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1. Notas introdutórias
1
Ricardo Luiz Nicoli é juiz de direito, Especialista e Mestre em Poder Judiciário pela FGV/RJ.
2
Este trabalho foi elaborado a partir da minha dissertação de mestrado, intitulada Audiência única e a
duração razoável do processo.
3
O termo ideologia, de acordo com Noberto Bobbio, tem uma gama de significados diferentes e o seu
múltiplo uso pode produzir dois tipos gerais de significados, sendo um significado fraco e outro
significado forte. “No seu significado fraco, Ideologia designa o genus, ou a species diversamente
definida, dos sistemas de crenças políticas: um conjunto de idéias e de valores respeitantes à ordem
pública e tendo como função orientar os comportamentos políticos coletivos. O significado forte tem
origem no conceito de Ideologia de Marx, entendido como falsa consciência das relações de domínio
entre as classes, e se diferencia claramente do primeiro porque mantém, no próprio centro, diversamente
modificada, corrigida ou alterada pelos vários autores, na noção de falsidade: a Ideologia é uma crença
falsa. No significado fraco, Ideologia é um conceito neutro, que prescinde do caráter eventual e
mistificante das crenças políticas. No significado forte, Ideologia é um conceito negativo que denota
precisamente o caráter mistificante de falsa consciência de uma crença política.” In: BOBBIO, Noberto;
MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Trad. Carmem C. Varriale [et
al]. Brasília: Editora Universidade de Brasília, São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 12ª ed., 2002, Vol.
1, p. 585. Ver também CHAUI, Marilena de Souza. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 2003.
4
CARNEIRO, Paulo César Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública: uma
nova sistematização da teoria geral do processo. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 3. FERRAZ, Leslie
Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise empírica. 235 f. Tese
(Doutorado em Direito Processual) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo,
2008, p.69; BEZERRA, Paulo Cezar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da
realização do direito. 2ª ed. Revista. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 126; CICHOCKI NETO, José.
Limitações ao acesso à justiça. Curitiba: Juruá, 2008, p. 57.
2
5
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988; GOMES NETO, José Mário Wanderley. O acesso à Justiça em Mauro
Cappelletti: análise teórica desta concepção como “movimento” de transformação das estruturas do
processo civil brasileiro. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Ed., 2005, p. 20; MARQUES, Alberto
Carneiro. Perspectivas do processo coletivo no movimento de universalização do acesso à justiça.
Curitiba: Juruá, 2007, p. 15-16; FONTAINHA, Fernando de Castro. Acesso à Justiça: da contribuição de
Mauro Cappelletti à realidade brasileira. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2009; JUNQUEIRA,
Eliane Botelho. Acesso à Justiça: um olhar retrospectivo. Revista de Estudos Históricos, nº 18, 1996, p.
1. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/201.pdf> Acesso em: 08 abr. 2009.
6
Professor de Direito na Universidade de Bloomington (USA).
7
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988.
8
Para um estudo aprofundado sobre o acesso à Justiça em diferentes períodos histórico ver: LIMA
FILHO, Francisco das C. Os movimentos de acesso à justiça nos diferentes períodos históricos.
Disponível em: <htpp://www.unigran.br/revistas/jurídica/ed_anteriores/04/_artigos/03.pdf>.
Acesso em: 14 abr. 2009; CARNEIRO, Paulo César Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis
e ação civil pública: uma nova sistematização da teoria geral do processo. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
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A doutrina classifica os direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira gerações, baseados na
ordem cronológica em que passaram a ser constitucionalmente reconhecidos. Os de primeira geração são
os direitos e garantias que dizem respeito às liberdades públicas e aos direitos políticos, surgidos
institucionalmente a partir da Magna Carta de 1215, assinada pelo rei João Sem Terra. Os de segunda
geração são os direitos sociais, econômicos e culturais, inspirados e impulsionados pela Revolução
Industrial europeia a partir do início do século XIX. Os direitos de terceira geração, chamados de direitos
de solidariedade ou fraternidade, que compreendem o direito a um meio ambiente ecologicamente
equilibrado, a uma saudável qualidade de vida, ao progresso, à paz, à autodeterminação dos povos e a
outros direitos difusos, como o direito dos consumidores. Fala-se, ainda, em direitos de quarta e quinta
gerações que decorreriam dos avanços no campo da engenharia genética (quarta) e os que envolveriam a
compaixão, o cuidado e o amor por todas as formas de vida (quinta). Porém, essas novas gerações de
direitos ainda não foram reconhecidas explicitamente no ordenamento jurídico e nem há consenso na
doutrina. Fontes: MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2005.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 11ª ed. São Paulo: Editora Método, 2007. p.
694-695. PAROSKI, Mauro Vasni. Direitos fundamentais e acesso à Justiça na Constituição. São
Paulo: Ltr, 2008. p. 113-122.
10
A doutrina também classifica como dimensões, pois entende que uma etapa complementa a outra.
Quando se fala em geração, pode-se passar a ideia de que uma etapa superou a outra.
3
preocupação com um acesso à justiça que não fosse apenas um mero acesso formal ao
Judiciário.11
No Estado Liberal12 nos séculos XVIII e XIX, sob influência da filosofia
individualista dos direitos, quando se acreditava que os prêmios e as vicissitudes de
cada um dependiam do seu único desempenho - reflexo da política do laissez faire13 - e
refletiam nos procedimentos judiciais utilizados para a resolução dos conflitos, o direito
ao acesso à justiça significava apenas um direito individual e formal de propor ou
contestar uma ação.14
Naquela época prevalecia a teoria de que o direito de acesso à justiça era um
direito natural, anterior ao próprio Estado, não necessitando de uma ação deste para sua
proteção, exigindo apenas que o Estado não permitisse a aplicação da vingança
privada.15 Não havia qualquer preocupação dos órgãos estatais em garantir aos cidadãos
a proteção dos seus direitos, desprezando, consequentemente, o direito do acesso à
justiça.16
Na prática, o acesso ao judiciário somente podia ser obtido por aqueles que
pudessem suportar os seus custos e suas delongas, ou seja, o acesso era formal, mas não
11
GOMES NETO, José Mário Wanderley. O acesso à Justiça em Mauro Cappelletti: análise teórica
desta concepção como “movimento” de transformação das estruturas do processo civil brasileiro. Porto
Alegre: Sérgio Antônio Fabris Ed., 2005, p. 11.
12
O Estado Liberal pode ser definido como uma das formas do Estado Moderno (o Estado Social é a
outra forma), que emergiu progressivamente deste o século XIV. No sentido jurídico o Estado Liberal é
uma fase ulterior do Estado Moderno, a do “Estado de direito, fundado sobre a liberdade política (não
apenas privada) e sobre a igualdade de participação (e não apenas pré-estatal) dos cidadãos (não mais
súditos) frente ao poder, mas gerenciado pela burguesia como classes dominantes, com os instrumentos
científicos fornecidos pelo direito e pela economia na idade triunfal da Revolução Industrial” In:
BOBBIO, Noberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Trad.
Carmem C. Varriale [et al]. Brasília: Editora Universidade de Brasília, São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado, 12ª ed., 2002, Vol. 1, p. 425-431. Para uma melhor compreensão sobre o Estado Liberal e o
Estado Social, ver BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. Rio de Janeiro. Fundação
Getúlio Vargas, 1972.
13
Laissez Faire (deixar fazer), “Palavra de ordem do liberalismo econômico, proclamando a mais
absoluta liberdade de produção e comercialização de mercadorias. O lema foi cunhado pelos fisiocratas
franceses no século XVIII, mas a política do laissez-faire foi praticada e defendida de modo radical pela
Inglaterra, que estava na vanguarda da produção industrial e necessitava de mercados para seus produtos.
Essa política opunha-se radicalmente às práticas corporativistas e mercantilistas, que impediam a
produção em larga escala e resguardavam os domínios coloniais. Com o desenvolvimento da produção
capitalista, o laissez-faire evoluiu para o liberalismo econômico, que condenava toda intervenção do
Estado na economia.” In: SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia do século XXI. Rio de Janeiro:
Record, 2005, p. 465.
14
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 9.
15
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 9.
16
PEREIRA, Guilherme Bollorini. Juizados Especiais Federais Cíveis. Questões de processo e de
procedimento no contexto do acesso à justiça. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004, p.16.
4
17
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 9-11.
18
O Estado Social é uma das formas do Estado Moderno, sendo caracterizado como uma resposta direta
às necessidades das classes subalternas emergentes que não eram atendidas pelo Estado Liberal,
obrigando uma intervenção cada vez mais forte do Estado nos campos econômicos e social com o
objetivo de proporcionar aos cidadãos padrões de vida mínimos. Fontes: BOBBIO, Noberto;
MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Trad. Carmem C. Varriale [et
al]. Brasília: Editora Universidade de Brasília, São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 12ª ed., 2002, Vol.
1, p. 429-430; SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia do século XXI. Rio de Janeiro: Record,
2005, p. 313.
19
Norberto Bobbio diz que o Marxismo é um “conjunto das idéias, dos conceitos, das teses, das teorias,
das propostas de metodologia científica e de estratégia política e, em geral, a concepção de mundo, da
vida social e política, consideradas como um corpo homogêneo de proposições até constituir uma
verdadeira e autêntica ‘doutrina’, que se podem deduzir das obras de Karl Marx e de Friedrich Engels.”
BOBBIO, Noberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Trad.
Carmem C. Varriale [et al]. Brasília: Editora Universidade de Brasília, São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado, 12ª ed., 2002, Vol. 1, p. 738. Paulo Sandroni, pela ótica econômica, definiu o Marxismo como
uma “fundamentação ideológica do moderno comunismo. Abrange uma filosofia e uma sociologia.
Mudou os rumos da economia política, principalmente com a obra O Capital, de Marx, que expõe a teoria
da mais valia e considera o capitalismo um modo de produção transitório, sujeito a crises econômicas
cíclicas, e que, por efeito do agravamento de suas contradições internas, deverá ceder o lugar ao modo de
produção socialista, mediante a prática revolucionária. A teoria política marxista, chamada de socialismo
científico, considera que a luta de classes é o motor da história e que o Estado é sempre um órgão a
serviço da classe dominante, cabendo à classe operária, como classe revolucionária de vanguarda, lutar
pela conquista do Estado da ditadura do proletariado.” In: SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia
do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 518.
20
O liberalismo econômico foi definido e estruturado pela doutrina de pensadores como François
Quesnay, John Stuart Mill, Adam Smith, David Ricard, Thomas Malthus, J.B. Say e F. Bastiat, que
consideravam que a economia, da mesma forma que a natureza física, é regida por leis naturais,
universais e imutáveis, cabendo ao indivíduo apenas descobri-las para melhor atuar de acordo com essa
ordem natural. Dessa forma, os comerciantes estariam livres da intervenção do Estado e da pressão de
grupos sociais e poderiam alcançar naturalmente o máximo de lucro com o mínimo de esforço. Essa
doutrina aplicou os princípios do laissez-faire no comércio internacional, ou seja, o livre comércio entre
as nações, condenando as práticas mercantilistas, as barreiras alfandegárias e protecionistas. Porém, com
o desenvolvimento do capitalismo e a formação de monopólios no final do século XIX, que geraram
concentração de renda e propriedade, seus princípios entraram em contradição, sendo necessária a
intervenção do Estado para a racionalização e a evolução da economia. Fonte: SANDRONI, Paulo.
Dicionário de Economia do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 486-487.
21
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 11-12.
22
PEREIRA, Guilherme Bollorini. Juizados Especiais Federais Cíveis. Questões de processo e de
procedimento no contexto do acesso à justiça. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004, p.16
5
23
ANNONI, Daniele. Direitos humanos & acesso à justiça no direito internacional. Curitiba: Juruá,
2008, p. 113.
24
JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Acesso à Justiça: um olhar retrospectivo. Revista de Estudos
Históricos, nº 18, 1996. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/201.pdf> Acesso em: 08
abr. 2009.
25
Para Eliane Junqueira o movimento de acesso à justiça (acess-to-justice movement) ocorrido nos
“países centrais” deu-se em razão da “expansão do welfare state e a necessidade de se tornarem efetivos
os novos direitos conquistados principalmente a partir dos anos 60 pelas ‘minorias’ étnicas e sexuais”,
enquanto no Brasil ele ocorreu em função da “necessidade de se expandirem para o conjunto da
população direitos básicos aos quais a maioria não tinha acesso tanto em função da tradição liberal-
individualista do ordenamento jurídico brasileiro, como em razão da histórica marginalização sócio-
econômica dos setores subalternizados e da exclusão político-jurídica provocada pelo regime pós 64.” In:
JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Acesso à Justiça: um olhar retrospectivo. Revista de Estudos Históricos,
nº 18, 1996, p.1 Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/201.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2009.
26
Na definição de Cappelletti, “Primeiro, o sistema deve ser acessível a todos; segundo, ele deve produzir
resultados que sejam individual e socialmente justos.” In: CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan.
Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 8-9.
27
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 15.
28
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 15-18.
29
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 17.
6
30
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 20.
31
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 21.
32
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 23-24.
33
A distinção entre litigantes habituais e eventuais está baseada na “frequência de encontros com o
sistema judicial,” ou seja, aquele que frequentemente está demandando com alguém na Justiça e aquele
que nunca ou poucas vezes esteve em juízo. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH Bryan. Acesso à justiça.
Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 25.
34
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 25-26.
35
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 26-28.
7
sequência mais ou menos cronológica, e foi estruturada por Cappelletti e Garth em três
etapas, denominadas “ondas renovatórias”.
A primeira “onda” concentrou-se no objetivo de proporcionar assistência
jurídica gratuita para os pobres, em decorrência da constatação de que os custos com
advogados são uma barreira para o acesso à justiça.
De acordo com as pesquisas do Projeto Florença, apesar de reconhecer o
direito de acesso à justiça, os países ocidentais prestavam os serviços de assistência
judiciária de forma inadequada, geralmente por advogados particulares, sem qualquer
contraprestação, o que, em uma economia de mercado, limitava o trabalho dos bons
advogados que tendiam a dispensar mais tempo para seus trabalhos remunerados.36
A partir do início do século XX começou um programa de reformulação do
sistema de assistência judiciária pelos países ocidentais, “de modo a remunerar os
advogados mais adequadamente.”37
Na segunda “onda”, para tornar efetivo o acesso à justiça, Cappelletti e
Garth destacam o problema da representação dos interesses difusos e coletivos, que não
tinham proteção na concepção tradicional do processo civil, por ser vista apenas como
uma questão a ser resolvida entre duas partes e com interesses individuais.38
A terceira “onda” é uma concepção mais ampla de acesso à justiça,
considerando as outras “ondas” como complementares de uma série de proposições para
melhorar o acesso,39 com atuação nas instituições, pessoas e procedimentos para
processar e mesmo prevenir litígios, o que Cappelletti e Garth denominam de “um novo
enfoque de acesso à justiça”.
A primeira dessas proposições apresentadas são as alterações nos
procedimentos judiciais, com melhoria e modernização tornando-os mais acessíveis e
adequados para a resolução dos conflitos, tudo em busca da efetividade do processo.
Outras proposições seriam a mudança na estrutura judicial, com a criação de
outros tribunais e o uso de pessoas leigas ou paraprofissionais no Judiciário e nas
36
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 31-32.
37
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 32-47.
38
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 49-50.
39
PEREIRA, Guilherme Bollorini. Juizados Especiais Federais Cíveis.Questões de processo e de
procedimento no contexto do acesso à justiça. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004, p. 26.
8
40
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 67-90.
41
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 75-159.
42
A doutrina fala no surgimento de uma quarta onda no movimento de acesso à justiça, que surge a partir
da verificação de que a formação e a atuação adequada dos operadores do direito é condição para a
mudança do sistema de justiça e para o acesso à justiça. A tese é defendida por Kim Economides,
professor do Departamento de Direito, da Universidade de Exeter, Inglaterra, que trabalhou junto com
Mauro Cappelletti no Projeto Florença. Para o mencionado professor, essa quarta onda deve direcionar a
atenção sobre o “acesso dos cidadãos ao ensino do direito e ao ingresso nas profissões jurídicas” e “uma
vez qualificados, o acesso dos operadores do direito à justiça. Tendo vencido as barreiras para admissão
aos tribunais e as carreiras jurídicas, como o cidadão pode se assegurar de que tanto juízes quanto
advogados estejam equipados para fazer ‘justiça’.” ECONOMIDES, Kim. Lendo as ondas do
“Movimento de Acesso à Justiça”: epistemologia versus metodologia? In: Dulce Pandolfi... [et al]. (orgs).
Cidadania, justiça e violência. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999, p. 61-76. Disponível
em: <http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/39.pdf>. Acesso em 03 fev. 2010.
9
43
JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Acesso à Justiça: um olhar retrospectivo. Revista de Estudos
Históricos, nº 18, 1996, p.2. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/201.pdf>. Acesso em:
08 abr. 2009.
44
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 56.
45
GOMES NETO, José Mário Wanderley. O acesso à Justiça em Mauro Cappelletti: análise teórica
desta concepção como “movimento” de transformação das estruturas do processo civil brasileiro. Porto
Alegre: Sérgio Antônio Fabris Ed., 2005, p. 64.
46
Art. 2º, parágrafo único, Lei nº 1.060/50.
10
47
Art. 3º, Lei nº 1.060/50.
48
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado – 11ª ed. São Paulo: Editora Método, 2007,
p.611.
49
Art. 5º inciso LXXIV da CF/88: O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que
comprovarem insuficiência de recursos.
50
Para maiores informações sobre o tema ver também: ALVES, Cleber Francisco. Justiça para todos!
Assistência jurídica gratuita nos Estados Unidos, na França e no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Lumen
Juris, 2006, p. 262; GOMES NETO, José Mário Wanderley. O acesso à Justiça em Mauro Cappelletti:
análise teórica desta concepção como “movimento” de transformação das estruturas do processo civil
brasileiro. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Ed., 2005, p. 75; BARBOSA MOREIRA, J.C. O direito à
assistência jurídica: evolução no ordenamento brasileiro de nosso tempo, RePro 67/130, apud LENZA,
Pedro. Direito Constitucional Esquematizado – 11ª ed. São Paulo: Editora Método, 2007, p.612.
51
Art. 134 da CR/88.
11
52
SOUSA, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2ª
ed., 2008, p. 47-48. O autor destaca o seguinte diagnóstico de estudo sobre a Defensoria Pública no
Brasil: “1. A estrutura da Defensoria Pública da União é pequena - até maio de 2004, haviam sido criados
111 cargos de defensores públicos da União para todo o país. A Defensoria Pública da União esta a ser
implantada lentamente de tal modo que seu número de membros é muito baixo em relação ao quadro da
defensoria estadual. De acordo com o ‘Pacto de Estado em Favor do Judiciário’, no plano federal, o
número de defensores não chega a 10% do número de unidades jurisdicionais a serem atendidas, daí que
uma das metas do pacto seja superar o descompasso entre as Defensorias Públicas da União e dos
Estados. 2. Os quadros das defensorias públicas estaduais também são reduzidos em relação às
necessidades de uma sociedade como a brasileira. A cobertura do serviço é baixa - 996 comarcas têm
serviços de Defensoria Pública, o que corresponde a 39,7% do total de comarcas existentes no país.
Apenas em 6 unidades da Federação todas as comarcas são cobertas pelos serviços prestados pela
Defensoria Pública. Acresce que os serviços da defensoria são, em regra, menos abrangentes nas unidades
da Federação com os piores indicadores sociais. Por fim, nas defensorias dos estados e do Distrito
Federal, há em média um defensor público para cada 83.222 destinatários potenciais de seus serviços.
Como parece óbvio, essas deficiências acabam por resultar na prestação de uma assistência jurídica e
judicial selectiva.” [...]. Para saber o resultado completo do referido estudo, ver: II Diagnóstico da
Defensoria Pública no Brasil. Disponível em <http://www.mj.gov.br> Acesso em: 16 abr. 2009.
53
Sobre o tema consultar: SILVA, Luiz Marlo de Barros. O acesso ilimitado à justiça através do
estágio nas faculdades de direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
54
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 49.
12
titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por
uma relação jurídica base”; e os direitos individuais homogêneos, assim entendidos os
decorrentes de origem comum.55
Essa segunda “onda” provocou uma mudança substancial no sistema
processual, de tradição individualista e liberal, que antes era utilizado para solucionar
conflitos individuais, entre duas partes, e passou a buscar mecanismos e institutos para
efetivação dos direitos sociais, de interesses comuns.
Como já referido anteriormente e mencionado no trabalho de Cappelletti e
Garth, o Brasil criou a Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965, denominada Lei da Ação
Popular, que possibilitou a qualquer cidadão pleitear a anulação ou declaração de
nulidade de atos lesivos ao interesse público de valor econômico, artístico, estético,
histórico ou turístico.
Para José Mário Wanderley Gomes Neto56 o grande indicativo dessas
mudanças foi a alteração de conteúdo experimentada pelo instituto da legitimidade ad
causam,57 com a expansão conceitual da substituição processual.58
No Brasil, o marco dessa segunda “onda”, muito embora houvesse outras
leis específicas para a defesa de determinados direitos metaindividuais,59 foi a edição da
Lei nº 7.347 de 24 de julho de 1985, conhecida por Lei da Ação Civil Pública, que
disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-
ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico
e paisagístico.
A referida lei, que tem sua matriz na class action60 americana, atribuiu
legitimidade para propor ação ao Ministério Público, à Defensoria Pública,61 à União,
aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios; autarquia, empresa pública, fundação
55
Art. 81, parágrafo único, incisos I, II e III, da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor).
56
GOMES NETO, José Mário Wanderley. O acesso à Justiça em Mauro Cappelletti: análise teórica
desta concepção como “movimento” de transformação das estruturas do processo civil brasileiro. Porto
Alegre: Sérgio Antônio Fabris Ed., 2005, p. 83.
57
Legitimatio ad causam: “Legitimação para a causa que é uma das condições da ação, consistente na
pertinência subjetiva da ação, pois esta só pode ser proposta por quem tiver a titularidade do interesse
subordinante, ou prevalente, da pretensão, em face daquele cujo interesse, de consequência, esteja
subordinado ao do autor (Alfredo Buzaid). Trata-se, como diz José Frederico Marques, da legitimação
para agir judicialmente como autor ou réu, ou melhor, da titularidade do direito de ação.” In: DINIZ,
Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 2ª ed., 2005, vol. 3, p. 89.
58
Substituição processual é o “ato pelo qual uma pessoa, nas hipóteses admitidas legalmente, litiga em
juízo em nome próprio em defesa de direito alheio”. (Waldemar Mariz de Oliveira) In: DINIZ, Maria
Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 2ª ed., 2005, vol. 4, p. 545.
59
Lei nº 4.717/65 da Ação Popular; Lei nº 6.938/81 do Meio Ambiente.
60
“Class Action: Ação Coletiva. Nos EUA, é a prática processual que consiste em agrupar grande número
de pessoas que têm o mesmo interesse no litígio, para ingressarem em juízo com uma só ação coletiva,
permitindo o acesso a litigante economicamente fraco e o desafogamento do Judiciário.” In: DINIZ,
Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 2ª ed., 2005, vol. 1, p. 709.
61
Incluída pela Lei nº 11.448, de 15 de Janeiro de 2007.
13
62
Art. 5º da Lei nº 7.347/85.
63
Para Nelson Nery Júnior, a redação dada pela Lei nº 9.494/97 é inconstitucional e ineficaz.
“Inconstitucional por ferir os princípios do direito de ação (CF 5º, XXXV), da razoabilidade e da
proporcionalidade e porque o Presidente da República a editou, por meio de medida provisória, sem que
houvesse autorização constitucional para tanto, pois não havia urgência (o texto anterior vigorava há doze
anos, sem oposição ou impugnação), nem relevância, requisitos exigidos pela CF 62 caput para que o
Presidente da República possa, em caráter absolutamente excepcional, legislar por MedProv. Ineficaz
porque a alteração ficou capenga, já que incide o CDC 103 nas ações coletivas ajuizadas com fundamento
na LACP, por força do LACP 21 e CDC 90. Para que tivesse eficácia, deveria ter havido alteração da
LACP 16 e do CDC 103. De conseqüência, não há limitação territorial para a eficácia erga omnes da
decisão proferida em ação coletiva, quer esteja fundada na LACP, quer no CDC.” In: NERY JÚNIOR,
Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado: e legislação
extravagante. São Paulo: Editora dos Tribunais, 7ª ed., rev. e ampl., 2003, p. 1349; No mesmo sentido:
MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 5ª ed. rev. atual. e ampl., 2006, p. 746, nota 7 e 748-749;
GRINOVER, Ada Pellegrini...[et al]. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 848-851.
64
Art. 5º, inciso LXX, CR/88.
65
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas – 17ª ed., 2005, p. 147.
66
Art. 5º, inciso LXXI, CR/88.
14
segurança, o mandado de injunção poderá ser coletivo, sendo legitimadas, por analogia,
as associações de classe devidamente constituídas, conforme já reconheceu o Supremo
Tribunal Federal.67
Na década de 90 ainda surgiram o Estatuto da Criança e do Adolescente68 e
o Código de Defesa do Consumidor,69que também objetivam a proteção judicial dos
interesses individuais, difusos e coletivos.
Essas inovações legislativas destacam-se por propiciar outras alternativas às
instituições públicas tradicionais na defesa dos direitos e interesses metaindividuais,
principalmente com a legitimação de associações, sindicatos, partidos políticos ou
grupos privados.70
Todavia, Cappelletti e Garth advertem sobre a necessidade de fortalecer
esses grupos privados para a defesa dos seus interesses difusos, já que, ao contrário dos
sindicatos de trabalhadores que são geralmente bem organizados, estruturados e
dispõem de know how na defesa dos direitos coletivos de seus associados, outras
organizações privadas ainda não conseguiram tais condições, inviabilizando uma
representação judicial adequada.71
Essas deficiências podem levar as associações a exercerem de forma muito
precária suas funções na defesa judicial de seus filiados, ou mesmo uma sobrecarga de
trabalho dos membros do Ministério Público.72
Pesquisas realizadas até o ano de 1996 por pesquisadores da Universidade
Estadual do Rio de Janeiro - UERJ -, com o objetivo de saber se a lei que regulou a ação
civil pública estava atendendo às expectativas, apresentadas na obra do professor Paulo
Cezar Pinheiro Carneiro,73 indicam que 60,92% das ações civis públicas protocoladas
67
STF - Ementa: Constitucional. Mandado de Injunção Coletivo. Sindicato: Legitimidade Ativa.
Participação nos lucros: C.F., art. 7º, XI. I. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite
legitimidade ativa ad causam aos sindicatos para a instauração, em favor de seus membros ou associados,
do mandado de injunção coletivo. II. - Precedentes: MMII 20, 73, 342, 361 e 363. III. - Participação nos
lucros da empresa: C.F., art . 7º, XI: mandado de injunção prejudicado em face da superveniência de
medida provisória disciplinando o art. 7º, XI, da C.F. MI 102 / PE Relator: Min. MARCO AURÉLIO.
Relator p/ Acórdão: Min. CARLOS VELLOSO Julgamento: 12/02/1998. Órgão Julgador: Tribunal
Pleno. Publicação DJ 25-10-2002 PP-00025.
68
Lei nº 8.069/90.
69
Lei nº 8.078/90.
70
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 59.
71
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 59.
72
GOMES NETO, José Mário Wanderley. O acesso à Justiça em Mauro Cappelletti: análise teórica
desta concepção como “movimento” de transformação das estruturas do processo civil brasileiro. Porto
Alegre: Sérgio Antônio Fabris Ed., 2005, p. 91.
73
CARNEIRO, Paulo César Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública:
uma nova sistematização da teoria geral do processo. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 205-210.
15
2.3 A terceira onda: uma concepção mais ampla, um novo enfoque de acesso à
justiça
74
CARNEIRO, Paulo César Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública:
uma nova sistematização da teoria geral do processo. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 211-212.
75
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 67.
76
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 67.
16
para defesa efetiva dos direitos sociais, adaptando o processo ao tipo de litígio, já que o
processo tradicional pode não ser o melhor caminho.77
Outra mudança necessária é a alteração na estrutura organizacional do Poder
Judiciário, com a criação de outras arenas judiciais e utilização de métodos alternativos
de resolução de conflitos.78
No Brasil, destacam-se a criação dos Juizados de Pequenas Causas, em
1984,79 inspirados nas Small Claims Court80 da cidade de Nova Iorque, e que
posteriormente, com a promulgação da Constituição da República de 1988,81 passaram a
fazer parte da estrutura do Poder Judiciário e foram denominados Juizados Especiais,
disciplinados pela Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.
Cappelletti e Garth afirmam que os Juizados Especiais de certa forma
resumem o movimento de acesso à justiça, porquanto atendem ao desafio de criar
órgãos eficazes, informais, acessíveis e de baixo custo para a defesa dos direitos do
cidadão comum, principalmente em confronto com adversários poderosos e
experientes.82
Os Juizados Especiais por sua própria natureza já são especializados,
salientam Cappelletti e Garth, “uma vez que lidam com uma parcela relativamente
estreita no que diz respeito à legitimidade e à matéria”.83
Ainda podemos mencionar a Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, que
dispõe sobre a arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais
disponíveis e está dentro das reformas e alterações previstas nessa terceira “onda”.
Atualmente tramita no Congresso Nacional projeto de lei para instituir a mediação
judicial e extrajudicial.84
Com a Emenda Constitucional nº 45 – conhecida por Reforma do Judiciário
- de 8 de dezembro de 2004, foi permitida a descentralização das atividades dos
77
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 69-71.
78
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 69-73.
79
Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984.
80
CARNEIRO, João Geraldo Piquet. Análise da estruturação e do funcionamento do Juizado de Pequenas
Causas da cidade de Nova Iorque. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas
Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 23-36.
81
Art. 98, inciso I, CR/88.
82
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 113.
83
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 113.
84
Projeto de Lei nº 4827/1998 (Câmara dos Deputados) e Projeto de Lei nº 94/2002 (Senado Federal).
17
85
Art. 125, § 6º da CR/88.
86
Arts. 107, §, 2º, 115, § 1ºe 125, § 7º da CR/88.
87
Lei nº 9.099/95, art. 94 - “Os serviços de cartório poderão ser prestados, e as audiências realizadas fora
da sede da Comarca, em bairros ou cidades a ela pertencentes, ocupando instalações de prédios públicos,
de acordo com audiências previamente anunciadas.”
88
AZKOUL, Marco Antônio. Justiça Itinerante. 215 f. Tese (Doutorado em Direito Constitucional) -
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP, 2006, p. 124. Disponível em:
<http://www.sapientia.pucsp.br//tde_busca/arquivo.php?codArquivo=2326>. Acesso em: 02 mai. 2009.
89
ANNONI, Daniele. O Direito Humano de Acesso à Justiça no Brasil. Porto Alegre: Sérgio Antônio
Fabris Editor, 2008, p. 154.
90
BARBOSA, Rui. A Constituição e os actos inconstitucionaes do Congresso e do Executivo ante a
justiça federal. Rio de Janeiro: Companhia Impressora, 1893, p. 187. BDJur, Brasília, DF. Disponível
em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/handle/2011/21512>. Acesso em: 21 dez. 2009.
91
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 28.
92
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 28.
18
93
LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. São Paulo: Editora Método, 2007, p. 695.
94
CICHOCKI NETO, José. Limitações ao acesso à justiça. Curitiba: Juruá, 2008, p. 188.
95
ANNONI, Daniele. O Direito Humano de Acesso à Justiça no Brasil. Porto Alegre: Sérgio Antônio
Fabris Editor, 2008, p. 36; BEZERRA, Paulo Cezar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social
no plano da realização do direito. 2ª ed. Revista. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 116.
96
Existem outras expressões com significados semelhantes, como direitos humanos fundamentais,
direitos do homem, direitos subjetivos públicos, liberdades públicas, direitos morais, direitos do cidadão,
etc. No entanto, por entender que essas expressões são apenas variações terminológicas derivadas das
expressões apresentadas, estando já abrangidas pelas suas conceituações, fiz a opção de trazer os
conceitos de apenas das três expressões mais comuns.
97
Para um estudo mais detalhado sobre os temas ver: ANNONI, Daniele. O Direito Humano de Acesso
à Justiça no Brasil. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2008, p. 30-38; BEZERRA, Paulo Cezar
Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da realização do direito. 2ª ed. Revista. Rio
de Janeiro: Renovar, 2008, p. 113-126. DORNELLES, João Ricardo W. O que são Direitos Humanos.
São Paulo: Brasiliense, 2006; COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos
humanos. São Paulo: Saraiva, 2ª ed. 2001; BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos
Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004; SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos
fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 5ª ed., 2005; VIEIRA, Oscar Vilhena. Direitos
Fundamentais: uma leitura da jurisprudência do STF. São Paulo: Malheiros, 2006.
19
[...] apontando para todos os direitos do ser humano, quer tenham sido
eles positivados ou não. Em regra, guarda relação com o Direito
Internacional, por referir-se às posições jurídicas que reconhecem o ser
humano como sujeito de direitos, de direitos humanos, sem sua
vinculação com o reconhecimento desses mesmos direitos pela ordem
constitucional ou infraconstitucional de determinado Estado. Aspiram,
pois, a uma validade universal, para todos os povos e tempos.100
98
BEZERRA, Paulo Cezar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da realização do
direito. 2ª ed. Revista. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 116.
99
Para maiores detalhes ver BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson
Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 21-82.
100
ANNONI, Daniele. O Direito Humano de Acesso à Justiça no Brasil. Porto Alegre: Sérgio Antônio
Fabris Editor, 2008, p. 36.
101
ANNONI, Daniele. O Direito Humano de Acesso à Justiça no Brasil. Porto Alegre: Sérgio Antônio
Fabris Editor, 2008, p. 34-35.
102 Declaração de Direitos de Virgínia (1776); Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (1789);
Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU, 1948); Declaração Americana dos Direitos e
Deveres do Homem (OEA, 1948); Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto
de San José da Costa Rica, etc.
103
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ementa: "Habeas corpus" – Prisão civil – Depositário Judicial -
A Questão da infidelidade depositária – Convenção Americana de Direitos Humanos (Artigo 7º, nº 7) –
Hierarquia constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos – Pedido deferido.
Ilegitimidade jurídica da decretação da prisão civil do depositário infiel. HC 90450 / MG - Minas Gerais -
Habeas Corpus: Relator(a): Min. CELSO DE MELLO - Julgamento: 23/09/2008. Órgão Julgador:
Segunda Turma – Publicação: NDJe-025 Divulg 05-02-2009 Public 06-02-2009. Ement Vol-02347-02
PP-00354. Disponível em: <http://www.stf.jus.br.>. Acesso em: 05 mai. 2009.
20
104
ANNONI, Daniele. O Direito Humano de Acesso à Justiça no Brasil. Porto Alegre: Sérgio Antônio
Fabris Editor, 2008, p. 36.
105
BEZERRA, Paulo Cezar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da realização do
direito. 2ª ed. Revista. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 120.
106
BEZERRA, Paulo Cezar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da realização do
direito. 2ª ed. Revista. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 122.
21
civilizações demonstra a sua busca pela justiça107. A luta pela justiça é inerente à
natureza humana. Logo, o direito de acesso à justiça é um direito natural.108
Nesse sentido, posiciona-se Paulo Cezar Santos Bezerra,109 afirmando que:
Por outro lado, o direito de acesso à justiça é um direito formal que garante
a qualquer pessoa propor e contestar uma ação. É um direito que nasce junto com o
Estado. Ele está efetivado pela Constituição e pela legislação infraconstitucional.
Assim, nesse sentido, o acesso à justiça é um direito fundamental.110
Na verdade, os direitos somente se realizam se for possível reclamá-los
perante os tribunais, ou seja, “o direito de acesso à justiça é o direito sem o qual nenhum
dos demais se concretiza. Assim, a questão do acesso à justiça é primordial para a
efetivação de todos os direitos.”111
Com isso, o direito de acesso à justiça passou a ser reconhecido como um
dos direito mais fundamentais do homem,112 no sentido de que torna possível a
materialização de qualquer outro direito,113 pois a incapacidade do Estado de garantir
sua efetivação, pela ausência de mecanismos de materialização dos direitos
reconhecidos, corresponde à negação do próprio Estado e principalmente da
democracia.114
107
A história da civilização contada pela doutrina cristã relata que Deus fez justiça ao aplicar uma pena
em Caim por ter matado seu irmão Abel. Fonte: Bíblia Sagrada, Gênesis 5, 9.
108
BEZERRA, Paulo Cezar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da realização do
direito. 2ª ed. Revista. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 122.
109
BEZERRA, Paulo Cezar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da realização do
direito. 2ª ed. Revista. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 122.
110
BEZERRA, Paulo Cezar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da realização do
direito. – 2ª ed. Revista. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 122.
111
SADEK, Maria Tereza A. Efetividade de direitos e acesso à Justiça. In: Reforma do judiciário.
BOTTINI Pierpaolo, RENAULT, Sérgio Rabello Tamm (Coords). São Paulo: Saraiva, 2005, p. 274.
112
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 12.
113
SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução à sociologia da administração da justiça. In: FARIA, José
Eduardo (org.) Direito e Justiça: A função social do judiciário. São Paulo: Editora Ática, 1989, p. 45.
114
ANNONI, Daniele. Direitos humanos & acesso à justiça no direito internacional. Curitiba: Juruá,
2003, p. 114.
22
Parece acertada a conclusão dos autores, pois como os direitos humanos são
um princípio geral do Direito Internacional e estão codificados em vários tratados e
declarações internacionais que expressamente tratam do acesso à justiça (ver item 1.4),
este também é considerado um direito humano.
Em reforço, Ronnie Preuss Duarte, com apoio no ordenamento jurídico
Português, sustenta que a base fundamental do direito de acesso à justiça é o princípio
da dignidade da pessoa humana (elemento essencial dos direitos humanos), já que este
princípio somente pode ser protegido e garantido enquanto for assegurada ao cidadão a
possibilidade de recorrer ao Poder Judiciário para tutelar seus direitos, principalmente
aqueles que gozam de dignidade constitucional.
115
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 11-12.
116
DUARTE, Ronnie Preuss. Garantia de acesso à justiça: os direitos processuais fundamentais.
Coimbra. Portugal: Coimbra Editora, 2007, p. 83-87.
23
117
ANNONI, Danielle. O direito humano de acesso à justiça no Brasil. Porto Alegre: Sérgio Antônio
Fabris Editor, 2008, p. 93.
118
Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/textos/integra.htm> . Acesso em: 06 mai.
2009.
119
Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/textos/integra.htm> . Acesso em: 06 mai.
2009.
120
DUARTE, Ronnie Preuss. Garantia de acesso à justiça: os direitos processuais fundamentais.
Coimbra, Portugal: Coimbra Editora, 2007, p. 59.
24
121
DUDH significa Declaração Universal dos Direitos Humanos.
122
DUARTE, Ronnie Preuss. Garantia de acesso à justiça: os direitos processuais fundamentais.
Coimbra, Portugal: Coimbra Editora, 2007, p. 59-60.
123
ANNONI, Danielle. O direito humano de acesso à justiça no Brasil. Porto Alegre: Sérgio Antônio
Fabris Editor, 2008, p. 95.
124
Disponível em: <http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhregionais/conv-
tratados-04-11-950-ets-5.html> . Acesso em: 06 mai. 2009.
25
De acordo com esses dispositivos, qualquer pessoa tem direito de (i) acesso
aos tribunais; (ii) julgamento em prazo razoável; (iii) publicidade; (iv) juiz natural e
imparcial; (v) ampla defesa e (v) assistência jurídica gratuita para garantir acesso efetivo
à justiça.126
Além dos mencionados dispositivos, outros ainda informam o direito de
acesso à justiça, como por exemplo, o artigo 7º, princípio da legalidade; artigo 34º,
direito à petição individual; artigo 40º, direito à audiência pública e acesso aos
documentos; artigo 45º, direito à sentença fundamentada.127
Também sob a influência da Declaração Universal dos Direitos Humanos da
ONU, a Organização dos Estados Americanos - OEA -, em 1969, instituiu a Convenção
Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica.
Essa Convenção apresenta diversos dispositivos que indicam ser
constituidores de direitos e garantias que respaldam o acesso à justiça, como os que
garantem a qualquer pessoa impetrar habeas corpus, ainda que sem formação técnico-
jurídica (art. 7º, número 6); prestação jurisdicional em prazo razoável, e por juiz natural
125
Disponível em: <http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhregionais/conv-
tratados-04-11-950-ets-5.html> . Acesso em: 06 mai. 2009.
126
DUARTE, Ronnie Preuss. Garantia de acesso à justiça: os direitos processuais fundamentais.
Coimbra, Portugal: Coimbra Editora, 2007, p. 62.
127
Disponível em: <http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhregionais/conv-
tratados-04-11-950-ets-5.html> . Acesso em: 06 mai. 2009.
26
129
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: Texto constitucional promulgado em 5
de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais nºs 1/92 a 56/2007 e pelas
Emendas Constitucionais de Revisão nºs 1 a 6/94. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições
Técnicas, 2008.
130
Art. 5º, inciso XXXIV, letra “a”, CR/88.
131
CAPPELLETTI, Mauro; Garth, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 12.
132
WATANABE, Kazuo. Acesso à Justiça e sociedade moderna. In: PELLEGRINI, Ada Grinover;
DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo (coords.). Participação e Processo. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 1988, p. 128.
133
WATANABE, Kazuo. Acesso à Justiça e sociedade moderna. In: PELLEGRINI, Ada Grinover;
DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo (coords.). Participação e Processo. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 1988, p. 135.
28
Para efetivar esse direito, ensina Watanabe, é preciso uma nova postura
mental, devendo pensar a ordem jurídica e as instituições pela perspectiva do
destinatário da justiça, que é o povo, e não do Estado, de modo que o problema do
acesso traz à tona não apenas um programa de reforma, mas também um método de
pensamento.134
134
WATANABE, Kazuo. Acesso à Justiça e sociedade moderna. In: PELLEGRINI, Ada Grinover;
DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo (coords.). Participação e Processo. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 1988, p. 128.
135
WATANABE, Kazuo. Acesso à Justiça e sociedade moderna. In: PELLEGRINI, Ada Grinover;
DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo (coords.). Participação e Processo. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 1988, p. 128.
136
José Cichocki Neto identifica dois grandes polos problemáticos e limitadores ao acesso à Justiça: um
de natureza exoprocessual, referente a fatores sociais, políticos e econômicos, bem como ao método de
interpretação do direito e outro de natureza endoprocessual, constituído por limitações decorrentes da
instauração e desenvolvimento da própria relação processual. In: CICHOCKI NETO, José. Limitações ao
acesso à justiça. Curitiba: Juruá, 2008, p. 188.
137
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 15.
138
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 15.
139
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São
Paulo: Cortez, 1995, p. 168.
29
Essa situação é sentida com maior intensidade nas causas de pequeno valor,
chegando os custos a exceder o montante discutido no processo, tornando a demanda
uma futilidade.144
Esses obstáculos econômicos atingem mais os cidadãos com menos recursos
econômicos, já que são eles basicamente os autores das ações de menor valor e é nessas
ações que a justiça é proporcionalmente mais cara.145
Em decorrência desse conjunto de fatores - custo e tempo - o sistema
judicial passa a ser utilizado pelo demandante que não tem razão, o que é um
contrassenso.
Essa contradição pode gerar um efeito secundário, mas que tem impacto
direto no tempo de duração dos processos, pois ela fomenta a busca pelo judiciário não
para proteger um direito, mas para impedir a realização desse direito ou pelo menos
protelar o cumprimento de uma obrigação, provocando o aumento do número de ações
judiciais que consequentemente refletem na lentidão do Judiciário.
Nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni, “quanto maior for a demora do
processo, maior será o dano imposto ao autor e, por consequência, maior será o
benefício conferido ao réu”.146
Quanto aos obstáculos sociais e culturais, estes constituem um dos campos
de investigação da sociologia da administração da justiça. Boaventura de Sousa Santos
faz a seguinte observação:
143
Disponível em: <http://www.mj.gov.br>. Acesso em: 01 mai. 2009.
144
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 19.
145
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São
Paulo: Cortez, 1995, p. 168.
146
MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação de tutela. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 10ª
ed., 2008, p. 274.
31
147
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São
Paulo: Cortez, 1995, p. 169.
148
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 21.
149
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 22.
150
MARINONI. Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil: o acesso à justiça e os institutos
fundamentais do direito processual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 36.
32
para fazer objeção a esses contratos, mas até mesmo para perceber que
sejam passíveis de objeção.151
151
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 23
152
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São
Paulo: Cortez, 1995, p. 170.
153
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 25.
154
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 25.
33
155
MARINONI. Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil: o acesso à justiça e os institutos
fundamentais do direito processual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 38.
156
GOMES NETO, José Mário Wanderley; PORTO, Júlia Pinto Ferreira. Análise sociojurídica do acesso
à justiça: as implicações no pluralismo jurídico do acesso à ordem jurídica justa. In: GOMES NETO, José
Mário Wanderley (org.) Dimensões do acesso à justiça. Salvador/BA: Editora Juspodivm, 2008, p. 162.
157
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 26.
158
GOMES NETO, José Mário Wanderley; PORTO, Júlia Pinto Ferreira. Análise sociojurídica do acesso
à justiça: as implicações no pluralismo jurídico do acesso à ordem jurídica justa. In: GOMES NETO, José
Mário Wanderley (org.) Dimensões do acesso à justiça. Salvador/BA: Editora Juspodivm, 2008, p. 162.
159
MARINONI. Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil: o acesso à justiça e os institutos
fundamentais do direito processual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 39.
34
160
“...o sistema deve ser igualmente acessível a todos”. CAPPELLETTI, Mauro; Garth, Bryan. Acesso à
Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 8.
161
WATANABE, Kazuo. Filosofia e características básicas dos Juizados Especiais de Pequenas Causas:
In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de
novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 2.
35
[...]
3. Os problemas mais prementes, que prejudicam o desempenho do
Poder Judiciário, no campo civil, podem ser analisados sob, pelo
menos, três enfoques distintos, a saber: a) inadequação da atual
estrutura do Judiciário para a solução dos litígios que a ela já afluem,
na sua concepção clássica de litígios individuais; b) tratamento
legislativo insuficiente, tanto no plano material como processual, dos
conflitos coletivos ou difusos que, por enquanto, não dispõem de
tutela jurisdicional específica; c) tratamento processual inadequado
das causas de reduzido valor econômico e conseqüente inaptidão do
Judiciário atual para a solução barata e rápida desta espécie de
controvérsia.
4. A ausência de tratamento judicial adequado para as pequenas
causas – o terceiro problema acima enfocado – afeta, em regra, gente
humilde, desprovida de capacidade econômica para enfrentar os
custos e a demora de uma demanda judicial. A garantia meramente
formal de acesso ao Judiciário, sem que se criem as condições básicas
para o efetivo exercício do direito de postular em juízo, não atende a
um dos princípios basilares da democracia, que é o da proteção
judiciária dos direitos individuais.
5. A elevada concentração populacional nas áreas urbanas, aliada ao
desenvolvimento acelerado das formas de produção e consumo de
bens e serviços, atua como fator de intensificação e multiplicação de
conflitos, principalmente no plano das relações econômicas. Tais
conflitos, quando não solucionados, constituem fonte geradora de
tensão social e podem facilmente transmudar-se em comportamento
anti-social.
6. Impõe-se, portanto, facilitar ao cidadão comum o acesso à Justiça,
removendo todos os obstáculos que a isso se antepõem. O alto custo
da demanda, a lentidão e a quase certeza da inviabilidade ou
inutilidade do ingresso em Juízo são fatores restritivos, cuja
eliminação constitui a base fundamental da criação de novo
procedimento judicial e do próprio órgão encarregado de sua
aplicação, qual seja o Juizado Especial de Pequenas Causas. 163 (sem
destaque no original)
[...]
162
WATANABE, Kazuo. Finalidade maior dos juizados especiais cíveis. Revista Cidadania e Justiça.
Rio de Janeiro, Ano 3, nº7 - 2º semestre/1.999 – Revista da Associação dos Magistrados Brasileiros –
AMB, p. 36.
163
WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de
novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 208-214.
36
164
O termo “pequenas causas” não deve ser entendido como questões simples ou menos importantes, ao
contrário elas podem representar questões complexas, como aquelas que discutem valores fundamentais.
Essa terminologia foi muito criticada, porque para o cidadão das camadas mais pobres da população, o
seu direito violado, embora possa ser juridicamente considerado de pequeno valor econômico, para ele,
individualmente, pode representar uma “grande causa” ou ser a “causa” da sua vida. Além disso, até pela
quantidade de processos ajuizados anualmente nos Juizados, pode-se perceber que as causas de “pequeno
valor” são de grande importância econômico-social.
165
WATANABE, Kazuo. Finalidade maior dos juizados especiais cíveis. Revista Cidadania e Justiça.
Rio de Janeiro, Ano 3/nº7 - 2º semestre/1.999 – Revista da Associação dos Magistrados Brasileiros –
AMB, p. 32. Na justificativa do Projeto de Lei nº 3.689, de 1989, de autoria do então Deputado Nelson
Jobim, que foi utilizado para a criação da Lei nº 9.099/95, consta trecho indicativo de que as ideias e os
propósitos da Lei nº 7.244/89 permaneceriam na nova Lei para os Juizados: [...] Os Juizados Especiais
Cíveis recebem tratamento afeiçoado à legislação já existente sobre o Juizado Especial de Pequenas
Causas, que se mostrou útil e suficiente onde implantado, [...] comprovando a funcionalidade do sistema e
a adequação do procedimento. Por isso, parte-se do princípio de que os Juizados Especiais previstos na
Constituição da República devem guardar as mesmas características dos juizados implantados pela Lei nº
7.244, de 7 de novembro de 1984, cujos dispositivos foram aproveitados para a elaboração do texto.
(Diário do Congresso Nacional, 10/07/1990, p. 8433. Disponível em: <http://www.camara.gov.br>.
Acesso em: 10 fev. 2009.)
166
WATANABE, Kazuo. Finalidade maior dos juizados especiais cíveis. Revista Cidadania e Justiça.
Rio de Janeiro, Ano 3/nº7 - 2º semestre/1.999 – Revista da Associação dos Magistrados Brasileiros –
AMB, p. 34.
167
FUX, Luiz. Juizado Especial Cível. In: BATISTA, Weber Martins; FUX. Luiz. Juizados especiais
cíveis e criminais e suspensão condicional do processo penal: a Lei nº 9.099/95 e sua doutrina mais
recente. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 8.
37
apresente resultados úteis em tempo razoável para evitar que os conflitos incomodem
mais do que o aceitável.168
Essas são as finalidades diretas, lembra a professora e pesquisadora Dra.
Leslie Ferraz,169 havendo ainda algumas finalidades indiretas, como o resgate da
credibilidade popular no Poder Judiciário, que ao possibilitar a uma parcela da
sociedade - até então excluída da proteção judicial - a resolução das suas causas
cotidianas, deixa de ser vista como uma instituição burocrática, lenta, e acessível a
poucos afortunados.
Além disso, pela simplificação de seus procedimentos e facilidade de seu
acesso, os Juizados Especiais estimulam as pessoas comuns a lutar por seus direitos, “o
que promove a cidadania” e ainda estimulam a “participação social na administração da
justiça”, na medida em que os conciliadores e árbitros são recrutados na própria
comunidade local.170
Ainda nas palavras da professora Leslie Ferraz, ao criar uma justiça com
procedimentos menos formais e buscando sempre que possível a conciliação, os
Juizados têm um papel importante para “mudar a mentalidade dos operadores do
direito” estabelecendo-se gradativamente uma cultura de paz na sociedade e de justiça
menos burocratizada e mais informal.171
Uma questão merece ser sublinhada: a finalidade dos Juizados Especiais
nada teve ou tem a ver com a crise da Justiça tradicional, em especial com a sua
morosidade e falta de efetividade.172 A sua razão de ser, nunca é demais repetir, foi a de
democratizar o acesso à justiça, através de um procedimento simples, barato e rápido.
168
DINAMARCO, Cândido Rangel. Manual das Pequenas Causas. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1986, p. 2.
169
FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise
empírica. 235 f. Tese (Doutorado em Direito Processual) – Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2008, p.11.
170
FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise
empírica. 235 f. Tese (Doutorado em Direito Processual) – Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2008, p.12.
171
FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise
empírica. 235 f. Tese (Doutorado em Direito Processual) – Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2008, p.12.
172
WATANABE, Kazuo. Finalidade maior dos juizados especiais cíveis. Revista Cidadania e Justiça.
Rio de Janeiro, Ano 3, nº7 - 2º semestre/1.999 – Revista da Associação dos Magistrados Brasileiros –
AMB, p. 32-37; SADEK, Maria Tereza A. Juizados Especiais. O processo inexorável da mudança. In:
SLAKMON, Catherine; MACHADO, Maira Rocha; BOTTINI, Pierpaolo Cruz (Orgs.) Novas direções
na governança da justiça e segurança. Brasília-DF: Ministério da Justiça, 2006, p. 251; WATANABE,
Kazuo. Filosofia e características básicas dos Juizados Especiais de Pequenas Causas: In: WATANABE,
Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São
Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 3; MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela
dos direitos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 104.
38
173
Usarei os termos Juizados, Juizados Especiais e Juizados Especiais Cíveis para designar os Juizados
Especiais Cíveis Estaduais instituídos pela Lei nº 9.099/95.
174
A Lei utilizou dois critérios: a complexidade e o valor da causa.
175
Art. 3º, incisos I, II, III e IV.
176
Art. 3º, § 1º.
177
A Lei nº 12.153, de 22 de dezembro de 2009 instituiu os Juizados Especiais da Fazenda Pública.
178
Art. 3º, § 2º.
179
Sobre esse tema ver: SALOMÃO, Luis Felipe. Roteiro dos juizados especiais cíveis. Rio de Janeiro:
Forense, 4ª ed. revista, ampliada e atualizada, 2009, p. 20-23; CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados
Especiais Cíveis Estaduais e Federais: uma abordagem crítica. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009,
p. 23-27; NERY Júnior, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado
e legislação extravagante. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 7ª ed.s rev. e ampl., 2003, p. 1520;
FRIGINI, Ronaldo. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis. Leme/SP: JH Mizuno, 2007, 3ª
ed., p.80.
180
Enunciado nº 1 do Fórum Nacional de Juizados Especiais – FONAJE: “O exercício do direito de ação
no Juizado Especial é facultativo para o autor.”
181
No processo civil comum a parte vencida é condenada a pagar os honorários de advogado da parte
vencedora e as custas ou despesas processuais.
39
182
Art. 41, § 1º: “O recurso será julgado por uma turma composta por três Juízes togados, em exercício
no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado.”
183
O preparo é o pagamento das custas dentro dos prazos fixados em lei para que o processo tenha
prosseguimento normal. Fonte: DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico – 2ª ed. rev. atual. e aum. São
Paulo: Editora Saraiva, 2005, vol. 3, p. 805; GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri (org.). Dicionário
técnico jurídico. 8ª ed. São Paulo: Rideel, 2006, p. 452.
184
Art. 54.
185
Art. 9º.
186
Art. 14.
187
Art. 56.
188
Arts. 18 e 19.
40
189
TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Cíveis
e Criminais: comentários à Lei 9.099/1995. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 738.
190
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 97.
191
Art. 12.
192
WATANABE, Kazuo. Filosofia e características básicas dos Juizados Especiais de Pequenas Causas:
In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de
novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 7.
193
Na Lei nº 9.099/95 não consta proibição expressa sobre a recorribilidade de decisões interlocutórias,
porém, grande parte da doutrina entende dessa forma, bem como da jurisprudência: Enunciado 15
FONAJE: Nos Juizados Especiais não é cabível o recurso de agravo, exceto nas hipóteses dos artigos 544
e 557 do CPC. Já na Lei que instituiu os Juizados Especiais Federais - Lei nº 10.259/2001 -, consta no seu
artigo 5º que, ressalvado os casos de deferimento de medidas cautelares no curso do processo, para evitar
dano de difícil reparação, somente será admitido recurso de sentença definitiva.
41
em regra, apenas no efeito devolutivo, podendo o juiz atribuir efeito suspensivo para
evitar dano irreparável,194 o que contribui para agilizar o trâmite processual, além de
valorizar a decisão do juiz de primeira instância (juiz do fato), que está em contato
direto com as partes e as provas195.
O recurso é julgado por uma Turma Recursal, composta de três juízes de
primeiro grau de jurisdição. Não caberá recurso das sentenças homologatórias de
conciliação ou do laudo arbitral.196 A intenção é sem dúvida de limitar o uso
protelatório dos recursos para garantir uma maior rapidez na solução do litígio.
Nos Juizados Especiais Cíveis somente as pessoas físicas serão admitidas a
propor ação, excluídos os cessionários de direito de pessoas jurídicas (§ 1º, art. 8º). São
expressamente proibidos de ser parte o incapaz, o preso, as pessoas de direito público,
as empresas públicas da União, a massa falida197 e o insolvente civil198 (art. 8º).
As restrições são justificadas. O incapaz não pode fazer qualquer concessão
quanto aos seus direitos, e isso inviabiliza a conciliação, que é o escopo precípuo dos
Juizados Especiais.199 Da mesma forma a massa falida e o insolvente civil, pois o
síndico e o administrador não podem celebrar livremente acordos, necessitando da
participação dos credores.
No caso do preso, como a presença pessoal da parte na audiência é
obrigatória, não seria possível a sua realização. E mesmo que fosse permitida a
condução do preso até o Fórum, o alto custo com o sistema de segurança e transporte
tornaria inviável economicamente a demanda.200
194
Art. 43.
195
Alexandre Freitas Câmara advoga tese interessante – apesar de ser doutrinariamente isolada, como ele
mesmo alerta – que em sede de recursos nos Juizados Especiais Cíveis, não se pode reexaminar provas,
sendo permitido apenas analisar questões de direito, devido à ausência de contato imediato dos membros
da Turma Recursal com as fontes da prova oral, e sua valoração por esse órgão implicaria violação à
oralidade processual. Ver: Câmara, Alexandre Freitas. Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais:
uma abordagem crítica. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 12.
196
Art. 41.
197
“Direito falimentar. Acervo de bens do comerciante falido, que constituem o ativo e o passivo de seu
patrimônio, arrecadado pelo síndico na falência, por estar sujeito à execução coletiva, cujo produto será
rateado, na forma da lei, entre os seus credores.” DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. 2ª ed. rev.
atual. e aum. São Paulo: Saraiva, volume 3, 2005, p. 248.
198
“Direito civil. Estado em que se encontra pessoa, que não exerce atividade empresarial, de não poder
pagar a seus credores as obrigações assumidas, ante o fato de seu ativo ser inferior ao passivo, ou seja, as
suas dívidas excedem ao montante de seus bens.” DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. 2ª ed. rev.
atual. e aum. São Paulo: Saraiva, volume 2, 2005, p. 991.
199
GRINOVER, Ada Pellegrini. Conciliação e juizados de pequenas causas. In: WATANABE, Kazuo
(coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo:
Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 147.
200
CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais: uma abordagem
crítica. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 56.
42
201
DINAMARCO, Cândido Rangel. Manual das pequenas causas. São Paulo: Revista dos Tribunais.
1986, p. 35.
202
A Lei nº 12.126, de 16 de dezembro de 2009, alterou a redação do § 1º do art. 8º da Lei nº 9.099/95,
para incluir, entre outros, as microempresas como parte legítima para propor ação perante os Juizados
Especiais Cíveis, repetindo as determinações contidas na Lei nº 9.841/99.
203
Com relação às microempresas, embora exista a preocupação de que os Juizados Especiais tornem-se
sua agência de cobranças, descaracterizando a sua vocação para a solução de conflitos individuais,
também é de ser considerado a existência de inúmeras dessas empresas ou firmas individuais, de modesta
expressão econômico-financeira (prestadores de serviços, como alfaiates, costureiras, pedreiros,
vidraceiros, eletricistas, mecânicos de eletrodomésticos, encanadores, amoladores de facas, etc.) e impedir
essa via judicial para solução de seus conflitos, pode representar a sua inviabilidade operacional. Por
outro lado, a permissão das empresas de pequeno porte (assim definidas aquelas com receita bruta
superior a R$ 240.000,00 e igual ou inferior a R$ 2.400.000,00) de proporem ações perante os Juizados
pode representar um sério desvirtuamento das suas finalidades.
204
Art. 38 da Lei nº 9.841/99.
205
Art. 74 da LC nº 123/2006.
43
8. Conclusão
O termo acesso à justiça tem uma dimensão ampla e não pode ser
compreendido apenas como o direito de ingressar em juízo, mas, e principalmente,
como o direito à tutela jurisdicional em prazo razoável, já que, como vimos, alguns
206
SCHELEDER, Adriana Fasolo Pilati. As garantias constitucionais das partes nos juizados
especiais cíveis estaduais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009, p. 76.
207
WATANABE, Kazuo. Filosofia e características básicas dos Juizados Especiais de Pequenas Causas:
In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de
novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 1-7.; DINAMARCO, Cândido Rangel.
Princípios e critérios no processo das pequenas causas. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados
Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, 1985, p. 102-118; DINAMARCO, Cândido Rangel. Manual das pequenas causas. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 1986, p 1-3.
44
obstáculos que outrora impediam esse acesso foram removidos e o problema atual está
na saída do cidadão do Poder Judiciário.
Essa preocupação fez o legislador incluir na Constituição da República, no
rol dos direitos e garantias fundamentais, o direito a duração razoável do processo e os
meios que garantam a celeridade de sua tramitação (art. 5º, LXXVIII, CR/88).
Neste contexto, os Juizados Especiais Cíveis Estaduais se constituíram, por
intermédio da gratuidade de seus serviços, na simplicidade dos procedimentos e na
promessa de celeridade na resolução dos conflitos de menor complexidade e pequeno
valor econômico, em uma importante e diferenciada arena judicial para superar os
obstáculos do acesso à justiça.
Nos Juizados Especiais os atos processuais são realizados, basicamente, em
um único momento, na audiência, como forma de garantir rapidez ao procedimento.
Assim, não obtida a conciliação, imediatamente passa-se para a instrução e julgamento,
quando são realizados todos os atos demais postulatórios (defesa), probatórios e
decisórios.
Em todo o procedimento nos Juizados Especiais tem-se por fundamento a
eliminação de atos inúteis e a flexibilização de todos os atos necessários, abolindo o
formalismo para que o processo atinja seu objetivo mais rápido, sem ritualismos
dispensáveis ou formas pré-estabelecidas.
Ao juiz cabe a tarefa de assegurar o cumprimento dos atos e procedimentos
processuais previstos na lei, não permitindo qualquer desvio que possa prejudicar a
celeridade processual e procedimental.
A simplificação dos atos processuais nos Juizados Especiais se coaduna
com a finalidade primordial dos Juizados Especiais de facilitar o acesso à justiça, que
tem como um dos seus aspectos mais relevantes a questão do tempo de duração dos
processos. Nesse procedimento, que não é fastidioso repetir, segue a rigorosa
observância da lei, não violando qualquer direito processual ou constitucional.