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UMA INTRODUÇÃO À "TEORIA SOCIAL MARXIANA"

Prof. Dr. Carlos Estevão Ferreira Castelo/CCJSA-UFAC

INTRODUÇÃO

Karl Marx (1818-1883) foi, entre poucos pensadores da história, o formulador


de ideias sobre questões intelectuais e práticas que propiciaram os maiores
impactos já vistos na história da humanidade. No campo das Ciências Sociais, por
exemplo, Marx está certamente entre os maiores (senão for o maior).
No transcorrer de sua trajetória escreveu muito (inclusive, há escritos de
Marx que até hoje não foram devidamente estudados e/ou divulgados). Talvez tenha
sido um dos seres humanos que mais compreendeu os movimentos e a dinâmica do
modo de produção capitalista. Inclusive, suas reflexões e contribuições sobre esse
modo de organização da produção de mercadorias estão, em sua maioria, contidos
na obra intitulada “O Capital: crítica da economia política".
No desenvolvimento de sua teoria social (da sociedade burguesa), Marx
estudou com profundidade a reprodução dos movimentos reais dessa sociedade. Ou
seja: sua gênese, seu desenvolvimento, e também as condições para sua extinção.
Para ele, era somente através da descoberta dos movimentos estruturais dessa
forma de sociedade (seu objeto de pesquisa) é que ter-se-ia condições objetivas
para criar uma "teoria social".
Marx iniciou seu estudo pela crítica da filosofia (de Hegel). Depois, se
deslocou para a crítica da economia, no caso da economia política clássica (de
Smith e Ricardo). Não é por acaso que a palavra crítica aparece no título do
"Capital" como também em várias outras obras. Observa-se que crítica, para Marx,
significava: 1) trazer à consciência o conhecimento de algo indo aos fundamentos,
com o objetivo da explicitação. 2) apropriar-se desse algo para negá-lo e superá-lo
(no sentido de incorporar o que seria válido, mas colocando o "algo analisado" em
outro plano). É por isso que quando Marx faz sua crítica à economia política
clássica, seu objetivo maior é resgatar dela o que existiria de bom e expurgar o que,
na sua visão, não serviria (a "mão invisível", por exemplo).
Pode-se dizer que a relação de Marx com os pensadores da economia
política clássica era bastante interessante, e complexa. Por um lado foi influenciado
em grande medida, principalmente com respeito às discussões acerca do valor das
mercadorias. Mas, com respeito a outros postulados era um crítico rigoroso. Na
visão de Marx, a maior deficiência dos "economistas clássicos" teria sido a falta de
perspectiva histórica. Segundo ele, se os pensadores clássicos tivessem estudado
história com mais profundidade poderiam ter descoberto que a produção é uma
atividade social que pode assumir muitas maneiras e modos, dependendo das
formas vigentes de organização social e das correspondentes técnicas de produção.
Apesar disso, Marx dava muito valor aos clássicos e sua economia política. Isso
porque sabia que alí continha uma teoria social. Já com respeito ao tipo de
economia que apareceu por volta de 1870/80, feita por Alfred Marshall e outros ditos
"neoclássicos", Marx simplesmente desprezava, considerava esse tipo de economia
como "vulgar".
É importante notar que Marx vai se concentrar na realização de sua crítica
da economia política clássica, porque acreditava que para compreender a
sociedade burguesa (seu objeto de estudo) a primeira condição seria entender os
modos como se davam as condições de produção/reprodução da vida social. Em
outros termos: as condições sociais que permitiriam a vida social. Conhecer como se
criava e se distribuía a riqueza que suportava a vida social. Para Marx, sem esse
conhecimento, não seria possível conhecer mais nada. Portanto, somente através de
uma crítica da economia política que se dariam as condições para se conhecer os
movimentos da sociedade burguesa. Em outras palavras: Marx queria saber o quê,
nos clássicos, poderia ser considerado ciência, e o quê seria, apenas, ideologia. Só
assim ele teria condições de fazer avançar a economia política do ponto de vista da
teoria do valor e da produção. Marx não fundou nenhuma "nova economia".
Outro ponto a destacar nessa introdução é que em Marx não encontramos
muitas definições. Ele não trabalha com um "método de definições" (muito comum
desde Aristóteles). Trabalha com "categorias". Isso porque, para ele, não se constrói
teoria alguma sem o recurso de categorias. Categoria significando a "forma de ser",
o "modo de existência do ser social". Exemplo: trabalho assalariado seria uma
categoria para Marx, pois possuía existência real. Seria um modo de ser do ser
social.
1. UMA LEITURA INTRODUTÓRIA DO CAPITAL: CAPITULO 1 AO 4

O interesse maior de Marx sempre foi explicar a natureza da relação social


entre capitalistas e trabalhadores, relação entre salários e lucros. Por isso mesmo,
ao perceber que o capitalismo consistia um sistema em que a riqueza reduzia-se a
uma imensa acumulação de mercadoria (com uma única mercadoria como unidade),
Marx parte suas problematizações no "Capital" procurando entender o conceito de
mercadoria.
Para Marx, a mercadoria tinha duas características essenciais: era uma
“coisa” que, por suas propriedades especificas, satisfazia necessidades humanas.
Nesse sentido, as qualidades físicas particulares de uma mercadoria que tinham
utilidade para as pessoas faziam com que a mesma tivesse “valor de uso”. Além
disso, as mercadorias seriam uma espécie de depositário material de “valor de
troca”. O “valor de troca” de uma mercadoria, portanto, seria a relação entre a
quantidade dessa mercadoria que se poderia conseguir em troca de uma certa
quantidade de uma outra mercadoria, ou outras mercadorias.
Diferente de outras formas históricas anteriores, no capitalismo todo e
qualquer artefato seria um produto para ser trocado. Para Marx, é a lógica da troca
que determina o comportamento dos agentes no mercado, e não quaisquer outras
motivações. Dessa forma, a formulação de Marx da “Teoria do Valor” parte da
mercadoria e do dinheiro, para, em seguida, chegar ao capital. Pode-se afirmar que
a “Teoria do Valor” seria uma espécie de “ponte” entre o “Reino das Mercadorias” e
o “Reino do Capital”.
No capítulo primeiro de “O Capital”, Marx considera uma economia mercantil
simples (de trocas simples) para iniciar seu estudo da mercadoria. Neste capítulo,
uma questão é apresentada: porque x de uma mercadoria A é igual a y de uma
mercadoria B? O que encerra essa equação?
Problematizando sobre a equação, Marx aponta, inicialmente, que a mesma
é uma relação de desiguais, pois A é diferente de B (trigo é diferente de mesa, por
exemplo), ou ainda, A atende a certas necessidades e B atende a outras
necessidades. Mas Marx também destaca que no ato concreto da troca A e B
tornam-se iguais. Como, então, coisas distintas se igualam? Ou em que condições o
trabalho concreto, específico do agricultor que produz trigo é o mesmo trabalho do
carpinteiro que produz mesas, se sabemos que ambos são trabalhos diferentes e
que resultam em produtos diferentes. Marx chama esses trabalhos específicos, que
resultam em produtos específicos, e que atendem a necessidades específicas, de
“Trabalho Concreto”.
Continuando sua argumentação, Marx faz as seguintes indagações: em que
condições os produtos de trabalhos diferentes se tornam iguais? Será que sempre
foi assim? Será porque os trabalhos concretos são iguais? Ou será pelo fato de A e
B serem úteis? Por exclusão, Marx chega ao trabalho social. As mercadorias A e B
(trigo e mesa) são frutos do trabalho social disperso entre produtores independentes.
Marx chama a atenção (que é exatamente o que o difere de Smith, Ricardo e dos
Fisiocratas) para o fato do “trabalho concreto”, além de concreto ter que ser algo
mais numa sociedade mercantil (sociedade de trocas), ou seja, não bastaria para a
reprodução da sociedade produzir o produto A, B ou C se eles não forem trocados.
Portanto, o que expressa a igualdade (x da mercadoria A = y da mercadoria
B) é o caráter social do trabalho de A e de B. A igualdade é o ato que expressa
concretamente a sociabilidade do trabalho. Os trabalhos que produziram A e B,
apesar de desiguais, são iguais porque todos formam parcelas do trabalho social.
Marx chama esse trabalho que expressa concretamente numa sociedade mercantil a
sociabilidade do trabalho, de “Trabalho Abstrato”.

1.1 A QUESTÃO DO VALOR DAS MERCADORIAS SEGUNDO A CONCEPÇÃO


DE KARL MARX.

Segundo Marx, o valor de uma mercadoria é a expressão do que dela pode


dispor de outras mercadorias o seu produtor. O valor não expressa nada do
conteúdo particular do trigo, da mesa, etc., expressa a capacidade que a mercadoria
tem de comprar outras mercadorias (expressão de poder de compra). O produtor de
A não pode dispor de B sem vender seu próprio produto. Só há um meio do produtor
de A dispor de outro produto que não produz, mas necessita para sua reprodução,
que é mediante a troca. O Valor de uma mercadoria é simplesmente a capacidade
de comprar outra mercadoria.
Observa-se que x da mercadoria A deve conter a mesma quantidade de y da
mercadoria B em termos de trabalho. Entretanto, esse trabalho não é o trabalho
individual, particular, é o trabalho socialmente necessário (ou tempo de trabalho
socialmente necessário - trabalho realizado nas condições socialmente médias
vigentes na sociedade).
Para Marx, o que caracteriza o mundo das mercadorias não é o fato do
trabalho ser base de toda a riqueza, mas sim o fato de que o trabalho tem que ser
expressado numa mercadoria, e ser trocado. No mundo das mercadorias, da divisão
social do trabalho e da propriedade privada, os diversos produtores independentes
que se dedicam a produzir os produtos, só conseguem expressar o seu
relacionamento com outros no ato concreto da troca (permuta da quantidade de uma
mercadoria por uma quantidade de outra mercadoria). O ato em que o produtor de A
revela o caráter social de seu trabalho e garante a sua subsistência, é o ato em que
ele consegue obter de B troca equivalente ao esforço de seu próprio trabalho.
As mercadorias, apesar de serem trabalho, só conseguem expressar o
conteúdo do trabalho contido nelas, ou seu valor, numa outra mercadoria. Marx
chama essa forma de expressar uma mercadoria na outra, de forma simples do valor
(simples ou fortuita), sendo que a mercadoria que se empresta para medir o valor
das outras é chamada "equivalente".
Desenvolvendo a forma simples Marx chega à forma total do valor, que seria
quando o valor de certa mercadoria é expresso em inúmeras outras mercadorias.
Observa-se que quando uma mercadoria é expressão dos valores do conjunto das
outras mercadorias ela é um “equivalente geral”. A mercadoria que é “equivalente
geral” perde seu conteúdo material, o valor de uso particular, pois sua finalidade é
somente expressar o valor de outras mercadorias.
Para Marx, o dinheiro (ouro) é a mercadoria equivalente que se tornou geral
devido a certas características que dispõe como durabilidade, divisibilidade, etc., e,
principalmente, porque foi eleito para ser dinheiro pela sociedade (eleição social).
Segundo Marx, no mundo das mercadorias, o dinheiro está sempre tencionado a ser
transformado em Capital.
É no capitulo terceiro de sua principal obra que Marx se dedica ao estudo
das funções do dinheiro e do curso do dinheiro. Sinteticamente pode-se apontar que
o dinheiro pode ter as funções de medida de valor, meio de circulação, e meio de
pagamento (produtor A vende para o produtor B, mas não recebe imediatamente,
recebe uma promessa de pagamento no futuro).
Na produção simples de mercadorias, produziam-se bens para vender com o
fim de adquirir outras mercadorias para uso: M – D – M. Neste caso, o dinheiro
funcionaria como simples meio de troca, ou seja, um trampolim entre o produto A e o
produto B (medir a circulação das mercadorias). O resultado desse processo é a
troca de uma mercadoria por outra, a circulação do trabalho social materializado.
Quando se atinge o resultado, o processo chega ao fim.
Observa Marx que no Capitalismo, juntamente com essa forma simples,
encontramos outra diferente: D – M – D, ou seja, a transformação de moeda em
mercadoria e a transformação de mercadoria em moeda (comprar para vender). A
moeda que circula desta maneira se transforma então em capital, já é
potencialmente Capital. A circulação D – M – D seria absurda segundo Marx, o dono
de D não trocaria D por uma soma igual de D. Estava claro que a única intenção
possível era comprar para vender mais caro, ou seja, D – M – D`, onde D´ seria
maior que D. A diferença Marx chamou de “Mais Valia’. Para ele, a busca de
quantidades cada vez maiores de “Mais Valia” é a força motivadora do capitalismo.
A questão central para Marx, portanto, era estabelecer se a característica
essencial do capitalismo, ou seja, o excesso de D´ em relação a D, poderia ser
encontrado na esfera da circulação. Percebeu ele entretanto, que na circulação, ou
na troca de mercadorias, o valor não era gerado. A “mais valia” ou lucro não poderia
ser encontrada nessa esfera. Então, Marx voltou sua atenção para a produção, e
concluiu que é na produção onde o capital produz e também é produzido.
Examinando o processo de circulação do capital Marx confirmou que a "mais
valia" é gerada na esfera da produção. Na equação D – M – D’, o processo de
obtenção do lucro é o capital comercial. Mas Marx conclui que nem o capital
comercial, nem o monetário se envolvem na produção/criação da verdadeira "mais
valia". O capital industrial que era a forma mais representativa do capitalismo, ele
constitui o mecanismo através do qual a "mais valia" era criada e expropriada.
No esquema de circulação de Marx, identifica-se o capital industrial nos
seguintes estágios: primeiro o capital aparece como comprador, transformando o
dinheiro em mercadorias. Em seguida, realiza o consumo produtivo das mercadorias
compradas pelos capitalistas. O capital passa por um processo de produção, e o
resultado é uma mercadoria de maior valor do que os elementos que entraram em
sua produção. Terceiro, o capitalista volta ao mercado como vendedor e suas
mercadorias são transformadas novamente em dinheiro. O esquema é o seguinte:

D – M .......PRODUÇÃO.........M’ D’

Dessa maneira, fica claro que a origem da "mais valia" era devido ao fato de
que o capitalista comprava um conjunto de mercadorias e vendia um conjunto
inteiramente diferente. O primeiro conjunto consistia em ingredientes para a
produção e o segundo era o produto do processo produtivo.
Observa Marx que para o capitalista extrair “mais valia”, teria que encontrar
dentro da esfera da circulação no mercado uma mercadoria cujo “valor de uso”
possua a propriedade peculiar de ser uma fonte de valor. O capitalista encontra no
mercado essa mercadoria especial sob a forma de trabalho, ou seja, agregado das
capacidades mentais e físicas existentes em uma pessoa.
Quando a força de trabalho é vendida como mercadoria, seu valor é,
simplesmente, a execução do trabalho. Quando o trabalho é executado, é
incorporado a mercadoria dando-lhe assim valor. Portanto, a única fonte possível de
“Mais Valia” é a diferença entre o valor do poder do trabalho como mercadoria, e o
valor das mercadorias produzidas, que incorporaram o trabalho concretizado. A força
de trabalho é, portanto, uma mercadoria absolutamente única, seu consumo cria
novo valor além de substituir seu valor original, gera a “mais valia’.
Observa Marx que a existência da força de trabalho como mercadoria
depende de duas condições básicas: a) seu dono tem que oferecer a venda, sem
qualquer impedimento durante certo tempo; b) o trabalhador em vez de ficar na
posição de vender mercadorias nas quais seu trabalho está incorporado, fica
obrigado a oferecer à venda a própria força de trabalho. Aponta ainda Marx, que
para um homem vender mercadorias que não seja sua força de trabalho, terá que ter
“meios de produção”.
Esta era, portanto, a característica que definia o modo de produção
capitalista, o diferenciando de uma sociedade de produção simples. O capitalismo
existia quando, em uma sociedade que produzia mercadorias, uma pequena classe
de pessoas tinha monopolizado os meios de produção e onde a grande maioria dos
produtores diretos não podiam produzir independentemente por não terem quaisquer
meios para isso.

BIBLIOGRAFIA

MARX, Karl. O Capital: Crítica da economia política. Livro I: O processo de


produção do capital. Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013.

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