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GUILHERME TESTA

ANO 123 | Nº 50
PORTO ALEGRE, DOMINGO, 19/11/2017
SC, PR - R$ 3,00 | RS - R$ 2,50

Regularização
esbarra na realidade

A restrição imposta
por bancos às farmácias
uruguaias que vendem
maconha criou um
obstáculo a uma das
etapas do projeto de
legalização do produto no
país, mas outras formas
de aquisição já estão
em funcionamento
e avaliação

ALINA SOUZA JONATHAS COSTA / ESPECIAL / CP

POLÍTICA PORTO ENART NOS


EXTERNA SURPREENDE BASTIDORES
Ex-ministro Celso Cidade portuguesa Grupos se dedicam
Amorim faz críticas se transformou o ano todo a
à política externa com investimento preparar a grande
e diz que o Brasil em turismo, apresentação que
perdeu relevância infraestrutura ocorre em
no cenário mundial e inovação Santa Cruz do Sul
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REPORTAGEM 8 | CORREIO DO POVO +DOMINGO | 19/11/2017

Obstáculo
ao projeto de
legalização
DANTON JÚNIOR

Ú
ltima etapa de um ambicioso de idade) acompanhados dos pais até ido- No interior do país,
A venda de projeto do governo do Uruguai sos na faixa dos 80 anos. “O período foi além de poder contar
maconha nas para regular o uso recreativo bom porque nos permitiu abrir a cabeça, com mais terras para o
da maconha, a venda do produ- ao ver que as pessoas que consumiam cultivo, os usuários
farmácias uruguaias to nas farmácias encontra obstáculos pa- não eram aquelas que estavam sendo es- têm poucas farmácias
ra se manter. Grande parte dos estabele- tigmatizadas”, acrescenta o comerciante. habilitadas à venda.
encontra barreiras cimentos habilitados à venda pediu o des- Todos os adquirentes estão cadastrados Fernandez faz o
credenciamento ao Instituto de no Ircca e eram identificados, na farmá- cultivo próprio
já que bancos da planta
Regulación y Control del Cannabis (Irc- cia, por um sistema que reconhece a im-
apresentaram ca) depois que bancos apresentaram res- pressão digital do usuário, mecanismo
trições às empresas que comercializas- que, no começo, provocou a desconfiança
restrições às sem o produto. Enquanto o governo uru- de muitos consumidores. As vendas ocor-
empresas que guaio busca uma solução legal para o im- rem somente com dinheiro e cada pessoa
passe, as outras duas vias de consumo pode adquirir até 40 gramas por mês.
comercializam o previstas na lei que regulou a maconha, O casal não descarta retomar a venda
produto. No país, o autocultivo e os clubes canábicos, se- da maconha no futuro, mas lamenta a ati-
guem ganhando adeptos. Ao mesmo tem- tude do governo uruguaio em relação ao
a legalização ainda po, a lei sancionada em 2013 pelo então caso. A lei foi criada durante o mandato
presidente José Mujica é questionada no de José “Pepe” Mujica (2010-2015), mas a
não é consenso, mas parlamento uruguaio. venda nas farmácias teve início na gestão
muitos entendem Em Artigas, município mais populoso Tabaré Vázquez, que em 2015 assumiu a
do extremo-norte uruguaio, e que faz divi- presidência pela segunda vez. Embora
que se trata da sa com a cidade gaúcha de Quaraí, a úni- ambos sejam do mesmo partido, o esquer-
ca farmácia que foi autorizada a comer- dista Frente Ampla, há quem veja uma
melhor maneira de cializar a maconha suspendeu as vendas mudança de postura do governo com rela-
lidar com a droga em setembro. Localizada na região cen- ção à maconha. “Ninguém saiu a defen-
tral da cidade, a poucos minutos da Ponte der o propósito da lei”, queixa-se Xavier,
Internacional da Concórdia, o pequeno es- sobre o imbróglio com os bancos. “Não
tabelecimento recebeu os novos clientes houve vontade política. A lei enfocava o
durante pouco mais de um mês. De início, combate ao narcotráfico, mas também ha-
o casal de proprietários Luis Carlos Xa- via o componente da saúde pública, e o
vier e Kelsey Irache se mostrou reticente governo não defendeu isso”, resume.
com a lei que previa a regulação da maco- Os entraves encontrados pelas farmá-
nha. “Tínhamos a cabeça ‘feita’, estigmati- cias contrastam com a euforia percebida
závamos o consumidor”, afirma ele. nos primeiros dias de venda do produto,
Se por um lado os consumidores consi- em julho deste ano. Em Montevidéu, usuá-
deravam que a maconha vendida na far- rios cadastrados esgotaram o estoque de
mácia era mais “suave”, por outro, sa- quatro farmácias durante o primeiro dia
biam que sua procedência não era duvi- de comercialização. Alguns destes estabe-
dosa. “Muita gente nos agradeceu o fato lecimentos registraram longas filas na por-
de não ter de recorrer às ‘bocas’ de ven- ta de entrada antes de a venda ser inicia-
da”, comenta Luis Carlos. O perfil do pú- da. As duas variedades colocadas no mer-
blico, diferente daquele imaginado inicial- cado pelo governo uruguaio, chamadas de
mente, surpreendeu os proprietários. En- Alfa I e Beta I, contam com uma porcenta-
tre eles estavam desde jovens (maiores gem de 2% de tetrahidrocanabinol (THC),
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Formas
de consumo
regulamentadas
pela lei 19.172

Farmácias
A erva pode ser adquirida nas
farmácias do país em quantida-
des de 5 ou 10 gramas. Duas va-
riedades estão disponíveis para
comercialização nesses estabele-
cimentos, a Alfa I e a Beta I. O
preço inicial era de 1,30 dólar
por grama. Os consumidores de-
vem ser maiores de 18 anos, ter
cidadania uruguaia legal ou natu-
ral e residência permanente devi-
damente credenciada.

Consumidores registrados:
15.192

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e assista a vídeo com entrevistas
Autocultivo
sobre as formas de consumo
da maconha no Uruguai O autocultivador deve registrar-
se por meio dos Correios e está
autorizado a cultivar a maconha
em sua residência, para consu-
mo próprio ou compartilhado no
componente psicoativo da planta. Em ca- be diariamente turistas dos dois países próprio lugar, desde que a plan-
da embalagem, de cinco gramas do produ- vizinhos. Numa casa simples, a poucos tação não supere seis plantas fê-
to, há recomendações ao usuário. minutos da fronteira com a cidade gaú- meas. O produto total deste culti-
A venda nas farmácias começou a en- cha de Barra do Quaraí, a dona de casa vo não pode ser superior a 480
frentar problemas em meados de agosto Hilda Pereira cuida com esmero alguns gramas por ano.
deste ano, quando o setor bancário infor- pés de tomate que cultiva no quintal. Ao
mou que não iria trabalhar com estabele- lado das hortaliças, há uma estufa com
cimentos que estivessem relacionados à seis pés de maconha em flor, máximo Cultivadores registrados:
produção e à venda de maconha. Uma permitido aos autocultivadores pela lei 7.487
das alternativas discutidas pelas farmá- uruguaia.
cias, à época, foi a abertura de contas O responsável pela plantação é o ven-
em cooperativas de poupança e crédito dedor de insumos agrícolas Sebastian
ou em redes de cobranças de contas, po- Fernandez, 33 anos, filho de Hilda e um
rém a iniciativa não evoluiu. Além dos entusiasta do autocultivo. “Em Montevi- Clubes canábicos
bancos internacionais, o estatal Banco déu, onde está metade da população do
República somou-se à restrição. A postu- país, o pessoal geralmente não tem quin- Constituídos na forma de associa-
ra é justificada pelo fato de a maconha tal para produzir, então a maioria vai ção civil, os clubes canábicos do
ser criminalizada internacionalmente, de comprar na farmácia, que é a única alter-
Uruguai devem ter sua criação
modo que as normas financeiras de ou- nativa”, relata. No interior do país, além
tros países impedem a relação e o recebi- de poder contar com mais terras para o aprovada e reconhecida pelo go-
mento de dinheiro proveniente da sua cultivo, os usuários têm poucas farmá- verno federal. As associações
venda. Hoje, 12 farmácias estão habilita- cias habilitadas à venda. Fernandez parti- têm como objetivo a produção
das a realizar a venda, segundo o Ircca, cipou da mobilização realizada em 2012, voltada exclusivamente ao con-
sendo que cinco delas estão localizada conhecida como “Amanhecer Verde”, que sumo de seus membros, em nú-
em Montevidéu. Em julho, eram 16 esta- tinha como uma de suas bandeiras a per- mero de 15 a 45 por clube. A
belecimentos registrados e havia a expec- missão para o cultivo próprio da planta. plantação total está limitada a
tativa de que o número se ampliasse. Para se tornar um autocultivador é ne- 99 plantas e a produção não po-
O ex-presidente e hoje senador José cessário cadastrar-se junto a uma agên- de superar 480 gramas anuais
Mujica chegou a declarar que as autorida- cia dos correios. Cada indivíduo registra-
des econômicas do atual governo deve- do tem a permissão para cultivar até seis por associado.
riam renunciar se não encontrarem uma pés de maconha em flor. Não se trata de
solução para o problema. Foi durante o mera formalidade. Segundo Fernandez, Clubes registrados:
governo de Mujica que o Uruguai publi- fiscais do Ircca já foram duas vezes ao lo- 68
cou a lei 19.172 de dezembro de 2013, cal para vistoriar a plantação, ambas em
que legalizou a produção, distribuição e 2016. As principais vantagens do autocul-
venda da maconha no pequeno país de 3 tivo, segundo ele, são o custo, menor do Fonte: Instituto de Regulación
milhões de habitantes, por meio de três que a compra ilegal, e a garantia da pro- y Control del Cannabis
modalidades excludentes entre si. Ou se- cedência. “Consumíamos uma maconha
ja, não é permitido ter acesso à substân- que não era a mesma coisa. Era uma coi-
cia por mais de uma via (ver box). sa prensada do Paraguai, que usa insetici-
A pacata Bella Unión, com seus 13 mil da, que tem fungo, causa um dano tre-
habitantes, tem como principal atrativo mendo para os pulmões”, observa.
os freeshops. Devido à sua localização — Na vizinhança da pequena cidade, on-
faz fronteira tanto com o Brasil quanto de todos os moradores se conhecem, Fer-
com a argentina Monte Caseros —, rece- nandez diz não ter encontrado problemas. CONTINUA >>
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“Sou fumante desde os 17 anos. Todos Amarilla, a lei não surtiu o efeito que se
os meus vizinhos sabem, não tenho pro- esperava com relação ao seu impacto no
blema com ninguém, então acho que nes- tráfico de drogas. Um dos objetivos do
te sentido a sociedade tem avançado governo uruguaio, ao regular a maco- Grande parte das
bastante”, relata. A rotina na plantação nha, era justamente debilitar o mercado
inclui cuidados especiais com a ilumina-
ção das plantas, já que a quantidade de
ilegal. “Os números de apreensão de dro-
gas por parte da polícia dizem que está
farmácias habilitadas
horas de luz é o que regula se o pé irá
florescer. Em alguns dias, também é ne-
entrando (no país) um volume igual ou
superior do que aquele que ingressava
à venda pediu
cessário regar. As sementes devem ser
adquiridas de produtores autorizados pe-
antes da lei”, argumenta. O parlamentar
chama a atenção ainda para o fato de descredenciamento ao
lo Ircca. Embora o espaço para os pés
de tomate tenha ficado menor, Hilda diz
que muitos consumidores não podem se
registrar no Ircca por serem menores de Instituto de
não se sentir incomodada com o novo idade. Alerta, ainda, para a existência
cultivo. “Sei que meus filhos estão consu- do “turismo canábico”. “Estes setores Regulación y Control
mindo uma planta”, afirma ela, que tam- compram no mercado negro, ou ‘cinza’,
bém temia pelo fato de, antes, o filho pre-
cisar recorrer às “bocas” para comprar.
que começa a ser gerado pelas formas
legais de aquisição da droga.”
del Cannabis
A outra modalidade de consumo que
tem ganhado adeptos no Uruguai, pre-
O projeto apresentado por Amarilla
conta, segundo ele, com a assinatura de
depois que bancos
vista na lei nacional que regulamentou
a maconha, é a criação dos clubes caná-
vários parlamentares. “Creio que a pro-
dução e a venda de maconha por parte
apresentaram
bicos, autorizada em 2014. Cada uma
destas associações pode contar com no
do Estado é um mau sinal para a popu-
lação. A mensagem mais confusa é que, restrições às empresas
mínimo 15 e no máximo 45 membros. A
plantação está limitada a 99 plantas fê-
além de tudo, a maconha é vendida em
farmácias, lugares em que no imaginá- que comercializassem
meas e a produção anual não pode su- rio coletivo se vendem coisas boas para
perar as 480 gramas por associado. Nes-
tes clubes, o cultivo é destinado apenas
a saúde”, acrescenta o deputado.
Para quem defende a regulação, ainda
o produto. Enquanto o
ao consumo dos seus membros. Segun-
do o Ircca, atualmente existem 68 clu-
é cedo para que possa ser feita uma ava-
liação acerca do impacto da lei no tráfico
governo o busca
bes cadastrados junto ao governo.
Carlos “Ojito” Aranaga, 29 anos, traba-
de drogas. O ex-deputado Nicolas Nuñez,
correlator no parlamento do texto da lei
solução legal para o
lhador do setor da construção civil, busca
a criação de um clube canábico em Bella
que regulamenta o uso, afirma que é ne-
cessário aguardar o desenrolar da venda impasse, as outras
Unión. “A vantagem é que temos mais va-
riedades e que são mais fortes do que as
da substância nas farmácias, que foi o
que deu o grande salto quantitativo em duas vias de consumo
da farmácia, com 16% de psicoatividade”, termos de consumidores cadastrados.
relata. Na avaliação dele, o imbróglio en- “Creio que vamos conseguir medir o im- previstas na lei que
volvendo os bancos pode até prejudicar a pacto ao narcotráfico quando for solucio-
venda da maconha nas farmácias, mas
não deverá influenciar a continuidade do
nado o problema da venda nas farmá-
cias.” Logo nas primeiras semanas da
regulou a maconha -
consumo tanto no autocultivo quanto na
modalidade de clube canábico.
venda, o número de usuários cadastra-
dos saltou de 4 mil para os atuais 15 mil.
Em Artigas, Luis Carlos
Xavier e Kelsey Irache,
autocultivo e clubes
A inspiração dos uruguaios foram os
clubes canábicos existentes na Espanha.
Embora a apreensão de maconha ilegal
esteja em alta, Nuñez afirma que, após o
proprietários da única
farmácia da cidade canábicos - seguem
Porém, há algumas diferenças substan- início da venda legalizada, em julho, os
ganhando adeptos
que vendia maconha,
ciais entre os dois modelos. A principal traficantes começaram a perceber que o lamentaram terem que
é o número limitado de associados, já programa de regulação estava tirando parar de comercializar
que no país europeu os membros podem uma porção considerável dos seus “clien- o produto
chegar a mais de mil. “É uma política tes”. “Talvez tenha sido isso que alertou
muito importante para aqueles consumi- os bancos”, complementa o ex-parlamen-
dores frequentes, porque por meio do tar, que questiona o fato de que o siste-
clube eles podem conseguir a qualidade ma financeiro, segundo ele, aparentemen-
e a quantidade que não encontram na te não adotou a mesma postura com o di-
farmácia”, destaca o ex-deputado da nheiro proveniente do tráfico. “Por acaso
Frente Ampla Nicolas Nuñez. Além dis- os narcotraficantes guardam o dinheiro
so, segundo ele, o clube também vai de embaixo do colchão?”, questiona.
encontro ao individualismo, ao permitir Apesar do impasse que hoje envolve a
que os usuários compartilhem experiên- venda nas farmácias, Nuñez diz que o
cias e dividam os custos de produção. embate não coloca em risco a continui-
dade do programa de regulação. “A in-
EMBATE NO PARLAMENTO certeza é sobre como o Uruguai vai solu-
. cionar o problema. Em todo o caso, o
O impacto do programa uruguaio de que está muito claro é que a política de
regulação da maconha está longe de ser regulação veio para ficar e podemos con-
ponto pacífico. Grande parte da popula- tornar esse problema, que é um dos vá-
ção ainda é contra a medida, segundo rios que surgiram com a regulação”, opi-
pesquisas de opinião. Ao mesmo tempo, na. Eleito deputado pela Frente Ampla,
psiquiatras têm alertado para os efeitos Nuñez afirma não ver diferenças subs-
do aumento do consumo e os danos pro- tanciais entre os governos de Pepe Muji-
vocados pela maconha especialmente na ca e o de Tabaré Vasquez no que se re-
população jovem. “Podemos dizer com fere à regulação da maconha. “Ambos
certeza que desde o início da vigência da têm um enfoque de redução de danos,
lei o consumo tem aumentado porque bai- com a regulação como forma de reduzir
xou a percepção de risco da droga, ou se- problemas à saúde”, explica. Um dos fa-
ja, se desenvolveu na população a ideia tores que sustentam essa afirmação é
de que consumir maconha não é tão que o presidente do Ircca foi o mesmo
ruim”, afirma o deputado oposicionista desde a criação do instituto, em 2013, o
Gerardo Amarilla, autor de um projeto sociólogo Augusto Vitale. No entanto, há
que visa suspender a lei hoje em vigor. duas semanas, Vitale foi substituído no
O deputado cita dados do Instituto cargo pelo secretário-geral da Junta Na-
Nacional de Estatística, que, segundo cional de Drogas, Diego Olivera.
ele, demonstram que o uso da maconha Outra evidência de que o programa na-
aumentou inclusive entre os adolescen- cional está consolidado, segundo Nuñez,
tes, superando o consumo do tabaco. é a adesão ao autocultivo e aos clubes
Também relata que a Comissão Intera- canábicos, que tiveram início antes mes-
mericana para o Controle do Abuso de mo de começar a venda nas farmácias.
Drogas (OEA) divulgou que o Uruguai “Foi a primeira válvula de escape que os
encabeça a lista dos países com mais fa- consumidores encontraram para poder
cilidade de acesso à maconha e a ou- acessar uma substância de qualidade e
tras substâncias. Além disso, segundo regulada”, avalia o ex-parlamentar.
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DIEGO MARTÍN OLIVERA COUTO,


O impacto do programa SECRETÁRIO-GERAL DA JUNTA
uruguaio de regulação NACIONAL DE DROGAS DO URUGUAI
da maconha está longe Que avaliação o senhor faz da

JUAN COMMITANTE / DIVULGAÇÃO / CP


lei até o momento? O tráfico está
de ser ponto pacífico enfraquecido?
A primeira coisa a dizer é que obti-
no país. Grande vemos uma implantação adequada e
completa das disposições estabeleci-
das pela lei nº 19.172. Deve-se desta-
parte da população car os avanços nas três áreas de de-
senvolvimento sobre as quais se esta-
ainda é contra a beleceu uma nova regulação: o uso
não médico, a pesquisa científica e a
medida, segundo produção com fins medicinais e, por úl-
timo, o uso industrial do cânhamo
apontam pesquisas (cannabis sem psicoatividade). Esse
processo foi liderado pelo recentemen-
de opinião, e, no te criado Instituto de Regulación y
Control del Cannabis, uma instituição
parlamento, o debate pública que atua sob a coordenação
dos ministérios de Saúde Pública, Agri-
cultura, Desenvolvimento Social e da
também prossegue. Secretaria Nacional de Drogas. Consi-
deramos que ainda é cedo para abor-
Ao mesmo tempo, darmos uma avaliação exaustiva dos
impactos da regulação da cannabis
psiquiatras têm no Uruguai, no entanto os indicadores
referentes ao monitoramento da que se faz necessário ampliar essa re-
alertado para os efeitos implementação nos encorajam a ser
otimistas e reconhecer resultados posi-
de, temos previsto habilitar a outorga
de novas licenças a estabelecimentos
do aumento do tivos com relação ao novo mercado,
com o consequente deslocamento de
dedicados primordialmente à venda
da cannabis para que possam operar
uma boa parte das atividades ilícitas sob controle e supervisão do Instituto
consumo e os do tráfico de maconha. de Regulación y Control del Cannabis.

danos provocados É possível afirmar que o consu-


mo de maconha aumentou no
Quanto o governo arrecada com a
venda?
pela maconha, Uruguai?
Não. Pelo menos, não se pode dizer
10% do valor final da cannabis que
é vendida ao público é coletado pelo
especialmente na que o aumento da prevalência do con-
sumo de cannabis seja explicado pela
Ircca para cobrir os custos do seu fun-
cionamento e apoiar o desenvolvimen-
população jovem. nova regulamentação. Existe uma ten-
dência em todo o mundo ocidental, e
to de tarefas estratégicas como preven-
ção e controle.
em nossa região em particular, a um
incremento no uso da cannabis, que Quantas empresas estão habilita-
se estende principalmente a partir dos das a fornecer e vender a maco-
primeiros anos do século XXI. Novas nha no país?
medidas que vamos realizar no próxi- Duas empresas foram autorizadas a
mo ano nos permitirão ter mais infor- abastecer o sistema de venda nas far-
GUILHERME TESTA

mações sobre isso. mácias, que podem colher um máximo


de 4 toneladas de cannabis psicoativa
O governo tem feito algo pela pre- por ano. Além disso, há diversas licen-
venção ao consumo abusivo? ças de produção em área de desenvol-
As tarefas de educação, vimento do cânhamo industrial. Recen-
conscientização e prevenção são de im- temente, foi expedida a primeira licen-
portância primordial para a Secreta- ça para produção com fins medicinais.
ria de Drogas e o governo em geral. É esperado que nestes dois campos se
Elas estendem-se principalmente ao continue licenciando novas empresas
trabalho coordenado com o sistema de pelos próximos meses.
ensino e com os projetos sociais na
proximidade das comunidades. O uso A experiência uruguaia pode ser
de ferramentas de comunicação de adotada por outros países?
massa, tanto as tradicionais quanto as Não cabe a nós responder. O Uru-
digitais, é incorporado para influen- guai tomou uma decisão soberana, a
ciar uma percepção adequada dos ris- partir do funcionamento do seu siste-
cos associados ao uso da cannabis no ma democrático, que visa melhorar os
público em geral, mas com especial ên- resultados das políticas de drogas a
fase em adolescentes, motoristas, mu- partir de uma perspectiva de bem-es-
lheres grávidas e trabalhadores duran- tar social, promoção integral da saúde
te a jornada de trabalho. É importante e respeito pelos direitos humanos (in-
lembrar que, no Uruguai, qualquer ti- cluindo dos próprios usuários). Bus-
po de promoção ou publicidade de can- cou-se uma tentativa de propor uma al-
nabis como objeto de consumo é estri- ternativa ao modelo proibicionista de
tamente proibida, assim como os pro- “guerra contra as drogas”, uma vez
dutos do tabaco. que existe um forte consenso em tor-
no da ideia do seu esgotamento. É evi-
Quais soluções estão sendo discuti- dente que, neste contexto, existem di-
das para a questão da venda nas ferentes países e instituições que ob-
farmácias? servam com interesse o desenvolvi-
Em primeiro lugar, fortalecer e me- mento destas ações, considerando tam-
lhorar o alcance da rede de farmácias bém o alto conceito que possuem as
do tipo comunitária. Atualmente, e instituições uruguaias em geral. Neste
apesar dos problemas para operar contexto, agiremos com a maior res-
dentro do sistema financeiro, se man- ponsabilidade e transparência, enten-
tém uma rede de pontos de venda que dendo que cada país deve tomar suas
cresceu nos últimos dias. À medida próprias decisões.

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