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Conversas

- Até porque esse papo de substância já tá batido, já deu. Não consigo mais com isso, com a
“essência” das coisas. Essa história de muitas vidas me cheira muito mais orgulho e teimosia
humana do que qualquer outra coisa. Fico espantado com toda a gana de permanecer. Pra
mim é isso, quando eu morrer, não vai restar algo do Mateus, algo último da minha existência.
Eu morro e sumo e logo, bem mais depressa do que gostaríamos de admitir, o que quer que
tenha sido eu sumirá também. Mas, afinal, estamos aqui eu e você, certo? Nessa noite, nessa
lua, nessa cama, meu corpo e o seu. E nessa conversa, sejamos francos, eu já morri algumas
vezes, e morro cada vez mais, assim como você. Desculpe-me, não entenda mal. Cabe a você
dar o tom desse fato; eu encaro antes como uma sentença de vida. Pois bem, nessa morte,
nesse extenso e insistente funeral, ou conversa, chame como quiser, você me ouve, me sente,
e algo de mim migra pra você. Certo? E algo de mim migra para porta quando giro a maçaneta,
quando abro a janela, quando pinto essas paredes. E então Mateus-cortina é algo a mais, de
restos. Talvez seja por aí que eu veja toda essa história de reencarnação. Mais como
migrações, quem sabe.

E me vejo e pergunto se perdi um pouco de mim na cortina, porque já sinto que dissolvo.
Enquanto mateus-cortina é algo a mais, sinto que sou menos. (A cortina não quis responder.)
Sim, é penoso aceitar que o meu expirar é foice. Mas veja, que belo é pensar que essa terceira
coisa cresce e recebe vida pelos canais de algumas mortes. Daí não sei dizer se morremos
realmente, e se a vida é coisa distinta. A cada migração diluo, a cada migração sou menos
Mateus-Mateus, se é que já um dia o fui, se é que tal ideia exista.( Por favor, não entremos no
setor da infância e do eu mais profundo, por favor, por favor.) Nem viver, nem morrer, sempre
tive jeito de migrar.

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