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Cultura Brasileira – Prova I

A partir de 1870, analisar a relação entre abolição, proclamação da República e


incremento da dinâmica social.

- geração de 1870

Apesar da heterogeneidade de pontos de vista, da diversidade das formas de


metabolização dos temas doutrinários e das polêmicas entre os diversos grupos, a
geração de 1870 adotava como palavra de ordem a condenação da sociedade fossilizada
do Império e a defesa de reformas como a abolição, a república, e a democracia. O que
os une é a perspectiva crítica ante o status quo da sociedade imperial, sua situação de
relativa marginalização em face do núcleo de poder constituído pelos saquaremas
conservadores infensos a quaisquer mudanças.

A elite europeizada tinha entre seus expoentes no Brasil autores como Joaquim
Nabuco, Euclides da Cunha, Lima Barreto, etc. A predisposição política destes e de
outros era parte da postura social assumida em conjunto pelo grupo. O utilitarismo
intelectual também é sua marca. Na Europa, o estabelecimento de uma vanguarda
científica na área do conhecimento, centrada ao redor das ciências naturais, esteve por
trás de uma séria de fenômenos que revolucionaram a sociedade do velho mundo. Foi
essa vanguarda que definiu três desenvolvimentos que proporcionaram uma nova
explicação de conjunto para a condição da espécie humana: o darwinismo; a Revolução
sanitária (explosão demográfica, urbanização); e as pesquisas no campo da física e da
química, que forneceram as bases da segunda revolução industrial.

Nesse contexto, também surgiam os Estados-Nação modernos na Europa. A


agitação nacionalista que constituía a base ideológica de sua formação buscaria nas
teorias raciais, que passaram então a dominar a área cultural, a sua justificação, e
encontraria no militarismo o seu meio de auto-afirmação. A universalização das
correntes de pensamento européias tem efeitos no Brasil. Aqui, o período foi marcado
pela ambigüidade do cientificismo e do liberalismo. O nacionalismo intelectual
brasileiro significaria um empenho de criar um saber próprio sobre o Brasil, na linha das
propostas do cientificismo. Nesse contexto é que se inserem os esforços despendidos na
tentativa de determinar um tipo étnico representativo da nacionalidade.

- teorias raciais

Silvio Romero, Nina Rodrigues e Euclides da Cunha: precursores das ciências


sociais no Brasil; discurso científico. A crença no determinismo provocado pelo meio
desemboca numa perspectiva pessimista em relação às possibilidades brasileiras.

Contexto geral: declínio do romantismo. Contribuem para a superação do


movimento romântico três teorias: o positivismo de Comte; do darwinismo social, e o
evolucionismo de Spencer. Elas são consideradas sob um aspecto único: o da evolução
histórica dos povos. O evolucionismo em parte legitima ideologicamente a posição
hegemônica do mundo ocidental, e fornece à intelligentsia brasileira os instrumentos
para compreensão do nosso atraso. A especificidade nacional, compreendida no hiato
entre teoria e sociedade, é entendida quando combinada aos conceitos de meio e raça.
Estes fundamentam o solo epistemológico dos intelectuais brasileiros de fins do século
XIX e início do século XX. Meio e raça constituem categorias do conhecimento que
definiam o quadro interpretativo da sociedade brasileira. A história brasileira é, dessa
forma, apreendida em termos deterministas, clima e raça explicando a natureza
indolente do brasileiro. O evolucionismo se combina, assim, a dois conceitos-chave.

Quando se afirma que o Brasil não pode ser mais uma “cópia” da metrópole, está
subentendido que a particularidade nacional se revela através do meio e da raça. Resulta
dessa interpretação um quadro pessimista do Brasil, onde a natureza suplanta o homem,
e a cultura européia tem dificuldades de se enraizar.

Predomínio das idéias racistas: de 1888 a 1914, para Thomas Skidmore.

Manuel Bonfim (“América Latina: males de origem”) se insere no grupo dos


grandes marcos que delimitam as fronteiras do pensamento da época (Comte, Spencer,
Darwin). Inspiração: teoria biológica do social (Comte). Da analogia entre biologia e
sociedade chega-se à noção de doença, que só poderia ser curada mediante o
conhecimento de sua história. Assim, ele se volta para o passado para explicar o atraso
latino-americano, e descarta a problemática do meio, uma vez que este passa a ser visto
positivamente. Sua construção aponta para uma teoria do imperialismo baseada no
parasitismo social. Analisar o Brasil dentro de uma visão do parasitismo social significa
considerá-lo na sua inter-relação com a metrópole portuguesa. Novidade: Bonfim
considera a mistura racial como renovadora. Ele recusa, portanto, as teorias racistas.

Teorias raciológicas: Europa, século XIX. Antropologia profissional voltada


para os estudos anatômicos e craniológicos. O que caracteriza essas análises é a
multiplicação de experiências empíricas que aparentemente legitimam o estatuto
científico das teorias construídas (o espírito positivista requer a confirmação empírica
dos argumentos). O século XIX também é momento da vulgarização de idéias a respeito
da evolução social e de seu vínculo imediato com as premissas raciais. A teoria
raciológica sofre uma reviravolta em função das críticas que recebe por parte de
diferentes antropólogos. Anos 1890: Boas – a noção de raça cede lugar à noção de
cultura (que irá influenciar Freyre mais adiante).

Conclusão (Ortiz): no momento em que as teorias raciológicas entram em


declínio na Europa, elas se apresentam como hegemônicas no Brasil. Torna-se, assim,
difícil de sustentar a tese da imitação. Defasagem entre o momento de produção
intelectual e o momento de consumo. O processo de importação pressupõe uma escolha
da parte daqueles que consomem os produtos culturais. As teorias são demandadas a
partir de necessidades internas brasileiras. A questão da raça vira, então, a linguagem
através da qual se apreende a realidade social (abolição, República...). As teorias
importadas têm, então, uma função legitimadora da realidade. Mas o que acontece é que
se aceita, primeiramente, uma teoria estrangeira, mas apenas em parte. O que não é
pertinente à realidade social local é descartado.
As ciências sociais da época reproduzem, no nível do discurso, as contradições
reais da sociedade como um todo. A inferioridade racial explica o porquê do atraso
brasileiro, mas a noção de mestiçagem aponta para a formação de uma possível unidade
nacional.

- conflito intra-elites

A proclamação da República e a abolição, com a promessa de democratização,


significaram a experiência desagregadora da geração de 1870.

O novo regime esvaziara rapidamente os sonhos que seus arautos acumularam


ao longo de três décadas. A crítica intelectual do período recriminava a inversão de
posições no país: os homens de talento eram postos de lado em favor de aventureiros,
oportunistas e arrivistas sem escrúpulos. Era o momento da “imbecilidade triunfante”.
Os intelectuais eram, assim, obliterados pela pressão das oligarquias e pelo
analfabetismo crônico do grosso da população (eram afastados do mundo político e das
esferas de prestígio social).

A Regeneração ocorre na República dos Conselheiros (início do século XX).


Nesse período, desenvolve-se um novo jornalismo, e cria-se uma opinião pública
urbana. Entretanto, as consciências são homogeneizadas pelo padrão burguês universal
da belle époque. Surge uma importante fissura no grupo dos intelectuais: os vencedores,
e os que permaneceram à margem. Os inconformados pela nova ordem das coisas foram
os mantenedores da tradição mais pura da Geração de 70, os sucessores legítimos dos
mosqueteiros intelectuais.

- Imigração e mestiçagem

Abordar a temática da mestiçagem é retomar a metáfora do cadinho, isto é, do


Brasil enquanto espaço da miscigenação. Gilberto Freire verá isso em termos culturais,
mas os autores da época (1870s) consideravam apenas aspectos raciais. Assim, o Brasil
teria se constituído através da fusão de três raças fundamentais: o branco, o negro, e o
índio. Silvio Romero, Euclides da Cunha e Nina Rodrigues refletem todos a supremacia
racial do mundo branco. Estamos condenados à civilização, diria Euclides. Nessa
perspectiva, o negro e o índio se apresentavam como entraves ao processo civilizatório.

Problema teórico fundamental para os “cientistas” do período: como tratar a


identidade nacional diante da disparidade racial. Daí surge a necessidade social de
sublinhar o elemento mestiço. A temática da mestiçagem conota simbolicamente
aspirações nacionalistas. É ela que possibilita a aclimatação da civilização européia nos
trópicos.

Se é verdade que existe uma ideologia da miscigenação democrática, ela é um


produto recente na história brasileira. A ideologia de um Brasil cadinho começa a se
forjar no final do século XIX. O mestiço é produto desse momento histórico, e
corresponde a uma busca da identidade.
- o negro como tema literário

O romantismo de Gonçalves Dias e José de Alencar se preocupa em fabricar um


modelo de índio civilizado. Nada se tem a respeito das populações africanas; o período
escravocrata é um longo silêncio sobre as etnias negras que povoam o Brasil. A situação
se transforma radicalmente com o advento da abolição, quando o negro aparece como
fator dinâmico da vida social e econômica brasileira.

A escravidão colocava limites para o desenvolvimento pleno da atividade


intelectual. Somente com o movimento abolicionista o negro é integrado às
preocupações nacionais. Aí, sim, o Brasil torna-se produto da mestiçagem de três raças.
É, portanto, a virada do século que engendra um mito das três raças.

Entretanto, a identidade forjada é ambígua. Se as qualidades atribuídas à raça


branca determinam a racionalidade do espírito capitalista, ao se lhas retirarem do
mestiço, negaram-se as possibilidades de desenvolvimento real do capitalismo no
Brasil.

- temática urbana na literatura

A partir das primeiras décadas do século XX, o Brasil sofre mudanças


profundas. O processo de urbanização e de industrialização se acelera, uma classe média
se desenvolve, surge um proletariado urbano. Com a revolução de 1930, o Estado
procura consolidar o próprio desenvolvimento social. Nesse contexto, teorias
raciológicas tornam-se obsoletas. Assim, Gilberto Freyre reedita a temática racial; ele
transforma a negatividade do mestiço em positividade; o que era mestiço torna-se
nacional. Ocorre uma transformação cultural profunda. O mito das três raças possibilita
a todos de se reconhecerem como nacionais. A democracia racial se tornou, a partir de
Freyre, uma das grandes aspirações nacionais.

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