Você está na página 1de 3

ERRO DOURADO

Placas de madeiras móveis. Rosas. Uma fonte no meio.


3 jovens. Eles se transfiguram em musas, cupidos e flechas no decorrer dos
acontecimentos. Chamam-se Volusia, Mauro e Beto.
Mauro está sentado em confidência para a plateia. Reflexivo. Mauro e Volusia estão
sentados, apoiados uns nas costas do outro. Os dois fumam. Beto está de pé, entre eles,
de costas.
MAURO- Uma flecha por uma flecha não é nada, diga lá. Uma flecha muitas vezes é o
que faz, acontece. É ímpeto, é rumo, traça. Nem todas as flechas são iguais, depende do
material da ponta, da espessura da madeira, então, pense comigo, não é garantia
atravessar, correto? Já encontrei diversos forjadores e estudiosas de flechas nos últimos
tempos, nos inícios e fins de todos eles. Todas sempre me disseram uma coisa. Até por
que, é claro, eu perguntava: por que debruçar suas vidas em flechas? Elas todas me
respondem sempre uma coisa. Há vários tipos de flecha. Nem toda atravessa, veja, o
material tende. Mas há uma que não erra. E ao não errar causa os mais memoriosos
erros.
VOLUSIA- Ai, o que late tanto aí?
MAURO- Pensamentos, reflexões. Segredos.
VOLUSIA- Um segredo? Como os amo! Passe um.
MAURO- (vendendo o produto) Ah, mas este não é dos comuns, querida amiga. Este
me foi sussurrado no meu mais indecifrável sonho.
VOLUSIA- Há! Conheço você. Aposto que insiste pôr palavra atrás de palavra, jurando
todos os juramentos dos quatro ventos, de que em algum momento uma frase tropece
em algo majestoso. Pois bem deixe-me te contar o meu segredo: sua fala é nada mais
que uma solidão desregulada pedindo socorro!
Silêncio. Clima tenso.
BETO- Eu tenho um segredo.
Os outros dois voltam-se completamente para o rapaz.
VOLUSIA- Eu realmente ouvi isso? (ela olha para Mauro) O sujeito chega aqui, não
solta um pio durante 16 horas e, de repente... Olha só. Teu nome não diz?
BETO- (um pouco acanhado por toda a atenção) Hmm... é, ok. Bem, ontem não ficou a
me perguntar por onde andei? Meu nome é Beto.
MAURO- Mas é claro. Sumiu dois dias inteiros. Faltou sua primeira sessão. (pausa) E
sabemos que se chama Beto. Vimos sua ficha.
VOLUSIA- Não faltou quaisquer dias, vale ressaltar. Sábado e domingo, primeira
sessão. É muito importante para traçar todo seu percurso aqui.
BETO- Eu sei, mas...
MAURO- Cara. Compromisso é compromisso. Você quer que eu traga o papel? Ou
assinou de lápis?
VOLUSIA- Ah, este daí julga-se melhor que nós. Geralmente é assim, olhe para a cara
dele.
BETO- Não, gente. Não, não é nada disso. Eu sabia que era meu primeiro final de
semana. E que inclusive era dia de depoimento da Volu, eu recebi o email. Ainda assim,
decidi adiar para este final de semana. (Nervoso)
VOLUSIA – Obrigada! (Debochada)
BETO- (continuando)Eu decidi faltar.
Volusia e Mauro se ofendem ainda mais.
VOLUSIA – Deliberadamente?
MAURO- Diga logo que quer romper. Termine logo isto.
VOLUSIA- (impaciente) Mauro! Por favor, o horário de descarregamento dramático na
planilha está para aqui 25 minutos. Não zangue meus tímpanos. Decidiu faltar porque...
MAURO- Desembuche.
BETO- Bem, na verdade, é o motivo pelo qual estou aqui. Faltei porque estava no
workshop “Bem me quer mal me quer”. Com o instrutor Cavalheiras.
Volusia e Mauro ficam em silêncio. Depois, caem na gargalhada.
VOLUSIA- Desculpe julgar você mais cedo. Não esperava por isso.
MAURO- Não pense que é falta de sensibilidade nossa. Você só foi mais atravessado.
BETO- O quê?
VOLUSIA- (Interrompe a explicação de Mauro.) Conte pra gente. Está nos torturando a
cada segundo que não detalha esse evento.
BETO- (meio zumbi, revivendo a memória) Tudo começou com o email. Recebi um
email da assessoria deles, com a propaganda do workshop, despretensioso. Logo
descartei a proposta. Eu estava mal. Mas não estava tão mal. Sabe? Fui dormir. Só que
não conseguia parar de pensar nisso. Não aguentei, peguei meu celular e abri o site. E
bem, vocês já viram o site. É cheio de testemunhos e promoções. E eu me encaixava na
última promoção, que era de término recente. O design do canal também é muito
atraente... Cheguei a conclusão de que não havia mal naquilo. Seria 80 reais. Eu
ganharia sonhos de valsa e ombros pra chorar. Então fui.
MAURO- Em todo esse tempo aqui, nunca tinha conhecido algum participante do
workshop Carvalheiras. Impressionante.
VOLUSIA- Calma. Se foi tudo tão certo, por que está aqui?
BETO- Quem disse em algum momento sobre certo? Mulher, eu tenho 20 anos. Estudo,
tenho duas cachorras, espinhas, all-stars, pôsteres nas paredes no meu quarto. No
momento em que cheguei, eu sabia que estava tudo errado. Tem alguma coisa errada
comigo. Se não tivesse não teria ido para esse workshop aos 20 anos. Conversei com
umas amigas. Elas já tinham ouvido falar de vocês. Pensei que não faria mal, mandei a
inscrição e vocês me aceitaram.

Você também pode gostar