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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


LICENCIATURA EM FILOSOFIA
HISTÓRIA DA FILOSOFIA MEDIEVAL 2
DOCENTE: Prof. DRº MARCOS NUNES
DISCENTE: LEANDRO JANUÁRIO RODRIGUES DE SANTANA

RESENHA: LIVRE-ARBÍTRIO E PREDESTINAÇÃO, Uma Conciliação Entre A


Presciência E A Graça Divina.

Introdução:
Apresente resenha tem por objetivo explicitar as questões levantadas por Santo
Anselmo de Aosta, sobre a concordância entre a presciência, predestinação e graça divina com
a questão do livre-arbítrio humano. A discussão perpassa por três conceitos que serão
discutidos de forma filosófica, na busca de uma melhor compreensão do assunto em questão
uma vez que Anselmo procurará responder a questão sobre a coexistência entre a presciência
e o livre-arbítrio, depois a questão da conciliação da predestinação com o livre-arbítrio
humano discutindo neste ponto o que Deus havia fixado como devendo existir a preordenação
ou predeterminação, por uma virtude que se apresentará como necessária; sendo que Deus
desta forma, a tudo predestina sendo assim deve existir necessariamente.

Na questão última se discutirá sobre a concordância que há entre a graça divina e o


livre-arbítrio delegado ao homem, na qual se apresentará a autoridade divina que não operaria
se não reconhecesse que no homem há a liberdade da vontade.

Questão I. Sobre a conformidade da presciência divina com o livre-arbítrio

No início da obra Anselmo discorrerá sobre a questão da presciência divina ao afirmar


que não há contradição entre o livre-arbítrio humano e a presciência Divina, uma vez que
Deus conhece de antemão o futuro livre, fazendo a seguinte afirmação posto que se haja um
conhecimento prévio por Deus então este se torna necessário e por outro o que se realiza por
livre-arbítrio não se encontra senão submetido a uma necessidade.
Se há nisto um indício de contradição, será impossível que a presciência Divina, que
conhece tudo por antemão, coexista com a menor possibilidade de livre-arbítrio. É com esta
pergunta que Anselmo abrirá a discussão sobre o assunto da problematização da coexistência
entre a presciência e o livre-arbítrio.
Como falamos acima sobre o problema desta coexistência da presciência e o livre-
arbítrio, na qual se segue que Deus ao conhecer tudo de antemão parece seguir a necessidade
dos acontecimentos futuros, e a liberdade que o homem possui permite assim crer Anselmo,
nos permite realizar muitas coisas fora do âmbito da necessidade.
Anselmo se coloca ao perguntar se alguma coisa que se apresente se dará num futuro
sem necessidade, Deus por saber de antemão conhece tudo previamente; o que Deus sabe de
antemão o sabe por que o que existirá necessariamente ocorrerá por necessidade, em
conformidade com sua presciência, entretanto, será necessário que algo ocorra sem
necessidade.
Para aquele que compreenderá isto não haverá nenhuma contradição entre a
presciência de Deus e o livre-arbítrio humano. Entre a presciência, que é seguida pela
necessidade, e o livre-arbítrio, por se apresenta isento da necessidade, uma vez que posto que
seja necessário que Deus possua um conhecimento prévio, e que neste conhecer Divino
também se conheça previamente, que há futuros que ocorrerão fora de toda a necessidade.
Nesta formulação Santo Anselmo procura responder a questão da inclinação do
homem para o pecado, afirmando que Deus sabe de antemão que é sem necessidade que o
homem peca. Ao dizer que pecando ou não pecando, não haverá uma necessidade que me
obrigue em um ou noutro caso. Pois o próprio Deus sabe que o que ocorrerá acontecerá sem
que algo me obrigue de antemão, ou seja, que determine de maneira a forçar que eu peque.
Observamos agora que não há algo que impossibilite a coexistência entre a presciência
e o livre-arbítrio, uma vez que a presciência divina nos diz que há futuros conhecidos por
estes necessários, e ao livre-arbítrio que realiza muitas coisas sem necessidade.
Anselmo faz outra observação quanto à questão da coexistência ao falar da
necessidade como ponto principal da discussão, quando elege para esta problematização as
palavras coação e proibição. Ao compreender que se é necessário que eu peque que eu ao
pecar caia em transgressão por voluntariedade, compreendendo que se estar obrigado por uma
espécie de força que me obriga a pecar, ou se não peco, me vejo também impelido a querer
não pecar. E isto aos olhos do pensador parece ser pela necessidade que eu peque ou não
peque.
Dai se segue que uma coisa é por necessidade quando não ocorre por uma coação, ou
seja, por uma força. E não necessária àquela que não cairá sob nenhuma proibição. Nisto
consiste que ao qualificar o futuro como necessário no fato que pecamos ou não pecamos, se
realize por vontade própria, como Deus sabe de antemão o prevê, nós não deveremos afirmar
que a partir disto haverá algo que nos impeça a vontade de se realizar o ato ou que nos
obrigará a estabelecê-lo; o que Deus conhece de antemão, o sabe ao prevê que uma coisa se
fará só pela vontade humana e que esta vontade não é nem forçada e nem impedida por agente
externo nenhum, e o que se realiza o faz livremente.
Anselmo pergunta se se ao compreender isto, cogita que não haverá nenhuma
contradição entre a coexistência entre o livre-arbítrio e a presciência de Deus. No contexto ao
qual estamos a descrever vemos que a expressão latina para os conceitos de que
problematizam a questão da necessidade são: coactionem e prohibitionem, ou seja, coação e
proibição, ao afirmar que uma coisa só se torna necessária quando esta não sofre nenhuma
coação, ou seja, uma espécie de força que impulsione o homem ao pecado uma vez que aqui
Santo Anselmo não está a falar aqui da natureza pecaminosa, mas sim que não há da parte de
Deus ou de qualquer agente externo que constranja o homem a querer pecar por uma força
maior.
Mas também por nenhuma ação que proíba a este de cair em transgressão, não
havendo também nenhuma ação Divina que o impeça, pois se assim o fosse não haveria
liberdade nenhuma no homem, mas sim uma espécie de máquina projetada a realizar a
vontade daquele que o criou, portanto também ocorrerá pela necessidade e não por proibição.
No entanto, ao qualificar o futuro como necessário em pecar ou não pecar, sendo esta
mesma por vontade, como Deus que prevê, não terá que entender a partir desta condição que
haverá algo que impeça a realização da vontade do ato ou que o obrigará a estabelecê-lo; uma
vez que Deus conhece de antemão, Ele que prevê tudo sabe que uma coisa será feita só pela
vontade humana, e que esta vontade não é nem por força e nem por impedimento de se
realizar por nada e ninguém.
Anselmo colocará a questão da necessidade como sendo a chave a ser utilizada para a
solução do problema da presciência divina e o livre-arbítrio ao colocar os futuros livres como
não sendo necessários por uma necessidade que a preceda, mas sendo subsequente á vontade.
Ao descrever a necessidade como subsequente coloca a questão do pecado a uma coisa que
diz respeito ao futuro, e sendo este não necessário sempre, ainda que futura.
Se decidir pecar ao amanhecer de um novo dia esta transgressão não se realizará por
necessidade, pois poderá não se concretizar ainda que seja futura. Mas se falo que amanhã eu
pecarei como um futuro necessário então esta se concretizará como sendo necessária ou se
digo que o sol nascerá amanhã nascerá necessariamente. Todavia o ato de pecar, que não
provirá de uma necessidade, se confirmará como sendo uma necessidade futura com uma
necessidade puramente subsequente, se a denominamos de futura se acontecer então ela
existirá.
Observamos que o nascimento do sol descrito por Santo Anselmo é uma dupla
necessidade, ou seja, uma necessidade que antecede a sua realização, que faz com que a coisa
seja, pois se realizará pelo fato de que é necessário que se faça. Então esta necessidade
subsequente, que não forçará em nada ser, pois, precisamente terá de ser necessariamente,
todavia de fato a de ser.
A discussão da dupla necessidade dá sequência ao assunto do conhecimento prévio de
Deus, ao expressarmos que o Divino conhece de antemão todas as coisas, sem lhe adicionar
futura, a este saber de antemão acaba-lhe por encerrar já o futuro. Atribuir sabedoria prévia,
não é outra coisa que conhecer o futuro, e se Deus o conhece de antemão uma coisa, esta
mesma é necessariamente futura. Entretanto Anselmo afirmará que:

Portanto, uma coisa que deve ser necessariamente, não segue sempre a presciência de
Deus, posto que Este conhece todos os futuros; no entanto, não os conhece todos
como necessários, mas sabe de antemão que algumas coisas virão da vontade livre da
criatura racional. 1

O que é posto por Anselmo nesta discussão é o que Deus propõe o que quer é senão,
que a vontade do homem não seja contrariada, ou seja, forçada e nem contrariada por
nenhuma necessidade arbitrária que o determine a querer ou não querer, e este efeito siga esta
vontade, sendo necessário que esta vontade seja livre e que a mesma exista pelo que ela quer.
Assim a obra de pecado que o homem deseja realizar exista por necessidade, ainda que não a
queira necessariamente.
Mais a frente Anselmo nos dirá que o pecado é querer aquilo que não se deve desejar,
e que ao se inclinar para a transgressão esta vontade não lhe é necessária, como também não
lhe é a vontade mesma; no entanto se homem quiser pecar, é necessário que peque, contudo,
com esta necessidade que foi descrita acima, nem força e nem impede (Anselmo, 2008, p. 30).
Enquanto a questão da obra da vontade Santo Anselmo nos dirá que: “seja o que quer e
que não seja o que não quer, é voluntária e espontânea” (Anselmo, 2008, p. 30). Pois esta
inclinação voluntária e espontânea é duplamente necessária: porque é impelida a ser realizada
pela vontade, e, posteriormente, porque o que é realizado não poderá ser ao mesmo tempo não
ser realizado.

1DE CANTUÁRIA, santo Anselmo. LIVRE-ARBÍTRIO E PREDESTINAÇÃO, Uma conciliação Entre a Presciência e o
Livre-Arbítrio. Fonte Editorial, Rua Barão de Itapetinga. P. 28,29. 140 lojas 4, São Paulo – SP, 2008.
Entretanto as necessidades que foram descritas são oriundas da liberdade da vontade,
que poderão ser evitadas por livre e espontânea decisão, antes que sejam realizadas.
Outra questão que se discute nesta primeira parte é sobre as decisões que ocorrem no
mundo espiritual e no mundo temporal. Onde Anselmo apresenta questões de fórum eterno ao
falar de coisas que são necessárias e imutáveis em um presente eterno, aonde não existe
passado e nem futuro, mas somente como dissemos acima um presente eterno e imutável;
porém aos homens por se encontrarem, muitas das vezes, presos por constantes mudanças
pela condição do livre-arbítrio. Pois assim como não há contradição entre uma coisa que se
encontra na eternidade não tenha sido e nem será, mas que somente é, enquanto no tempo
cronológico que os homens se encontram foi e será.
Ao tempo que se apresenta na eternidade ainda que uma coisa não exista senão o
presente, este segundo Anselmo se apresenta não como temporal como dos homens, mas
eterno e contendo todos os tempos. Assim como no tempo presente abarca todo o lugar e tudo
o que se encerra neste, o “presente eterno” também abarca todo o tempo presente encerrando-
lhe tudo o que se encontra contido neste em qualquer tempo.
Assim como o apóstolo Paulo na epístola aos romanos nos diz que Deus nos havia
predestinado a sermos a imagem de seu Filho, a fim de que este seja o primogênito de um
grande número de irmãos. Aos quais nos predestinou, também nos chamou etc.(Romanos, 8.
29,30. Bíblia de Almeida. P.1143, SBB. 1993).
Santo Anselmo nos dirá que nesta passagem quando o apóstolo ao se expressar teria se
utilizado de uma expressão que nada e tudo isto é em Deus nem anterior nem posterior, e que
tudo deve se encerrar em um eterno presente. Como falamos sobre o abarcamento do presente
eterno sobre o tempo presente, é que esta eternidade está no mesmo tempo, e nesta existe tudo
que é simultâneo em lugar e em todo o tempo, tudo o que existe em lugares e tempos. E ao
tomar estas palavras em um sentido temporal, Paulo se expressou em tempo no passado, sobre
o que havia ainda de ocorrer no tempo presente.
Aqueles ao qual sabia que ainda não havia nascido lhes chamaram já temporalmente,
os justificou e os glorificou. Anselmo reconhece que o apóstolo necessitava de uma palavra
que se expressa o presente eterno de Deus, ao se servir de um passado, posto que o que é
passado no tempo presente é completamente imutável a exemplo do presente eterno. E com
isto para Anselmo o passado temporal é parecido com o presente eterno do que o presente
temporal.
Ora com isto Anselmo sem saber que posteriormente rechaçaria a posição que mais
tarde alguns reformadores do movimento protestante europeu, defenderiam que os homens
não possuiriam o poder de decisão através de uma vontade de liberdade, outorgada por Deus
aos homens. Sua posição frente a estes reformadores acaba por disferir um golpe mortal a tal
metafísica reformadora, um golpe que transcende de modo geral a toda e qualquer
interpretação, seja em conhecer os originais da Sagrada Escritura, ou seja, o hebraico e o
grego koiné.
Pois a questão elaborada por Anselmo acaba pôr deixar provado que será impossível
tal interpretação corrupta e arbitrária por parte dos reformadores e só é possível tal
interpretação através de distorções destes originais, uma vez que por serem línguas com
capacidades de ampliação da compreensão deixa várias possibilidades erronias dos textos
bíblicos.
Claro que o que Anselmo trata é de questões abstratas e metafísicas, a onde a
discussão transcende toda e qualquer compreensão gramatical por isto, torna-se mais próxima
de especulações ao presente eterno a onde as coisas não está submetidas aos movimentos que
são realizados no tempo presente, passíveis de eventos que só são enquanto dependerem do
livre-arbítrio.
E todas estas coisas são apresentadas nas Sagradas Escrituras como sendo necessárias,
onde se encontra todo o verdadeiro e nada mais que o verdadeiro, coisas que são imutáveis
por pertencerem ao presente eterno de Deus, e não segundo o tempo presente ou temporal, no
qual as coisas não existem continuamente sob nossas vontades e ações ao qual desde o
momento que elas não existam não se torna necessários que existam, e em mesma
conformidade, não se torna necessário que elas existam.

Questão II. Da conciliação da predestinação com o livre-arbítrio

Nesta segunda parte de sua obra Anselmo procurará mostrar que, a predestinação
também é coexistente com a presciência divina. Ao falar da dúvida levantada por aqueles que
acreditam que estes conceitos são distintos um do outro, a aparente contradição está em que a
predestinação, preordenação ou predeterminação, parece ser coisas diferentes, mas, não é
apenas sinônimos umas das outras.
O que há é uma disposição da parte de Deus em conhecer de antemão de modo prévio
todas as coisas, ou seja, fixado como devendo existir. Entretanto o que Deus determina como
devendo existir, diz Anselmo parece vir fixado sob a virtude de uma necessidade; desta
mesma forma, tudo o que Deus predestina deve necessariamente existir.
Anselmo com isto ainda está a discutir sobre a necessidade no âmbito da presciência e
a predestinação, quando discute as ações do homem perante a inclinação da vontade de pecar.
Se o livre-arbítrio tem participação total nas realizações das obras boas às quais se justificam
perante a predestinação, pontuando que Deus não predestina todas as obras boas que os justos
realizam; e tampouco estes justos, são somente justificados pelas obras do livre-arbítrio.
Todavia se todas as obras estão predestinadas então Deus predestina tudo e se tudo
está predestinado por virtude de uma necessidade, uma vez que nada necessário o é por livre-
arbítrio uma vez que por meio deste se pode realizar muita coisa livre sem a força de algo
determinado. Parece seguir que o livre-arbítrio não será nada diante da predestinação ou que
se, manter o livre-arbítrio em certos casos, a predestinação parece então desaparecer diante do
livre-arbítrio.
Anselmo segue a discussão em responder que a predestinação é também aplicada as
obras más, e que Deus é conhecido em passagem do texto sagrado que diz: “Eu formo a luz e
crio as trevas; faço a paz e crio o mal…” (Isaías. 45.7 Bíblia, Almeida, ARA, SBB p.747
1993). Em trecho retirado das Sagradas Escrituras no início do capítulo dois da segunda parte
da obra de Anselmo, ele afirma que aqui Deus se apresenta como o autor do mal que não fez,
mas que o permite (Anselmo, 2008, p.61, Fonte editorial).
Mais afrente Anselmo responde que as obras más são realizadas quando estes não
corrigem os seus maus caminhos e ações perante Deus e os homens. O que há de impróprio
nesta discussão entre a presciência divina e a predestinação é quando se fala destas em sentido
de descontextualizada com o presente eterno de Deus, pois este não se encontra preso ao
tempo presente dos homens, mas que nEle está a atemporalidade, ou seja, nem o antes e o
depois, mas um só e universal presente.
Com isto Anselmo segue em a discussão entre a predestinação e o livre-arbítrio, ao
pontuar que não se pode duvidar da conciliação entre uma e outra, e que as duas estão de
acordo quanto à questão do conhecimento prévio de Deus. Como vimos anteriormente com
Anselmo e com bastante clareza que algumas coisas se realizarão com plena liberdade e estas
serão conhecidas previamente de antemão por Deus sem que haja contradição.
A questão da liberdade humana apresentada nesta segunda parte da obra de Anselmo
reafirma aquilo que vimos na primeira questão, de que a criatura que Deus criou é dotada de
racionalidade, ao nos dizer que:
… a razão nos ensina, de que certos futuros podem ser realizados com livre-arbítrio e
serem predestinados, e isto sem contradição, pois Deus não conhece previamente nem
predestina alguém a ser justo em virtude de uma necessidade. 2

Anselmo nos dirá que aquele que não obedece pela livre vontade não possuirá a
justiça. Contudo, mesmo que ainda ocorra necessariamente o que é conhecido por Deus de
antemão e predestinado, isto afirma Anselmo não ocorrerá por virtude de uma necessidade
que precede o resultado e a obra, entretanto em virtude de uma necessidade subsequente, ou
seja, uma dupla necessidade, ainda que Deus predestine, esta operação não atua forçando a
vontade do homem e nem a resistindo, porém abandonando a seu poder.
À vontade descrita por Anselmo se serve e exerce o seu poder, e esta não faz, nada que
Deus não realize também nos bons por sua graça, e nos maus sem a mesma, mas por culpa
desta mesma vontade. A presciência não se engana, a conhecer senão a verdade tal como será,
necessária e espontânea, nisto a predestinação não mudará, pois só predestinará em
conformidade com a presciência divina. E como se sabe que de antemão, as coisas na
eternidade são imutáveis, e que às vezes no tempo presente as coisas são sujeitas a mudanças,
o mesmo ocorrerá no presente eterno quanto ao que se encontra predestinado.

Questão III. A concordância da Graça com o Livre-arbítrio

No início desta terceira parte Anselmo expõe aquilo que parece ser dificultoso, na
concordância entre a graça divina e a liberdade que é concedida aos homens através da
justiça, ou seja, a retidão da vontade. Esta aparência descrita por Anselmo se encontra nas
Escrituras aonde encontramos textos que toma partido ora da graça divina ou que toda nossa
salvação parece está fundada sobre toda a responsabilidade de nossa vontade livre.
Alguns textos são apresentados no corpo da obra de Anselmo, referências bíblicas são
tomadas para mostrar que há uma abertura para as duas interpretações, no que diz respeito à
graça textos como os de João 15.5 e 6.44, apontam que é para a graça e somente esta
(Anselmo, 2008, p. 69) Outra observação feita pelo pensador se refere ao ensino de que é pelo
livre-arbítrio que os homens alcançam a salvação, referências como: Isaías 1.19, e o salmo 34.
12-14, (Anselmo, 2008, p. 70). E tantos numerosos textos que apontam para a possibilidade
quanto de um quanto de outra, mas uma observação feita por mim no que se refere ao livre-
arbítrio é que ao tratar deste em um trecho ele se utiliza da expressão latina excitare para falar
daqueles que sendo repreendido ignoram as advertências feitas pelo Senhor.
2DE CANTUÁRIA, Santo Anselmo. Predestinação e Livre-arbítrio: Uma conciliação entre a Presciência e a Graça
Divina. Fonte Editorial. Rua Barão de Itapetinga, p. 63. Itapetinga, 140 loja 4 São Paulo – SP.
Nesta expressão latina que traduzida por excita, estimula, atiça, provoca e suscita,
para a inclinação de um livre-arbítrio. Todavia a autoridade divina não agiria se não
reconhecesse que no homem há liberdade da vontade. Não é cabível deixar de crer de modo
racional que Deus retribuísse com justiça e retidão o que os bons e os maus, por seus méritos
e decisões, se estes por meio de realizações fizesse o bem ou mal por livre-arbítrio.
Assim como dissemos acima que o livre-arbítrio não poderá atuar sem que este de
maneira distinta daquele que é indispensável a merecer a salvação após o uso da razão, e nem
da graça distinta do homem sem a qual nenhum poderá se salvar. Toda a criação foi feita por
Deus por graça inclusive o próprio homem, e Deus concede a todos nesta vida benefícios que
para a criatura racional seria impossível deixar de encontrar a salvação.
A concordância que Anselmo busca não está depositado só na graça em realizar a
salvação sem a livre cooperação. Nesta graça que se outorga aos outros a vontade para que
lhes auxiliem em sua fé. O que é posto para esta discussão sobre a vontade é que esta seja
uma retidão da vontade, demonstrada pela autoridade sagrada.
Mas a questão posta por Anselmo está no que compreendemos e cremos em nosso
coração, ao querer pelo coração. Aqui coração tem um sentido para Anselmo de uma retidão
que não é a mesma que a justiça ou retidão da vontade, ao dizer que o Espírito Santo é quem
classifica o coração como não sendo reto perante Deus, mas que este só crê e compreende
com retidão que não é aqui Deus instituiu para os homens, todavia não queira retamente, pelo
fato desta não servir da retidão da fé e inteligência para se tornar reto em sua vontade, quando
foi entregue a criatura racional credo ut intelligam, ou seja, crer para compreender, uma
expressão que também foi absorvida por Anselmo que recebeu uma grande influência de
Santo Agostinho.
Pois não se dirá que aquele que não age com retidão, e nem que pratique a fé a não ser
a que é morta em delitos e pecados, a este que não quer agir com retidão segundo que lhe foi
dada com esta finalidade. A Justiça é a retidão da vontade observada por si mesma…
(Anselmo, 2008, p. 75).
Anselmo falará da retidão que realiza a nossa salvação não pode está desligada da
graça, que nos foi dada. Porém quando a criatura racional quer a retidão, a quer, sem dúvida,
com retidão e a quer porque esta é reta. Todavia o mesmo é para com a vontade ser reta e ter
retidão. Anselmo não nega, quando diz que o homem com sua vontade reta deseje a retidão
que não tem, e mesmo que deseje uma superior a que ele possui; mas ao querer nenhuma
retidão se não possui a retidão que lhe permita a querê-la. Mas que nenhuma criatura pode ter
a retidão que Anselmo classifica como da vontade senão for pela graça.
E que esta retidão não se pode conservar se não for pela própria graça. É evidente que
esta conservação só ocorre senão, pela própria vontade, e não a possui senão pela graça. Se
não for também por uma graça subsequente. E esta retidão é conservada também pelo livre-
arbítrio, mas não se atribuindo ao livre-arbítrio esta retidão, mas antes a graça, uma vez que
este não a possui e nem a conserva a não ser por uma graça proveniente e subsequente. Acerca
da justiça que opera na salvação dos homens já foi dito que toda justiça é retidão e que o
coração é uma sede de desejos e decisões, e este não possui a retidão na qual busca a não ser
se for dada pela graça divina que lhe outorga a se inclinar a buscá-la através da retidão da
vontade.
A vida eterna é prometida a todos os justos, mas somente a aqueles que se encontram
sem injustiça, pois estes são convocados com razão, de modo absoluto, justos e retos de
coração. Quanto à questão de textos que parecem atribuir a salvação pela graça ou livre-
arbítrio, a Sagrada Escritura não exclui a favor da graça, ela não faz uma total abstração do
livre-arbítrio, e quando esta insiste na liberdade também não exclui a graça, como se somente
estas bastassem para salvar o homem de seus delitos e pecados.
Anselmo falará daqueles que resistem ao convite que Deus faz a todos através de sua
graça, ao falar do ato de impotência que o homem possui por cair em transgressão na
representação de nossos primeiros pais. A impotência descrita por Anselmo provém da culpa e
que esta não é uma desculpa para justificar a sua impotência, enquanto este permanece em
delitos e pecados. Também esta culpa lhe é imputada aos que são de sua descendência, ou
seja, seus filhos de cuja natureza humana Deus também exige a justiça, outorgada aos
primeiros pais ao apresentar esta exigência a toda descendência.
A impotência por não possui a justiça não terá como desculpa a natureza, pois esta se
precipitou por sua própria culpa por se encontrar nesta impotência. Esta impotência não pode
ter o que ela mesma não pode dar a si mesma para ela é impotência, esta impotência em que
caiu acabou por abandonar por livre e espontânea vontade o que teria podido conservar. E
abandonando a justiça ao pecar, a impotência em que caiu lhe é imputada como um pecado
mortal que atinge a todos os homens.
Para Anselmo as escrituras nos mostra as claras que esta impotência nos revela certos
movimentos e apetites que, como consequência do pecado herdado de nossos primeiros pais,
nos escraviza ao ponto de sermos chamados como animais selvagens, devendo ser imputados
como oriundos de nossa queda lá traz no jardim do Éden. O apóstolo Paulo denomina de
carne e concupiscência, ou seja, desejos desordenados para o pecado (Romanos, 7.15,17-18,
Bíblia de Almeida, p. 1142, SBB 1993). E isto possui o significado de que sou contra a minha
própria vontade, e me encontro perseguido pelos meus próprios desejos. No momento da
queda quando o homem pecou a sua natureza foi condicionada a corrupção do pecado,
engendrando não outros descendentes, mas senão as crianças que estamos acostumadas a ver
nascer. Com isto estaria condenada a serem lançadas todas no fogo do inferno pela eternidade.
Ao se encontrar distante do reino de Deus, para o qual o homem teria sido criado, se
não houvesse ninguém que as reconciliasse com Deus, pois era impossível que dentre os
homens houvesse algum justo que realizasse tal feito, e esta reconciliação não é senão a obra
realizada pelo Filho de Deus. Em todos que nascem naturalmente, pois a natureza humana se
encontra corrompida e subjugada ao pecado, mas ao receber a reconciliação que o Filho de
Deus lhe outorga, este castigo recebido antes pela queda permanece, mas ocorre a justificação
do homem e esta permanece sobre este.
Outra questão levantada por Santo Anselmo em que sentido consistirá a vontade de
viver em retidão, onde se fundamenta esta vontade reta que justos e injustos se diferem um do
outro pelo ato de obedecer e não obedecer? Ao indagar a razão que há na criatura racional,
uma vez que há na alma uma razão que serve de instrumento para raciocinar e uma vontade da
qual nos servimos para decisão. Segundo Anselmo esta razão não compõe toda a alma
humana, nem também à vontade; entretanto, cada parte é algo na alma.
A vontade pode assumir três características no desenvolvimento das afecções, que lhe
compõe, ou seja, o instrumento do querer, a afecção do querer e o uso do mesmo. O
instrumento do querer é uma força que a alma possui da qual nos servimos para querer, como
a razão é o instrumento utilizado pelo raciocínio quando raciocinamos e neste movimento
também a visão instrumento para ver, onde nos servimos quando enxergamos.
Esta afecção é o instrumento pelo qual este instrumento é afetado para se inclinar a
querer alguma coisa, ainda que não tenha cogitado o que quer, se algo lhe vem à memória seja
imediatamente ou a seu tempo. Mas a um limite que se aplica a vontade, ou seja, o
instrumento do querer, a sua vontade quanto a seu uso. Todavia, esta afecção do instrumento
do querer é chamada por Anselmo de vontade, quando se diz que o homem tem sempre
consigo a vontade de seu bem-estar. Uma vontade afecção, instrumento, pelo qual queremos
de maneira santa viver.
Esta vontade instrumento é só e única, ou seja, o instrumento deste querer está
unicamente no homem, como é a própria razão, quer dizer um só e único instrumento de
raciocinar pela razão, nisto a vontade afetada pelo instrumento são duplos assim, como ao
vermos na luz temos a capacidade de enxergarmos várias nuances formas e cores, deste modo
também o instrumento do querer possuirá as suas aptidões, que Anselmo chamará de
afecções: uma é querer o útil e a outra a retidão, pois esta vontade instrumento não quer senão
essas duas coisas. Como falamos acima das características desta afecção são distintas da
vontade instrumento, à vontade afecção e vontade uso, estas são em suas essências distintas
da vontade instrumento.
Esta vontade instrumento possui a capacidade de mover todos os outros demais
instrumentos do qual nos servimos espontaneamente por fazer parte de nós, e aqui Anselmo
faz uma analogia com os membros de nosso corpo, quando diz que assim como os braços e
pernas, mãos, línguas se encontram fora de nós, ela a vontade instrumento é quem produz
todos os movimentos voluntários, contudo este mesmo é movido por suas afecções; chegando
a conclusão que esta vontade instrumento move a si mesmo.
Toda a obra de Santo Anselmo procura mostrar que não há contradição nenhuma entre,
a presciência divina, a predestinação, a graça divina com o livre-arbítrio. Toda a
problematização da coexistência entre a presciência e o livre-arbítrio perpassa pela
necessidade, e esta tem um papel fundamental na resposta dada por Anselmo quando diz que
esta assume a função de dupla necessidade, em que não há nada anteriormente que obrigue ou
proíba o homem de pecar ou não pecar, e por ser uma necessidade subsequente que não
dependerá de uma decisão arbitrária de determinar antes da decisão humana.
A aparente dificuldade em conciliar a predestinação com livre-arbítrio também não
estar fora da necessidade e da coexistência, o que há é uma disposição da parte de Deus em
conhecer de antemão todas as coisas, o que previsto virá fixado por Deus como devendo
existir, o que fixado vem sob a virtude de uma necessidade, ou seja, tudo o que Deus
predestina deve necessariamente existir.
Quanto à vontade que o ser humano possui que lhe outorga a decidir por vontade livre,
possui características de vontades que Anselmo classifica-as como vontade instrumento,
vontade afecção e vontade uso, tendo cada uma sua devida função perante o funcionamento
da capacidade de raciocinar que a criatura racional possui, as vontades de afecção e de uso
sendo movido pela vontade instrumento e a vontade instrumento que produz seus próprios
movimentos é capaz de mover-se por suas próprias afecções, ou seja, a si mesmo.
Assim o problema entre o livre-arbítrio, presciência, predestinação e graça divina
chega ao fim com uma conciliação entre ambas, sendo totalmente possível as suas
coexistências.

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