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A GRANDE HORA
DE GUCKY
Autor
KURT BRAND
Tradução
S. PEREIRA MAGALHÃES
Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
Tal pai, tal filho —
E um saltador também
vê chegada sua hora...
***
Milhões de pessoas assistiam pela televisão aos debates travados no Congresso Solar
de Terrânia. Estava sendo realmente muito pior do que os palpites pessimistas, previstos
por Bell. Este virava-se a toda hora para John Marshall, que com seus maravilhosos dons
telepáticos, auscultava o íntimo dos deputados.
— Continua tudo na mesma, Sir — repetiu o mutante já pela décima vez — mas,
por favor, estou na pista de algo novo...
Isto queria dizer que não se devia perturbar a atenção de Marshall. Bell atendeu ao
pedido do telepata e passou a concentrar toda atenção no que Rhodan estava dizendo, da
tribuna ao grande plenário, em resposta a uma pergunta circunstancial.
De repente, surgiu da delegação africana o aparte:
— Até quando estaremos obrigados a financiar com nossos pesados impostos sua
milícia particular? Nem mesmo a Lei de Calamidade Pública lhe dá o direito de esbanjar
o dinheiro público com este bando de aleijados mentais, que recebe o pomposo nome de
Exército de Mutantes. O que o senhor tem a dizer sobre isto, administrador?
Por dois ou três segundos, o silêncio foi tão profundo, que se poderia ouvir o
zumbido de uma mosca voando. A questão levantada pelo deputado africano,
Onablunanga, fez com que um grande número de deputados olhasse mais detidamente o
administrador.
Milhões de espectadores, diante de suas televisões, no mundo inteiro, notaram que a
fisionomia de Perry Rhodan se anuviou e seus lábios se fecharam num risco horizontal.
A televisão mostrou como Reginald Bell se levantou e sussurrando alguma coisa nos
ouvidos de Rhodan, se encaminhou para a tribuna, substituindo seu chefe e amigo.
— Senhores deputados e senadores! — soou a voz possante de Bell. — Minhas
senhoras e meus senhores. Em lugar do administrador do Império Solar, gostaria de
responder à pergunta do senhor Onablunanga, mas antes quero, em nome do
administrador e de seus auxiliares, expressar meu protesto contra a formulação e as
insinuações da pergunta.
“Tomo a liberdade de lembrar ao senhor Onablunanga que não nos encontramos nas
Minas de Ferro Cimberley, mas que nós, e ele também, estamos na sessão plenária do
Congresso.”
Quando Allan D. Mercant ouviu esta referência às Minas de Ferro Cimberley,
empertigou-se todo. Sua fantástica memória despertou para todos os detalhes de um
famoso escândalo, referente às minas. Onablunanga somente não tinha ainda sofrido
processo penal, porque, como deputado, gozava das imunidades parlamentares.
O que estava acontecendo na África não podia ser chamado de negócios escusos,
mas alguma coisa mais do que escândalo. E exatamente agora, Reginald Bell,
destemidamente, abordava a questão do ferro africano.
Mais forte que o barulhão, provocado pela delegação africana, era a voz de Bell,
pois estava ampliada pelos alto-falantes do intercomunicador. Com toda empolgação,
começou a elogiar os abnegados mutantes que o deputado africano chamara de “aleijados
mentais”. A forma temperamental como Bell falava, seus conceitos precisos e o
arrolamento dos fatos, onde os mutantes expunham a vida para salvar os interesses do
Império Solar, obrigaram o plenário a ouvir com crescente interesse sua exposição.
Rhodan estava feliz, vendo e ouvindo seu amigo defender o grande patrimônio
humano: os mutantes. De repente, seu micro comunicador deu o sinal de chamada,
exatamente o alarme de urgência. Ergueu o braço esquerdo, levando o pulso até encostar
no ouvido. Terminado o sinal de alarme, Rhodan ouviu atentamente a mensagem.
Segundos depois, seu rosto empalideceu, dando a impressão de um homem
envelhecido repentinamente. E foi neste momento que as câmaras de televisão passaram
da figura empolgante de Bell para o esquálido e abatido Rhodan.
Milhões e milhões de homens estavam agora olhando para Rhodan, o administrador
do Império Solar, que passava um dos piores momentos de sua vida.
Rhodan estava envolto numa onda de desespero. Foi grande nele a vontade de
desligar seu micro comunicador, mas muito mais forte foi a resolução de ouvir até o fim a
mensagem.
Thomas Cardif, tenente da Frota Solar, lotado em Plutão, tinha abandonado
clandestinamente o planeta num destróier. O filho de Perry Rhodan desertara. Thomas,
que recebera a pena de degredo para Plutão, já havia tentado desertar durante a guerra
contra a invasão dos druufs. Nutria verdadeiro ódio pelo pai...
Sua fuga do planeta Plutão fora conhecida há poucos minutos. Contrariando a rotina,
a guarnição de Plutão revezou a tripulação da Estação de Relê III, cinco dias antes do
prazo normal. Aí foi que se constatou que Cardif havia fugido, já há alguns dias.
— Para onde dirigiu-se o desertor Tenente Cardif, ninguém sabe — foi o final da
mensagem.
Era claro que, neste momento, Rhodan não era senhor de si. Perdera primeiro sua
esposa, Thora, e agora também seu filho. Fez questão de que o filho crescesse entre
pessoas estranhas para não passar a ser conhecido apenas pela expressão o filho de
Rhodan. Queria criar sua própria personalidade. Mas, ainda como tenente recém-
formado, chegou a saber em Silico V quem eram seus pais. Foi então que explodiu nele o
sangue arcônida de sua mãe Thora. Com o orgulho e a tenacidade, característicos de um
puro arcônida, passou a odiar o pai. Todo seu amor ficou voltado para a mãe. Para o pai,
sobrou apenas ódio e desprezo.
“Como ele deve me odiar”, pensava Rhodan em seu desespero.
Compreendeu então como um homem, que paira em alturas inacessíveis para os
demais, pode se transformar num infeliz solitário.
Não sabia que um sorriso amargo se esboçava em seus lábios. Não sabia que, neste
momento, milhões de pessoas olhavam para ele, pessoas que se lembravam do dia em que
Thora fora enterrada em seu mausoléu na Lua.
— Perry...
Bell se sentara ao lado dele. Fora substituído na tribuna por Allan D. Mercant, que
começou a falar para um plenário que parecia não querer perder uma só de suas palavras.
Inicialmente exigiu que seu discurso não fosse transmitido para o público em geral, mas
só para o ambiente do Congresso. Sua solicitação não era uma coisa estranha e estava
dentro das normas parlamentares. Allan D. Mercant iria abordar um assunto de extrema
gravidade. Iria expor ao poder legislativo do Império Solar o fato de vinte e um deputados
estarem abusando de suas prerrogativas, a fim de se enriquecerem ilicitamente. Todos
estes deputados pertenciam à delegação africana e eram inimigos figadais de Rhodan.
Neste momento, milhões de televisões no Império Solar se apagaram. O voto da
maioria determinara parar toda transmissão, até que o Ministro da Defesa Solar tivesse
apresentado todos os documentos, comprovando suas acusações, seria, também, dado
tempo aos parlamentares, para que estes verificassem a autenticidade das provas
apresentadas.
Inclinando-se levemente para frente, John Marshall sussurrou no ouvido de Bell:
— Pela indignação dos deputados sobre o escândalo das Minas de Ferro Cimberley,
fica cada vez mais evidente de que eles foram vítimas de uma fraude na votação. Mas seu
descontentamento sobre a informação deficiente, por parte da administração, ainda
continua agindo. A delegação africana não sabe o que fazer.
Bell pretendia passar estas informações para Perry. Tocou-o de leve e só então é que
notou como seu rosto estava pálido.
— O que você tem, Perry? O que houve?
E Rhodan, virando a cabeça como um autômato:
— Thomas desertou com um destróier, Bell...
— Não... — respondeu Bell, surpreso. — Não acredito numa coisa desta.
No íntimo, Bell podia ter certeza de que isto era verdade.
O Parlamento foi rígido para com os vinte e um deputados. Robôs e policiais os
tocaram para fora do recinto. Os robôs haviam recebido a ordem de que os vinte e um
deputados, não podiam se afastar de Terrânia. Depois disso, procedeu-se à ordem do dia.
E o artigo de fundo de Nicktown ainda continuou sendo o ponto de apoio do debate.
A transmissão para fora do recinto foi reiniciada, e os milhões de aparelhos da Terra
acompanhavam curiosos toda a discussão.
A administração da Terra foi duramente atacada. Rhodan não fez rodeios para
enganar ninguém. Somente quando a acusação de traição veio à baila, ele protestou:
— Os druufs não são fantasmas que inventamos para assustar a Humanidade. São
talvez um perigo muito maior para a Terra, do que o cérebro robotizado fora. O
desenvolvimento das ações é uma coisa que não podemos deter. Por este motivo, a
posição da Terra, mais cedo ou mais tarde teria de ser descoberta, e foi assim que ficamos
gratos a estes quatro mil aparelhos cilíndricos dos mercadores galácticos, quando vieram
em nosso auxílio na hora mais trágica do ataque dos druufs. Mas não se pode falar em
traição, a menos que os senhores preferissem viver escravos dos druufs e não como
terranos livres.
— Livres sob a “guarda” dos saltadores! — gritou alguém.
— E por que motivo as naves robotizadas dos arcônidas ainda não se retiraram da
Terra, administrador? — perguntou outro.
Estavam agora aparecendo os grandes inconvenientes de Rhodan não haver usado de
mais franqueza com o público e de não ter prestado maiores esclarecimentos. Explicou
com paciência, ou tentou fazê-lo, por que razão as naves cilíndricas dos saltadores ainda
se encontravam nos espaçoportos da Terra, Marte e Vênus e por que outras naves ainda
continuavam circulando no sistema solar. Mas, quanto mais tentava explicar, menos era
compreendido.
A estes deputados, que de maneira alguma podiam ser incriminados por sua atitude,
faltava uma visão do conjunto para compreenderem mais profundamente os motivos
alegados por Rhodan. Tinham, pois, que extravasar sua incompreensão.
Mas, de um lado que ninguém esperava, houve uma mudança sensível!
Rhodan continuava falando que ele mesmo se assustara com o teor do artigo do
jornalista Nicktown. Assinalou os pontos, devido aos quais, por motivos de estratégia,
não podia prestar contas diretas ao público.
— ...durante os turbulentos acontecimentos nas Galáxias e também no sistema solar,
não tínhamos tempo de cientificá-los, e isto não é uma desculpa vazia, como lhes posso
provar.
E durante cinco minutos citou fatos e dados que deixaram os deputados
boquiabertos.
— Nunca agimos com imprudência ou falta de capacidade.
E citou muitos exemplos. Depois concluindo disse:
— Mesmo uma administração que possua grande liberdade de ação, dentro da lei,
não pode apresentar um trabalho profícuo e duradouro, se não contar com o apoio do
Congresso. E, por este motivo, como administrador do Império Solar, faço aos senhores e
a todos os habitantes deste nosso diminuto império a seguinte pergunta: contamos ou não
com a confiança de todos?
Meia hora depois, se soube do resultado da votação. Não foi um voto de confiança
estrondoso para Rhodan, mas era o que podia esperar naqueles dias conturbados e de
grande confusão política.
Ao voltar à tribuna, disse simplesmente:
— Agradeço ao Plenário o voto de confiança dado a mim e a meus colaboradores.
Neste instante soou um aplauso relativamente fraco. Mas vinha de todos os lados, e
este fato era, para Rhodan, mais importante do que uma votação maciça, de maioria
absoluta.
As muralhas erguidas contra Perry Rhodan começavam a abrir brechas em todos os
pontos. Mas Bell ainda não estava vendo o quadro assim. Ao chegar ao seu lugar, Rhodan
percebeu que Bell, com olhar pessimista, lhe dizia em voz baixa:
— Tomara que este ano pesado já tivesse acabado.
Era o dia 5 de junho de 2.044.
2
Somente depois que a sessão plenária do Congresso do Império Solar terminou, foi
que Cokaze se levantou de sua poltrona em frente à televisão.
O velho patriarca, o único da raça dos comerciantes da Galáxia que havia
presenciado, desde o início, a carreira fulminante de Perry Rhodan, balançou, contente, a
cabeça, quando a transmissão terminou. Levou aos lábios a taça que estava ao seu lado.
— À nossa saúde — disse, olhando em volta.
Mais de vinte pessoas, todas de sua estirpe, sentadas de acordo com o posto de cada
um, repetiram-lhe a saudação.
Eram, mais ou menos, semelhantes, não apenas no vestuário, não apenas na barba
aparada, em flagrante contraste com os longos cabelos, mas acima de tudo pela estatura:
dois metros.
Para o clã de Cokaze só havia um chefe: o próprio patriarca Cokaze. Suas ordens
eram leis, suas opiniões eram normas. Não era apenas o mais velho, era também o mais
experiente entre os saltadores, nos assuntos que diziam respeito a Rhodan.
Desde que Topthor, o superpesado, havia morrido em combate com os druufs, ele
era o único que havia conhecido Perry Rhodan, ainda com poucos recursos tecnológicos,
nos primeiros dias de sua vertiginosa carreira.
O poder do administrador do Império Solar era agora bem maior. Cokaze e seus
auxiliares imediatos sentiram tal poderio pela televisão.
Apesar disso, Cokaze acreditava ter razão de sobra para um brinde à vitória dos
saltadores. Pois, não apenas estava informado sobre o potencial bélico de Rhodan, mas
sabia, de primeira mão, como a posição política do administrador estava periclitante.
Os outros saltadores apanharam seus copos e beberam à saúde de seu chefe, sem
dizer uma palavra.
Com a mão esquerda, Cokaze limpou a barba, fez uma inclinação vagarosa e se
dirigiu depois a seu filho mais velho Olsge, que residia com sua família na espaçonave
esférica Cok-III
— Você voará amanhã para o planeta Vênus, Olsge, e reunirá os capitães.
Virou-se depois para Oktag, seu filho predileto.
— Você vai aterrissar amanhã na Cidade de Marte, e reunirá nossa gente. Não há
muita coisa para discutir, mas temos muita coisa para fazer.
Fez uma pausa.
— Nós ficaremos aqui! Ficaremos aqui até que Rhodan nos garanta por contrato o
monopólio do comércio em todo o sistema solar.
“Depois, talvez, poderemos até deixar a Terra. Isso se Rhodan me pedir... porque
nós, os saltadores, somos seres humanos, não somos selvagens, podemos dialogar... se
nos oferecerem grandes vantagens.”
Deu uma estrondosa gargalhada e seus olhos brilhavam.
Cokaze nunca passou por mau comerciante e sua reputação no meio dos seus era
muito grande. Prova disso era sua enorme frota espacial, de mais ou menos quatro mil
unidades, de naves modernas. Uma parte desta frota estava em reparos nos estaleiros de
Marte e de Vênus. A batalha contra os druufs lhe saíra cara. Mas os aparelhos, que
estavam nos aeroportos da Terra, não tinham nenhum defeito e podiam voar a qualquer
momento. Em quase todos os espaçoportos, havia naves dos saltadores.
E isto não foi por acaso. Cokaze era também um estrategista, além de ser um grande
comerciante, que só fazia negócio quando se tratava de lucro de centenas de milhões.
Tinha que manter uma frota de quatro mil naves cilíndricas, e isso lhe exigia diariamente
uma pequena fortuna.
Surgiu, porém, uma objeção, cortês e reticente, como convinha aos severos
costumes dos comerciantes das Galáxias.
— Senhor, será que o grande regente não criará nenhuma dificuldade? Sua frota é
muito maior que a nossa...
Novamente a gargalhada estrondosa do velho patriarca e sua expressão de
superioridade.
— Krako, parece que você andou dormindo o tempo todo, enquanto os deputados
terranos martirizavam o pobre Rhodan com suas perguntas. Acho que Rhodan fará tudo
para que o regente de Árcon chame de volta suas naves robotizadas. Se nós...
Naquele instante, tocou o sinal do intercomunicador. Do posto central da Cok-I, o
radiotelegrafista transferiu a ligação diretamente para o camarote do patriarca. A tela
iluminou-se e Cokaze virou-se para o lado. Sua intenção era sentar-se bem em frente ao
vídeo. Quando a imagem se estabilizou, o rosto tranqüilo de Rhodan estava olhando para
o chefe dos saltadores.
— Cokaze, suponho que você e seus capitães tenham assistido aos debates no
Parlamento Terrano — começou Rhodan, depois de curta saudação. — Isto me dispensa
de explicações mais detalhadas. Acabo de falar com o grande regente de Árcon. Dentro
de duas horas as naves robotizadas, que ainda permanecem no sistema deixarão nosso
setor, para voltarem a Árcon ou para a frente de bloqueio dos druufs. O regente
robotizado não fez nenhuma objeção ao meu pedido de retirar sua frota. O mesmo pedido
gostaria de fazer agora a você, Cokaze. Posso lhe perguntar quando você vai retirar do
sistema solar as naves que estão em Marte, na Terra e em Vênus, bem como as que se
encontram nos satélites dos grandes planetas?
— Rhodan — respondeu o patriarca com expressão de amabilidade na voz,
esforçando-se para falar a língua arcônida com perfeição. — É com tristeza que tenho de
constatar que a gratidão não é uma virtude característica dos terranos. Eu...
Neste momento, o operador de rádio da
Cok-I, que se esgueirou na ponta dos pés por entre as filas de cadeiras dos capitães
saltadores que não perdiam uma palavra do diálogo de seu chefe, tinha chegado até o
patriarca. Inclinou-se para ele e, com muito cuidado, lhe sussurrou no ouvido:
— Senhor, o filho de Perry Rhodan o espera na Cok-CCCXXII, que está em Vênus.
O tremendamente ladino Cokaze não deixou transparecer nada do impacto que
recebera. Fez apenas um aceno de cabeça para o jovem operador de rádio, desculpando-se
a Rhodan da pequena interrupção. Depois apontou na direção de seus auxiliares mais
próximos, e continuou:
— Rhodan, como você vê, estamos reunidos em conselho. Peço que me dê três
horas terranas, para que nós lhe possamos transmitir nossa decisão.
— Cokaze, você vai ligar para mim, ou terei que chamá-lo de novo? — disse
Rhodan com a mesma educação de sempre.
— Eu ligo para você, Rhodan.
— Obrigado, saltador. Tomo a liberdade de declarar neste instante, mais uma vez,
que nós, os terranos, nunca faltamos na gratidão para com nenhum dos nossos amigos.
— Se esta gratidão se traduz em números bem contabilizados, terrano — respondeu
Cokaze na sua linguagem imediatista
— então seremos nós, os comerciantes das Galáxias, os últimos a menosprezar esta
grande virtude. Poderíamos fazer um contrato em que se estipule para meu clã o
monopólio comercial do sistema solar. Afinal de contas, se o Império Solar ainda existe,
deve-o ao meu auxílio. Mas, sobre isto falaremos depois, terrano. Vou desligar agora.
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Allan D. Mercant, chefe da Segurança Solar, foi o primeiro na Terra a saber da curta
transição realizada pela Don-4. As transições achavam-se suspensas, principalmente,
dentro do sistema solar.
Mesmo antes que a Don-4 chegasse até a Califórnia, para entregar um medicamento
especial para um de seus tripulantes em estado grave, Eyk era chamado ao tele-
comunicador.
— Será que você bebeu demais? — disse Mercant severamente para o capitão. —
Não pode haver outra explicação para sua pequena, mas irregular e altamente nociva
transição?
O nervosismo tomou conta do pobre Capitão Eyk. Gucky o deixara em má situação.
Seu ódio contra o rato-castor não tinha mais medidas. Protestando, tentou defender a pele.
— Gucky, o tenente do Exército de Mutantes...
— Um momento, capitão — interrompeu-o muito cortesmente Mercant — o rato-
castor está a bordo de sua nave e...
— Esteve, Sir, já deixou a Don-4 há tempo. Se é verdade o que disse, queria ir para
Vênus...
— Para Vênus?... — repetiu Mercant horrorizado. — Quanto tempo faz que ele
desapareceu da Don-4?
O Capitão Eyk perguntou o tempo exato na central de sua nave.
— Obrigado! — disse o Marechal Mercant, desligando o telecomunicador.
— Que coisa horrível... — disse para si mesmo o Capitão Eyk.
Porém, no íntimo, estava contente, pois este incidente já havia passado.
***
Com uma única ordem, Reginald Bell mandou interromper toda a programação de
televisão do sistema solar, pelo menos das estações oficiais. Estas emissoras perfaziam
mais de cinqüenta por cento da cadeia de televisão que, dia e noite, alimentava o Império
Solar com notícias, e programas educativos e recreativos.
Em resposta ao boato de que Perry Rhodan, tivesse mandado sua esposa,
contrariando o conselho dos médicos, para uma perigosa missão em Árcon, com o intuito
de ficar livre dela, Reginald Bell havia determinado a retransmissão inteira das
cerimônias do sepultamento de Thora no mausoléu da Lua.
Quem se lembrasse daqueles momentos angustiantes, tinha que reconhecer que o
nojento boato tinha apenas o objetivo de difamar Rhodan, com a imputação de um
assassinato moral.
Esta apresentação, de duas em duas horas, da solene cerimônia fúnebre não deixava
de ser um terrível golpe para Thomas Cardif. A câmara mostrava, numa cena comovente,
como Perry Rhodan, tremendamente abatido pela morte da esposa, estendia a mão para o
filho, que estava a seu lado...
E a equipe dos operadores de televisão foi realmente sensacional na técnica que
usou durante a filmagem. Os homens atrás das câmaras, num instinto de repórteres,
devem ter sentido a importância deste gesto de Rhodan, pois com suas possantes
teleobjetivas, fizeram a cena ser presenciada bem de perto.
E estas cenas foram transmitidas, na época, para milhões de seres humanos,
mostrando como Thomas Cardif, retrato fiel de seu pai, Rhodan, recusou a mão que lhe
fora estendida. Mas o operador filmou também quando o temperamental Reginald Bell
avançou de repente e afastou Thomas Cardif de junto de seu pai, ficando ele, Bell, ao lado
do amigo desesperado, enquanto Thomas recuava uma fila para trás.
O próprio Bell estava recebendo as confirmações dos horários de retransmissão das
diversas estações, quando chegou um chamado de Allan D. Mercant.
— ...já falei também com John Marshall. Está tão surpreso quanto eu. Gucky deve
estar de fato em Vênus.
— E o que pretende ele em Vênus? — perguntou Reginald Bell, que não estava em
condições de selecionar as notícias mais importantes para ter uma visão geral dos
acontecimentos.
— Ora essa, Bell! Que pretende Gucky em Vênus? Ele meteu na cabeça que tem de
pegar Thomas Cardif e trazê-lo para Terrânia — respondeu Mercant.
Bell conhecia Gucky muito melhor do que Mercant. O gorducho, de cabelos ruivos,
balançou a cabeça.
— Não, não acredito, Mercant, mas... em todo caso... — qualquer um podia
perceber como Bell mudara um pouco de atitude. — Mas, por favor, dê-me a distância
exata do local de onde Gucky saltou para Vênus.
A resposta veio logo, mas seguiu-se imediatamente a contrapergunta de Bell:
— Será que você não entendeu mal? E Gucky saltou sem o uniforme espacial?
Mercant, não estou duvidando de suas faculdades mentais, mas tudo isto parece tão
utópico, não é?
— Tudo parece utópico neste episódio, Sir. Já é estranho o fato de ele ter ordenado
ao capitão da Don-4 que executasse uma transição dentro do sistema solar. Os
estremecimentos estruturais provocaram uma confusão tão grande nas medições, que
todos os valores, nestes poucos segundos, estão alterados.
— Bom, isto é um assunto que diz respeito mais às estações — Bell não queria
perder tempo com coisas secundárias. — Para mim, é da maior importância saber o que
pretende este malandro. O chefe está a par desta saída clandestina e proibida de Gucky?
— Não, ainda não. Mas vou agora colocá-lo ciente de tudo.
— Este trabalho, Mercant, você deixa comigo — atalhou-o Bell. — Chame-me se
tiver outras notícias importantes, marechal.
— Certamente, Sir — respondeu Mercant, desligando.
Estava convencido de que Bell não ia falar nada com Rhodan a respeito das
travessuras de Gucky. Se havia quem sempre estendia a mão para encobrir as peraltices
de Gucky, era exatamente Reginald Bell.
***
No curto espaço de três horas e sob a proteção da noite, cem mil homens, todos
especialistas em vôo espacial, embarcaram no supercouraçado Titan e em outras naves
gigantescas.
Cokaze, que através de seus agentes estava a par do aquartelamento destes cem mil
homens selecionados, apesar de todas as suas indagações, não conseguia compreender
por que razão Perry Rhodan os mantinha enclausurados nos quartéis.
Somente os auxiliares imediatos de Rhodan sabiam qual a missão que estava
reservada a esta gente.
O Marechal Freyt, meia hora antes da decolagem, reunira na cabina de sua Titan os
oficiais superiores, inculcando-lhes que somente poderiam comunicar a seus comandados
o destino da missão, quando estivessem já aterrissando.
Três horas depois da partida, os cinco gigantescos transportes esféricos já tinham
alcançado a velocidade necessária para a transição. Com os absorvedores de vibrações
ligados, o pequeno grupo de supernaves desapareceu entre os astros, para abandonar
novamente o hiperespaço já no centro da nebulosa esférica M-13.
Um radiograma de um quinto de milésimo de segundo, captado através do hiper-
comunicador, contendo três mensagens importantes, informava Perry Rhodan de que o
Marechal Freyt, com seus cem mil homens selecionados, estava prestes a aterrissar em
Árcon III.
Recebeu esta mensagem uma hora após terminarem os debates no Congresso,
debates estes encerrados por uma votação.
Com 365 votos a favor e 198 contra, ao lado de numerosas abstenções e votos nulos,
Rhodan foi confirmado como administrador, não obstante toda a especulação do
Parlamento.
***
***
Foi com uma leve cintilação nos olhos que Cokaze ouviu a notícia do ultimato dado
por Perry Rhodan. Olhou em volta e se deteve contemplando a figura tranqüila de
Thomas Cardif. Era o único que conseguia falar francamente com o temido patriarca.
— Ocupe a Terra, saltador! Ataque imediatamente. Conheço muito bem a tática de
Rhodan. A finalidade de seu ultimato é apenas ganhar tempo. Transcorrido o prazo do
ultimato, você não terá mais chance. Isso, eu lhe posso garantir. Ou agora ou nunca.
O modo de argumentar de Cardif fascinava e aterrorizava ao mesmo tempo. Falava
sempre sem nenhuma excitação, frio e racional como um computador. Sua voz não era
impulsiva, pelo contrário, dava a impressão de total desinteresse. Porém, atrás de todos
seus pensamentos, tudo convergia para um ponto: destruir o homem que assassinara sua
mãe.
Nada mais lhe interessava. Se depois da destruição de Rhodan, ele seria ou não seu
sucessor, como administrador do Império Solar, isto não tinha nenhuma importância. Seu
orgulho, ou melhor, sua ambição política, ainda não tinha nascido. Neste particular,
Cardif não se conhecia ainda.
Agüentou serenamente o olhar penetrante do patriarca. Depois de seu breve apelo
para que Cokaze atacasse, Cardif silenciou. Não podia supor o que os demais saltadores
estavam pensando:
Estavam vendo o jovem Perry Rhodan sentado com eles. Nunca o filho estivera tão
semelhante com o pai.
— Saltador, você se esqueceu de que Rhodan até hoje sempre sofreu derrotas, uma
após a outra, quer dos saltadores, quer dos aras. Vocês foram sempre os mais fortes.
Rhodan nunca foi forte e todos já sabem qual é a potência de sua frota. No entanto,
sempre conseguiu tapeá-los e continua conseguindo hoje, Cokaze.
Com seus olhos de arcônida, Thomas fitou o patriarca com altivez, com a altivez de
sangue real.
— Bem — disse Cokaze resoluto — darei ordem para minhas naves atacarem. Mas
você, terrano — e nos seus olhos acenderam-se chispas ameaçadoras — você viverá num
permanente inferno se ficar positivado que Rhodan o mandou para cá como um simples
espião ou quinta-coluna.
— Velho estúpido! — atreveu-se Thomas a dizer, fazendo como se não tivesse
ouvido o soluço de espanto dos demais saltadores.
Levantou-se lentamente, depondo as duas pistolas de raios energéticos, com gestos
comedidos, sobre a mesa.
— Você deve estar agora mais ou menos contente, não é, saltador? — perguntou
cheio de ironia. — Resolva suas coisas sem mim, já que sabe tudo melhor que os outros.
Vou interrogar os dois prisioneiros terranos que se salvaram do destróier abatido. Com
passadas largas, saiu pelo convés central afora, pegando o elevador antigravitacional que
o levou três andares para baixo. Diante da porta do camarote, onde estavam detidos os
dois prisioneiros terranos, postava-se um robô de combate, que automaticamente lhe
permitiu entrada.
— Sir!... — com esta exclamação, um jovem que estava sentado na cama, deu um
salto.
Mas logo reconheceu que não era Perry Rhodan quem estava entrando, porém o
filho do administrador.
O segundo terrano, também vestido com o uniforme da Frota Espacial, se levantou
de trás da mesa tosca, olhando para Thomas com desdém, mantendo nos lábios um
sorriso de ironia.
— Meus senhores... — começou Cardif e não conseguiu ir além.
O primeiro rapaz, Val Douglas, que havia dado um salto pensando tratar-se de Perry
Rhodan, interrompeu-lhe as palavras.
— Com desertores nós não falamos. Livre-nos de sua incômoda presença, traidor.
Imperturbável, Thomas Cardif nem piscou.
— Desapareça daqui, seu malandro! — exclamou o outro cheio de selvagem
desprezo.
Com a palavra malandro, Thomas se curvou involuntariamente. Seus olhos
arcônidas se afoguearam.
— Os senhores dois serão os primeiros que, por ordem do regente robotizado, terão
de obedecer-me.
— Que regente robotizado o quê... — disse Val Douglas sorrindo sarcasticamente.
— Este negócio não existe mais. O Almirante Atlan haverá de entregá-lo ao chefe, como
traidor.
Os caminhos tortuosos do destino quiseram que este jovem fosse um dos cento e
cinqüenta terranos que tomaram parte na campanha, comandada por Rhodan, Atlan e
Bell, em Árcon III, contra o regente robotizado.
Thomas Cardif, que não era apenas externamente o retrato do pai, mas era-lhe a
cópia fiel também em suas qualidades psíquicas, não se deixou trair, dominando a grande
surpresa que a notícia lhe causou.
— Atlan não pode agir contra a vontade do cérebro positrônico — revidou drástico.
O jovem terrano da Frota Espacial não percebeu a malícia de Thomas Cardif. O
desertor o provocava para obter informações. Sorrindo com desprezo, o prisioneiro disse:
— O que Atlan pode ou não pode, ele haverá de mostrar a vocês todos,
principalmente aos traidores de sua laia. A enorme positrônica de Árcon não tem mais
nada para dizer. Silenciou totalmente, já no tempo em que estávamos em Árcon não havia
mais o grande cérebro positrônico. E não tenho dúvida nenhuma de que Atlan o pegará,
seu desertor.
Os pensamentos ferviam na cabeça de Thomas. Deixou a cabina sem dizer uma
palavra, voltando para seu camarote. Neste momento, ainda não estava em condições de
comunicar esta grande novidade a Cokaze. Tinha que refletir um pouco.
Neste meio tempo, Cokaze havia enviado duas sondas de rádio da Cok-II, que ainda
estava submersa no oceano de Vênus, sondas estas que, com seus sinais, dariam a ordem
de decolar para todas as naves, que esperavam em torno de Marte e de Vênus. Esta ordem
de partir incluía a de ataque à Terra com o grosso da frota, enquanto um grupo de mais ou
menos duzentas espaçonaves tinha a incumbência de manter a Frota Solar em combate no
espaço, impedindo-a de defender a Terra.
Tocado por súbita intranqüilidade, coisa que nunca sentira antes, Cardif procurou o
camarote do Cokaze. A Cok-II, que durante muitas horas estivera parada, sem nenhum
ruído, achava-se agora em grande agitação, com os transformadores zumbindo e os
motores aquecendo. A nave capitania estava prestes a deixar seu esconderijo no fundo do
oceano.
Thomas Cardif irrompeu subitamente na cabina de Cokaze, que encontrava-se
sentado com seus parentes mais próximos, diante do receptor de hipercomunicação.
Estavam ouvindo as mensagens oriundas de Marte e de Vênus.
— Qual é a novidade? — perguntou Cokaze, virando-se para o lado e dando com o
rosto transtornado do tenente desertor.
Atrás de Cokaze ainda havia um lugar livre. Thomas o ocupou.
— O que há de novo, terrano? — perguntou novamente o patriarca, dando vazão à
pressão nervosa que o oprimia.
Num gesto de orgulho, Thomas ergueu a cabeça e sorriu forçado, disfarçando sua
inquietação:
— Saltador, ganhamos a guerra! O regente robotizado de Árcon foi substituído pelo
Almirante Atlan. Para conservar as aparências, Atlan ainda se oculta sob o manto do
antigo cérebro positrônico.
— Ficou louco, terrano? — disse-lhe com rispidez o velho patriarca.
Pegou Cardif pelos ombros e o sacudiu.
— Então vá perguntar aos dois terranos aprisionados. Quando Atlan desligou o
computador gigante em Árcon III, o cabo estava presente.
Cokaze se levantou de um pulo e correu para o microfone direto da central de
radiotelegrafia da Cok-II:
— Para toda a frota: cancelar a partida para o espaço. Permanecer em posição de
espera, aguardando novas ordens. Mas atenção, transmitam esta ordem em código.
Meia hora mais tarde, o cabo Val Douglas despejou, sob a coação do soro da
verdade dos aras, tudo que ele e mais cento e cinqüenta terranos, em companhia de Atlan,
haviam presenciado em Árcon III. Mais de trinta saltadores ouviram fascinados e quase
de respiração presa o relato gaguejado e muitas vezes confuso do cabo Val Douglas.
Cokaze insistia nas mesmas perguntas, de maneira que lhes ficou cada vez mais claro,
pela repetição, o momento decisivo em que Atlan desligou o gigantesco conjunto
positrônico de Árcon III.
Tão fascinante era tudo, que os saltadores não sentiram o tempo passar. O espetáculo
terminou quando Douglas, sob a atuação das terríveis drogas dos aras, dando um grito
lancinante, desfaleceu. O patriarca ainda demonstrou algum sentimento de humanidade,
ordenando ao médico de bordo que cuidasse do jovem terrano, administrando-lhe todos
os antídotos necessários.
Foi aí que o patriarca reparou o avançado da hora. Com um palavrão, partiu
apressado para a sala de comando. Lá estava Thomas Cardif diante do hipercomunicador.
— Algo de novo? — foi a pergunta de Cokaze.
— Nada de importante, saltador. Suas naves esperam pela ordem de ataque. A Cok-
II está a uma altura de dez quilômetros de...
— Está bem! — disse o velho, batendo-lhe no ombro. — Jovem inexperiente!
Cardif já estava com uma pergunta na ponta da língua, mas Cokaze não lhe deu
tempo.
— Vocês só enxergam o hoje, o imediato e se esquecem do amanhã. O regente
robotizado está extinto e então chega este Atlan e declara-se imperador. Oh! Deuses do
espaço! Esta é a hora sideral dos comerciantes das Galáxias.
O velho patriarca juntou as palmas das mãos, como se faz para rezar, ergueu-as na
direção do céu, dando a impressão de estar mesmo numa prece de ação de graças.
Thomas Cardif não entendia mais nada. E Cokaze notou que o terrano não o estava
compreendendo.
— Jovem inexperiente! — repetiu com certo ar de triunfo — esta é a nossa hora, a
hora dos mercadores galácticos. Este ridículo Império Solar de Perry Rhodan não me
interessa mais. Ele que viva em paz por aqui. Retiro-me do Império Solar sem exigir
nada, para... para fazer o que, terrano? Você acha que, por causa de um miserável contrato
comercial, iria perder a oportunidade de, junto com meus irmãos e os aras, conquistar o
imenso, riquíssimo Império de Árcon? Quem é este Atlan?
— Senhor — ouviu-se do alto-falante do intercomunicador de bordo — estamos
registrando inúmeros estremecimentos estruturais. Está se aproximando uma frota
gigantesca do hiperespaço. Já conseguimos contar duas mil naves.
— Cale a boca! — gritou o patriarca, encobrindo a voz forte e nervosa de seu
telegrafista. — Comunique a Rhodan que eu aceito seu ultimato e estou dando ordens à
minha frota para que entre em transição na direção de 45 GH 32. Preste atenção para não
cometer nenhum erro.
Para Cardif, ordenou apenas:
— Venha comigo.
Dirigiram-se à sala de comando. A Cok-II deixara o esconderijo nas profundezas do
oceano de Vênus e estava agora a dez quilômetros do solo de Vênus.
Os saltadores, que estavam em volta do rastreador estrutural, foram se retirando
assim que viram seu patriarca entrar. Por sobre os ombros de Cokaze, Thomas Cardif
olhava para a tela, cheia de diagramas. O dispositivo de contagem, ao lado, que registrava
os estremecimentos estruturais, pulara no momento de 2.185 para 2.318. Isto queria dizer
que, a partir dos últimos cinco minutos, isto é, a contar do primeiro estremecimento,
2.318 supernaves já haviam saltado do hiperespaço para o sistema solar.
— Isto é a ajuda de Atlan para Perry Rhodan — disse Cardif nas costas de Cokaze,
esbravejando de cólera.
O velho patriarca enxugou o suor do rosto.
— Deuses do espaço! — disse com voz rouca. — Eu vos agradeço. Agradeço
também a você Cardif.
Batia afavelmente com a mão direita nos ombros de Thomas.
— Não fosse você, terrano, que teve a idéia de interrogar os dois prisioneiros do
destróier abatido, esta novidade chegaria tarde demais para nós. Teríamos atacado a Terra
e seríamos destroçados por esta frota recém-chegada, até o último aparelho. Obrigado,
terrano. Você merecerá a eterna gratidão da estirpe de Cokaze.
Acoplado ao rastreador, o totalizador estrutural estava, no momento, parado
exatamente no número 2.500. Duas mil e quinhentas naves apareceram em poucos
minutos, para se unirem à Frota Solar e resguardarem o pequeno sistema.
— Soltem os dois prisioneiros e os coloquem numa nave auxiliar — foi a última
ordem de Cokaze, antes que a Cok-II iniciasse a aceleração, para se afastar do sistema
solar com toda a frota dos saltadores.
Cerca de quatro mil naves tinham o mesmo destino: iam para 45 GH 32, um local
qualquer no espaço, que não devia ser identificado facilmente.
Uma hora e quarenta e oito minutos antes de esgotar o prazo dado pelo ultimato, o
espaço, nas proximidades do sistema solar, foi fortemente abalado por intensos
estremecimentos, indicando que as naves de Cokaze estavam desaparecendo.
Os cem mil homens de esmerada formação, que deixaram a Terra secretamente na
Titan e em cinco outras supernaves de carga, estavam voltando com mil novas belonaves
arcônidas, novinhas em folha. Traziam também uma frota de mil e quinhentas naves
robotizadas.
Foi o máximo em auxílio militar que Atlan podia fornecer à Terra. Mas foi também
um verdadeiro milagre da técnica o fato de cem mil especialistas em espaçonáutica
chegaram a Árcon e não terem outra coisa a fazer a não ser entrar nas supernaves, já
prontas, e voltar para a Terra. Os cem mil especialistas se sentiam à vontade nestas
moderníssimas criações arcônidas, e, abstraindo-se de pequenos incidentes normais em
grandes transições, tudo correu com perfeição.
O repentino aparecimento deste auxílio de Árcon poderia causar a impressão de que
Cokaze tivesse mudado de opinião em vista desta força imensa que vinha em socorro da
Terra. Mas Rhodan e Bell sabiam perfeitamente que o velho saltador dera ordem de sustar
a decolagem para o ataque, muito antes de chegarem as duas mil naves de Árcon.
— Perry — disse Bell — meu dedo polegar da mão direita está comichando. Creio
que temos de passar ainda por surpresas desagradáveis. Antes já tivesse acabado este
carregado ano 2.044.
— Prefiro que você me diga por que razão Cokaze sustou a decolagem de suas
naves, já prontas para o ataque da Terra. É melhor do que esta bobagem do seu dedo
polegar.
— Estou quebrando a cabeça há muito tempo com isto. É exatamente este o motivo
por que meu polegar está...
— Bell! Por favor, somos amigos, não somos?
— Claro que somos amigos — disse Bell distraído. — Mas tenho que lhe explicar
que...
— Então conservemos nossa amizade, Bell, ponha uma pimenta bem forte na boca,
quando pensar em falar do seu dedo polegar. Você vai me prometer isto, não é?
— Posso prometer sim. Mas neste exato momento meu polegar esta comichando
demais.
Rhodan deu um suspiro e sacudiu a cabeça resignado.
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