deve levar ao credor a prestação devida); o inciso II, às
dívidas quérables (o credor deve buscar a prestação devida no domicílio do
devedor).

Sobre o lugar do pagamento dispõem os artigos 327 e seguintes do Código Civil:

Art. 327. Efetuar-se-á o pagamento no domicílio do devedor, salvo se as partes


convencionarem diversamente, ou se o contrário resultar da lei, da natureza da
obrigação ou das circunstâncias.

Parágrafo único. Designados dois ou mais lugares, cabe ao credor escolher entre
eles.

Art. 328. Se o pagamento consistir na tradição de um imóvel, ou em prestações


relativas a imóvel, far-se-á no lugar onde situado o bem.

Art. 329. Ocorrendo motivo grave para que se não efetue o pagamento no lugar
determinado, poderá o devedor fazê-lo em outro, sem prejuízo para o credor.

Art. 330. O pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia
do credor relativamente ao previsto no contrato.

Observe-se que, nos termos do citado artigo 327, presume-se que a dívida seja
quérable.

O credor pode ser desconhecido em casos como o de sucessão mortis causa, de


oferta ao público ou de título endossável.
Legitimado ativamente é quem deve ou pode pagar. Dispõe o Código Civil:

Art. 304. Qualquer interessado na extinção da dívida pode pagá-la, usando, se o


credor se opuser, dos meios conducentes à exoneração do devedor.

Parágrafo único. Igual direito cabe ao terceiro não interessado, se o fizer em nome
e à conta do devedor, salvo oposição deste.

Art. 305. O terceiro não interessado, que paga a dívida em seu próprio nome, tem
direito a reembolsar-se do que pagar; mas não se sub-roga nos direitos do credor.

Parágrafo único. Se pagar antes de vencida a dívida, só terá direito ao reembolso


no vencimento.

Art. 306. O pagamento feito por terceiro, com desconhecimento ou oposição do


devedor, não obriga a reembolsar aquele que pagou, se o devedor tinha meios para
ilidir a ação.

Art. 307. Só terá eficácia o pagamento que importar transmissão da propriedade,


quando feito por quem possa alienar o objeto em que ele consistiu.

Parágrafo único. Se se der em pagamento coisa fungível, não se poderá mais


reclamar do credor que, de boa-fé, a recebeu e consumiu, ainda que o solvente não
tivesse o direito de aliená-la.

Terceiro interessado é, por exemplo, o arrendatário que paga a dívida do


arrendante para evitar a penhora do imóvel arrendado; o credor hipotecário que
paga a dívida de seu devedor, para que a execução não recaia sobre o imóvel
hipotecado.

Do artigo 235 deduz-se a legitimação também do terceiro não interessado, com a


única conseqüência de que ele não se sub-roga nos direitos do credor. Nesse
sentido, a lição de Pontes de Miranda, dizendo que o credor, em tal caso “não
poderia recusar o pagamento e, pois, a consignação em juízo da prestação seria
possível” [3]. É o caso do pai que se propõe a pagar dívida do filho. Negada essa
hipótese de legitimação, resta ainda a possibilidade de pagamento em nome e por
conta do devedor, com invocação do parágrafo único do artigo 340.

O devedor, ainda que em mora (mora debitoris) pode consignar em pagamento, havendo
recusa do credor. O princípio é o de que o devedor não pode ser mantido, mau grado seu, na

relação de obrigação (Ovídio A . Baptista da Silva, 1993 [4] ).

É preciso, porém, distinguir da simples mora o inadimplemento contratual. Há


casos em que o retardamento implica a inexecução da obrigação. Ovídio A .
Baptista da Silva dá os seguintes exemplos: “a) a orquestra que fora contratada
para o baile de ‘Ano Novo’, não comparecendo na data aprazada para cumprir a
obrigação; b) alguém tomou em locação a casa de praia, para a temporada que se
iniciava, mas as chaves só lhe foram entregues depois de terminado o verão; c) o
agricultor contrata a colheita de sua lavoura de trigo com o proprietário da
máquina ceifadora que não comparece para cumprir a obrigação no tempo exigido,
sendo o agricultor obrigado a valer-se do serviço de outrem” [5]. Incide, nesses
casos, o artigo 395, parágrafo único, do Código Civil: “Se a prestação, devido à
mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das
perdas e danos”.

Os parágrafos 1º e 2º do artigo 890 do CPC, acrescentados pela Lei 8.951/94,


restritos às obrigações em dinheiro, visam à solução extrajudicial do conflito. O
devedor ou terceiro deposita a quantia devida em estabelecimento bancário oficial,
cientificando-se o credor, por carta com aviso de recebimento, assinando-se-lhe o
prazo de dez dias para a recusa. O silêncio implica aceitação, ficando o devedor
liberado da obrigação, podendo o credor levantar, a qualquer tempo, a quantia
depositada. Não há, nesse caso, ação judicial, não se podendo, pois, cogitar de
condenação do credor honorários advocatícios. Assim quitada a dívida, não pode o
credor pleitear qualquer acréscimo, com alegação de insuficiência do depósito.

Já a recusa do credor obriga à propositura da ação, instruída a inicial com a prova


do depósito e da recusa (CPC, art. 890, § 3º). Não sendo proposta a ação, fica sem
efeito o depósito, que poderá ser levantado pelo depositante (§ 4º).

Competente é o foro do lugar do pagamento (CPC, art. 891). Trata-se de


competência relativa, que pode ser afastada por cláusula de eleição de foro. Mas,
ainda que existindo foro de eleição, pode a ação pode ser proposta no lugar do
pagamento, com invocação do artigo 891, § único, sendo a coisa devida corpo que
deva ser entregue no lugar em que está.

Desde a data do depósito, cessa a fluência dos juros e os riscos de perecimento ou


deterioração da coisa correm por conta do credor, salvo se julgada improcedente a
ação. É o que dispõe o artigo 891 do CPC, em consonância com o disposto no artigo
337 do Código Civil: “O depósito requerer-se-á no lugar do pagamento, cessando,
tanto que se efetue, para o depositante, os juros da dívida e os riscos, salvo se for
julgado improcedente”.

Na petição inicial, que deve atender aos requisitos do artigo 282 do CPC, o autor,
se não tiver efetuado o depósito em banco oficial, requer o depósito da quantia ou
da coisa devida, bem como a citação do réu para levantar o depósito ou oferecer
resposta.

O depósito deve ser efetivado no prazo de 5 dias, sob pena de extinção do


processo, por falta de pressuposto para o prosseguimento da ação (artigo 267, IV,
do CPC).

Para levantar o depósito, o credor não precisa constituir advogado. O levantamento


implica reconhecimento da procedência do pedido, cabendo a condenação do réu
nas custas e em honorários advocatícios, assim como no caso de falta de
contestação (art. 897, parágrafo único).

Era da tradição de nosso direito o cabimento de ação consignatória de quantia em


dinheiro apenas quando líquido o montante devido. Não se admitia, por exemplo,
que devedor por ato ilícito propusesse ação para consignar o valor que entendesse
justo. Essa tradição, porém, foi quebrada pelo parágrafo 2º do artigo 899 do CPC,
acrescentado pela Lei 8.951/94: “A sentença que concluir pela insuficiência do
depósito determinará, sempre que possível, o montante devido, e, neste caso,
valerá como título executivo, facultado ao credor promover-lhe a execução nos
mesmos autos”. Nesse caso, a sentença que julga improcedente a ação, por
insuficiência da quantia depositada, condena o autor no pagamento de quantia
maior, declarada devida pelo juiz. Assim, adquiriu a consignatória natureza de ação
dúplice.

O artigo 892 faculta o depósito de prestações periódicas, à medida que se forem


vencendo, para que não se imponha ao devedor o ônus de propor outra ação, cada
vez que se vença uma prestação. De prestações periódicas somente cabe falar
quando referidas ou mesmo contrato ou relação jurídica. O depósito de uma
prestação supõe que se haja efetuado o da anterior, mantendo-se continuidade.
Trata-se de faculdade do devedor. Não efetuado o depósito no prazo de cinco dias,
como exigido pelo artigo 892, a recusa do credor autoriza a consignação em
pagamento, mediante outra ação, que poderá ser reunida à primeira, dada a
existência de conexão (CPC, art. 105).

O depósito das prestações vincendas é possível até que seja prolatada a sentença.
Não depois, porque o juiz deverá declarar de quais prestações está liberado o
credor.

Na ação fundada em dúvida sobre quem deva legitimamente receber (CPC, art.
895), comparecendo mais de um pretendente, o juiz declara extinta a obrigação,
continuando o processo unicamente entre os sedizentes credores, observado o
procedimento ordinário (art. 898, segunda parte). Instaura-se, nesse caso, “conflito
semelhante ao criado nos casos de execução concursal” (Ovídio A . Baptista da

Silva, 1989 [6] ).

O artigo 896 do CPC indica possíveis defesas do réu, o que não exclui o
oferecimento de exceções processuais e de alegações de falta de condições da
ação.

Incumbe ao devedor a prova da recusa do credor, se portable a dívida; se


quérable, ao credor incumbe a prova de que o devedor se a pagar, quando exigido
o pagamento.

É amplo o âmbito da defesa baseada em justa recusa (art. 896, II). Negativa da
obrigação, nulidade ou extinção do contrato, má-interpretação de cláusula
contratual são exemplos.

O réu que alega insuficiência do depósito tem o ônus de indicar o montante devido
(art. 896, parágrafo único), a fim de que se propicie ao autor sua complementação,
na forma do artigo 899.

O artigo 897 trata dos efeitos da revelia na ação de consignação em pagamento.


Mas observa Fabrício que “mesmo na ausência de contestação, o juiz pode
determinar complementação de prova, ou dar pela extinção do processo sem
julgamento do mérito, ou mesmo julgá-lo desfavoravelmente ao autor – pelos
mesmos motivos e nos mesmos casos em que o faria nas causas submetidas ao
procedimento ordinário. Não está no espírito da lei obrigar o juiz a abdicar de sua
racionalidade e julgar contra a evidência, ainda que esta lhe tenha anteriormente
passado despercebida” [7].

Há divergência sobre o recurso cabível da decisão ou sentença que, na consignação fundada


em dúvida sobre quem deva receber, julga extinta a obrigação, continuando o processo a
correr entre os pretendentes que a ele acorreram. Cabe apelação, segundo Ernane Fidelis dos

Santos [8] e Vicente Greco Filho [9] ; agravo, segundo Adroaldo Furtado Fabrício.

Complementado o depósito, nos termos do artigo 899, parágrafo 1º, do CPC, o devedor libera-
se, mas é condenado nos ônus da sucumbência, por haver praticado ato que implicou
reconhecimento de que era justa a recusa do credor, por insuficiência da quantia oferecida.
O artigo 900 do CPC determina a aplicação do procedimento da ação de consignação em
pagamento ao resgate de aforamento. O artigo 2.038 do atual Código Civil proibiu a
constituição de enfiteuses e subenfiteuses, determinando a aplicação das disposições do
Código anterior, e leis posteriores, aos aforamentos pré-existentes, verbis:

Fica proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses, subordinando-se as


existentes, até sua extinção, às disposições do Código Civil anterior, Lei n o 3.071, de
o
1 de janeiro de 1916, e leis posteriores.

§ 1o Nos aforamentos a que se refere este artigo é defeso:

I - cobrar laudêmio ou prestação análoga nas transmissões de bem aforado, sobre


o valor das construções ou plantações;

II - constituir subenfiteuse.

§ 2o A enfiteuse dos terrenos de marinha e acrescidos regula-se por lei especial.

Observa Adroaldo Furtado que o resgate do aforamento apresenta particularidade


que não permite sugerir a inutilidade do citado artigo. É que, nas hipóteses comuns
de consignação em pagamento, “há sempre o pressuposto geral da obrigação a ser
satisfeita e o correspectivo direito de crédito do demandado. Não ocorre o mesmo
no caso agora tratado: o senhorio direto não é credor do foreiro, nem este se acha
de modo algum em débito para com aquele relativamente aos pagamentos
oferecidos. O que dispõe o detentor do domínio útil, satisfeito o requisito temporal,
é uma faculdade pura, um dos mais perfeitos exemplos, aliás, da categoria dos
assim chamados direitos potestativos” [10] .

[1] Obrigações de fazer e de não fazer não se prestam à consignação em


pagamento.

[2] Ovídio A. Baptista da Silva, Procedimentos especiais, 2. ed., Rio de Janeiro,


Aide, 1993, p. 7.

[3] Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, XXIV, 2.935, 3.

[4] Procedimentos especiais, p. 10.

[5] Procedimentos especiais, p. 11.

[6] Procedimentos especiais, p. 36.

[7] Comentários ao Código de Processo Civil. 4. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1992.
v. VIII, t. III. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 95.
p. 95.

[8] Ernane Fidelis dos Santos, Dos procedimentos especiais do Código de Processo
Civil, Rio de Janeiro, Forense, 1999. v. VI, p. 33.

[9] Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, São Paulo: Saraiva, 1995,
p. 213.

[10] Op. cit., p. 115.

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