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CONTRA O AMOR
O catalão Esteve Soler é pouco complacente para com a humanidade. Segundo ele,
vivemos uma era de “desumanização progressiva” e o teatro deve cumprir seu papel de
surpreender, provocando a reflexão. No caso de Soler, através de um humor ácido e
cruel. É o que se poderá constatar em CONTRA O AMOR, o novo espetáculo do
coletivo Teatro do Instante, que faz temporada de 7 a 17 de junho, no Teatro Sílvio
Barbato, do SESC do Setor Comercial Sul, sempre de quinta a domingo.
Em tempos de disputa pelas imagens midiáticas, fake news, pós verdades e desespero
moral para definir o que é bom, belo e verdadeiro, o Jardim das Delícias surge de uma
necessidade da indefinição e (re)construção de horizontes. Uma vontade de buscar (e
borrar?) fronteiras linguísticas tentando outras comunicações expressivas.
Esse mesmo “bom, belo e verdadeiro”, ainda que sem definição, segue reinando como
paradigma de estéticas e éticas que nos mantém colonizados dentro de quadros
quadrados numa sensação de idade média existencial aliada ao processo de hiper
informação das redes de internet e suas comunidades que mais parecem feudos.
Todos entendem de tudo, e opinam sobre seus "entendimentos", mas e o entendimento
que escapa à razão binária que divide mente e corpo? O entendimento que passa
primeiro pela fantasia do corpo-mente? Que passa primeiro por aquilo que você-não-
sabe-exatamente-o-que-é mais te dá uma estranha vontade de continuar olhando? Talvez
esse Jardim também venha daí, da crença nesse entendimento que por não precisar ser
compreendido se comunica de maneira mutante com quem tem coragem de vir até ele,
no teatro.
Existe em nós também uma crença na coragem. Uma coragem nada heroica, talvez
muito antiga ou bastante nova. A coragem de manter uma cena contemporânea pulsante
e relacional fora dos modelos estabelecidos por curadorias e mercados, coragem de
olhar para o abismo de cacofonia e polifonias e retirar daí outras éticas, outras estéticas,
paisagens, possibilidades de horizontes ainda não vistos, outras vivências do que se tem
definido como (bom) teatro. Quem tem capacidade para sacudir estruturas deste mundo
atual senão as artes? Quais imaginários políticos ainda não podemos ver na paisagem
que se apresenta e como construir futuros projetando visões? A linguagem entra em
crise em tempos de crise. Quem pode trazer novas perguntas para impulsionar ou
desestabilizar os discursos ancestrais das verdades morais?
Justamente, não sabemos. Porém apresentamos em cena o delírio, a possibilidade de
dançar com o kaos e daí retirar micro utopias, uma cena lírica de imagens que pulsam. E
a vocês fica o convite a se permitir a delícia do delírio.
Seria a busca pela verdade talvez o grande delírio coletivo atual?
INSETOS