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NÃO À REVOLUÇÃO!

1 Pedro 2:13-17

13 Sujeitai-vos a toda instituição humana por causa do Senhor, quer seja ao rei, como soberano,
14 quer às autoridades, como enviadas por ele, tanto para castigo dos malfeitores como para louvor dos que
praticam o bem.
15 Porque assim é a vontade de Deus, que, pela prática do bem, façais emudecer a ignorância dos insensatos;
16 como livres que sois, não usando, todavia, a liberdade por pretexto da malícia, mas vivendo como servos de
Deus.
17 Tratai todos com honra, amai os irmãos, temei a Deus, honrai o rei.

INTRODUÇÃO

Um princípio evidenciado por Pedro é a submissão. Nos próximos versículos, e até


mesmo em parte do capítulo 3, ele trata desse tema. Nos versículos de 13 a 17 o conselho é
acerca da submissão às autoridades. Vejamos, então, como o cristão deve se comportar
diante dos governos civis.

I – SUBMISSÃO ÀS INSTITUIÇÕES (vv.13-14)

Depois de Pedro orientar a igreja quanto à sua atuação pública, ou seja, para que o
peregrino cristão mantivesse sua conduta exemplar entre os gentios, ele agora fala mais a
esse respeito. Como o cristão deve se comportar em relação às autoridades? Em relação ao
governo?

a) Submissão

Pedro diz que o crente deve se sujeitar às instituições! Submissão ou sujeição é o


assunto em pauta. Traz uma postura inicial de respeito, de humildade diante das
autoridades. O contexto do discurso não era inflamado por ideologias libertárias ou
propostas subversivas como hoje. Era um discurso objetivo e límpido para a igreja sobre a
vontade de Deus. “Submissão não é a mesma coisa que escravidão ou subjugação; é apenas
o reconhecimento da autoridade de Deus na vida. Deus instituiu o lar, o governo humano e
a Igreja, e tem o direito de dizer como essas instituições devem ser administradas”1.
O pensamento de submissão às autoridades, traçado por Pedro, se alinha à teologia
de Paulo quando este afirma que: “Todo o homem esteja sujeito às autoridades superiores,
porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por
ele instituídas” (Rm 13.1). Além disso, se amolda ao que o próprio Jesus Cristo deixou
transparecer: “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mateus 22.21).
Desta forma, existe uma motivação teológica para o conselho. Não é um mero conselho
humano. Não é uma teoria política engendrada para manipular o povo e pô-lo sempre
subalterno. A inspiração é teológica, relacionada à vontade do Senhor.
Mas, a questão é mais ampla. A submissão deve ser a toda instituição! Apesar do texto
ser específico às autoridades governamentais, pode-se expandir o entendimento a outras
esferas humanas.

1 WIERSBE, Warren W. Comentário Bíblico Expositivo: Novo Testamento. volume II. Santo André – SP: Geográfica. p.
520.
b) Submissão a todas as instituições

O pensamento reformado compreende que Deus estruturou a realidade com a


possibilidade da existência de várias esferas diferenciadas de autoridade. Essas esferas tem
uma certa “soberania” em si, de modo que uma não se sobreponha a outra, conquanto
tenham relações dialógicas. As principais delas são: igreja, Estado, família, escola, trabalho,
clube, etc. Todas representam um tipo de autoridade. Assim, o ensino da submissão alcança
inevitavelmente tais esferas também. Sujeitai-vos a toda instituição. A submissão deve existir
na igreja, no Estado, na família, na escola, no trabalho, etc. Em todas as esferas
encontraremos figuras de autoridade, de liderança, às quais se deve tratar com respeito e
dignidade. Paulo fala que “aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus”
(Romanos 13.2). Nenhuma dessas esferas deve ser superior hierarquicamente no sentido de
dominar às outras esferas. Somente Deus deve estar acima de todas. “Deus instituiu a
família, a igreja e o governo. Ele não é Deus de confusão, mas de ordem”2.

Fonte: Ferreira (2016, p. 203) 3

A submissão às instituições é por causa do Senhor, como diz o texto. Não por causa
das pessoas, por conta da credibilidade da instituição ou pelo poder da mesma. Assim,
“desdiviniza-se” as instituições. A obediência não é um fim em si mesma. A motivação está
em Deus e no seu ordenamento. Ele é quem estruturou a realidade e sabe o que está fazendo.
Logo, seu conselho é o melhor. Pedro está fazendo com que a igreja perceba que a vontade
de Deus está sendo feita diante dos governos e instituições humanas. Deus é soberano e
nada foge à sua administração. Assim, o cristão deve submissão a um governo sabendo que
sua autoridade é delegada por Deus.

c) Submissão ao rei

Deve-se submissão ao rei. Um dos sistemas de governo mais comuns na antiguidade


era a monarquia. O sistema era caracterizado pelo poder absoluto centralizado nas mãos de
um único soberano, o rei. Ele tinha amplos poderes para governar todo o Estado. A história
de Israel em especial produziu muitos reis; uns piedosos e bons, tais como Davi, outros
ruins, como Acabe.
O fato é que o texto não está simplesmente advogando um sistema de governo, como
alguns acusam o cristianismo. Mas, como tal era o sistema predominante, o apóstolo
precisaria tecer seus comentários sobre a realidade vivencial do povo. Logo, ele não está
meramente apoiando uma monarquia corrupta em detrimento da democracia. Na verdade, a
proposta democrática é algo recente, não entrava nem mesmo na imaginação dos povos mais
antigos. A razão da Bíblia não tecer maiores críticas relaciona-se simplesmente ao objetivo
da ação. Deus não estava agindo através dos séculos para implantar um sistema de governo,
mas sim revelar sua palavra para transformar homens, e estes, como consequência,
poderiam compor sistemas tornando-os mais justos. Este é o ponto. Posto isso,
independentemente de governo, a mensagem é de submissão a todos eles.
Mas, alguns devem se perguntar: a obediência deve ser prestada até mesmo a governos
ruins? Bem, o contexto da carta nos dá a resposta. Será que o império romano era bom para
os cristãos? Se o cristão esperar um governo totalmente bom e justo para obedecer passará
a vida inteira à procura de um e não encontrará. O princípio é para obedecer até mesmo aos

2 LOPES, Hernandes Dias. 1Pedro: com os pés no vale e o coração no céu. São Paulo: Hagnos, 2012. p. 83.
3 FERREIRA, Franklin. Contra a idolatria do Estado: o papel do cristão na política. São Paulo: Vida Nova, 2016.
governos ruins! É para mostrar o bem diante do mal. Pagar o mal com o bem. Envergonhar
o ímpio com a nobreza da humildade, obediência e honra.
Um cuidado que a igreja deve ter é não confundir o respeito às instituições com
concordância a toda lei e prática da autoridade. Sabemos da dificuldade em viver num
governo corrupto, observando o princípio do respeito à autoridade, mas, ao mesmo tempo,
conservando-se fiel á Palavra de Deus. Evidentemente que não devemos desobedecer à Deus
pela obediência a instituições corruptas! Assim sendo, é importante observar que podemos
respeitar instituições ainda quando não concordamos com determinadas leis. “Por exemplo,
ao se recusarem a adotar as regras alimentares do rei, Daniel e seus amigos desobedeceram
à lei; mas a maneira de fazê-lo provou que honravam o rei e que respeitavam as autoridades
(Dn 1)4.
Existem outros casos em que se justifica até mesmo a chamada “subversão legítima”,
uma ruptura total de obediência e submissão. Caso um governo esteja tão degenerado que
tente obrigar o cidadão a agir deliberadamente contra os mandamentos do Senhor, contra
os princípios pétreos da Palavra, então, nesse caso é possível a desobediência consciente.
“Quando um governo se assenta no trono e arroga para si o título de “Senhor e Deus”, como
fizeram alguns imperadores romanos, está em completo desacordo com os preceitos de Deus.
Nesse caso, a desobediência civil não é apenas uma possibilidade, mas uma necessidade,
uma vez que importa obedecer a Deus mais que aos homens (Atos 5.29)”5.

d) Submissão aos agentes do rei

A sujeição ainda deve ser prestada aos agentes do rei. Aqui representados
aparentemente por uma força policial para castigar os malfeitores ou para louvar os que
praticam o bem.
Na verdade, essa é uma das principais funções do Estado; trabalhar na segurança de
seu povo utilizando a força policial. O Estado deve reprimir o crime, a bandidagem, os que
agem fora da lei; dando assim, segurança e proteção aos cidadãos de bem. Paulo fala sobre
a autoridade dos magistrados afirmando que “se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo
que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal”
(Romanos 13.4).
Assim, o Estado tem legitimidade para “trazer a espada” e executar justiça.
“Os agentes do rei” também podem estar tratando de autoridades subdelegadas. Pôncio
Pilatos, por exemplo, era governador da Judeia sob a autoridade e legalidade do imperador
de Roma. Mesmo assim, sua autoridade é reconhecida e tida ainda como da vontade de Deus.
Jesus afirmou para ele: “Nenhuma autoridade terias sobre mim, se de cima não te fosse
dada” (João 19.11).

APLICAÇÃO

O texto é rico em aplicações, vejamos algumas.

a) Submissão. A questão de sujeição às autoridades é importante. Vivemos diante de


uma crise de autoridade. O cidadão não respeita mais o Estado. Não se respeita a
liderança eclesiástica. Os pais estão sofrendo com o abuso dos filhos. Os policiais
são achincalhados nos morros do Rio, os professores são esbofeteados por alunos.
Parece que o mundo está de ponta cabeça! Qual o problema básico nisso tudo? A
falta de respeito às autoridades. O ensino, portanto, é para que sejamos submissos.
Que nossos filhos aprendem a serem submissos. Que nossa igreja aprenda a ser
submissa. Que nós como cidadão sejamos submissos. Se cada um fizer a sua parte,
estaremos contribuindo para que o estruturalismo divino funcione na sociedade.
(apesar os efeitos da queda).

4
WIERSBE, Warren W. Comentário Bíblico Expositivo: Novo Testamento. volume II. Santo André – SP: Geográfica. p.
522.
5
LOPES, Hernandes Dias. 1Pedro: com os pés no vale e o coração no céu. São Paulo: Hagnos, 2012. p. 84.
b) Sejamos obedientes mesmo quando a autoridade não for perfeita. Não há caso em
que encontraremos perfeição, logo, deve-se obediência, muitas vezes, à líderes
falhos e ruins. O propósito do Senhor é justamente que sua igreja consiga mostrar
que “paga” o mal com o “bem”, o opróbrio com a honra.

II – POR QUE SER SUBMISSO?

a) Propósito.

O motivo da submissão foi bem exposto pelo escritor: “porque assim é a vontade de
Deus”. A igreja não inventa nem fabrica suas verdades. A vontade de Deus é que deve ser
compreendida e cumprida em toda terra.
O método de Deus é diferente daquilo que o homem produz. O Senhor está instruindo
sua igreja num método humilde e pacífico. Num método que preserve as autoridades. O
Senhor deseja uma igreja obediente e que testemunhe com humildade, obediência e
sacrifício, sua vida espiritual.
O Senhor poderia ter orientado a igreja a “pegar em armas” e ir ao confronto, caso essa
estratégia fosse a melhor. Ele poderia ter orientado seu povo a ser crítico das instituições e
agir para destruí-las. O Senhor poderia ter orientado a acabar com a família, Estado, Escola,
Trabalho e todas as esferas da vida, numa verdadeira anarquia. Contudo, esse não é o
método do povo de Deus. A igreja não é chamada a praticar uma espécie de revolução!
O povo de Deus “vencerá” pela prática do bem!

b) Natureza da submissão.

Mas, alguém pode dizer: isso é um aprisionamento! Viver em submissão a um governo


é se tornar escravo dele. Mas, não é esse o ensinamento. Viver em sujeição é ser obediente a
Deus e, ao contrário de escravo, ser livre. Liberdade não é fazer o que quiser, quando quiser
e da forma que quiser.
A submissão cristã não equivale a escravidão nem a fraqueza. Significa liberdade e força.
Usar a liberdade cristã como motivo para a anarquia e a desobediência civil é corromper
a liberdade e insurgir-se contra a natureza da submissão. Transformar liberdade em
libertinagem e submissão em insurreição é um pecado contra Deus e uma afronta às
autoridades6.

No contexto bíblico, liberdade é ter poder para servir a Deus.

Então, “como livres que sois”, ou seja, o próprio apóstolo garante que não estaremos
sendo presos com tal atitude, mas livres. Tal liberdade não deve ser mal compreendida e
usada com malícia. “Já que sou livre, não devo obediência a ninguém”. Isso seria uma má
interpretação. A liberdade não é independência de Deus, mas deve reafirmar que somos
servos dele!

c) Alcance da submissão.

Como o próprio texto diz, “tratai a todos com honra”. Todas as pessoas merecem
respeito simplesmente pelo fato de serem humanos. Todos os homens portam a imagem e
semelhança de Deus, por isso, dignidade intrínseca. Não há pessoa que em si mesma seja
melhor que outra por conta de cor da pele, status social ou outros elementos externos. Todos
são iguais.
Amais aos irmãos. O amor fraternal na família cristã é um mandamento. Não é
opcional, mas um dever. O amor nos caracteriza como servos autênticos de Deus. O amor
constrói e edifica. O amor é o “caminho sobremodo excelente”, conforme Paulo.

6 LOPES, Hernandes Dias. 1Pedro: com os pés no vale e o coração no céu. São Paulo: Hagnos, 2012. p. 87.
Temei a Deus. O Senhor deve ser temido. Esse temor é uma reverência respeitosa, não
é um medo paralisante. Deve honrar ao Senhor e tratá-lo com dignidade. A falta de temor a
Deus causa banalização à sua Palavra. Quem não o teme, não o obedece.
Honrai o rei. Notemos que o cristão deve horar a todos, o que foi mencionado
anteriormente. Aos irmãos, isso se traduz em amor. Ao Senhor, em temor. Contudo, quando
chegamos ao rei, a honra é a mesma. Honrai a todos e honrai ao rei. O rei deve ser honrado,
no sentido de ser respeitado, contudo, a honra é a mesma que se presta a qualquer outra
pessoa. O rei não deve ser soberano absoluto sobre o povo, muito menos sobre a igreja.

APLICAÇÃO

a) Submissão por causa da vontade de Deus. Temos consciência de que nossa


submissão está fundamentada no Senhor e não nas qualidades das pessoas ou
instituições? Quando temos que ser submissos ao governo, temos percebido que
fazemos isso por causa de Deus e não por causa do governo? Quando devemos ser
submissos a pais e mães, temos tido noção de que tal mandamento se sustenta por
causa de Deus e não por causa das qualidades dos pais? Quando temos que nos
submeter ao líder religioso, sabemos que assim o fazemos em honra a Deus e não
por prestígio do líder? Tendo isso em mente será mais fácil para igreja compreender
e obedecer ao princípio.
b) Submissão não é escravidão. É preciso a igreja entender que submissão não é
escravidão! Pelo contrário, obedecer a Palavra de Deus é plena expressão de
liberdade. Quanto mais vivemos os planos de Deus, a vontade do Senhor, mais
estamos nos afastando de nossos desejos carnais, e estes sim, nos aprisionam no
pecado e trancafiam nossa alma! O grande paradoxo que devemos aceitar é que
viver como SERVO de Cristo é o que nos garante a verdadeira LIBERDADE.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo de Pedro é orientar a igreja como agir e se relacionar com os governos, com
as autoridades. O apóstolo deseja que a igreja tenha um testemunho valoroso, de boas obras.
Ele quer que os cristãos “respondam” à perseguição, não com revolução, luta armada ou
baderna, mas mantendo o respeito às autoridades e o bom exemplo.
Esse é o caminho para o cristão agir diante de qualquer autoridade.

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