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Trabalho docente:

alienação, autonomia e gestão escolar


Trabalho
Docente

ORGANIZAÇÃO:
Jeannette Filomeno Pouchain Ramos
Danielle Mayara Oliveira Pereira
Ana Maria Alves de Almeida
Isabel Maria Sabino de Farias
TRABALHO DOCENTE:
alienação, autonomia e gestão escolar
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

Reitor
José Jackson Coelho Sampaio
Vice - Reitor
Hidelbrando dos Santos Soares
Editora da UECE
Erasmo Miessa Ruiz

Conselho Editorial
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Eduardo Diatahy Bezerra de Menezes
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Gisafran Nazareno Mota Jucá
José Ferreira Nunes
Liduina Farias Almeida da Costa
Lucili Grangeiro Cortez
Luiz Cruz Lima
Manfredo Ramos
Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Marcony Silva Cunha
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Maria Salete Bessa Jorge
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Conselho Consultivo
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Homero Santiago (USP)
Ieda Maria Alves (USP)
Manuel Domingos Neto (UFF)
Maria do Socorro Silva Aragão (UFC)
Maria Lírida Callou de Araújo e Mendonça (UNIFOR)
Pierre Salama (Universidade de Paris VIII)
Romeu Gomes (FIOCRUZ)
Túlio Batista Franco (UFF)
Jeannette Filomeno Pouchain Ramos
Danielle Mayara Oliveira Pereira
Ana Maria Alves de Almeida
Isabel Maria Sabino de Farias
(Organizadores)

TRABALHO DOCENTE:
alienação, autonomia e gestão escolar
Trabalho docente : alienação, autonomia e gestão escolar
© 2013 Copyright by Jeannette Filomeno Pouchain Ramos

Impresso no Brasil / Printed in Brazil


Efetuado depósito legal na Biblioteca Nacional

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

Editora da Universidade Estadual do Ceará – EdUECE


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Editora filiada à

Coordenação Editorial
Erasmo Miessa Ruiz

Diagramação
Cristiê Gomes Moreira

Capa
Terezinha do Nascimento Pereira

Revisão de Texto
Danyelle Ribeiro Vasconcelos

Ficha Catalográfica
Bibliotecário Responsável: Francisco Leandro Castro Lopes CRB 3/1103
T758 Trabalho docente: alienação, autonomia e gestão escolar / organização,
Jeannette Filomeno Pouchain Ramos ... [et al.]. - Fortaleza:
EDUECE, 2013.

61p.

ISBN 978-85-7826-168-9

1. Professores - formação. 2. Trabalho docente. I. Danielle Maya-


ra Oliveira Pereira. II. Ana Maria Alves de Almeida. III. Isabel Maria
Sabino de Farias. IV. Título

CDD: 371.1
SUMÁRIO

07
A formação do gestor da escola básica em debate: diretrizes e política
Jeannette Filomeno Pouchain Ramos, Danielle Mayara Oliveira Pereira,
Ana Maria Alves de Almeida, Isabel Maria Sabino de Farias, Antônia Valéria Vieira
Rocha, Ana Karyna Bezerra Marques, Célia Camelo de Sousa, Daniele Cariolano,
Francisco Garcia Lima, Gabriela Estevão Raposo, Gantoal Barboza Alves
Geane Nunes Rufino, Laura Patrícia G. de Sousa, Lívia Soares Damasceno, Maria-
na Cristina Alves de Abreu, Meyrylane Alves de Castro, Michele Batista Macedo
de Barros, Raquel de Macêdo Melo, Renata Batista dos Santos, Tathiane Rodrigues
Lima, Tatiane Capistrano Ferreira, Tayany Vieira da Silva

33
Concepções e práticas de autonomia docente na escola pública
Germana Castro Barbosa, Jeannette Filomeno Pouchain Ramos

49
Trabalho e educação: primeiras impressões da alienação do trabalhador docente
Jeannette Filomeno Pouchain Ramos, José Gilberto Biserra Maia
A FORMAÇÃO DO GESTOR DA ESCOLA
BÁSICA EM DEBATE: DIRETRIZES E
POLÍTICA

Jeannette Filomeno Pouchain Ramos1


Danielle Mayara Oliveira Pereira2
Ana Maria Alves de Almeida3
Isabel Maria Sabino de Farias4
Antônia Valéria Vieira Rocha, Ana Karyna
Bezerra Marques, Célia Camelo de Sousa,
Daniele Cariolano, Francisco Garcia Lima
Gabriela Estevão Raposo, Gantoal Barboza Alves
Geane Nunes Rufino, Laura Patrícia G. de Sousa
Lívia Soares Damasceno, Mariana Cristina
Alves de Abreu, Meyrylane Alves de Castro,
Michele Batista Macedo de Barros,
Raquel de Macêdo Melo, Renata Batista dos
Santos, Tathiane Rodrigues Lima,
Tatiane Capistrano Ferreira
Tayany Vieira da Silva5

1. INTRODUÇÃO

Diante dos inúmeros questionamentos,


algumas vezes sem resposta objetiva, dos estu-
dantes do curso de Pedagogia sobre a extinção
1 É professora de Política, planejamento e gestão educacional
da Universidade Estadual do Ceará – UECE, graduada em Le-
tras, Mestra em Políticas Públicas e Planejamento pela UECE e
doutoranda em Educação Brasileira pela Universidade Federal
do Ceará. @ - ramosjeannette@yahoo.com.br

2 É graduanda do Curso de Pegagogia da Universidade Estad-


ual do Ceará-UECE.

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Jeannette Filomeno Pouchain Ramos, Danielle Mayara Oliveira Pereira, Ana Maria Alves de Almeida et all

do Curso de Habilitação em Administração Es- a) Qual o conceito de administração e gestão


colar (BRASIL, Diretriz Curricular do Curso de escolar?
Pedagogia, Art. 12º, 2006) e, consequentemente, b) Quais são as normas que regem a forma-
a formação do gestor na atualidade, nós, profes- ção do gestor?
sora e pedagogos matriculados na disciplina de c) Quais são os referencias teórico-ideológi-
Princípios e Métodos da Administração Escolar, cos na formação dos gestores?
semestre letivo 2009.2, elaboramos este artigo d) Como será realizada a formação do ges-
intitulado A FORMAÇÃO DO GESTOR DA tor no novo currículo da Pedagogia da UECE
ESCOLA BÁSICA EM DEBATE: diretrizes e (1991 e 2008) e da UFPB (2009)? Ainda haverá
política. a Habilitação em Administração Escolar?
Entre os objetivos desta publicação desta- e) Quais as diferenças entre os projetos for-
cam-se: mativos da pós-graduação da UECE e o da Fa-
culdade Sete de Setembro - Fa7?
a) compreender a disputa teórico-ideológica f) Como tem sido realizada a formação dos
presente na formação acadêmica do gestor da gestores em exercício, pelo Ministério da Euca-
educação básica no Brasil entre a Associação ção/MEC (A escola de gestores), e, pela Secreta-
Nacional de Política Administração e da Edu- ria de Educação/SEDUC (Gestão e avaliação da
cação- ANPAE e a Associação Nacional pela For- educação pública)?
mação dos Profissionais da Educação- ANFOPE; g) Essas mudanças trazem repercussões na
b) sintetizar as mudanças na política de for- escola? De que forma?
mação do gestor a partir da legislação vigente, h) Que reflexos reproduzem as mudanças do
com ênfase nas novas diretrizes curriculares da currículo atual da Uece?
Pedagogia; e
c) analisar as políticas e programas de forma- A pesquisa do tipo bibliográfica revisitou a
ção dos gestores na graduação e pós-graduação. literatura e analisou documentos diversos.
Os autores, pedagogos recém-graduados, es-
Entre as questões que foram suscitadas, estão: tão de parabéns pelo exercício de sistematização

3 É graduanda do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Ceará-UECE.

4 Pedagoga. Doutora em Educação Brasileira (UFC). Professora do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Líder do Grupo de Pesquisa Educação, Cultura Escolar e Sociedade
(EDUCAS). @ -isabelinhasabino@yahoo.com.br

5 Graduados em Pedagogia com Habilitação em Administração Escolar pela Universidade Estadual do Ceará.

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A formação do gestor da escola básica em debate: diretrizes e política

dos conhecimentos construídos. Destacamos 2. AUTÔNOMIA DOCENTE: PRINCÍ-


também a valorosa contribuição da pedagoga, PIOS, MEIOS E FINS
Danielle Mayara Oliveira, ao contribuir com a
diagramação e a Terezinha do Nascimento Pe-
reira Filha pelo desenho da capa, que expressa
N as comunidades primitivas os homens
se organizavam de acordo com as suas possi-
às mudanças no perfil dos gestores escolares. À bilidades e limitações, no entanto, diante da
professora Josete de Oliveira Castelo Branco Sa- complexidade das tarefas na produção em mas-
les, agradecemos a pronta resposta sobre o his- sa flexível, emerge a necessidade de que os tra-
tórico do curso e aos professores do Núcleo de balhadores tenham suas ações coordenadas e
Política, planejamento e gestão educacional pela controladas por pessoas ou órgãos com funções
revisão atenta. Aproveitamos ainda para ressal- chamadas administrativas.
tar que, sem a contribuição da coordenação da Administrar, segundo Vitor Paro (1988, 18)
Pedagogia ao colocar à disposição os documen- [...] é a utilização racional de recursos para a
tos que foram analisados e dirimir as dúvidas, realização de fins determinados. Deste modo, o
esta produção não seria possível, bem como a termo administrar traz consigo a idéia de diri-
presença do Centro de Educação garantindo o gir bens, recursos humanos e financeiros, além
apoio pedagógico e as condições objetivas de re- de coordenar atividades para um determinado
produção deste material didático. objetivo. No âmbito educacional, a expressão
A todos desejamos uma boa leitura e nos administração tem sido utilizada para referir-se
colocamos à disposição para dirimir eventuais à organização ou à direção escolar.
dúvidas. No entanto, este conceito tem sido utiliza-
do por diferentes correntes de pensamento de
acordo com as relações de produção, são elas: o
capitalismo e o socialismo.
Deste modo, há teóricos que defendem a
transposição literal dos princípios, meios e fins
da administração para o campo educacional e,
partindo do referencial marxista, há teóricos
como Vitor Paro (1988) que defende a adoção
da administração, mas cujo foco está na trans-
formação social. Esta última compreende o ho-
mem como finalidade ao invés da concepção
liberal que o utiliza como um recurso, um meio.

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Jeannette Filomeno Pouchain Ramos, Danielle Mayara Oliveira Pereira, Ana Maria Alves de Almeida et all

Diante das crises cíclicas do capitalismo, a ende a gestão como uma atividade inerente a
administração empresarial se reinventa e passa a todos os docentes. A docência passa a ser en-
adotar o termo gestão no Brasil e no mundo. Nes- tendida como a base da formação do pedagogo
ta, as organizações passaram a adotar uma nova e esta deve integrar, de modo concomitante, o
racionalidade, objetivando a melhoria da eficácia ensino, a gestão e a pesquisa.
da gestão, mas mantendo a divisão do trabalho.
Entre os desdobramentos deste modelo da 3. A FORMAÇÃO DO PROFESSOR-
gestão desvela-se a descentralização e autono-
-GESTOR: DIRETRIZES E POLÍTICA
mia administrativa, a mercantilização da educa-
ção escolar e a máxima capitalista, maior produ-
tividade e melhores resultados com menor custo.
As diretrizes da formação docente e, con-
sequentemente, do gestor tem sido disputada
na educação brasileira por duas organizações
A gestão ou gerência da qualidade total
sociais que têm atuado historicamente na área,
(GQT) tem origem no setor produtivo (em-
são elas: a Associação Nacional pela Formação
presas) e seu objetivo é melhorar a eficiên-
dos Profissionais da Educação - ANFOPE e a
cia do processo de produção. Representan-
do mais um movimento de transposição do Associação Nacional de Política e Administra-
modo de produção capitalista para o setor ção da Educação - ANPAE. A Associação Na-
educacional, ela impõe nova racionalidade cional de Pós-graduação e pesquisa em educa-
ao processo educativo, baseada em conceitos ção – ANPED se configura numa entidade que
como cliente (aluno e comunidade/socieda- discute e socializa pesquisas da área.
de), fornecedor, produtividade, processo e A ANFOPE é uma instituição de caráter po-
produto. Deste modo, o aluno passa a ser um lítico, científico e acadêmico originária do movi-
cliente, portanto, não participa do processo mento dos educadores na década de setenta. Na
de produção do conhecimento e as ativida- atualidade constitui-se em uma Associação de
des de dar aulas e a avaliação constituem ro- referência no cenário nacional quando se trata
tina, que pode ser gerenciada externamente. de debates e de proposições para a formação dos
(RAMOS, 2009, 94). profissionais da educação. Ao longo de sua histó-
ria dedicou-se a discussão em torno do curso de
Ao invés de reforçar a fragmentação do tra- pedagogia e das demais licenciaturas, reivindi-
balho na escola, as Diretrizes Curriculares do cando uma base nacional comum para os mes-
Curso de Pedagogia (BRASIL, 2006) compre- mos. Acredita que a base da identidade de todos

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A formação do gestor da escola básica em debate: diretrizes e política

os profissionais da educação está na docência. Em 1978, ocorreu uma alteração estatutária e


Nas moções de 2001, a ANFOPE posicio- a sigla da Associação passa a significar Associa-
nou-se contrária ao projeto “Amigos da Escola” ção Nacional de Profissionais da Administração
por retirarem da responsabilidade do Estado o da Educação, o que amplia a área de atuação da
pleno desenvolvimento das instituições escola- mesma. Acreditava-se que administração edu-
res. Manifestou repúdio às instituições públicas cacional envolve aspectos amplos e complexos
e privadas que implementaram cursos aligeira- que envolvem a administração Escolar.
dos de educação à distância. Em 1996, a ANPAE altera novamente seu
Esta entidade mostra-se também contrária às nome e, com isso, amplia seu campo de abrangên-
habilitações do curso de pedagogia, pois acredi- cia. Passa a ser reconhecida como Associação Na-
ta que elas fragmentam a formação e impedem cional de Política e Administração da Educação.
um maior aprofundamento de conhecimentos Este breve histórico da instituição explicita
durante a formação do profissional. Segundo a que esta organização entende a formação do-
Associação, a formação do especialista em edu- cente de modo fragmentado e as mudanças em
cação, do administrador, inspetor e supervisor torno do significado da sigla amplia o campo de
deve ser realizada em nível de graduação e pós- atuação e demonstra que a própria organização
-graduação com exigência de experiência míni- tem sido disputada por diferentes referenciais.
ma de dois anos de magistério. (Ver Quadro I)
Contrária a esta posição, a proposta inicial
da ANPAE centralizava-se na dupla preocupa- 3.1 A Habilitação em Administra-
ção de reunir os professores da disciplina Admi- ção Escolar
nistração Escolar dos Cursos de Pedagogia e dar
a disciplina o status de ciências. Sendo assim, Partindo da concepção vigente no país no
na época a sigla significava Associação Nacio- decorrer da década de 70 de que para atuar na
nal dos Profissionais em Administração Escolar, direção das escolas básicas era necessária a gra-
reafirmando o recorte teórico, político e insti- duação em Pedagogia e a complementação na
tucional da organização. Habilitação em Administração Escolar, vejamos:
Com a Lei de Diretrizes e Bases da educação
(LDB, 1971), o Conselho Federal de Educação O que é habitação?
instituiu as habilitações pedagógicas que quali- É a qualificação profissional dentro de um
fica profissionalmente os pedagogos para atuar, curso, com amplas áreas de abrangência. Ex.:
por exemplo, na administração das escolas. Comunicação Social – habilitação em Jornalismo.

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Jeannette Filomeno Pouchain Ramos, Danielle Mayara Oliveira Pereira, Ana Maria Alves de Almeida et all

QUADRO I
CARACTERIZAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS QUE ATUAM
NA EDUCAÇÃO ESCOLAR

Instituição ANPED ANPAE ANFOPE


A��������������������������
ssociação Nacional de Pós- Associação Nacional de Po-
Associação Nacional pela Forma-
Significado -Graduação e Pesquisa em lítica Administração da Edu-
ção dos Profissionais da Educação.
Educação. cação.
Fundada em 1961 por pro-
Fundada em 1976 graças aos
fessores da Universidade de Sua existência jurídica data de
esforços de alguns Programas
São Paulo - USP, é uma das 26 de julho de 1990, no entanto
de Pós-Graduação da Área da
mais antigas associações de sua origem remonta a 1980 com a
Educação. Em 1979, a Asso-
educadores do Brasil. Tem se criação do Comitê Nacional Pró-
ciação consolidou-se como
Histórico sociedade civil e independente,
destacado pela contribuição -formação do Educador, o qual se
no avanço do conhecimento, transformou na Comissão Nacio-
admitindo sócios institucio-
na melhoria da prática da ad- nal de Reformulação dos Cursos
nais (Programas), professores,
ministração da educação e na de Formação do Educador (CO-
pesquisadores e estudantes de
formação de educadores na NARCFE) em 1983.
pós-graduação em educação.
área.
Inicialmente apenas profes-
Professores universitários, pes-
sores da área e administrado-
quisadores, alunos de pós-gra-
Público duação, administradores pú-
res. Atualmente, conta com
Profissionais da Educação.
Alvo blicos, pesquisadores de outros
professores universitários e
da educação básica e pesqui-
campos, educadores em geral.
sadores.
Adotava as teorias clássicas
da administração e pretendia
justificar a criação da ciên-
Debater e analisar políticas públi-
Buscar o desenvolvimento e cia da administração escolar.
cas de formação dos profissionais
a consolidação do ensino de Hoje, destaca-se a presença
Finalidade pós-graduação e da pesquisa de diferentes referenciais e
da educação. Sendo a docência
a base da identidade de todos os
na área da Educação no Brasil. tem como finalidade a for-
profissionais da educação.
mação e desenvolvimento
profissional; pesquisa; e di-
vulgação.
Fonte: Elaborada pelos autores.

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A formação do gestor da escola básica em debate: diretrizes e política

Quando surgiu a Habilitação em Admi- QUADRO II


nistração Escolar? FLUXOGRAMA DO CURSO DE HAB. EM AD-
Surgiu na década de 70, seguindo a orien- MINISTRAÇÃO ESCOLAR DA UECE (1970-2010)
tação da divisão social do trabalho no interior
1970- 1991-
da escola, assim como outras habilitações quais DISCIPLINA CRÉD CRÉD
1976 2010*
sejam: supervisão, orientação e inspeção escolar. Princípios e métodos da
1970-1976 06 - -
Administração Escolar I
Quais os documentos legais necessários Princípios e métodos da
para a criação do curso Habilitação em Ad- Administração Escolar 1970-1976 06 - -
ministração Escolar? II
Todo e qualquer curso superior oferecido Princípios e métodos da
por Instituições Estaduais, com ou sem habili- - - 2010 06
Administração Escolar
tação, tem que ter Projeto Pedagógico aprova-
do no seu Colegiado de origem, Resolução de Legislação de Ensino 1970-1976 06 - -
criação do Curso expedida pelo Conselho de Currículos e programas 1970-1976 06 - -
Ensino, Pesquisa e Extensão - CEPE da UECE e Estágio Supervisio-
nado de Administração 1970-1976 04 - -
Parecer de reconhecimento do curso expedido
Escolar I
pelo Conselho de Educação do Ceará - CEC.
Estágio Supervisionado
No caso do curso de Pedagogia, tanto o anti- de Administração 1970-1976 04 - -
go como o novo currículo estão submetidos às Escolar II
mesmas regras. Estágio de
- - 2010 08
Administração Escolar I
Qual o objetivo geral da Habilitação em Estágio de
- - 2010 08
Administração Escolar? Administração Escolar II
Habilitar gestores para atuarem em escolas Relações Interpessoais - - 2010 06
públicas e privadas de educação infantil, ensi- Administração na Es-
no fundamental e médio. cola de Ensino Funda- - - 2010 06
mental
Como se apresenta a organização curricu- Planejamento Educa-
- - 2010 06
lar curso de habilitação em Administração cional II
Fonte: Quadro elaborado pelos autores.
Escolar da UECE?
* Período de transição do currículo velho para o novo, portanto, ainda
Está organizada em 03 (três) semestres leti- era garantido a matricula dos estudantes na Habilitação em Adminis-
vos. (Ver Quadro II) tração Escolar.

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Jeannette Filomeno Pouchain Ramos, Danielle Mayara Oliveira Pereira, Ana Maria Alves de Almeida et all

Conforme o quadro podemos observar que: 4. A FORMAÇÃO DO GESTOR NA


GRADUAÇÃO E PÓS-GRADUAÇÃO
• As disciplinas de Princípios e métodos da
Administração Escolar I e II (1970-1976), Ciente da disputa histórica da concepção
que contabilizavam 12 (doze) créditos, fo- que orienta a formação do docente e do gestor
ram transformadas em apenas uma discipli- no Brasil e, partindo da análise da política de
na com apenas 06 (seis) créditos. formação dos gestores da década de 70 que frag-
• As disciplinas Legislação do Ensino e Cur- mentava a formação docente, analisamos neste
rículos e Programas foram incluídas no cur- item a formação dos gestores na graduação e na
pós-graduação, bem como as iniciativas do Go-
rículo da graduação em Pedagogia e são in-
verno Federal e Estadual para formar os gesto-
tegralizadas na Administração Escolar como
res que estão no exercício do cargo.
disciplinas optativas.
• As disciplinas de Relações interpessoais, 4.1 A formação dos gestores nas di-
Administração na Escola de Ensino Funda- retrizes curriculares do curso de pe-
mental e Médio e Planejamento Educacional dagogia e na LDB (Lei nº. 9.394/96)
II foram inseridas.
Quais são as normas que regem a formação
• A carga horária das disciplinas de Estágio do gestor?
Supervisionado de Administração Escolar I e É na legislação vigente que encontramos os
II foi duplicada. No currículo da década de pressupostos para os cursos de formação de ges-
70 elas, juntas, contabilizavam 08 créditos. E tores. A LDB(1996) determina que os ambientes
destaca-se a ênfase na prática na formação do formadores devem preparar os gestores de acor-
gestor da UECE, contando com um total de do com as atribuições da gestão escolar contem-
16 créditos. porâneas, legitimadas também pelo princípio
da gestão democrática do ensino, organização e
gestão de sistemas escolares baseados na flexibi-
Com a extinção da Habilitação como será
lidade, descentralização e autonomia da escola.
feita a formação dos pedagogos para atuarem
A LDB (1996), art. 64, sobre o lócus de for-
na gestão das escolas? mação, estabelece que:
A formação será garantida por meio da área
de aprofundamento no fluxograma da gradua- A formação de profissionais de educação
ção, como veremos a seguir. para administração, planejamento, inspe-

14
A formação do gestor da escola básica em debate: diretrizes e política

ção, supervisão e orientação educacional setor da educação, de projetos e experiências


para a educação básica, será feita em cursos educativas não-escolares e na produção e difu-
de graduação em pedagogia ou em nível de são do conhecimento científico-tecnológico do
pós-graduação, a critério da instituição de campo educacional, em contextos escolares e
ensino, garantida, nesta formação, a base não-escolares.
comum nacional. Sendo assim, para o exercício pleno da do-
cência é preciso articular, concomitantemente,
Sendo assim, a LDB (1996) reafirma a auto- na sua carga horária de trabalho, atividades de
nomia das instituições na formação dos gestores ensino, gestão e pesquisa.
da educação básica.
Consequentemente, o curso que forma este
profissional deve garantir a todos os estudantes
O que estabelece as novas diretrizes curri-
a formação necessária para o exercício destas
culares da Pedagogia para a formação do ges-
três dimensões (ensino, pesquisa e gestão), que
tor?
A Resolução do Conselho Nacional de Edu- compõem o trabalho docente.
cação no. 01 de 2006 no Art. 4º. estabelece que A norma também estabelece no Art. 10º. que
o curso destina-se: As habilitações em cursos de Pedagogia atual-
mente existentes entrarão em regime de extinção,
[...] a formação de professores para exer- a partir do período letivo seguinte à publicação
cer as funções de magistério na educação desta Resolução.
infantil e nos anos iniciais do ensino fun- Em síntese, segundo esta norma a formação do
damental, nos cursos de ensino médio, na gestor deve ser promovida no curso de graduação.
modalidade normal, de educação profis-
sional na área de serviços e apoio escolar e Que mudanças a LDB 1996 e as Diretrizes
em outras áreas nas quais sejam previstos Curriculares Nacionais para o Curso de Gra-
conhecimentos pedagógicos. duação em Pedagogia (2006) trazem na for-
§ único. As atividades docentes também mação do gestor?
compreendem participação na organização Com a divisão do trabalho na sociedade mo-
e gestão de sistemas e instituições de ensino [...]. derna, cuja finalidade era o aumento da produ-
tividade e o controle do trabalho alheio, surgi-
Entre as atividades destacam-se o planeja- ram as habilitações para o exercício do diretor,
mento, a execução e a coordenação, o acompa- portanto, apenas os pedagogos podiam ocupar
nhamento e a avaliação de tarefas próprias do tais funções.

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Jeannette Filomeno Pouchain Ramos, Danielle Mayara Oliveira Pereira, Ana Maria Alves de Almeida et all

Com a LDB/96 é ampliado o lócus de forma- básica, no Estado do Ceará, será exigida a
ção, pois tanto os graduados em Pedagogia com formação do gestor ou administrador escolar
habilitação em administração escolar, como os em curso de graduação em Pedagogia.
demais licenciados com pós-graduação na área
§ 1º Poderá exercer, igualmente, esse cargo o
da gestão escolar podem exercer a direção das
candidato que tenha cursado outra licencia-
escolas básicas.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o tura plena, com pós-graduação na área de
Curso de Graduação em Pedagogia (CNE/CP gestão escolar ou administração escolar.
no. 5/2005 e 3/2006), afirmam que o pedagogo [...] Art. 3º Será exigida, do candidato ao
é um licenciado apto a atuar tanto na docência cargo de direção de estabelecimento de en-
quanto nas funções de administração do siste- sino da educação básica, além da formação
ma escolar, ou seja, apto a realizar o trabalho pe- a que se refere o artigo 1°, desta Resolução,
dagógico em sentido amplo, estabelecendo uma experiência de, pelo menos, 3 (três) anos de
estreita vinculação entre a docência e a gestão. efetivo exercício de docência.
Portanto, todos os graduados do curso de
Pedagogia, com currículo reformulado pela
DCN/2006, ao cursar o aprofundamento em Esta norma complementa as demais ao esta-
gestão escolar estão aptos ao exercício das fun- belecer que:
ções de supervisão, orientação, gestão da educa-
ção em espaços escolares e não escolares. Con- a) a formação do gestor poder ser realizada
sequentemente, todas as antigas habilitações em na graduação para os pedagogos e na pós-gra-
Administração Escolar de 1º e 2º Graus, Super- duação para os demais licenciados;
visão Escolar de 1º e 2º Graus e Orientação Edu- b) a experiência mínima de 03 anos de efeti-
cacional, a partir de 2007, entraram em proces- vo exercício na docência.
so de extinção.
No entanto, no ano de 2008, o Conselho Esta-
Existe uma norma Estadual acerca da For- dual de Educação com a resolução no. 427/2008
mação do Gestor? altera a norma supracitada, estabelecendo que
A Norma Estadual do Ceará, Resolução nº Art.1o. […] § 1º Poderá exercer, igualmente, esse
414 de 2006 do Conselho Estadual de educação cargo o candidato que tenha cursado outra gra-
-CEC dispõe que, duação, com pós-graduação na área de gestão es-
colar ou administração escolar”.
Art. 1° Para o exercício do cargo de direção Deste modo, a norma vigente flexibiliza a for-
de estabelecimento de ensino de educação mação do gestor da educação básica ao romper

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A formação do gestor da escola básica em debate: diretrizes e política

com o pré-requisito de que é preciso ser licen- § 2º Os profissionais de educação licencia-


ciado para atuar no setor da educação. Esta re- dos em Pedagogia, sem formação em gestão
afirma a prática do Governo do Estado do Ceará escolar ou administração escolar, deverão
que também não vincula o exercício da função do apresentar comprovação por histórico esco-
diretor ao quadro efetivo do magistério público. lar, de disciplinas cursadas nessa área, com
No Estudo de Ramos (2004, 124), sobre a um total de, no mínimo, 16 (dezesseis) crédi-
Gestão democrática da Escola Pública: A experi- tos ou 240 (duzentas e quarenta) horas aula,
ência do Governo das Mudanças e, em especial, ou de formação complementar em curso de
o processo de seleção do Núcleo Gestor ela cita pós-graduação lato sensu, na área exigida
a matéria do Jornal o Povo de que há para a mencionada habilitação.

Um contingente imenso de candidatos. […] No Curso de Graduação da UECE esta for-


mais de 10.000 professores participaram da mação será garantida com a comprovação no
prova. Isto ocorre porque […] todos os que
histórico escolar da disciplina de Fundamentos
assumem os cargos do Núcleo Gestor, entre
da Gestão (04 créditos) que possibilita o estu-
eles o diretor, são CARGOS COMISSIO-
dante cursar, pelo menos, 04 (quatro) discipli-
NADOS e que podem ser exonerados deste
nas optativas, são elas: Gestão pedagógica da
a qualquer momento, sem justificativa pelo
escola (68h); Gestão administrativa-financeira
governador (grifos da autora).
e patrimonial (68h); Gestão de Pessoal no am-
Vale ressaltar que esta resolução rege tam- biente escolar (68h); Política e planejamento
bém a organização da carga horária do diretor educacional II (68h); Avaliação Institucional e o
nomeado, que deve ser distribuída nos diferen- Estágio em Gestão escolar (68h).
tes turnos de funcionamento da escola. Vale ressaltar que há grande número de pro-
fessores licenciados que não cursaram a Habili-
Com a extinção da habilitação em adminis- tação em Administração, bem como não cursa-
tração escolar, como será promovida a forma- ram a especialização na área e estão na direção
ção dos gestores licenciados em Pedagogia? das instituições de ensino. Neste caso, o Con-
A norma estadual também estabelece (art.1 selho Estadual de Educação prevê a concessão
§2.) que os licenciados devem comprovar no seu de licenças precárias, ou seja, de licença para o
histórico escolar um mínimo de 16 créditos em exercício de direção por tempo determinado,
gestão escolar. Segundo a norma enquanto o governo promove a sua qualificação.

17
Jeannette Filomeno Pouchain Ramos, Danielle Mayara Oliveira Pereira, Ana Maria Alves de Almeida et all

Art. 4° No caso de carência comprovada pelo Qual o conceito de docência segundo as Di-
órgão descentralizado da Secretaria da Edu- retrizes Curriculares Nacionais- DCNs, para
cação Básica do Estado (CREDE), no mu- o Curso de Pedagogia?
nicípio, dos profissionais mencionados nos
artigos anteriores, o CEC poderá autorizar, por Compreende-se a docência como ação edu-
tempo determinado, o exercício de direção cativa e processo pedagógico metódico e in-
a professor(a) habilitado(a) para o mesmo tencional, construído em relações sociais,
nível de ensino que o estabelecimento oferte. étnico-raciais e produtivas, as quais influen-
ciam conceitos, princípios e objetivos da Pe-
Em síntese, destaca-se que com a oferta de dagogia, desenvolvendo-se na articulação
entre conhecimentos científicos e culturais,
disciplinas que abrangem a área de administra-
valores éticos e estéticos inerentes a processos
ção escolar na graduação, torna-se desnecessário
de aprendizagem, de socialização e de cons-
a habilitação. Portanto, com a implementação
trução do conhecimento, no âmbito do diá-
do novo currículo e com a área de aprofunda- logo entre diferentes visões de mundo (CNE/
mento em gestão escolar, justifica-se a extinção CP Nº1, Art. 2º§1º, 2006).
da habilitação em administração escolar.
Qual a carga horária total do Curso de Pe-
4.2 O gestor pedagogo: uma estu- dagogia?
do dos fluxogramas da UECE (1991 e UECE (1991): 2400 h/a
2008) e UFPB (2009) UECE (2008): 3.313 h\a
UFPB (2009): 3.210 h\a
Após analisarmos os referenciais legais so- Qual o objetivo do Curso?
bre a formação do gestor, explicitamos como
UECE (1991): Formar o educador compro-
esta tem se efetivado no Curso de Pedagogia
metido politicamente com a realidade brasileira;
de 02 (duas) Universidades Públicas, são elas a
engajado no processo de transformação social e
Universidade Federal da Paraíba - UFPB (2006) capaz de atuar com competência nos diversos
e Universidade Estadual do Ceará - UECE (1991 âmbitos da escola, do sistema educacional e dos
e 2008). Inicialmente faz-se necessário destacar movimentos sociais onde o fenômeno educativo
que este curso é uma licenciatura plena. se fizer presente.
Neste estudo procuramos desvelar seus ob- UECE (2008): Oferecer ao educando com-
jetivos, destacando as diferenças e semelhanças preensão e análise do contexto e da educação
entre os projetos pedagógicos. no Ceará, no Brasil e no mundo; Propiciar sub-

18
A formação do gestor da escola básica em debate: diretrizes e política

sídios teóricos e metodológicos para o ensino; tos, e na Gestão Educacional; 1140 horas de
Contribuir para a formação do professor/ pes- conteúdos complementares obrigatórios, envol-
quisador. vendo atividades teóricas e práticas;120 horas de
UFPB (2008): Formar professores para exer- conteúdos complementares optativos; 270 horas
cer funções de magistério na Educação Infan- de conteúdos complementares flexíveis, em áre-
til e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, as específicas de interesse dos alunos(monitoria,
nos cursos de Ensino Médio, na modalidade participação em eventos etc).
Normal, na Educação de Jovens e Adultos, e/ou
na Educação Profissional na área de serviços e Como se efetiva a formação do gestor?
apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam UECE (1991): Aos graduandos é oferecida a
previstos conhecimentos pedagógicos. habilitação Magistério concomitante ao curso.
Já para os graduados é ofertada a Habilitação
Como é a organização curricular? em Administração Escolar como segunda habi-
UECE (1991): Possui 3 blocos: Dos funda- litação para a formação de especialistas em edu-
mentos da Educação, Pesquisa e Prática Peda- cação. De fato, esta é uma “especialidade”.
gógica e Instrumentalização para a prática edu- UECE (2008): Na proposta curricular não se
cativa. verificou a ocorrência do termo “habilitação”, e
UECE (2008): Possui 3 núcleos de estudos: sim “área de aprofundamento de estudo”, à es-
Núcleo de Estudos Básicos (Educação Infan- colha do graduando: Gestão Escolar, Educação
til e os Anos Iniciais do Ensino Fundamental, Infantil, Anos Iniciais do Ensino Fundamental,
Núcleo de Aprofundamento e Diversificação Educação Especial, Educação de Jovens e Adul-
(Gestão Escolar, Educação Especial, EJA, Ensi- tos, Ensino Médio na modalidade normal e Tec-
no médio na modalidade normal, Tecnologias nologias Digitais em Educação e EAD.
Digitais e EAD; Núcleos de Estudos Integrado- UFPB (2008): No novo currículo não tem
res (seminários, estudos em grupo, projetos de habilitação, porém no antigo oferece 04 (quatro)
iniciação científica, monitoria, extensão, ativi- áreas de aprofundamento que o aluno deverá
dades práticas, atividades de comunicação e ex- cursar no último período do curso, sendo assim
pressão cultural). uma habilitação. São elas: Magistério das Maté-
UFPB (2008): 1.680 horas dedicadas aos rias Pedagógicas do Ensino Normal, Magistério
conteúdos básicos profissionais atividades for- em Educação Especial, Magistério em Educa-
mativas (aula, seminários etc); 300 horas dedi- ção de Jovens e Adultos e Supervisão Escolar e
cadas ao Estágio Supervisionado em Educação Orientação Educacional. Portanto, ao curso foi
Infantil, Ensino Fundamental (séries iniciais), inserido mais um semestre para este aprofun-
Educação Especial, Educação de Jovens e Adul- damento.

19
Jeannette Filomeno Pouchain Ramos, Danielle Mayara Oliveira Pereira, Ana Maria Alves de Almeida et all

Percebemos que as duas universidades em Educação Infantil, sendo a docência compreen-


suas novas propostas pedagógicas (UFPB, 2006 dida como a relação entre o ensino, a pesquisa e
e UECE, 2009) têm como semelhanças a ine- a gestão. Sendo assim, a gestão deve constar na
xistência de habilitações. Já em suas antigas es- formação do Pedagogo, mas não é caracterizada
truturas curriculares, a UECE tinha, em 2010, como habilitação, pois as Diretrizes extingui-
somente um curso como segunda habilitação ram todas as habilitações.
(Administração Escolar), enquanto a UFPB
possuía Orientação Educacional e Supervisão Considerando que o currículo de Pedago-
Escolar, entre outros. gia está organizado em dois núcleos, são eles:
Ciente de que o curso de Pedagogia da UECE Núcleo de Estudos Básicos (Educação Infantil
oferta 8 (oito) disciplinas optativas é possível o e os Anos Iniciais do Ensino Fundamental) e
estudante ter duas áreas de aprofundamento o Núcleo de Aprofundamento e Diversificação
no decorrer do curso. (Gestão Escolar, Educação Especial, EJA, En-
sino Médio na modalidade Normal, Tecnolo-
4.2.1 Desdrobamentos das novas gias Digitais e EAD), como constará no histó-
rico escolar a área de aprofundamento? Quais
diretrizes no currículo de pedagogia os critérios para escolha das áreas de aprofun-
na UECE damento?

Com vistas a entender as repercussões ge- Coordenação – As disciplinas de aprofunda-


mento constarão no histórico escolar como as
radas pelas novas Diretrizes Curriculares de Pe- demais disciplinas. Os aprofundamentos foram
dagogia na implantação do novo currículo do definidos a partir de dois critérios: o interesse
curso da UECE, foi aplicado um questionário dos alunos e o quadro de professores.
estruturado com a coordenação do Curso.
Qual a carga horária necessária para se
Quais foram os critérios que justificaram a comprovar a área de aprofundamento?
inclusão da Habilitação em gestão no currícu- Coordenação – São 16 créditos.
lo da graduação?
Coordenação – As Diretrizes Curriculares As disciplinas do aprofundamento são optati-
Nacionais de Pedagogia definem que a formação vas ou eletivas?4
do pedagogo deve estar voltada para a docência Coordenação – A UECE só considera disci-
nos anos iniciais do Ensino Fundamental e na plinas obrigatórias e optativas.

4 Disciplinas optativas são disciplinas que complementam o conteúdo prático e teórico do currículo. As disciplinas eletivas são as disciplinas
não constantes da matriz curricular, mas que poderão ser cumpridas pelo aluno a partir de um eixo temático ou núcleo de aprofundamento.

20
A formação do gestor da escola básica em debate: diretrizes e política

Há limite para o número de disciplinas op- Coordenação – Não, se o aluno quiser fazer
tativas a serem cursadas pelo estudante? outro aprofundamento tem que ser durante o
Coordenação – Não. período em que está fazendo o curso.

Considerando que no 8º semestre é oferta- Pode-se concluir que os núcleos de aprofun-


do uma disciplina optativa e no 9º são ofer- damento são definidos por livre escolha do gra-
tadas 3 disciplinas optativas, serão ofertadas, duando, podendo esta opção ser modificada a
então, 3 disciplinas mais o estágio em gestão
qualquer tempo durante o curso de Pedagogia.
no 9º semestre? O aprofundamento na área de
gestão escolar será concomitante a conclusão Vale ressaltar que não há limites para o nú-
de monografia? mero de disciplinas optativas a serem cursadas,
Coordenação- O aluno não tem obrigatoria- no entanto, para comprovar o aprofundamento
mente que cursar as disciplinas do aprofunda- em gestão escolar é preciso cursar, pelo menos,
mento no final do curso e a monografia é produ- dezesseis créditos desta área. Sendo assim, o es-
zida ao longo do curso, a partir do 2º semestre.tudante pode concluir o curso sem aprofunda-
mento específico ou com uma ou mais áreas de
Como será comprovado que o estudante de aprofundamento.
Pedagogia estará habilitado para gerir as es- Além disso, a escolha por núcleos só pode-
colas? rá ser constatada através do histórico escolar.
Coordenação – A partir do número de cré- Lembrando que caso o estudante conclua o
ditos exigidos e cursados, no caso, 16 créditos curso de graduação e queira aprofundar-se em
na área.
uma área específica, faz-se necessário cursar
uma especialização.
Como constará no certificado a área de
aprofundamento cursada? Será um carimbo/
chancela? 4.3 A formação do gestor na Pós-
Coordenação – A comprovação se dará por -Graduação (UECE e FA7)
meio do histórico escolar.

Caso o estudante conclua o curso com o


C
omo já vimos, a formação do gestor da
educação básica pode ser promovida na gradu-
aprofundamento em Gestão Escolar e queira,
ação e na pós-graduação.
dois anos depois, retornar ao Curso para fazer
o aprofundamento em Educação Especial, ele O ensino de pós-graduação é aquele destina-
pode? O que é preciso ser feito? do aos indivíduos que possuem diploma univer-

21
Jeannette Filomeno Pouchain Ramos, Danielle Mayara Oliveira Pereira, Ana Maria Alves de Almeida et all

sitário (bacharelado, licenciatura, Tecnólogo). Fa7 (Faculdade 7 de Setembro). A Universidade


No Brasil, os cursos de pós-graduação dividem- Federal do Ceará – UFC também oferece cur-
-se em dois níveis, o lato sensu e o stricto sensu: so de pós-graduação na área, mas este é objeto
de convênio com Ministério da Educação e será
• lato sensu: considerados como cursos de analisado como política pública de formação a
especialização, são mais direcionados à atu- seguir (item 4.4).
ação profissional e atualização dos bacharéis. No quadro abaixo analisamos quais discipli-
Têm carga horária mínima de 360 horas e se nas são ofertadas e a carga horária que cabe a
encontram nesta categoria os cursos de aper- cada curso. (Ver Quadro III)
feiçoamento, bem como os cursos designa- Podemos avaliar que a UECE no seu progra-
dos como MBA (do inglês Master in Business ma de disciplinas, destaca-se ao introduzir se-
Administration, ou mestre em administração minários de inovações e a orientação para a mo-
de empresas), diferentemente dos EUA, eles nografia. Possibilita a prática mediante estágio
não são equiparáveis aos mestrados. supervisionado, bem como a formação do ges-
• stricto sensu: são cursos voltados à forma- tor integrada à formação do pesquisador. Com
ção científica e acadêmica e também ligados relação à formação dos professores, observamos
à pesquisa, são eles: mestrado e doutorado. que possui um quadro com mestres e doutores.
O curso de mestrado tem a duração reco- Em relação a carga horária, vimos que é a es-
mendada de dois a dois anos e meio, du- pecialização com mais horas aula, comparando
rante os quais o estudante desenvolve uma com a outra faculdade.
dissertação e cursa as disciplinas relativas à Constatamos, que o oferecimento de disci-
sua área de conhecimento. Os doutorados plinas da FA7 está inteiramente ligada a todas
têm a duração média de quatro anos, para as dimensões que a gestão deve atuar, passando
cumprimento das disciplinas, realização da pela pedagógica, pelo pessoal e financeiro. Res-
pesquisa e elaboração da tese. salta também as temáticas: A articulação Escola
Família; Coordenação Pedagógica e a Educação
Sendo assim, a especialização dá oportunida- Inclusiva, temas bastante discutidos nos últi-
de ao graduado de se especializar em uma área mos tempos. Concluímos que este curso aborda
específica, podendo ser uma área diretamente discussões atuais que cercam a escola e o estu-
ligada à primeira graduação ou não. dante apresenta como trabalho de conclusão a
Em Fortaleza, identificamos, para efeito des- monografia. Com relação ao corpo docente ob-
te estudo, duas instituições que ofertam o Curso servamos que há mestres e doutores. A carga
de Especialização em Gestão Escolar, são elas horária é menor do que a da UECE e o custo do
a UECE (Universidade Estadual do Ceará) e a curso é maior.

22
A formação do gestor da escola básica em debate: diretrizes e política

QUADRO III Carga


Caracterização dos Cursos de especialização Horária
470 horas 450 horas
em Gestão - UECE, FA7 (2009)
Investi-
mento
3.290,00 4.600,00
Entidade de
Ensino UECE FA7 Fonte: Quadro elaborado pelos autores
Superior
Gestão Escolar e Co-
Curso Gestão Escolar
ordenação Pedagógica 4.4 A política pública de formação
1.A articulação Escola de gestores do MEC
1.Seminário Intro- Família
dutório
2.Educação e
2.A Formação Conti-
nuada e a Construção
A Universidade Federal do Ceará – UFC
Sociedade do Sujeito Professor vem, em convênio com o Ministério da Educa-
3.Política, Plane- 3.Avaliação: Concep- ção – MEC, promovendo um curso semi-pre-
jamento e Gestão ções e Práticas sencial de pós-graduação para os diretores e
Educacional 4.Coordenação Peda- vice-diretores em exercício no Estado do Ceará.
4.Projeto Pedagó- gógica e a Educação
O Programa Nacional Escola de Gestores
gico e Organiza- Inclusiva
ção Curricular 5.Coordenação Peda- da Educação Básica Pública insere-se num con-
5.Teoria e Prá- gógica e a Gestão de junto de políticas que vem sendo desenvolvidas
tica da 6.Gestão Sala de Aula pelo MEC, por meio da Secretaria de Educa-
Escolar 6.Currículo e Planeja- ção Básica, em regime de colaboração com os
7.Financiamento mento na Escola sistemas de ensino, Universidades e entidades
Disciplinas
da Educação 7.Gestão de pessoas e
8.Pesquisa Educa- as relações na escola educacionais, e que expressam o esforço de go-
cional 8.Gestão Democrática vernos e da sociedade civil em garantir o direito
9.Seminários de na Escola da população brasileira à educação escolar com
Inovações Educa- 9.Gestão Financeira e qualidade social.
cionais Tecnoló- Orçamentária Esse Programa surgiu da necessidade de se
gicas 10.Histórico e Con-
10.Didática do cepção da Função do
construir um processo de formação de gestores
Ensino Superior Gestor e do Coordena- escolares, que contemple a concepção do direi-
11.Estágio Super- dor Pedagógico to à educação escolar em seu caráter público
visionado 11.Metodologia da de educação e a busca de sua qualidade social,
12.Orientação Pesquisa baseada nos princípios da gestão democrática,
de Monografia / 12.Política Educacio-
Apresentações nal e
olhando a escola na perspectiva da inclusão so-
Diretrizes Curriculares cial e da emancipação humana.

23
Jeannette Filomeno Pouchain Ramos, Danielle Mayara Oliveira Pereira, Ana Maria Alves de Almeida et all

Objetivos do Programa Nacional “Escola tuem a realidade educacional em nosso País, a


de Gestores da Educação Básica” Educação à Distância (EAD) tem se apresenta-
Formar gestores escolares das escolas públi- do como uma modalidade que pode contribuir
cas da Educação Básica em cursos de especia- substantivamente para mudar o quadro de for-
lização e de atualização em Gestão Escolar, na mação e qualificação dos profissionais da edu-
perspectiva da gestão democrática e da efetivação
cação, e, nesse caso específico, dos dirigentes
do direito à educação escolar com qualidade social.
escolares.
Princípios norteadores O curso proposto por meio da EAD preten-
Tem-se como ponto de partida o fato de que de democratizar ainda mais o acesso a novos
a gestão escolar das unidades escolares constitui espaços e ações formativas, com vistas ao for-
uma das dimensões que pode contribuir signifi- talecimento da escola pública como direito so-
cativamente para viabilizar o direito à educação cial básico, por possibilitar, dentre outras: maior
como direito universal. flexibilidade na organização e desenvolvimento
dos estudos; fortalecimentos da autonomia in-
Modalidades de ensino do Programa telectual no processo formativo; acesso às novas
• Curso de Extensão em Gestão Escolar tecnologias da informação e comunicação; inte-
(100h) implementado pelo INEP/MEC, em
riorização dos processos formativos garantindo
2005, com a parceria da PUC/SP e das Secre-
tarias Estaduais de Educação. o acesso daqueles que atuam em escolas distan-
• Curso de Atualização em Gestão Escolar tes dos grandes centros urbanos; redução dos
(180h), implementado em 2008 pela SEB/ custos de formação de recursos humanos para
MEC, em parceria com as Instituições Fede- atuarem em com EAD e sua institucionalização
rais de Ensino Superior – IFES, Secretarias no tocante a formação continuada.
Estaduais e Municipais de Educação.
• Curso de Pós Graduação (lato sensu) em Público alvo
Gestão Escolar (400h), implementado a par- A proposta de formação destina-se aos pro-
tir de 2006/2007, pela SEB/MEC, em parceria fissionais que integram a equipe gestora da
com as Instituições Federais de Ensino Su-
escola: Diretor e Vice-Diretor, totalizando, no
perior IFES, Secretarias Estaduais e Munici-
pais de Educação. máximo, dois participantes por escola.

Curso de Especialização em Gestão escolar Organização Curricular do Curso


na modalidade de Educação a Distância-EAD O curso é estruturado em três eixos vincula-
Considerando-se as diversidades que consti- dos entre si:

24
A formação do gestor da escola básica em debate: diretrizes e política

• O direito à educação e a função social da Processo seletivo ou matrícula


escola básica; Cada sistema de ensino realizará pré-seleção
• Políticas de educação e a gestão democrá- dos candidatos e cada universidade realizará
tica da escola; processo seletivo para o ingresso no curso de
• Projeto Político Pedagógico e Práticas De- especialização. O processo seletivo inclui duas
mocráticas na Gestão Escolar. etapas: uma pré-inscrição feita pelos sistemas de
ensino e, em seguida, uma seleção técnica feita
Esses eixos estão distribuídos em seis Salas pelas universidades responsáveis pelo curso.
Ambientes, além de um ambiente introdutório à
Plataforma Moodle e ao curso de Especialização. Avaliação da aprendizagem do aluno desse curso
Sala I: Introdução ao Ambiente Moodle e ao de especialização
curso (40 h) A avaliação dá ênfase ao processo de apren-
Sala II: Fundamentos do Direito à Educação dizagem, envolvendo procedimentos de auto-
(60h)
-avaliação, avaliação à distância e presencial,
Sala III: Políticas e Gestão na Educação (60h).
participação no projeto vivencial e elaboração
Sala IV: Planejamento e práticas da Gestão
de trabalho de conclusão de curso.
Escolar.
O projeto vivencial pressupõe a Construção
Sala V: Tópicos Especiais (30h).
Sala VI: Oficinas Tecnológicas (30h). e / ou avaliação do Projeto Político-Pedagógico
Sala VII: Projeto Vivencial (120h) (PPP) da escola, do trabalho do gestor na escola:
dimensões, relações, conflitos, formas de atua-
Requisitos mínimos para participação no curso ção e a formulação e desenvolvimento de pro-
• Ser gestor efetivo, em exercício, de escola jeto de intervenção ou pesquisa na escola com
pública municipal e/ou estadual de educa- estreita vinculação com o PPP, refletindo in-
ção básica, incluindo aqueles de Educação clusive em torno das técnicas de elaboração de
de Jovens e Adultos, de Educação Especial e projetos; rotinas administrativas e pedagógicas.
de Educação Profissional. A pesquisa, aqui designada como projeto de in-
• Ter disponibilidade para dedicar-se ao curso. tervenção, possibilita o movimento da reflexão
• Estar disposto a compartilhar o curso com teórica-prática que tenha como foco o PPP da
o coletivo da escola. escola ou uma problemática relevante, estreita-
• Evidenciar disposição para construir, com mente vinculada à gestão escolar. (http://www.
a comunidade escolar e local, o Projeto Po- gestaoescolar.xpg.com.br/conteudo.htm)
lítico Pedagógico no estabelecimento de en- A partir deste projeto de intervenção desen-
sino onde atua. volvido deve ser elaborado individualmente o
25
Jeannette Filomeno Pouchain Ramos, Danielle Mayara Oliveira Pereira, Ana Maria Alves de Almeida et all

Trabalho de Conclusão de Curso – TCC que nal que foi realizado durante processo de esco-
poderá ser um artigo ou um relatório analítico lha dos integrantes dos núcleos gestores das es-
do projeto. colas da rede pública. Este curso foi promovido
pela Secretaria de Educação Básica do Estado
Processo de certificação do Ceará - SEDUC em conjunto com o Centro
A certificação obedece às normas da univer- de Políticas Públicas e Avaliação da Educação –
sidade sede do curso. CAED e a Universidade Federal de Juiz de Fora
- UFJF.
Em síntese, podemos destacar que o curso Para auxiliar nosso estudo sobre esse curso,
ofertado pela UFC/MEC é semi-presencial e seu faz-se necessário, primeiramente, conhecermos
público é os profissionais que integram a equi- como se deu o processo de seleção de gestores.
pe gestora da escola pública, no máximo, dois Essa seleção aconteceu em três etapas:
participantes por escola. Comparando com os 1) Processo unificado de avaliação de conhe-
demais programas, percebemos a menor quan-
cimentos e experiência profissional, aferido por
tidade de disciplinas ofertadas, que se reflete na
meio de provas escritas e exames de títulos.
menor carga horária e na ausência de conheci-
2) Eleição direta e secreta pela comunidade
mentos básicos como financiamento e pesquisa.
escolar, exclusivamente para o provimento de
O quadro de profissionais não foi divulgado, en-
cargo de Diretor5.
tão não temos como avaliar sua titulação. Po-
3) Curso de Especialização em Gestão Edu-
demos ainda destacar o referencial teórico que
cacional (CEARÁ. Portaria nº 032/2009-GAB)
enfatiza a noção de educação como direito hu-
mano, a gestão democrática e o Projeto político
pedagógico. Características gerais do curso de Especia-
lização em Gestão Educacional
• Capacitação à distância, com momentos
4.5 A política pública de formação presenciais coletivos planejados pela Coor-
de gestores da SEDUC denação geral do Curso e mediados pelos
diretores das escolas envolvidas;
Oobjetivo da presente pesquisa foi analisar • Material específico para o funcionamento
o Curso de Especialização em Gestão Educacio- do curso (impressos e digitalizados);

5. Faz-se necessário ressaltar que quando houver da transmissão do cargo, o núcleo gestor em exercício deverá entregar ao novo di-
retor o balanço financeiro, o acervo documental e o inventário do material e dos bens móveis existentes na Escola, devidamente pro-
tocolados e assinados, após conferência, pelo novo diretor e pelo presidente do Conselho Escolar. (art. 11º., Decreto nº 29.451/2008).

26
A formação do gestor da escola básica em debate: diretrizes e política

• Capacitação continuada e em serviço que QUADRO IV


permite ao cursista exercer suas funções NORMATIZAÇÃO PARA COMPOSIÇÃO DO
profissionais, concomitantes ao estudo; BANCO DE GESTORES ESCOLARES
• Comunicação a partir de um ambiente vir- CEARÁ.
tual de aprendizagem, com fórum de discus- CEARÁ. Decreto Portaria nº
CEARÁ. Res-
são, formas de registros acadêmicos e outros nº 29.451, de 24 de 032/2009-GAB,
setembro de 2008. olução 414/2006. 9 de fevereiro
recursos que permitem o intercâmbio e inte-
ração entre todos os participantes; de 2009.
• Perspectiva de desenvolvimento das habili- Art. 1° Para o
Art. 3º Para con-
dades e competências necessárias ao trabalho; correr a uma vaga
exercício do cargo
de direção de
na composição do
Disciplinas estabelecimento
banco de gestores 1.4. Para efeitos
de ensino
I) Gestão e avaliação da educação pública – escolares6 , candida- de educação bási- de cumprimen-
tecnologias e gestão da educação; to deverá atender as ca, no Estado do to do Parágrafo
II) Gestão e avaliação da educação pública – seguintes exigências: Ceará, será exigida Único do Art.
a formação do 3º do Decreto
avaliação e indicadores;
II – possuir diploma gestor ou 29,451, de 24
III) Gestão e avaliação da educação pública de nível superior de setembro
administrador
– democracia e políticas públicas; (graduação) escolar em curso de 2008, a
IV) Gestão e avaliação da educação pública de graduação em Secretaria
– liderança educacional e gestão escolar; Parágrafo único. Os Pedagogia. da Educação
V) Gestão e avaliação da educação pública – candidatos aptos a ofertará Curso
compor o banco de § 1º Poderá exer- de Especializa-
gestão do currículo;
gestores escolares cer, igualmente, ção em Gestão
VI) Gestão e avaliação da educação pública esse cargo o candi-
que optarem por Educacional
– apropriação dos resultados de avaliação. se candidatar ao dato que tenha a todos os
cargo em comissão cursado outra integrantes do
Faz-se ainda necessário destacar a ênfase na de diretor, deverão licenciatura plena, banco de gesto-
com pós-gradu-
avaliação da educação, cuja centralidade se ex- atender ainda, as
ação na área de
res escolares.
plicita no monitoramento dos indicadores, ou condições constan-
gestão escolar
melhor, nos resultados, na produtividade da es- tes da Resolução
ou administração
414/2006 – CEC. escolar.
cola, independente do projeto pedagógico ado-
tado pela instituição. Fonte: Quadro elaborado pelos autores.

6 A partir desse processo, a Seduc disporá de profissionais aptos a exercerem quaisquer funções de direção e coordenação escolar.

27
Jeannette Filomeno Pouchain Ramos, Danielle Mayara Oliveira Pereira, Ana Maria Alves de Almeida et all

Esta diretriz também se explicita no art. 13º., Reconhecendo que esta ruptura na atividade
Decreto nº 29.451/2008, que estabelece: O de- de trabalho prejudicou o homem e o processo
sempenho do diretor e dos coordenadores escola- produtivo, o que se reflete nos indicadores de
res será avaliado anualmente, através de proce- aprendizagem, bem como os sociais como Ín-
dimento institucional definido pela Secretaria da dice de Desenvolvimento Humano, etc. Atual-
Educação, ficando os membros do núcleo gestor mente, o desafio que se coloca para todos nós
passíveis de exoneração caso não satisfaçam os educadores é a retomada da unidade do traba-
critérios mínimos de avaliação exigidos. lho docente. Todos temos o direito de exercê-la
Deste modo, podemos a princípio destacar em sua plenitude, portanto, é preciso que se re-
que este programa responsabiliza os gestores pe- distribua a carga horária de trabalho em tempo
los resultados da aprendizagem, negligenciando para planejar e ensinar, tempo para pesquisar e
a responsabilidade do Estado, a totalidade do tempo para gerir.
processo educativo e a complexidade das rela- Partindo deste princípio, o novo currículo da
ções sociais presentes no cotidiano da escola, Pedagogia da UECE possibilita a formação do-
bem como o contexto histórico de desigualdade cente integrada com a formação do pesquisador
econômica e cultural. e a gestão se constitui como área de aprofunda-
mento optativa para os estudantes.
Quais as repercussões destas mudanças na Para ilustrar a concepção ampliada de do-
escola básica? cência, a Portaria nº 04/2010 do Distrito Fe-
Inicialmente é necessário destacar a con- deral estabelece, entre outros, os critérios para
cepção ampliada de docência que se efetiva por distribuição de carga horária aos professores em
meio da atividade de trabalho, concomitante- exercício nas instituições educacionais da rede
mente, no ensino, na pesquisa e na gestão das pública de ensino. Vejamos:
instituições educativas. Decerto esta concepção
rompe com a histórica divisão do trabalho so-
3. Para os professores regentes que atuam 40
cial e, consequentemente, educacional. Antes,
(quarenta) horas semanais, no turno diur-
se partia do princípio de que a fragmentação
no, com jornada ampliada no Ensino Fun-
do trabalho era essencial para produzir mais e
damental - Séries/Anos Finais e no Ensino
melhor. Neste sentido, foram criadas as habilita-
Médio, a coordenação pedagógica dar-se-
ções que formavam os especialistas e a unidade
-á no contraturno ao de regência, totalizan-
foi dividida entre quem pensa e quem executa,
do 15 (quinze) horas semanais, sendo:
quem planeja e decide e quem ensina.

28
A formação do gestor da escola básica em debate: diretrizes e política

a) as quartas-feiras destinadas à coordena- Acrescenta-se a esta proposta a necessidade


ção coletiva da instituição educacional; do docente atuar na gestão, seja como coorde-
b) as terças-feiras destinadas à coordena- nador pedagógico da escola, da sua área de co-
ção coletiva dos professores da área de nhecimento, de projeto de pesquisa de iniciação
Ciências da Natureza, Matemática e suas científica junior, de grupo de estudo, de projeto
tecnologias; extracurricular, como presidente ou membro
do conselho escolar etc. Além desta concepção
c) as quintas-feiras destinadas à coordena-
ção coletiva dos professores da área de Có- ampliada de docência, reafirmamos a docência
digos, Linguagens e suas tecnologias; como base da formação dos professores.
Entre os programas de formação nas acade-
d) as sextas-feiras destinadas à coordenação mias e nos governos (MEC e SEDUC) destaca-
coletiva dos professores da área de Ciências -se a importância da análise crítica do projeto
Humanas e suas tecnologias.
pedagógico de cada curso. Podemos, a princípio
3.1. Os demais dias da semana serão des- destacar, duas diretrizes políticas antagônicas
tinados a coordenação pedagógica in- quanto à formação do gestor da educação bá-
dividual, podendo dois desses dias serem sica. O projeto formativo do MEC compreende
programados pelo professor, com a prévia a educação como direito humano e propõe o
ciência da chefia imediata, para atividades enfrentamento das contradições e dos proble-
de coordenação realizadas fora do ambiente mas educativos por meio da reflexão individual
da instituição educacional. (Grifos nossos).
e coletiva, e respaldado no princípio da gestão
democrática, diretamente contrária à política
Sendo assim, compreendemos que esta dis-
tribuição da carga horária do trabalho docente de formação da SEDUC. Esta responsabiliza os
determina a regência como atividade de ensino resultados da aprendizagem aos gestores, negli-
num turno e no contraturno dar-se-á atividade genciando a responsabilidade do Estado, a tota-
de planejamento, individual, por área e da ins- lidade do processo educativo e a complexidade
tituição educacional e a formação em serviço das relações sociais presentes no cotidiano da
na escola ou fora do ambiente7, totalizando 15 escola, bem como o contexto histórico de desi-
horas semanais. gualdade econômica e cultural.
7. O art.10º. desta portaria estabelece que os dias de formação continuada do professor e do especialista de educação, fora do âmbito
da instituição educacional, serão definidos pela Escola de Aperfeiçoamento de Profissionais em Educação – EAPE, de acordo com a
proposta anual de cursos, não podendo coincidir com as quartas-feiras ou com os dias dedicados à coordenação coletiva por área,
de acordo com a área de formação do professor.

29
Jeannette Filomeno Pouchain Ramos, Danielle Mayara Oliveira Pereira, Ana Maria Alves de Almeida et all

A supervalorização e a centralidade que a 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS


gestão vem ocupando no cenário educacional
na transição do século, principalmente no Esta- E o prefeito o que faz?
do do Ceará, em detrimento do trabalho docen- A ponte que leva à escola, um belo dia cai.
te é inquietante. Indagamos: Nicolau, que é forte e bom, leva nos ombros os colegas.
Pela sua bondade,
recebe do prefeito um prêmio,
• será que se pretende criar um gerencia-
na Prefeitura.
lismo, desvinculado com o plano político e
Nicolau atravessou os colegas durante um ano.
voltado para o tecnicismo? A estória não conta porque o prefeito
• o modelo de gestão democrática pretende des- não mandou consertar a ponte.
centralizar a responsabilidade quanto ao fracas- (UMBERTO ECO E BONAZZI, 1980)
so escolar, desresponsabilizando o Estado?
• Os programas de formação de gestores se
constituem como veículo para disseminar as A política implementada pelo gestor na
diretrizes do governo? estória reflete as concepções que orientam sua
ação. Em consonância com este projeto de so-
Para Alda Castro (2010), ao analisar outra ciedade e de educação, que premia indivíduos
política de formação de gestores – o Progestão e destaca indicadores, há projetos pedagógicos
no Rio Grande do Norte, O Programa se con- que conformam gestores.
solida como uma estratégia política de formação
Na contramão deste ideário destaca-se a ne-
em serviço para os gestores escolares e um veículo
cessidade de consertar a ponte, ou seja, de re-
de disseminação dos conteúdos da reforma edu-
solver os problemas estruturais e promover uma
cacional que visa adequar a escola aos princípios
de flexibilidade, de eficiência e de produtividade educação de qualidade social para todos.
da atual lógica do mercado. Neste embate teórico e político se reflete a
Consideramos, portanto, que há inúmeros formação dos gestores da educação básica no
desdobramentos no cotidiano da escola, entre Brasil. De uma casta de iluminados para uma
eles, destacam-se: o perfil e as atribuições dos concepção progressista que pressupõe que todos
gestores, as diretrizes estabelecidas externamen- os docentes devem atuar, concomitantemente,
te; as estratégias a serem adotadas para alcançar no ensino, pesquisa e gestão, pressupõe-se a re-
os fins; a reconceptualização dos fins, ou seja, a construção da ponte, ou seja, rompe-se com o
centralidade no indicador versus o que foi efeti- projeto formativo liberal e, consequentemente,
vamente aprendido. com a fragmentação do trabalho na escola.

30
A formação do gestor da escola básica em debate: diretrizes e política

Quanto à diretriz que estabelece a extinção ANFOPE. Carta de Goiânia. Disponível em:
das habilitações que qualificava o pedagogo www.cedes.unicamp.br. Acesso em: 20 novem-
para atuar na gestão das escolas, o novo currí- bro 2009.
culo contempla área de conhecimento no apro-
fundamento. Deste modo, é importante que os BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Re-
estudantes estejam atentos que é preciso aten- solução 1/2006. Institui Diretrizes Curricula-
der a Resolução do CEC no. 414/2006 e cursar, res Nacionais para o Curso de Graduação em
no mínimo, 04 (quatro) disciplinas da área de Pedagogia, licenciatura. Maio de 2006. Dispo-
aprofundamento em Gestão Escolar, que serão nível em http://portal.mec.gov.br/ cne/arqui-
comprovadas por meio do histórico escolar. vos/pdf/rcp01_06.pdf>.Acessado em 7/5/2009.
Entre os programas e políticas de formação
da UECE, FA7, MEC e SEDUC há diferentes BRASIL. LDB - Leis de Diretrizes e Bases da Edu-
projetos pedagógicos. Os dois últimos eviden- cação Nacional. LEI No. 9.394, de 20 de dezembro
ciam diferentes referenciais teóricos, o primei- de 1996. D.O. U. de 23 de dezembro de 1996.
ro prepara o gestor para promoção do direito
BRASIL. Diretrizes Nacionais do Programa
à educação com qualidade social e o segundo
Escola de Gestores da Educação Básica Públi-
prepara o gestor de resultados, em consonância
ca. Brasília: MEC/SEB, 2009.
com a ênfase nos indicadores.
Enfim, ensejamos que esta cartilha contribua
BRASIL. Orientações Gerais. Rede Nacional
com a formação dos gestores do novo século,
de Formação Continuada de Professores de
capazes de articular os conhecimentos teóri-
Educação Básica. Brasília: MEC/SEB, 2005.
cos aos indicadores na transformação para um
mundo melhor. BRASIL. Projeto do Curso de Especialização
em Gestão Escolar. Brasília: MEC/SEB/CAFI-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS SE, 2006.

ANPED. Disponível em: http:// www.anped. BRASIL. Programa Nacional Escola de Gesto-
org.br. Acesso em: 23 novembro 2009. res. Brasília: MEC/SEB/DPR, 2007.

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www.lite.fae.unicamp.br/grupos/formac/anfo- tração escolar à gestão democrática: um pouco
pecuritiba.htm. Acesso em: 20 novembro 2009. da história da ANPAE e de como entro nessa

31
Jeannette Filomeno Pouchain Ramos, Danielle Mayara Oliveira Pereira, Ana Maria Alves de Almeida et all

história. 2001. In: Revista Brasileira da Políti- CEARÁ, Universidade Estadual, Proposta cur-
ca e Administração da Educação, v. 17, n. 1, p. ricular de Reformulação do Curso de Pedago-
119-125, jun., 2001. gia, Fortaleza, 1990.

CASTRO. Alda Maria Duarte Araújo. Reforma CEARÁ/UECE/CED. Processo de Reconheci-


educacional e a formação de gestores escola-
mento do Curso de Pedagogia. Fortaleza: CO-
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2004. http://www.ccsa.ufrn.br/interface/1-1/ar- PED, 2008.
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Forma%E7%E3o%20de%20Gestores%20Esco- CEARÁ/UECE/CED. Proposta Curricular do
lares.pdf Acessado em 11/02/2010. Curso de Pedagogia 1991.1. Fortaleza: CO-
PED, s/d.
CEARÁ. Conselho de Educação do Ceará. Re-
solução N° 414/2006. Dispõe sobre o exercício DISTRITO FEDERAL/SECRETÁRIA DE ES-
do cargo de direção de estabelecimento de en- TADO DE EDUCAÇÃO DO DISTRITO FE-
sino da educação básica. DERAL. Portaria nº 04, de 21 de janeiro de
2010. Estabelece critérios para distribuição de
CEARÁ. Decreto nº 29.451, de 24 de setembro
de 2008. Dispõe sobre o processo de escolha carga horária aos professores em exercício nas
e indicação dos integrantes dos núcleos ges- instituições educacionais públicas e nas conve-
tores das escolas da rede pública estadual de niadas, quando for o caso, bem como dá outras
ensino, e dá outras providências. providências
CEARÀ. Resolução Nº 427/2008. Altera dis-
positivos da Resolução CEC nº 414/2006, que MASSIAS, Simone Carvalho. As propostas da
dispõe sobre o exercício do cargo de direção de ANFOPE para a definição do curso de peda-
estabelecimento de ensino da educação básica. gogia no Brasil (1990-2006). PUC/SP: 2006.
Disponível em: www.anfopepe.hpg.ig.com.br
CEARÁ. Guia de Estudo: Avaliação Continua-
Acesso em: 23 novembro, 2009.
da, 2009.

CEARÁ. Portaria nº 032/2009-GAB. Estabelece PARAÍBA/UFPB. Proposta Político-Pedagó-


as normas para o processo de eleição de dire- gica do Curso de Pedagogia. Disponível em
tores nas escolas públicas estaduais do Ceará, <www.ce.ufpb.br/ce/ppp1.html>. Acessado em
e dá outras providências. 3 de dezembro de 2009.

32
RAMOS, Jeannette Filomeno Pouchain. Gestão CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE
democrática da escola pública: a experiência AUTONOMIA DOCENTE NA ESCOLA
do governo das mudanças (1995-2001). Forta- PÚBLICA
leza: UECE, 2004.

Germana Castro Barbosa1


RAMOS, Jeannette Filomeno Pouchain. PRO-
Jeannette Filomeno Pouchain Ramos2
JETO EDUCATIVO E POLÍTICO-PEDAGÓ-
GICO DA ESCOLA DE ENSINO MÉDIO Tra-
dições e contradições na gestão e na formação 1. INTRODUÇÃO
para o trabalho. http://www.teses.ufc.br/tde_
busca/arquivo.php?codArquivo=3059 Acessado E ste trabalho analisa os modelos de profes-
em 20.01.2010. sor da escola, devido ao interesse pelo desenvol-
vimento da prática autônoma docente e cons-
tante observação dos professores nas decisões
SANDER, Benno. Quadragésimo aniversário da
tomadas no ambiente escolar. Ao início deste
ANPAE: reassumindo o nosso compromisso
trabalho, previu-se que os modelos propostos
com a administração da Educação no Brasil.
de autonomia docente são desconhecidos pelos
2001. In: Revista brasileira de política e admi-
professores na sua prática pedagógica.
nistração da educação, v. 17, n. 1, p. 11-25, jan./
A princípio, o objetivo é estudar modelos de
jun., 2001. professor, mas no decorrer da pesquisa, houve
a possibilidade de estudar o próprio profissio-
nal, com o fim geral de estudar e compreender
os modelos docentes, em relação aos obstáculos
encontrados pelos professores, a fim de melho-
rar o contexto educacional. Os objetivos espe-

1 É professora da rede municipal de ensino de Fortaleza e da


rede estadual de ensino do Ceará. Graduada em Pedagogia e es-
pecialista em Docência do Ensino Superior pela UECE.
2 É professora de Política, planejamento e gestão educacional
da Universidade Estadual do Ceará – UECE, graduada em Le-
tras, Mestra em Políticas Públicas e Planejamento pela UECE
e doutora em Educação Brasileira pela Universidade Federal
do Ceará.

33
Germana Castro Barbosa, Jeannette Filomeno Pouchain Ramos

cíficos estão relacionados com a consciência Por entender que a ação educativa não é aca-
crítica na identificação de cada modelo. Ques- bada, finalizada, requerendo questionamentos,
tiona-se se o professor se reconhece perante tais planos e decisões, decidimos fazer um estudo
possibilidades. sobre os Modelos de Professor, na visão partici-
Esta análise constitui um estudo que tem pativa que exige contínuo repensar e constante
como objeto o trabalho docente nas Escolas Pú- recriar, como contribuição e ajuda a profissio-
blicas Municipais de Fortaleza. A questão surgiu nais da área para melhor conhecimento de si e
após a verificação de diferentes práticas pedagó- das decisões tomadas.
gicas, em que encontramos, muitas vezes, pro-
fissionais cuja teoria não condiz com a prática. 2. A DOCÊNCIA EM QUESTÃO

A escola pública brasileira até meados do


No estudo do trabalho docente, merecem
destaque Pimenta (2002 e 2005), Alarcão (2003),
Saviani (2005). Para compreensão do professor século XX atendia a elite e, conseqüentemen-
competente, estudamos Perrenoud (2000), esse te, era de interesse do Estado ter uma escola de
mesmo profissional é estudado por Contreras qualidade. Era uma escola de privilegiados, uma
(2003) como profissional perito e, para ampliar escola de classe com professores intelectuais da
discussão, Saviani (2005) o chama de professor classe média, alta. Eu me lembro que professor na
tecnicista. O modelo reflexivo é estudado por minha época, era de classe média, classe média
Pimenta (2005), Alarcão (2003) e Contreras alta. Eu visitei casas de professoras que tinham
bibliotecas imensas (...)! Tinham outro status,
(2003). Mencionam-se outros autores, como
outro nível social, liam mais, discutiam mais (...)
Donald Schon um dos pesquisadores que inicia
(THERRIEN, 1998, 135).
os estudos sobre o professor reflexivo. Contreras
A partir do momento em que há a abolição
(2003) sistematiza o profissional crítico – refle-
da escravatura, a crescente urbanização, a ne-
xivo, com referências importantes entre a práti- cessidade de consumidores dos produtos da
ca e a teoria, em sala de aula e meio social. indústria, entre outros, emerge a pressão social,
Em sua metodologia desenvolvemos pes- seguida de ações institucionais por acesso a es-
quisa de campo em duas Escolas Municipais de cola e com ela a crescente massificação e homo-
Fortaleza. Coletamos dados através de entrevis- geneização das escolas através dos grupos es-
tas com oito professores com perguntas sobre colares e das escolas reunidas. Tornou-se então
os desafios da profissão, o conhecimento prévio uma escola pública pobre para pobres, enquan-
sobre os modelos docentes e a função social da to que a iniciativa privada cresceu atendendo ao
escola no ano de 2006. projeto educativo da elite de preparação para o

34
Concepções e práticas de autonomia docente na Escola Pública

vestibular para a formação de intelectuais e pro- aspirações sociais e educativas [...]. Mas ain-
fissionais liberais. da, um processo contínuo de compreensão
Neste ínterim, o sistema público e os profes- dos factores que dificultam não só a trans-
sores passam a ser, [...] infelizmente tão massa- formação das condições sociais e institucio-
crado, tão denunciado, tão chamado de incom- nais do ensino, como também as da nossa
petente e de ineficiente (THERRIEN, 2003, p.5) própria consciência.
e passam a desenvolver um projeto educativo
complementar e paralelo ao da classe burguesa No entanto, como adverte o autor a autono-
(ARROYO, 1986). mia dos trabalhadores docentes está compro-
O exercício da docência passa a limitar a re- metida, em decorrência da história de subordi-
flexão individual e coletiva, o diálogo destes com nação por meio de alterações estruturais, a citar,
o conhecimento, com os outros colegas, com a desvalorização profissional, a fragmentação e
o resultado social do seu trabalho e da escola a hierarquização da produção, a burocratização
como um todo (GANDIM, 2000), revelando a etc; por meio dos limites sociais, entre eles a or-
sociedade em classe na própria organização do ganização da sociedade, do modo de produção
trabalho na escola e as relações de reprodução e da escola e pessoais, como a consciência indi-
social onde uns concebem e outros executam.
vidual e coletiva, o pensar e o agir.
O contexto em que os trabalhadores docen-
Exemplos da fragmentação da ação docente
tes se encontram está permeado pelo modo de
são os mecanismos de controle externo do tra-
produção e de exploração do sistema capitalista,
balho, pois diretores, supervisores e orientado-
pois a educação escolar, historicamente se cons-
titui como uma das estratégias de legitimação e res são funções criadas com o objetivo de fisca-
reprodução deste sistema. Isto porque os edu- lizar. Os professores são postos como soldados
cadores estão inseridos no sistema educacional rasos da indústria, sob a vigilância completa de
imposto pela burguesia, que tende a perpetuar a sargentos e oficiais (MARX e ENGELS, 2002). E
dicotomia entre os trabalhadores intelectuais e a docência perde a sua totalidade, aqui entendi-
os trabalhadores manuais, entre os que pensam da como o ato de ensinar, pesquisar e gerir.
e aqueles que executam, entre outros. Mesmo ciente de que indivíduo, na qualidade
Segundo Contreras (2003, 130) a emancipa- ser histórico e social, nasce num meio determi-
ção, a autonomia docente, pressuporia um pro- nado, portanto, sua estrutura, sua consciência, é
cesso contínuo: determinada pela sua vida. Destarte, o modo de
organização e produção deste sistema reflete e
[...] de descoberta e de transformação das di- é refletido na vida dos trabalhadores como um
ferenças entre nossa prática quotidiana e as todo, ou seja, os indivíduos são tais como ma-

35
Germana Castro Barbosa, Jeannette Filomeno Pouchain Ramos

nifestam sua vida, tanto com o que produzem caracterizado como perito profissional reflexi-
quanto com o modo como produzem, aponta- vo e intelectual crítico (CONTRERAS, 2003).
mos à necessidade premente de repensar a au- A análise das categorias proporciona questões
tonomia dos trabalhadores docentes a partir das complexas que podem determinar a verdadeira
três tendências, são elas: o técnico, o crítico e o concepção da “autonomia profissional docente”.
intelectual crítico ou crítico-reflexivo. A definição de competência é citada por Per-
renoud: “uma capacidade de mobilizar diversos
3. CONSTRUINDO UM PROFESSOR recursos cognitivos para enfrentar um tipo de
COMPETENTE situação.” (2000 p.15). Contreras (2003, p.60)
define que a prática técnica “[...] consiste na
Pela relevância do papel do professor, na solução instrumental de problemas mediante a
aplicação de um conhecimento teórico e técni-
educação não podemos confundir o profissio-
nal competente com a autonomia. Ao se falar co previamente disponível [...]”. A definição de-
em autonomia da docência, vem à mente de- monstra a ação do professor, em que se baseia na
terminada liberdade do educador em aspectos aplicação de técnicas para solução de problemas.
diferenciados. Atualmente, para ser profissional competen-
Contreras (2003: p.59) explicita que te, o professor deve participar da formação con-
tínua que o qualifica para o mercado de traba-
“[...] o que podemos entender por autono- lho. Dessa maneira, a centralidade do professor
mia como chave para a compreensão de um é transferida para o seu local de trabalho. Com
problema específico do ofício educativo, uma isso, o professor competente pode perder sua
característica que se nos revelará essencial identidade e passar a ser controlado e avalia-
na possibilidade de desenvolvimento das do pelos superiores. Para facilitar qualificação,
qualidades essenciais da prática educativa.” existem competências que podem ser classifi-
cadas na prática do professor e também podem
Nessa passagem, ter autonomia é fazer com ser descartadas. Submetendo-se a esta lógica, o
que o profissional desenvolva qualidades na prá- professor busca cursos de formação para me-
tica educativa. Mas, para esse desenvolvimento, lhor qualificação que possam atender sistemati-
o profissional não pode considerar a autono- camente essas competências na prática.
mia como valor humano, mas sim possibilida- O professor competente, para a sociedade
de para compreender determinadas situações. surge como um fenômeno social, pois o mesmo
Para se obter essa autonomia, faz-se necessário pode estar agindo no contexto social, político,
questionar o perfil do educador, que pode ser considerando as circunstâncias e os desafios da

36
Concepções e práticas de autonomia docente na Escola Pública

docência. O professor busca as características de cada situação3, uma única interpretação, para que
competência com a finalidade de tornar-se um haja aplicação de competência correspondente
“bom professor”. Segundo Perrenoud (2000) com a finalidade desejada, em cada momento.
este professor deve apresentar competências Desta maneira, evita a instabilidade da si-
fundamentais, são elas: tuação, pois a intenção é exatamente o contrá-
rio: manter a estabilidade no local de trabalho.
• Organizar e dirigir situações de aprendizagem. É através da aplicação das competências que o
• Administrar a progressão das aprendizagens professor administra o saber e a progressão de
• Conceber e fazer evoluir os dispositivos de aprendizagem, com que o profissional compe-
diferenciação. tente ensina com melhor qualidade.
• Envolver os alunos com sua aprendizagem Ao mesmo tempo, o professor somente com-
e em seu trabalho. petente, para o uso dessa prática que tem como
• Trabalhar em equipe. base a qualificação técnica, individualiza-se no
• Participar da administração da escola. local de trabalho, torna-se dependente de situa-
• Informar e envolver os pais. ções e soluções previamente elaboradas. A não
• Viabilizar novas tecnologias. aplicação da racionalidade técnica pode levar o
• Administrar sua própria formação contínua. professor a ser tido como profissional sem co-
• Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da nhecimento pedagógico.
profissão. Para alterarmos a situação, deve-se enfatizar
a prática reflexiva do educador. O profissional
reflexivo se diferencia do profissional técnico,
Para o autor (2000: p.56) ser competente “con-
devido à reflexão da ação docente, pois o educa-
siste em utilizar todos os recursos disponíveis,
dor reflete sobre as ações em determinadas situ-
em apostar em todos os parâmetros para „orga-
ações, utilizando competências como elemento
nizar as interações e as atividades de modo que
prático e flexível nas decisões.
cada aprendiz vivencie tão frequentemente quan-
to possível, situações fecundas de aprendizagem”.
Professor competente consiste na grande res- 4. O PROFISSIONAL REFLEXIVO E
ponsabilidade de escolha de práticas. A escolha SUAS DIMENSÕES
da prática condiz com a aplicação correta e ne-
cessária de competências, fabricadas, com apli- P
ara se tratar da reflexão, fazem-se neces-
cação considerada a solução do problema. Para sárias as contribuições de Schön, no desenvol-
3 A situação não se restringe somente à sala de aula, no relacionamento professor e aluno, mas também no contato com o grupo
gestor e com o mundo.

37
Germana Castro Barbosa, Jeannette Filomeno Pouchain Ramos

vimento do conceito. A transformação é des- pressupor a prática reflexiva de modo individu-


de 1987, com a publicação do Livro Reflective al.” Os autores se contrapõem ao enfoque indivi-
Practioner, em que o professor Schön demons- dual, pois, desta maneira, estaria sendo ignora-
tra o pensamento voltado à formação de profes- do o contexto do ensino e da educação.
sores reflexivos, centralizando a idéia de refle- Schön, ao iniciar estudo sobre reflexão, não
xão na ação. A prática reflexiva surge como uma a relaciona de maneira coletiva, portanto não
maneira possível de os professores interrogarem ultrapassa os limites de sala de aula. Com essa
as práticas de ensino, oferecendo oportunidades problematização, surgiram outros elementos a
de volta e revisão de acontecimentos e práticas. serem inseridos na prática. Para Pérez-Gómez,
Na reflexão individual, o educador busca en- citados por Pimenta (2005, p. 23) a reflexão “não
contrar explicações de suas ações. é apenas um processo psicológico individual” e
Contreras (2003: p.72) comenta, que a refle- para a sua prática, “torna-se necessário estabe-
xão “trata precisamente de dar conta da forma lecer limites políticos, institucionais e teórico-
como os profissionais enfrentam aquelas situa- metodológicos relacionados a esta, para que não
ções que não ficam resolvidas dispondo de re- se incorra numa individualização do professor.”
pertórios técnicos”. Com essa colocação, a refle-
Em face das críticas dos autores, Pimenta
xão age nos momentos em certas situações não
(2005, p.25) entende que “a superação desses li-
solucionadas, devido ainda não haver repertó-
mites se dará a partir de teoria(s), que permita(m)
rio técnico correspondente.
aos professores entenderem as restrições impos-
Para as diferentes possibilidades de refle-
xão, têm-se conceitos contraditórios que se re- tas pela prática institucional e histórico-social ao
ferem à prática reflexiva. Pimenta (2005, p.22) ensino”. Ou seja, a prática do professor precisa ser
cita Schon que defende que a reflexão deve “[...] analisada, levando em consideração a socieda-
aplicar-se a profissionais individuais, cujas mu- de, saberes, desigualdades econômicas, cultu-
danças que conseguem operar são imediatas: rais e políticas. Assim, transformando o modelo
eles não conseguem alterar as situações além do professor em prática reflexiva.
das salas de aula.” O conceito é caracterizado Atualmente, há a possibilidade de realizar
como um processo individual, pelo fato de que reflexão coletiva e mais abrangente, em sala de
o resultado é imediato e afirma que o profes- aula, reconhecendo o contexto do educando e
sor não ultrapassa a sua sala de aula. Pimenta do educador na sociedade. Alarcão (2003) deixa
(2005, p.23) ainda cita Liston e Zeinchner que bem claro que o professor não pode agir isolado,
consideram o enfoque de Schon “reducionista e no seu local de trabalho, a escola deve propiciar
limitante por ignorar o contexto institucional e condições de reflexividade individual e coletiva.

38
Concepções e práticas de autonomia docente na Escola Pública

Para Pimenta (2005, p.169): “De acordo com de fatos passados que interferem no presente e
Contreras, um profissional que reflete sua ação em conseqüências futuras.
deverá refletir também sobre a estrutura organi- Dessa maneira, o professor atribui maior
zacional, os pressupostos, os valores e as condi- importância às questões globais da educação,
ções de trabalho docente.” enfatizando a prática de sala de aula, não esque-
Diante desse conceito, a prática reflexiva cendo ser formador de opinião. De acordo com
deve ultrapassar o processo de ensinagem4, mas Pimenta (2005), se o professor se torna único
incluindo crítica do sistema educacional, cons- protagonista da prática reflexiva, pode haver
cientizando-se das decisões relacionadas à edu- conseqüências:
cação brasileira. Assim, a reflexão deve ampliar
a rotina escolar, para política, social e emocio- • Uma supervalorização de sua prática, po-
nal, fazendo críticas e relacionando os fatos do dendo suprimir a teoria.
sistema educacional. • Um grande individualismo, pois o profes-
sor vai refletir somente a sua prática, ocasio-
Os educadores que refletem acerca de suas
nando ausência de cooperação.
ações estão envolvidos em processo de compre-
• Uma hegemonia autoritária, já que o pro-
ensão de si mesmos procurando melhorar o en-
fessor resolve os problemas, tornando-se se-
sino. Esta é procura constante: criar condições
nhor de suas ações.
para aprendizagens satisfatórias, além de refletir • Um modismo, pois com a apropriação in-
o senso político, criando opinião própria. discriminada deste conceito, o educador leva
O professor reflexivo deve fazer permanen- a reflexão à banalização.
temente auto-análise, incluindo a equipe de
professores com que trabalha alunos, e o pro- Isso pode ocorrer quando o profissional não
cesso entre aprender e ensinar. Pelo processo, usa a prática reflexiva, com o intuito de com-
o docente questiona e reflete sobre situações de preender e pensar a situação, em processo in-
sala de aula. Nessa ação, o professor reflexivo dividual e coletivo, mas sim como um modo de
cria poder emancipatório associado ao contex- somente fazer uso da reflexão em prol do dis-
to social e cultural. Podendo facilitar resultados curso da modernidade e da prática individual.
e repassar, aos alunos, visão crítica, não a dele, Segundo Pimenta (2005, p.206):
mas de mediador, na construção da capacidade
de refletir e associar os fatos, mencionando-os, Percebe-se que o princípio da reflexibilidade
na íntegra, e usando além da atualidade, ou seja, pode ser usado para fins opostos, correndo o

4 Termo adotado para significar uma situação de ensino na qual necessariamente decorra aprendizagem, sendo a parceria entre
professor e aluno. Lea das Graças Camargo Anastasiou. Processos de Ensinagem na Universidade.

39
Germana Castro Barbosa, Jeannette Filomeno Pouchain Ramos

perigo de responsabilizar os professores pelos petente pode estar relacionado diretamente com
problemas estruturais do ensino, em nome o caráter reflexivo da atividade docente. Com
da modernidade e da autonomia do pro- isso, a prática do professor passa a ser fonte de
fessor. Essa visão da reflexão como prática conhecimento pela experiência e reflexão, enfa-
individual, de que os docentes devem refletir tizando a ação e o comportamento do educador,
mais sobre sua prática, leva a supor que são diante da realidade e da necessidade, interagindo
eles que devem resolver os problemas edu- a reflexividade com as competências.
cativos. É necessário, pois, aprofundar essas Ao refletir, o professor reflete sobre compro-
análises para se evitar a confusão e o desgas- misso político, o mesmo passa a ter condições
te do principio da reflexão. de conhecimento e análise dos obstáculos da
docência e suas conseqüências, diante das ações
Dessa maneira, a prática de “reflexão indivi- do sistema educacional. É assim que a “compe-
dual” pode ser utilizada com o objetivo de res- tência técnica inicia o processo de sua transfor-
ponsabilizar somente o professor pela sua prá- mação em vontade política.” (SAVIANI: 2005,
tica, tornando-o profissional único responsável p.37). Nessa direção, o sentido político se am-
pela educação, ignorando questões globais e plia para a ação pedagógica.
locais, econômicas, sociais ou estruturais. Mas, Com tudo isso, não se trata aqui de abando-
devido muitos conceitos citados, complementa- nar a utilização da competência técnica na prá-
-se o perfil do educador, passando a usar a refle- tica docente, em virtude da reflexividade, pois
xão como prática capaz de criticar as desigual- há momentos em que o professor pode não ter
dades sociais, compreendendo e alterando, se como guiar-se somente por critérios técnicos
necessário e dentro dos limites, questões sociais preestabelecidos, e sim utilizar prática como re-
da educação, ultrapassando a relação professor sultado da experiência e da reflexão integrando-
x aluno em sala de aula. -se nas competências e dialogando com a pró-
Em relação ao contexto, qual o perfil ideal do pria ação.
professor? Educador competente ou reflexivo? Nesse contexto, o educador deve usar a re-
É possível a dissociação desses modelos? Pode flexão para alavancar prática. Somente refletin-
haver uma competência técnica5 sem a reflexão? do, o professor pode organizar e compreender a
Assim, constata-se que os professores buscam ação docente. Sabendo que compreensão deve
reformulação dos modelos tradicionais para criar atender às necessidades da profissão, visando ao
educadores competentes que facilitem a aprendi- desenvolvimento de práticas, o professor pode
zagem. Com isso, supõe-se que o professor com- definir procedimentos mais adequados ao en-

5 Nesta pesquisa o termo competência técnica substitui o que chamamos de competência profissional.

40
Concepções e práticas de autonomia docente na Escola Pública

sino – aprendizagem para obtenção de melhor Vê-se que essa prática ainda pode ser insu-
resultado dos alunos. Esse pensamento é confir- ficiente para o “bom professor”. A reflexão é
mado por Pimenta (2005, p.65) insuficiente para conduzir o docente à prática
“igualitária e libertadora” (Freire, 1996). Deve-
A idéia captada especialmente nos artigos de mos também ressaltar que o termo “professor
D. Schon e K. Zeinchner, é a de que o profes- reflexivo” passa por um processo de cópia, pois
sor possa „pensar” sua prática, ou em outros é utilizado por qualquer autor ou profissional
termos, que o professor desenvolva a capaci- da educação, muitas vezes, sem a real consci-
dade reflexiva sobre sua própria prática. Tal ência de princípios, por isso a expressão tor-
capacidade implicaria da parte do professor nou-se no “slogan que ficou vazio de conteúdo”
uma intencionalidade e uma reflexão sobre (Contreras 2003, p.92).
seu trabalho.
5. O DOCENTE CRÍTICO
Com isso, o profissional reflexivo surge como
proposta de modelo docente, capaz de repensar Os questionamentos incitam a busca de
as situações ainda não resolvidas pela da técni- novo modelo, sem negar a pretensão reflexiva.
ca. No momento em que o educador opta por Modelo que seja capaz de suprir as preocupa-
esse modelo, a prática torna-se estável, pois o ções na prática da reflexão docente, modelo de
profissional percebe que, desta maneira, pode intelectual crítico, com tendência à “aceitação
resolver as situações. de uma única interpretação racional e válida
Mesmo com essas características, a reflexão dos acontecimentos”. (Contreras 2003, p.92)
pode não ser interpretada eficazmente. Contre- Para reforçar necessidade de novo modelo, a
ras (2003: p.91) diz: noção de Lawn apud em Contreras (2003, p. 99)
diz que uma coisa é identificar o lugar onde o
[...] vivemos num mundo plural, onde con- docente realiza a sua função e outro é reduzir o
vivem diferentes opções avaliativas, uma problema ao que ali ocorre. Nessa perspectiva,
pluralidade que não pode ser significada é diferente estudar somente o docente, no local
tecnicamente, em função do mérito ou da de trabalho, com determinada função, e estudar
eficácia de uma determinada estratégia (...)” os problemas circunscritos a esse ambiente. Por
e “Como podemos reconhecer a diferença isso, chega-se à hipótese de que se deve estudar
entre pluralidade e desigualdade? Será que o docente no trabalho e no contexto, sem redu-
basta a reflexão simples? zi-lo diante das diversas situações.

41
Germana Castro Barbosa, Jeannette Filomeno Pouchain Ramos

Caso contrário, o docente só trabalha os pro- a reflexão transcende os limites e as práticas que a
blemas da turma, sem desenvolver compreen- escola prioriza. O professor precisa entender como
são do todo, ou seja, da escola, da comunida- interagir seus interesses e conflitos com a escola.
de, da sociedade, ignorando a possibilidade de Conceber o trabalho docente como trabalho
transformação da prática, que pode libertá-lo de intelectual significa “[...] começar a fazer per-
dependências profissionais e institucionais. guntas sobre o que deveria ser um ensino valio-
Dessa maneira, a prática crítica orienta os so e por quê, não se limitando somente a ques-
professores a investigar “(...) quais são as restri- tões sobre o como [...]” (CONTRERAS 2003,
ções que a prática institucional impõe às nossas p.109). Além de desenvolver o conhecimento do
próprias concepções sobre o ensino, de forma ensino que reconheça e questione sua natureza
a despertar o potencial transformador que esta socialmente e historicamente construída.
deve e pode ter” (CONTRERAS 2003, p.101). Para início do processo de crítica, os docen-
Com isso, tem-se um trabalho social, não res- tes devem organizar-se com a comunidade, com
trito somente à sala de aula, em transferência o objetivo de excluir qualquer grupo político ou
de conteúdo curricular, mas também conside- econômico, com influencia prejudicial à políti-
rando o educador e educando, incentivando-os ca escolar. Assim, o professor está a analisar e
e valorizando-os como sujeitos ativos do meio
questionar as estruturas institucionais.
em que estão inseridos.
O modelo de professor reflexivo e do inte-
Para Freire (1997, p.30), o educador deve re-
lectual crítico tem diferenças. A idéia do pro-
fletir sobre estes aspectos:
fissional reflexivo baseia-se na necessidade de
Por que não discutir com os alunos a reali- enfrentar situações adversas e procurar respos-
dade concreta a que se deva associar a dis- tas para as questões, de uma maneira correta. O
ciplina cujo conteúdo se ensina, a realidade profissional crítico trabalha também um conte-
agressiva em que a violência é a constante údo moral, histórico e dialético.
e a convivência das pessoas é muito maior
com a morte do que com a vida? Por que • Indagações que os docentes críticos podem
não estabelecer uma necessária intimidade questionar:
entre os saberes curriculares fundamentais • De onde procedem historicamente as idéias
aos alunos e a experiência social que eles têm de meu ensino?
como indivíduos? • Como me apropriei delas?
• Por que continuo ainda a apoiar-me nelas
Em conseqüência, para o professor que tem no meu trabalho?
o seu trabalho reduzido em apresentar soluções • A que interesses servem?
de problemas limitados à sala de aula, dificilmente • Quais as relações de poder implicadas?

42
Concepções e práticas de autonomia docente na Escola Pública

• Como influem essas idéias nas minhas re- mesma forma que todas às outras, por uma
lações com os meus alunos? determinada localização social.
• Que luz me permitiu descobrir como posso
trabalhar de forma diferente? A prática crítico-reflexivo também preci-
(CONTRERAS, 2003, p. 115) sa ser compreendida por cada indivíduo. Essa
compreensão deve ser relacionada com o meio
Com esses questionamentos, as críticas não social, sem ser privilégio, pois essa reflexão crí-
se restringem à sala de aula, ou seja, ao relacio- tica não pode ser considerada como proces-
namento professor e aluno. Mas sim fazendo o so final, concluído, ao contrário, caracterizada
professor se conscientizar de suas origens e dos processo inacabado. As experiências, o conhe-
seus efeitos. A prática crítica não pode ter so- cimento e as vivências não são homogêneas en-
mente a função de mostrar as diferenças, mas tre os docentes, nessa condição, a prática crítica
também a perspectiva de transformação. respeita, mas ultrapassa diferenças individuais.
Porém, nesse modelo, também existem con- Para melhor compreensão, mostraremos a ta-
trariedades, quando o professor se organiza em bela V com as principais características dos mo-
delos, com ênfase nos princípios, meios e finali-
grupos, com interesses comuns, o que pode se
dades, ressaltando as diferenças de cada modelo.
tornar processo político, com favorecimento
de grupos. Às vezes, são possíveis movimentos QUADRO I: MODELOS DOCENTES
contrários às lideranças, com determinada in- Modelo de
Princípios Meios Finalidades
tenção política, sem pretender transformação e professor
construção de ações educacionais. • Compreen-
Contreras (2003: p.125), assim se posiciona são dos alunos
• Formação • Apli- com o momen-
sobre o assunto: Técnico – tecnicista cação de
to em questão
Perito • Racionali- técnicas já
dade Técnica fabricadas
• Solução
A reflexão crítica não pode ser concebida instrumental
como aquele processo de iluminação ou ilus- de problemas
tração sobre uma base firme, segura e unifi- • Meditação
cada para todos os afetados, nem tão pouco sobre as • Resolução
como aquela posição privilegiada a partir da práticas
• Reflexão de problemas
qual é possível ter acesso ao conhecimento • Não na ação educativos
Reflexivo reconhece os
das distorções, por que a posição do teórico individual que pode ser
contextos e os
crítico (ou a de uma teoria crítica em si) é pressupostos
e coletiva mudado de
também uma posição que necessita de ser que agem im- imediato.
desvelada e compreendida como afectada da plicitamente.

43
Germana Castro Barbosa, Jeannette Filomeno Pouchain Ramos

Modelo de terminada ação docente? De ante mão, sabemos


Princípios Meios Finalidades
professor que o educador deve ter cada vez mais consci-
• Processo ência da sua ação em busca de melhores resulta-
de trans- dos, na aprendizagem dos discentes.
forma-
ção, que 6. DOCÊNCIA NA REDE MUNICIPAL
• Reconstruir
possibilita
• Meditação os grupos e explicar as DE FORTALEZA
crítica sobre formas nas
Este trabalho contextualiza a pesquisa de
a interp-
as práticas. quais a razão
retar as
é mostrada,
Intelectu- • Analisa as formas de campo, realizada em duas Escolas Públicas Mu-
condições superar as
al Crítico domínio
– Crítico sociais e a que se
dependências nicipais de Fortaleza, usando como ferramenta
históricas, ideológicas entrevista sobre os modelos de professores.
Reflexivo encontram
problema- e apresenta A Escola Raimundo de Moura Matos, locali-
tiza o caráter sub-
um caminho
político do metidos,
da razão para
za-se no conjunto Jardim União, Passaré. A es-
mesmo. perpassa cola é fundada em 2002, como fruto da reivindi-
um interesse
a rela-
emancipador. cação da comunidade, para atender clientela de
ção sala
de aula baixa renda, pois não havia na localidade escola
– escola - patrimonial nos padrões do MEC.
sociedade. A função social da instituição é a formação
Fonte: Barbosa, 2007 de cidadãos respeitadores de opinião e cons-
cientes do papel na sociedade, a escola também
Refletindo em torno dos diferentes mode- estimula a produção de conhecimento pelas
los de autonomia docente e dos dados coleta- experiências do cotidiano, em parceria, educa-
dos, percebemos que os educadores confundem
dores e educandos, buscando formas e métodos
conceitos. Ao indagar sobre o modelo docente
alternativos para a sua concretização.
competente, uma educadora afirma que profes-
sor competente induz o aluno a ser crítico, em O grupo gestor se compromete em avaliar
seguida questionamos o caráter reflexivo com a semestralmente o andamento do Projeto Políti-
mesma educadora e obtivemos a seguinte res- co e Pedagógico, fazendo com que metas sejam
posta ser reflexivo é a busca por métodos novos. alcançadas, viabilizando recursos, em conjunto
Com isso, vê-se que as educadoras não con- com o conselho, corpo docente, funcionários e
seguem diferenciá-los, e por isso indagamos: alunos. Cabe, aos professores, o compromisso
como as professoras conseguem qualificar sua em executar as metas do Projeto Político Peda-
prática? Quais os princípios, meios e fins de de- gógico, a fim de torná-lo eficiente e eficaz, de-

44
Concepções e práticas de autonomia docente na Escola Pública

senvolvendo planos de trabalho de acordo com realizar ação coletivamente, ainda é induzido a
as metas estabelecidas para cada área de ensi- refletir sobre aspectos predeterminados. A es-
no, cooperando para o desenvolvimento socio- cola RMM demonstra receio no tratamento dos
cultural e educacional da comunidade escolar, docentes, devido à possibilidade de desagradá-
visando à melhoria da qualidade de ensino em -los, porém esse comportamento não é adequa-
futuro próximo. do, por se tratar de medo da organização dos
A escola, Centro de Educação e Saúde, professores. Em certos momentos, o corpo do-
CMES Vicentina Campos, antes CIES, localiza- cente é considerado pelos gestores ameaçador,
da no conjunto Jardim Primavera, Parque Dois por isso os gestores tentam agradar os docentes,
Irmãos, é resultado de extenso movimento da mas, mesmo assim, nem sempre os objetivos
comunidade preocupada com a possível ocupa- dos professores são alcançados.
ção da área. Os professores entrevistados são do sexo fe-
O objetivo da instituição é desenvolver tra- minino, com graduação em Pedagogia, com até
balho coletivo que contemple mudanças na re- 25 anos de magistério e no mínimo, 02 anos.
alidade do CMES. As metas da escola não estão Assim, o perfil atende ao critério de experiência
especificadas nos documentos, com a justificati- em sala de aula e formação continuada.
va de que serão concluídas no ano seguinte, mas Em primeiro momento, são trabalhadas com
enfatiza os compromissos relacionados à Ges- as professores os modelos de autonomia docen-
tão Escolar, Conselho Escolar. Esta instituição te, com definição de cada modelo, exemplifican-
não tem Projeto Político-Pedagógico concluído, do e informando o tempo de cada prática. Tra-
mas é visível a preocupação com a comunidade, balhamos o modelo de professor competente,
pressupondo-a participativa e presente no am- momento em que ouvimos as mais diversas
biente escolar. respostas. A professora Carol cita ser compe-
Em relação às escolas analisadas, as escolas tente é ser comprometido. Dentre as respostas,
RMM (Raimundo de Moura Matos) e VC (Vi- a mais surpreendente é aquela segundo a qual,
centina Campos) são novas, com diferenças de professor competente induz o aluno a ser crí-
estrutura e de prática pedagógica, embora com tico, desta maneira, a educadora ignora a real
objetivos coincidentes. Não podemos afirmar, definição de professor competente. Para a edu-
porém, que qualquer uma das instituições possa cadora Eliene, os professores devem ser com-
ser considerada a ideal. petentes. Outra definição é que ser competente
Pela entrevista, a escola VC trata o docen- é ter compromisso com o aluno. As entrevista-
te de uma maneira tradicional, muitas vezes, das se consideraram competentes e praticam ro-
o professor não é incentivado a refletir ou, ao tineiramente o modelo.

45
Germana Castro Barbosa, Jeannette Filomeno Pouchain Ramos

Uma definição surpreende, depois de tantas conseguir permanecer em sala de aula”. A res-
respostas, sem noção de conceito de professor posta é negação da professora em trabalhar as
competente. Para a professora Fátima, a resposta mudanças da educação. Com apoio em discus-
é a resolução prática de problemas, com técnicas são com fatos e exemplos de mudanças, mesmo
tradicionais, e completa que não se reconhece assim, a educadora continua com sua opinião,
professora competente, mas muitas educadoras segundo que o professor deve mudar de acordo
utilizam dessa prática, e enfatiza que professo- com as novas imposições, sem, antes, refletir so-
ras, muitas vezes, são mais experientes na área bre as ações. Com isso, a intenção da professora
da educação. é realizar a prática, em virtude de suposta deter-
Pode-se associar resposta ao discutido no minação do sistema, e não devido à qualificação
início do trabalho, deixando explícita uma das pessoal, a fim de melhorar sua prática.
principais características do professor compe- A maioria das respostas associa o intelectual
tente que, na prática docente, utiliza técnicas, crítico-reflexivo ao aspecto político, enfatizan-
caracterizando-se como um trabalho mecânico. do direitos e deveres da educação. A educadora
Após esta abordagem, a situação se torna Gilvânia sugere que o modelo deve ser pratica-
mais complexa para a continuidade da entrevis- do por todos.
ta, pois à menção do modelo reflexivo há confu- Pelas respostas, as professoras fazem uma
são de conceitos de competente e reflexivo. As maior associação desse modelo, por mais que o
entrevistadas se dizem reflexivas, por isso torna conceito, provavelmente, não tenha sido prati-
mais difícil entender o modelo realmente com cado na formação, o que, talvez, aconteça devi-
que cada professora se identifica e pratica no co- do às necessidades de cada profissional. É curio-
tidiano. so entender o porquê de confundir conceitos de
Para as educadoras Ana e Carol ser professor competente e reflexivo e conseguir maior apro-
reflexivo é buscar métodos novos, ou conside- ximação da definição do intelectual – crítico.
rar-se aprendiz na atividade docente, ou ainda As professoras entrevistadas confundem teo-
ser reflexivo é estar aberto a mudanças, a novas rias e conceitos, sempre que elas se consideram
descobertas. A educadora Carol não compreen- determinado modelo, e, em seguida, se dizem
de as noções de cada modelo e afirma exercer as outro modelo. Assim, mencionada outra opção,
duas práticas. sugerem o exercício de outra prática.
Nesse clima tentamos discutir o assunto com Em relação aos modelos docentes, as edu-
a professora Maria que responde da seguinte cadoras não conseguem diferenciá-los, e por
maneira: “Ser reflexivo é nos enquadrarmos às isso indagamos como as professoras conseguem
novas condições da educação, para podermos qualificar a sua prática. Para direcionar uma

46
Concepções e práticas de autonomia docente na Escola Pública

prática, antes o educador deve conhecer cada lação intrínseca e complementar entre ensino,
modelo, para compreendê-lo e exercitá-lo. pesquisa e gestão.
As professoras entrevistadas não se reconhe- Ao fim deste trabalho, percebemos a impor-
cem em nenhum modelo determinado, mas ten- tância de conhecimento das maneiras de prática
tam se identificar nas três opções. Acreditamos de autonomia docente, com a possibilidade de
que a dificuldade de identificação é devido à falta exercitar ou não a docência, nas modalidades
de conhecimento dos modelos ou omissão em existentes, uma interagindo com outra, pois
decidir como se deve dar a ação pedagógica. Para cada modelo de autonomia é decorrente de ou-
as profissionais as teorias se confundem, parecen- tro. Assim podemos afirmar que os conceitos se
do haver a mesma definição para cada modelo. complementam no trabalho docente.
Em síntese, percebemos que as professoras têm
a certeza de que a escola pública precisa mudar em REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
vários aspectos, desde a formulação do sistema até
sua prática. No entanto, nem todas as educadoras ALARCÃO, Isabel. Professores reflexivos em
relacionam as modalidades de autonomia docente uma escola reflexiva. São Paulo: Cortez, 2003.
à problematização da escola pública.
ARROYO,Miguel G. (org) Da Escola Carente à
Escola Possível.São Paulo: Edições Loyola. 1986
7. CONSIDERAÇÕES PARCIAIS

Feita a análise dos modelos docentes, rea- BARBOSA, Germana Castro. Formação e práti-
ca docente entre a técnica, reflexão e criticidade.
firmamos que o conhecimento das modalidades Monografia de Conclusão do Curso de Especia-
é importante para a prática do professor, pois, lização em Docência do Ensino Superior / CED
quando o educador conhece as maneiras possí- / UECE, 2007 (mimeografado).
veis de ação, e as compreende, opta pelo método
mais adequado à realidade e necessidade. Não DOMINGO, José Contreras. A Autonomia da
pretendemos afirmar o modelo correto de práti- Classe Docente. Portugal: Porto, 2003.
ca docente, mas discuti-lo e apresentá-lo. Busca-
mos, com este trabalho, coletar dados que permi- FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia – Sa-
tam refletir em torno dos modelos de professor. beres Necessários à Prática Educativa. São Pau-
A partir da pesquisa indagamos que a classe lo: Paz e Terra, 1996.
docente não tem embasamento teórico adequa-
do para assegurar na prática, a consciência das GANDIM, Danilo. Escola e transformação So-
escolhas feitas. Muitos ainda desconhecem a re- cial. 6ª ed. Petrópolis: RJ: Vozes, 2000, p.142-150.

47
Germana Castro Barbosa, Jeannette Filomeno Pouchain Ramos

MARX, Karl, ENGELS, Friedrich. A ideologia


Alemã. 2ª. Edição, 3ª. Tiragem. Introdução de
Jacob Gorender; Tradução Luis Cláudio de Cas-
tro e Costa. – São Paulo: Martins Fontes, 2002
- (Clássicos).

PERRENOUD, Philippe. Dez Novas Compe-


tências para Ensinar – Convite à Viagem. Porto
Alegre, RS: Art Méd Editora, 2000.

PIMENTA, Selma G; GHEDIN, Evandro


(Orgs). Professor Reflexivo no Brasil: Gênese e
Crítica de um conceito. São Paulo: Cortez, 2005.

RAMOS, Jeannette F. P. Ramos, MAIA, Gilberto


B., CHAVES, Sâmara Almeida. Trabalho docente
alienado. 2007. (Mimeografado)

SAVIANI, Dermeval. Pedagogia Histórico-Crí-


tico: Primeiras Aproximações. Campinas, SP:
Autores Associados, 2005. THERRIEN, Angela
T. S. Trabalho docente: uma incursão no imagi-
nário social brasileiro. São Paulo: EDUC, 1998.

48
TRABALHO E EDUCAÇÃO: PRIMEIRAS
IMPRESSÕES DA ALIENAÇÃO DO
TRABALHADOR DOCENTE

Jeannette Filomeno Pouchain Ramos1


José Gilberto Biserra Maia3

1. INTRODUÇÃO

N a percepção da centralidade na catego-


ria trabalho para entendimento da evolução
histórica do capitalismo e das relações sociais
contemporâneas, e na busca de compreender o
vínculo de exploração imposto por esta lógica
no setor educacional, vivenciada por nós no co-
tidiano do trabalho docente na Educação Básica
e Superior propomos, neste estudo, relacionar a
elaboração teórica da categoria trabalho, a par-
tir do referencial marxista, com o trabalho do-
cente e, ainda, refletir em torno dos aspectos de
alienação do trabalho, enfatizando aspectos da
proletarização e precarização laboral docente.
A categoria trabalho docente emerge como
campo em formulação, complexo e diverso, atra-
vessado por situações políticas e pelo reclamo
dos docentes por melhores condições de traba-
lho no contexto das reformas educacionais e sua
1 É professora de Política, planejamento e gestão educacional da
Universidade Estadual do Ceará – UECE, graduada em Letras,
Mestra em Políticas Públicas e Planejamento pela UECE e dou-
tora em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará.
2 Professor da Rede Estadual de Ensino do Ceará e especialista
em Docência do Ensino Superior pela UECE e Ensino de Histó-
ria pela Faculdade Farias Brito.

49
Jeannette Filomeno Pouchain Ramos, Samara Almeida Chaves, José Gilberto Biserra Maia

incidência nas mudanças relativas à organiza- tas contribuições possam eles se posicionar e
ção laboral. Estudos e pesquisas (MARTINEZ, reelaborar uma nova sociabilidade pautada no
2003; OLIVEIRA, 2003; BARRIGA e ESPINO- recobro da dignidade humana. Além da rele-
SA, 2006) registram que o fato de que o trabalho vância social e pessoal, importa ressaltar a im-
docente continua sendo um objeto fragmen- portância acadêmica em aportar discussões em
tário e pouco conhecido, oculto nos processos torno da relação entre trabalho e educação, to-
sociais da educação e do trabalho. Estudos ana- mando como centralidade a alienação do ������
traba-
lisam as teses de proletarização e precarização lho docente.
(OLIVEIRA, 2003), do trabalho docente, mas Revisitamos, então, a literatura pertinente às
não relacionam estes fenômenos com as etapas categorias trabalho (MARX, 1964, ANTUNES,
da alienação descritas por Marx (1964). 1999, 2000, LESSA, 1997a, 1997b), trabalho alie-
A literatura marxista e marxiana se justifica nado (MARX, 1964, LESSA, 1997, ANTUNES,
como fundamental neste estudo por cumprir 1999, 2000) e trabalho docente (SAVIANI,
duas tarefas, de um lado oferecendo amplo es- 2005). Como referencial metodológico, esta
pectro teórico acerca da categoria trabalho e pesquisa é bibliográfica, por constituir numa
trabalho alienado e da divisão do trabalho no produção teórica a partir das obras retrocita-
modo de produção capitalista e, de outra parte,
das. A opção se referenda na contribuição sig-
o marxismo, como doutrina filosófica, oferece a
nificativa dos autores relativamente ao objeto de
alternativa ao modelo social capitalista. Refletir,
estudo, ao mesmo tempo em que solicita rigor
pois, a alienação do trabalho docente a partir do
científico na seleção das fontes e na análise.
marxismo tem dupla função: buscar uma expli-
Este artigo reflete inicialmente a categoria
cação do fenômeno e sugerir opções a alienação.
A relevância social deste ensaio revela-se na trabalho, as transformações no mundo do ���� tra-
importância de refletir criticamente o mundo balho��������������������������������������������
e a crise do capital, para, em seguida ana-
����
e as relações sociais em que vivemos e ques- lisarmos o���������������������������������������
conceito de trabalho alienado e, pos-
tionar a estrutura econômico-política-social e teriormente, relacionarmos esta categoria com o
cultural onde nos encontramos. Desse modo, trabalho docente.
quando analisamos as categorias trabalho do-
cente e alienação do trabalho, poderemos con- 2. O TRABALHO ALIENADO, ESTRA-
tribuir com milhares de educadores que se en- NHADO
contram num estado de submissão às razões
capitalistas, desenvolvendo um a tarefa estranha Partindo do referencial marxista que con-
a ela própria, um trabalho morto. A partir ����
des- ceitua trabalho como produção do humano, ou

50
Trabalho e educação: primeiras impressões da alienação do trabalhador docente

seja, é o modo como o homem se insere na or- então, é um ato de pôr consciente e, portanto,
dem social e produz nova ordem, pelas mudan- pressupõe um conhecimento concreto3. É a úni-
ças das relações humanas e pela mudança das ca lei objetiva e ultra-universal do ser social, que
relações dele com a natureza estabelecendo as é tão eterna quanto o próprio ser social, ou seja,
condições de sua sobrevivência, compreende- trata-se também de uma lei histórica, à medida
mos que a divisão social e do trabalho não exis- que nasce simultaneamente com o ser social,
tiram sempre nem existirão ad aeternun. mas que permanece ativa apenas enquanto este
Dessa forma, pode-se acentuar que o trabal- existir (ANTUNES, 1999).
ho constitui a própria atividade humanizadora Fruto de determinada evolução histórica
do homem. A ação humana difere da atividade da sociedade, a divisão do trabalho tem raízes
irracional dos outros animais inferiores, princi- na estrutura e no desenvolvimento normal da
palmente pela objetivação imposta ao ato criativo. vida econômica e é mantida e acentuada pelas
O trabalho, então, é sempre elemento central instituições e relações humanas. Estas transfor-
em todo o desenvolvimento das forças produ- mações sociais despojaram o homem, da terra
tivas, pois nenhum outro ser possui habilidade e dos instrumentos de produção, obrigando-o,
de ação transformadora que possa alterar seu portanto, a vender a única coisa que lhe restava
cotidiano, seu habitat, de forma ágil e racional. e que o mercado reconhece: a sua força de trab-
Para Lukács, o trabalho é a forma originária alho em troca de sua sobrevivência.
(protoforma) do agir humano, entretanto, nem O trabalho, nesse decurso histórico, passou
todos os atos humanos podem ser considerados da produção artesanal do trabalhador livre4
como trabalho (LESSA, 1997). no mundo pré-industrial, para a produção em
Sendo assim, o ato de produção e reprodução série na sociedade industrial, com o fordismo
da vida humana realiza-se pelo trabalho, pois, e keynesianismo, e, enfim se encontra numa
a partir do trabalho, em sua cotidianidade, o produção flexível.
homem torna-se ser social, distinguindo-se A crise do fordismo e do keynesianismo con-
de todas as formas não humanas. O trabalho, funde-se com a crise mais profunda do capitalis-
3 Marx (1964, p.165), ao refletir na relação entre o trabalho livre e alienado, anota que o homem faz da atividade vital o objeto da
vontade e da consciência, o que o distingue da atividade vital dos animais, se tornando assim, um ser genérico Ou melhor, só é um
ser consciente, quer dizer, a sua vida constitui para ele um objeto, porque é um ser genérico. Unicamente por isso é que a sua atividade
surge como atividade livre. O trabalho alienado inverte a relação que o homem, enquanto ser consciente, transforma a sua atividade
vital, o seu ser, em simples meio da sua existência.

4 O trabalho passa de vivo para morto, também chamado negativo. Em outras palavras passa de um produto cuja função social
apresenta o valor de uso para um produto cujo objetivo último é apresentar o valor de troca, ou seja, o sobretrabalho que fica subs-
tanciado no produto, que por sua vez, nas relações econômicas do modo de produção capitalista, originandoo lucro. Neste caso o
homem deixa-se moldar, desenvolvendo um trabalho estranhado.

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mo na sua estrutura produtiva, em que se percebe operária industrial tradicional); subproletar-


uma tendência decrescente das taxas de lucro, ização em diversas formas de trabalho parcial,
decorrentes do baixo crescimento da produção precário, terceirizado, subcontratado, ligado à
e da produtividade, redundando em baixos per- economia informal, ao setor de serviços (het-
centuais de aumento salarial, provocando des- erogeneização, “complexificação” e fragmenta-
emprego, que resulta no incipiente investimento ção do trabalho).
e insuficiente produção. De acordo com Antunes Consoante as razões do capital, os homens re-
(2000, p.31), esse momento é marcado pela lógica alizam um trabalho alienado, e os trabalhadores
destrutiva do capital, [...] presente na intensifica- da Educação também se inserem nessa conjun-
ção da tendência decrescente do valor de uso das tura desumana de exploração, que desvirtua o
mercadorias, quanto da incontrolabilidade do ser humano do verdadeiro sentido do trabalho
sistema de metabolismo social [...]. como categoria fundante do ser social, mediante
Antunes assinala que o capitalismo respon- a transformação do meio e de si mesmo.
de à sua crise, iniciando uma reorganização O produto do trabalho é o trabalho que se
do capital e de seu sistema ideológico-político fixou num objeto, fez-se coisa física, é a objeti-
de dominação, em contornos neoliberais, com vação do trabalho. Para Marx (1964), a realiza-
a privatização do Estado, a desregulamentação ção do trabalho aparece na Economia Política
dos direitos trabalhistas e a desmontagem do como a desrealização do trabalhador, a objeti-
setor produtivo estatal, seguido de [...] um in- vação como perda e servidão ao objeto, a apro-
tenso processo de reestruturação da produção e priação como alienação.
do trabalho, com vistas a dotar o capital do in- A desrealização do trabalhador ocorre na
strumental necessário para tentar repor os pa- realização do trabalho externo, naquele em que
tamares de expansão anteriores. (ANTUNES, o homem se aliena. Este é um trabalho de ��� sa-
2000, p. 31). Sendo assim, a produção em série é crifício de si mesmo, de mortificação, pelo qual
substituída pela flexibilização da produção, no- o ser humano não se realiza no seu trabalho,
vos padrões de busca de produtividade e outras pois este é um ato de espoliação no contexto da
formas de adequação produtiva à lógica do mer- lógica do capital. Nesse sentido, Marx (1964, p.
cado, com ensaio de processos e modalidades de 162) assevera:
desconcentração industrial e novos padrões de
gestão de força de trabalho. Chega-se a conclusão de que o homem (o
Com efeito, Antunes (2000) inventaria as se- trabalhador) só se sente livremente ativo nas
guintes transformações: desproletarização do funções animais – comer, beber e procriar,
trabalho industrial, fabril (diminuição da classe quando muito, na habitação, no adorno, etc. –

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Trabalho e educação: primeiras impressões da alienação do trabalhador docente

enquanto nas funções humanas se vê reduzido ele produz a si mesmo e ao trabalhador como
a animal. (...) Comer, beber e procriar, etc., são uma mercadoria, e justamente na mesma
também, certamente, genuínas funções huma- proporção com que produz bens.
nas. Mas, abstratamente consideradas, o que
as separa da restante esfera da atividade hu- Antunes (1999, p. 126) prossegue, ressaltan-
mana e as transforma em finalidades últimas do que, na produção fragmentada e em série do
e exclusivas é o elemento animal. capitalismo, o homens é atomizado, pois ‘não
pode realizar a adequada função de mediação
Percebemos, então, que há uma inversão das entre o homem e a natureza, porque ‘reifica’
funções humanas ao realizar o trabalho alien- (coisifica) o homem e suas relações e reduz ao
ado, externo ao homem, ou seja, o homem, ao estado de um animal natural. Ele perde a noção
exercer um trabalho externo, só atende a sua do todo e, nesse tipo de relação, em lugar da
necessidade de sobrevivência física, assim como consciência do ser social passa-se ao culto da
os animais, ocorrendo uma desumanização do privacidade, à idealização do indivíduo tomado
homem, portanto de sua desrealização. As ob- abstratamente:
jetivações operadas pelo ato do trabalho podem
exercer, em momentos historicamente determi- [...] Ao invés do trabalho como atividade
nados, uma ação negativa de retorno sobre o vital, momento de identidade entre o indi-
homem, constituindo-se, pois, em obstáculos, víduo e o ser genérico, tem-se na sociedade
no lugar de estímulos ao desenvolvimento do regida pelo capital uma forma de objeti-
gênero humano.Tal significa a noção de que, ao vação do trabalho, onde as relações sociais
transformar a natureza, o homem pode se tor- estabelecidas entre os produtores assumem
nar um servo do seu objeto. Isto porque ele pode [...] a forma de relação entre os produtos do
passar a depender deste objeto, seja para o seu trabalho. A relação social estabelecida entre
trabalho e/ou para a sua subsistência. Isto ocorre os homens adquire a forma de uma relação
porque, na perspectiva de Marx (1964, 159), entre coisas.

[...] O trabalhador torna-se uma mercadoria A mortificação do homem, a reificação das


tanto mais barata, quanto maior número de relações e a perda e servidão do objeto, estes se
bens produz. Com a valorização do mundo expressam na submissão do homem ao mundo
das coisas aumenta em proporção directa das coisas, do capital, na privação dos objetos
a desvalorização do mundo dos homens. O necessários à vida e ao trabalho, passo que a
trabalho não produz apenas mercadorias; alienação, o estranhamento, ocorre na relação

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entre o homem e o produto que ele executou, na mo avançado conseguiu estendê-la até a es-
apropriação deste sob diferentes aspectos. fera do consumo. Com todo arsenal ������
merca-
Lessa (1997), apoiando-se em Lukács, ex- dológico e da mass media, a possibilidade de
plica, então, o que caracteriza o estranhamento. manipulação das necessidades de consumo
Nas suas palavras (1997, pp.114, -5), [...] é uma do ser que trabalha o impossibilita, também
ação de retorno da esfera objetivada sobre a indi- neste plano, de buscar sua realização, acarre-
viduação (e sobre a totalidade social, com todas tando formas complexas de estranhamento.
as mediações cabíveis); uma ação, todavia, que
reproduz a desumanidade socialmente posta [...], Marx (1964) caracteriza a categoria trabalho
são os obstáculos socialmente postos à plena ex- alienado a partir de quatro aspectos, que são a
plicitação da generalidade humana. alienação do trabalhador relativamente: 1) ao
Marx (1964), ao analisar a injustiça social seu produto; 2) ao processo de produção; 3) ao
que há no capitalismo, assinala que se trata de caráter genérico do homem; e 4) aos outros ho-
um regime econômico de exploração, sendo a mens. De acordo com a literatura marxista,
mais-valia uma grande arma do sistema. Assim,
a alienação se manifesta a partir do momento [...] (1) A relação do trabalhador ao produto
em que o objeto fabricado se torna alheio ao do trabalho como a um objetivo estranho que
sujeito criador, vale dizer, ao criar algo fora de o domina. Tal relação é ao mesmo tempo a
si, o trabalhador se nega no objeto criado. A relação ao mundo externo sensível, aos ob-
indústria capitalista utiliza a força de trabalho jetos naturais, como a um mundo estranho
dos operários que não necessitam ter o conhe- e hostil; 2) A relação do trabalho ao ato da
cimento do funcionamento da indústria inteira, produção dentro do trabalho. Tal relação do
a produção é totalmente coletivizada, necessi- trabalho à própria atividade como alguma
tando de vários operários na obtenção de um coisa estranha que não lhe pertence, a ativi-
produto, mas nenhum deles dominando todo o dade como sofrimento (passividade), a força
processo - individualização. como impotência, a criação como emascu-
Antunes (1999, p.129) ao examinar o estran- lação, a própria energia física e mental do
hamento na sociabilidade contemporânea, evi- trabalhador, a sua vida pessoal – e o que é a
dencia o fato de que, vida senão atividade? – como uma atividade
dirigida contra ele, independente dele, que
[...] se esta se objetiva originariamente no não lhe pertence. Tal é a auto-alienação, em
processo de produção - e tem neste momento contraposição com a acima referida alien-
o estatuto ontológico fundante - o capitalis- ação da coisa. (MARX, 1964, p. 169)

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Trabalho e educação: primeiras impressões da alienação do trabalhador docente

A alienação do trabalho em relação ao caráter Resumindo, constata-se, então, que o pro-


genérico do homem revela-se quando a vida se cesso de alienação/estranhamento do trabalho
transforma simplesmente em meio de vida. A ocorre, na visão de Marx (1964) em quatro di-
vida produtiva aparece como único meio de sat- mensões. A primeira, quando o produto do tra-
isfação de uma necessidade que é a sobrevivên- balho não pertence ao trabalhador, sendo �����
apro-
cia, isto é, manter a existência física, como acen- priado por outro. Há a reificação do homem
tua Marx (1964, p.164-5): em relação ao produto do seu trabalho, isto é,
a alienação da coisa, do objeto, do produto do
O animal identifica-se imediatamente com a seu trabalho. Na segunda, a alienação do trab-
sua atividade vital. Não se distingue dela. É alhador em relação à própria atividade, ao seu
a sua própria atividade. Mas, o homem faz trabalho, pois, como é uma atividade mecânica,
da atividade vital o objeto da vontade da repetitiva, assalariada, o objeto por ele criado
consciência. Possui uma atividade vital con- não lhe pertence, mas é de outro. O ato de tra-
sciente. A atividade vital consciente distingue
balho prazeroso dá lugar ao cansaço, à fadiga,
o homem da atividade vital dos animais. Só
ao estranhamento. A produção não objetiva a
por esta razão é que ele é um ser genérico.
distribuição coletiva, já que se faz sob a lógica
do mercado, do capital e não do homem. Esta
No quarto e último aspecto da alienação do
é alienação do processo de trabalho-ser estra-
trabalho, o homem em relação aos outros ho-
nho ao ato de produção. Na terceira dimensão
mens, o ser humano não se reconhece no outro,
ao contrário, não passa de um patrão, um con- percebe-se o estranhamento do trabalhador no
corrente, um inimigo, um opressor. que respeita ao seu gênero, sua humanidade, co-
munidade, pois, em vez de ter noção do social, o
4) Uma conseqüência imediata da alien- outro é visto como inimigo, concorrente. Dessa
ação do homem a respeito do produto de forma, perde a noção de coletividade e hipertro-
alie- fia a individualidade mediante a alienação com
seu trabalho, da sua vida genérica, é à �����
nação do homem relativamente ao homem. os outros homens. A quarta dimensão mostra a
Quando o homem se contrapõe a si mesmo, alienação do homem concernente a vida genéri-
entra, igualmente, em oposição com outros ca. O homem está numa relação alienada para
homens. O que se verifica com a relação do com o outro, já que o outro é negativamente es-
homem ao seu trabalho, ao produto do seu tranhado a ele, não reconhecido como trabalha-
trabalho e a si mesmo, verifica-se também dor, sendo visto como ameaça.
com relação do homem aos outros homens. Tendo enfim, conceituado trabalho e ������
traba-
(MARX, 1964, p.166) lho alienado, como poderíamos evidenciar estes

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aspectos da alienação com o trabalho docente Sendo assim, no âmbito escolar, o trabalho
na atualidade? Este o de que tratamos a seguir. compreende todas as ações educativas, seja do
docente, do discente, do gestor, do pessoal de
3. TRABALHO DOCENTE ALIENADO apoio escolar, entre outros. Alfabetizar e ser al-
fabetizado são formas de trabalho, pois no mo-
P artindo do referencial marxista, que con- mento em que a criança e o professor entram na
ceitua trabalho como produção do humano-ou sala de aula e começam a desenvolver suas ativi-
seja, é o modo como o homem se insere na or- dades, ambos estão envolvidos num processo de
dem social e produz nova ordem, pelas mudan- trabalho (RODRIGUES, 1986, p.61).
ças das relações humanas e pela mudança das Importa, então, diferenciar as modalidades
relações dele com a natureza estabelecendo as de trabalho material e não material para a com-
condições de se sobrevivência- vê-se, porém, preensão do trabalho docente. A primeira mo-
que o trabalho, no contexto sócio-histórico do dalidade prescinde sempre da segunda, a exem-
capitalismo, objetivou-se de tal forma que se plo da produção de bens materiais, na garantia
tornou estranho, alienado. Este estranhamento da subsistência humana. Para sua efetivação, o
sucede sob diferentes aspectos, na relação com homem necessita antecipar em idéias os objetivos
o produto, com o ato de produção, com o ser ge- da ação, o que significa que ele representa men-
talmente os objetivos reais. Essa representação in-
nérico, ou seja, com os outros homens e consi-
clui o aspecto de conhecimento das propriedades
go mesmo. Com efeito, cumpre-nos agora tecer
‘do mundo real (ciência), de valorização (ética)
algumas relações entre o trabalho alienado e o
e de simbolização (arte) (SAVIANI, 2005, p.12),
trabalho docente na atualidade educacional.
o que caracteriza a dimensão do trabalho não
A Educação é aqui compreendida como di-
material.
reito social, portanto, do ser humano e como Por sua vez, o trabalho não material se dis-
fenômeno-manifesto desde sua origem, con- tingue em duas modalidades: a primeira refere-
fundindo-se, inicialmente, com o próprio ato de -se àquelas atividades em que o produto se sepa-
viver, mas, progressivamente, diferenciando-se ra do produtor como no caso dos livros e objetos
até atingir o caráter institucionalizado, a citar: a artísticos. Há, pois, nesse caso, um intervalo entre
escola e a universidade. Nestes ambientes edu- a produção e o consumo, possibilitado pela auto-
cativos formalizados desenvolvem-se diversas nomia entre o produto e o ato de produção (SA-
ações humanas no sentido de alcançar seus ob- VIANI, 2005, p.12). Na segunda modalidade,
jetivos. Estas são consideradas como trabalho. não ocorre intervalo, pois, os atos de produção

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Trabalho e educação: primeiras impressões da alienação do trabalhador docente

e de consumo se imbricam, definindo a especi- docente se concretiza por intermédio da perda e


ficidade do trabalho educativo em que não há da servidão ao objeto, decorrentes da divisão do
produto que se separa do ato de produção. Logo, trabalho na escola e a alienação do trabalho do-
se pode concluir que o trabalho docente se en- cente se concretiza mediante a apropriação.
quadra na categoria do ”trabalho não material” Compreendemos, então, por trabalho docente
e na modalidade “em que o produto não se sepa- todas as atividades desenvolvidas pelos profissio-
ra do ato da produção”. nais da Educação, na perspectiva de contribuir,
Saviani, portanto, entende por trabalho edu- fomentar e garantir o sucesso da aprendizagem
cativo o ato de do discente, do desenvolvimento humano dos
sujeitos que compõem o universo escolar e a co-
[...] produzir direta e intencionalmente, em munidade e de si mesmo. Oliveira (2003) ratifica
cada indivíduo singular, a humanidade que esta idéia, assinalando que o trabalho docente
é produzida histórica e coletivamente pelo compreende também a gestão da escola.
conjunto dos homens Assim, o objeto da Tendo conceituado Educação e trabalho do-
educação diz respeito, de um lado, à identi- cente, indagamos agora qual a relação entre este
ficação dos elementos culturais que precisam último e as etapas da alienação, caracterizadas
ser assimilados pelos indivíduos da espécie por Marx no trabalho alienado?
humana para que eles se tornem humanos e, O contexto em que os trabalhadores docen-
de outro lado e concomitantemente, à desco- tes se encontram está permeado pelo modo de
berta das formas mais adequadas para atin- produção e de exploração do sistema capitalista,
gir esse objetivo. (2005, p.13). pois a educação escolar, historicamente se con-
stitui como uma das estratégias de legitimação
A produção do humano, entretanto, por meio e reprodução deste sistema. Isto porque os edu-
de elementos e formas, realiza-se na interação cadores estão inseridos no sistema educacional
concreta. Saviani (2005, p.122), então, considera imposto pela burguesia, que tende a perpetuar a
o trabalho docente como processo de objetiva- dicotomia entre os trabalhadores intelectuais e
ção porque o trabalho passa historicamente, ou os trabalhadores manuais, entre os que pensam
seja, a racionalização, a neutralidade, a eficiên- e aqueles que executam, entre outros.
cia e a produtividade, na busca da fórmula, “má- Diferentemente de Tardif e Lassard (2005),
ximo resultado com recursos mínimos”. E, neste os quais assinalam que o objeto do trabalho do-
sentido, passa a considerar os aspectos estrutu- cente é o aluno, compreendemos que o produto
rais, conjunturais, sociais e históricos em que o deste trabalho é o conhecimento participado na
trabalho está inserido. A objetivação do trabalho aprendizagem. Esta, por sua vez, é fruto de um

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currículo imposto pelo sistema, por meio dos subordinação por meio de alterações estrutur-
Parâmetros Curriculares Nacionais e promove ais, a citar a desvalorização profissional, a frag-
o estranhamento do trabalhador docente como mentação e a hieraquização da produção, a bu-
produto do seu trabalho. rocratização etc.) Exemplos desta política são
A alienação do trabalho docente quanto ao os mecanismos de controle externo do trabalho
processo de produção do trabalho é caracteriza- docente, pois diretores, supervisores e orienta-
da por Enguita (apud SILVA: 1992) ao analisar a dores são funções criadas com o objetivo de fis-
proletarização a que esta categoria é submetida calizar. Os professores são postos como soldados
ao longo dos tempos: rasos da indústria, sob a vigilância completa de
sargentos e oficiais (MARX e ENGELS: 2002).
[...] o magistério vem adquirindo, de forma Em conseqüência deste prejuízo da auto-
crescente, aspectos estruturais similares aos nomia, muitos trabalhadores docentes não se
do proletariado, isto é, vem se proletarizan- reconhecem como gênero humano, pois sua
do. Isto significa que vem deixando de ter atividade é um simples meio para atender al-
características próprias das profissões, tais gumas das necessidades fisiológicas: comer, be-
como autonomia e controle sobre os meios, ber e procriar (existência física). Esta categoria
objeto e o processo do seu trabalho, para ad- é uma classe hoje oprimida e, segundo Marx e
quirir traços da situação estrutural próprios Engels (2002, 46) [...] para oprimir uma classe
do trabalho assalariado proletário (P. 176). é preciso ao menos garantir-lhe as condições
mínimas que lhe permitam ir arrastando a
Na mesma direção, explica Mariano Engui- existência servil. A esta categoria é garanti-
ta (1991, p.41) que a perda de autonomia do do um salário reduzido que atende apenas e,
trabalho do docente se concretiza pela perda não mais das vezes, em parte, as necessidades
de decisão sobre o resultado da sua atividade, mínimas de sobrevivência física e não social
pois as regulamentações, normas, disciplinas, e e cultural. O educador, portanto, passa a enx-
procedimentos pedagógicos são determinações ergar no outro ser humano um concorrente,
que não contam com a participação do docen- patrão, opressor e inimigo. O educador não se
te. Dessa forma, [...] Os docentes encontram-se reconhece no outro educador.
submetidos a processos cuja tendência é a mesma
que para a maioria dos trabalhadores assalaria- 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
dos: proletarização.
A autonomia dos trabalhadores está com- O presente texto expressa contribuições na
prometida, em decorrência de uma história de formulação da categoria alienação do trabalho

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Trabalho e educação: primeiras impressões da alienação do trabalhador docente

docente, ao entender que o trabalho do profes- indivíduo não se reconhece na sua atividade e
sor é não material, que o produto não se separa em si mesmo. O seu trabalho passa de um ato
do ato da produção e assume características es- prazeroso de realização humana, de transfor-
pecíficas em relação ao proletário de um modo mação de si mesmo, do outro e do meio, a um
geral. Embora este trabalho, contudo, não confi- mister enfadonho, que mortifica, cansa, aliena,
gure um trabalho material, em que o produto é sacrifica o ser humano, por ser alheio a si mes-
orientado pelo lucro e pelo consumo, tem de se mo, e satisfaz apenas, e às vezes precariamente,
adequar às orientações do mercado. a sua necessidade física, negando a sua sociabi-
Ao mesmo tempo em que reconhecemos que lidade e humanidade. Deste modo, o trabalha-
o sistema capitalista tem reflexos nos aspectos dor não se reconhece mais no outro indivíduo,
políticos, sociais, culturais e educacionais e, passando a vê-lo como um desafeto, um patrão.
portanto, no trabalho docente, percebemos que Na contramão, o indivíduo na sociedade co-
as características da alienação do trabalho do- munista será o homem pleno em sua totalida-
cente estão ficando cada vez mais explícitas. de, livre das alienações e mutilações impostas
O indivíduo, na qualidade ser histórico e so- pela divisão do trabalho reinante na sociedade
cial, nasce num meio determinado, portanto, burguesa e apto a realizar as suas múltiplas po-
sua estrutura, sua consciência, é determinada
tencialidades. O homem será capaz de transitar
pela sua vida. Destarte, o modo de organização
livremente de uma tarefa para outra; de exercer,
e produção deste sistema reflete e é refletido na
sem coações, as tarefas do trabalho manual e
vida dos trabalhadores como um todo. No âm-
intelectual, da docência, da gestão escolar, de
bito escolar, o trabalho perpassa todas as ações
ser pescador, artista, pintor, marceneiro, poeta e
educativas, seja do docente, do discente, do ges-
tor, do pessoal de apoio escolar, entre outros. crítico (MARX e ENGELS: 2002).
O trabalhador docente hoje se encontra num Enfim, tendo tecido algumas reflexões rela-
processo avançado de estranhamento, de aliena- cionando às quatro etapas do trabalho alienado
ção quanto ao seu trabalho, seja na dimensão do ao trabalho docente do professor, e cientes de que
produto, do processo de trabalho, de si mesmo os indivíduos são tais como manifestam sua vida,
e do outro, como ser genérico. Ele se encontra tanto com o que produzem quanto com o modo
alienado na sua relação com o conhecimento como produzem, apontamos a necessidade pre-
por ele participado na aprendizagem e no tra- mente de revolucionar a organização do trabalho
balho controlado externamente, por intermédio na escola e do trabalho docente em busca do esta-
da perda do poder de decisão dos meios, do ob- belecimento de uma nova sociabilidade pautada
jeto e do processo em si. Conseqüentemente, o na dignidade humana, portanto, desalienada.

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Jeannette Filomeno Pouchain Ramos, Samara Almeida Chaves, José Gilberto Biserra Maia

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