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ARTIGO ARTICLE 23

Reflexões sobre a mensuração


da mortalidade materna

Reflections on the measurement


of maternal mortality

Ruy Laurenti 1
M. Helena P. de Mello-Jorge 1
Sabina Léa Davidson Gotlieb 1

1 Departamento de Abstract The maternal mortality rate is a highly sensitive indicator for the health level of both
Epidemiologia,
women and the general population in a given geographical area. There is extensive variability
Faculdade de Saúde Pública,
Universidade de São Paulo. among different countries, and rates are high in underdeveloped or developing areas, as in
Av. Dr. Arnaldo 715, Brazil. Health authorities from various countries have launched programs aimed at reducing
São Paulo, SP
maternal deaths and have thus needed to estimate the actual rates to allow for a proper assess-
01246-904, Brasil.
ment and to control the programs’ progress. However, there are many obstacles and difficulties in
obtaining the real values of these measures, mainly because of incomplete data. The aim of this
paper is to present some of the proposed methodologies for estimating maternal mortality rates
and to call attention to the limits and biases of these methods. Based on the Brazilian case, the
article also recommends an improvement in the quality and coverage of the Civil Registry, the of-
ficial source of data on births and deaths.
Key words Maternal Mortality; Measurement; Health Indicators

Resumo A mortalidade materna é um ótimo indicador da saúde da mulher e, de certa forma,


da saúde geral da população. Há grande disparidade entre as taxas (ou razões) referentes a dife-
rentes áreas, sendo seu valor bastante elevado nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvi-
mento, como é o caso do Brasil. Numerosos países adotaram programas visando a redução da
mortalidade materna, necessitando, então, conhecer as respectivas taxas (ou razões) para ava-
liar e monitorar esses programas. Ocorrem, por várias motivos, dificuldades em conhecer a ver-
dadeira magnitude dessas mensurações. O trabalho apresenta métodos propostos para estimar a
mortalidade materna, destacando-se a necessidade de ver com certa reserva os métodos indire-
tos, preferindo-se sempre, como no caso do Brasil, o aperfeiçoamento do registro civil, fonte legí-
tima dos dados de nascimentos e de mortes.
Palavras-chave Mortalidade Materna; Medições; Indicadores de Saúde

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 16(1):23-30, jan-mar, 2000


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Introdução saúde pública nos países em desenvolvimento.


Chamou-se a atenção para as estimativas de
A mortalidade materna é um bom indicador de risco de morte materna nas diferentes regiões
saúde da população feminina e, de certa for- do mundo, sendo que, nos países subdesenvol-
ma, da população em geral. Seus níveis ser- vidos, variavam de uma morte para 15 até uma
vem, também, como estimador de iniqüidades, morte para 70 mulheres durante a idade repro-
na medida em que revelam grandes disparida- dutiva, ao passo que nos países desenvolvidos
des, ao se compararem áreas ou regiões de di- esses valores se situavam entre uma para três
ferentes graus de desenvolvimento. mil e uma para dez mil (Banco Mundial/ OMS/
Apesar deste fato, sua mensuração, por vá- UNFPA, 1987). Uma das metas propostas na ci-
rios motivos, poucas vezes traduz a realidade tada reunião foi a redução da mortalidade ma-
de sua magnitude, o que tem levado a várias terna de forma a atingir, no ano 2000, valores
propostas para sua estimativa, como se preten- correspondentes a 50% daqueles observados
de descrever neste trabalho. em 1985.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Desde então, vários programas foram pro-
United Nations International Children’s Emer- postos, quer em nível nacional, quer em âm-
gency Fund (UNICEF) comentam que “a mor- bito internacional, como, entre outros, o Pla-
talidade materna representa um indicador do no de Ação Regional para a Redução da Mor-
status da mulher, seu acesso à assistência à saú- talidade Materna, da Organização Panameri-
de e a adequação do sistema de assistência à cana da Saúde (OPS), o qual foi aprovado pe-
saúde em responder às suas necessidades. É pre- los países americanos na 23 a Conferência Sa-
ciso, portanto, ter informações sobre níveis e ten- nitária Pan-Americana, realizada em Was-
dências da mortalidade materna, não somente hington, em setembro de 1990. Nesse plano
pelo que ela estima sobre os riscos na gravidez e está bem explícita a meta de “melhorar as
no parto mas também pelo que significa sobre a condições de saúde da mulher da Região, por
saúde, em geral, da mulher e, por extensão, seu meio do aumento da cobertura e da qualidade
status social e econômico” ( WHO/UNICEF, dos serviços de saúde reprodutiva, com a fina-
1996:2). lidade de reduzir as taxas atuais de mortalida-
Quanto a indicar o status da mulher e seu de materna em 50% ou mais para o ano 2000”
acesso à assistência à saúde, este índice não (OPS/OMS, 1990a:12).
deve ser usado apenas para comparações feitas Não somente nas Américas, mas em nume-
entre países ou regiões desenvolvidos e em de- rosos países do, assim chamado, Terceiro Mun-
senvolvimento, mas também em área urbana do, implantaram-se programas visando a redu-
heterogênea, permitindo detectar iniqüidades. zir os valores desse indicador. Na América Lati-
Assim, no Município de São Paulo, estudo feito na e Caribe, praticamente todos os países de-
em cinco áreas (Laurenti & Ferreira, 1995) mos- ram início às atividades conforme propostas
trou que a mortalidade materna era, na área no Plano Regional, e, em 1996, foi publicada a
mais carente, aproximadamente, o dobro da- primeira avaliação desse plano, bastante mi-
quela de outra localidade que apresentava me- nuciosa, mostrando, inclusive, os níveis de
lhores condições de escolaridade, habitação, mortalidade materna e sua associação com al-
acesso a serviços etc. gumas variáveis, tais como fecundidade, uso
Diferentemente da mortalidade infantil, a de anticoncepcionais, escolaridade, cobertura
mortalidade materna nunca teve grande visibi- pré-natal e parto (OPS/OMS, 1996).
lidade por parte das autoridades sanitárias, Para chamar mais a atenção para a gravida-
embora a situação fosse bastante ruim em re- de da situação, na publicação sobre a avaliação
giões pobres ou mesmo naquelas áreas urba- do plano, existe mensagem de que “...a cada
nas consideradas ricas, como é o caso do Mu- vinte e cinco minutos, uma mulher morre como
nicípio de São Paulo (Laurenti, 1993). Rosen- resultado da gravidez ou do parto em alguma
field & Maine (1985) abordam esse aspecto, parte da região das Américas. Pode ser uma mãe
confirmando que essa pequena visibilidade adolescente, sozinha, que se encontrava longe
existe mesmo em países desenvolvidos. da ajuda profissional. Pode ser uma mulher que
A conscientização da gravidade da situação teve seu parto em um hospital, porém, morreu
e a conseqüente tomada de posição a esse res- por que necessitava sangue para salvar sua vida
peito verificaram-se a partir da International e este não existia. Ou pode ter sido uma mulher
Conference on Safe Motherhood, conferência que, às escondidas, em seu desespero, recorreu
realizada em Nairobi, Quênia, em 1987, quan- ao aborto para terminar com uma gravidez não
do a mortalidade materna passou a ser vista desejada” (OPS/OMS, 1996:1). Estes são casos
como grave problema de saúde da mulher e de de morte materna.

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Devido à existência desses programas e à quatro e dez e, no máximo, 12 a 15 por cem mil
aplicação de recursos, às vezes grandes, para nascidos vivos. Nas áreas subdesenvolvidas,
sua execução, os países e as agências inter- esses valores excedem, em muito, esses núme-
nacionais, como, principalmente, OMS, OPS, ros, atingindo, geralmente, níveis de oitenta a
UNICEF e Banco Mundial, têm necessidade de cem, no mínimo, por cem mil nascidos vivos. É
avaliar ou monitorar o andamento dos mes- de se notar que, em alguns países africanos,
mos. Essa avaliação baseia-se, principalmente, como Angola, Burundi, República Centro-Afri-
no nível da mortalidade materna. O conheci- cana e Moçambique, podem chegar a quatro-
mento dessas medidas nos países em desen- centas, quinhentas ou mais mortes por cem
volvimento não é fácil de ser alcançado, visto mil nascidos vivos ( WHO/UNICEF, 1996). No
que, geralmente, existe sub-registro de óbitos Brasil, nas décadas de 80 e 90, o valor médio
ou, mesmo não havendo sub-registro ou esse estimado situa-se acima de cem e, segundo al-
sendo desprezível, os médicos não informam guns, entre 150 e duzentos por cem mil nasci-
corretamente as causas maternas nos atesta- dos vivos, embora a razão calculada com os da-
dos de óbito, o que vai redundar em uma sube- dos provenientes dos sistemas oficiais de infor-
numeração das mortes por essas causas. Acres- mação – sem correção – seja de 54,8 por cem
ce o problema com o número de nascidos vi- mil nascidos vivos, em 1996 (MS, 1998).
vos colocado no denominador, cuja informa-
ção nem sempre é correta. Tal fato fez com que A exatidão das medidas das taxas
se desenvolvessem vários métodos alternativos ou razões de mortalidade materna
para a mensuração da mortalidade materna. A
intenção deste trabalho é apresentá-los e dis- A taxa (coeficiente ou razão) de mortalidade
cuti-los. materna pode ser considerada como um dos in-
dicadores menos exatos, quando comparada
àqueles referentes à mortalidade por grupos de
Mortes e mortalidade maternas: causas de morte (cardiovasculares, infecciosas,
definições e medidas neoplasias etc.), fato que tem sido verificado no
país por vários estudos (Laurenti et al., 1990;
A OMS, por meio da Classificação Internacio- Massachs, 1995; Albuquerque et al., 1997).
nal de Doenças, define morte materna como “a Puffer & Griffith (1967), já em 1962/1964,
morte de uma mulher durante a gestação ou mostraram que em dez áreas urbanas da Amé-
dentro de um período de 42 dias após o término rica Latina, a maioria das quais capitais de paí-
da gestação, independente da duração ou da lo- ses, a taxa de mortalidade materna oficial era
calização da gravidez, devida a qualquer causa inexata, sendo inferior à que ocorria na reali-
relacionada com ou agravada pela gravidez ou dade.
por medidas em relação a ela, porém não devi- Mesmo em países onde o registro de mor-
da a causas acidentais ou incidentais”(OMS, tes tem grande ou total cobertura, existe subin-
1994:143). formação das mortes maternas (Smith et al.,
A taxa ou coeficiente de mortalidade ma- 1984; Royston & Lopez, 1987; Turnbull et al.,
terna é o indicador utilizado para se conhecer 1989; Bouvier-Colle et al., 1991), fato que se de-
o nível da morte materna. É calculado pela re- ve à declaração inexata da causa nos atestados
lação entre o número de mortes de mulheres de óbito.
por causas ligadas à gravidez, parto e puerpé-
rio (no numerador) e o número de nascidos vi- Metodologias alternativas para cálculo
vos (no denominador). A rigor, como conceitua da mortalidade materna
a própria OMS, o termo taxa, embora inexato
no seu contexto, visto que na realidade é uma Tendo-se em vista a necessidade de se conhe-
razão, vem sendo conservado, para fins de cer não somente a informação pontual das
comparabilidade em séries históricas. Do pon- mensurações como também a tendência das
to de vista metodológico, seria taxa se, no de- mesmas e reconhecer as deficiências quantita-
nominador, fossem colocados não somente o tivas e qualitativas de informações sobre mor-
total de nascidos vivos mas também todas as talidade materna nos países subdesenvolvidos,
perdas fetais, refletindo, esse valor, uma esti- foram propostos alguns métodos que não utili-
mativa do número total de gestantes. zam o registro civil para estimar seus valores.
Freqüentemente, a indagação refere-se a Dois desses métodos vêm sendo propostos por
quais os valores que representariam as taxas agências internacionais já citadas (OPS/OMS,
normal e baixa? Nos países ou regiões desen- 1990a).
volvidos sócio-economicamente, variam entre

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• 1o – Método das Irmãs A OMS e o UNICEF reconhecem que esse


método é o “padrão ouro” para estimar a mor-
Esse modelo foi desenvolvido por Graham et talidade materna, porém é dispendioso e de
al. (1989). Refere-se a um inquérito em uma realização demorada ( WHO/UNICEF, 1996).
população, ou amostra, que deve ser respondi- Dadas essas dificuldades, poucos países apli-
do por homens e mulheres de 15 anos e mais. caram o método em nível nacional.
Inclui perguntas a respeito de quantas irmãs ti- Os dois métodos citados apresentam van-
veram, nascidas da mesma mãe e que comple- tagens e desvantagens; entretanto, não há co-
taram 15 anos de idade; quantas estão vivas; mo negar que o RAMOS representa uma exce-
quantas morreram e, destas, quantas morre- lente metodologia para os países com grandes
ram estando grávidas ou em um período de até falhas ou inexistência de registro de óbito. Em
seis semanas (um mês e meio) após o parto. A relação às estimativas da mortalidade mater-
partir destas informações, convertem-se as na, tem sido recomendada a criação de novos
proporções de irmãs mortas por causas mater- métodos para a sua obtenção (WHO/UNICEF,
nas em probabilidades de morrer e, depois, em 1996), mas, na realidade, o que deveria ser sem-
uma medida de uso convencional, que é a taxa pre estimulado é o aprimoramento do registro
de mortalidade materna. No Brasil, o método de óbito, bem como o da declaração médica da
foi utilizado no Estado de Sergipe, tendo sido causa de morte, o que será comentado mais à
estimada uma taxa de 315 por cem mil nasci- frente.
dos vivos para o total da população e de 172
por cem mil nascidos vivos para a população Classificação dos países segundo o cálculo
com idade inferior a cinqüenta anos (Cardoso- ou a estimativa das mortes maternas
Silveira et al., 1996).
Segundo a OMS e o UNICEF, a vantagem do Ao publicarem as estimativas de mortes ma-
método é necessitar de uma amostra de tama- ternas no mundo, em regiões e países, a OMS
nho bem menor, visto que cada entrevista po- e o UNICEF classificaram os países em cinco
de dar informações sobre várias irmãs, e a des- grupos.
vantagem é o fato de o método não oferecer
uma estimativa atual, mas informar o nível de • 1 o – Países desenvolvidos com
mortalidade materna referente a, aproximada- registro vital com cobertura completa
mente, 10 a 15 anos anteriores à data do inqué- e declaração da causa de morte
rito, no mínimo (WHO/UNICEF, 1996). relativamente boa

• 2o – Inquérito de mortalidade Assume-se, para países desenvolvidos, e mes-


em idade reprodutiva mo para os antigos países socialistas da Euro-
pa, que o verdadeiro número de mortes mater-
Conhecido como RAMOS (Reproductive Age nas é igual ao que foi registrado multiplicado
Mortality Survey), é considerado como o me- por 1,5 (WHO/UNICEF, 1995, 1996). Esse fator
lhor método quando o registro civil é muito fa- 1,5 é resultante da má declaração da causa de
lho. morte e baseia-se em resultados de alguns tra-
Tal metodologia já foi aplicada tanto em balhos, entre os quais o de Bouvier-Colle et al.
países com bom registro de óbitos, visando cal- (1991). Entretanto, é difícil utilizar um mesmo
cular erros na declaração da causa materna fator para representar diferentes regiões den-
(Bouvier-Colle et al., 1991), bem como naque- tro de um mesmo país, dada a variabilidade
les com deficiência de registros. que as mesmas podem apresentar.
O método utiliza todas as possíveis fontes
de informação para identificar as mortes ma- • 2 o – Países em desenvolvimento
ternas tais como: o próprio registro de óbito, com bom registro, mas onde
prontuários hospitalares, líderes da comunida- a declaração da causa de morte
de, autoridades religiosas, cemitérios e escolas. é deficiente ou inexistente
Seguem-se entrevistas domiciliares e com mé-
dicos ou outros profissionais que cuidaram do Nesses países, para calcular a mortalidade ma-
caso. Os óbitos também são classificados como terna aplica-se o modelo proposto e descrito
decorrentes de causas maternas usando-se o na publicação Modeling Maternal Mortality in
método da autopsia verbal (WHO, 1994). Pes- the Developing World (WHO/UNICEF, 1995).
quisa bastante citada e que aplicou o RAMOS O modelo é usado para estimar a proporção
descreve muito bem a metodologia e os seus das mortes por causas maternas dentre os óbi-
resultados (Walker et al., 1986). tos de mulheres em idade reprodutiva. Esta

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proporção é aplicada às mortes realmente re- mostrar a excelência e a aplicabilidade de mé-


gistradas, estimando-se, assim, aquelas decor- todos para estimativas, particularmente o Mé-
rentes desse grupo de causas. todo das Irmãs. Este último recebeu críticas,
não quanto ao aspecto técnico propriamente
• 3o – Países que utilizam o RAMOS dito, mas quanto ao fato de não oferecer resul-
tados atuais, além de levar a uma superenume-
A mortalidade materna é calculada diretamen- ração das mortes maternas quando vários en-
te pelo método, sem nenhum ajuste. trevistados são irmãos entre si e todos infor-
mam a existência de uma mesma irmã que
• 4o – Países que estimam a mortalidade morreu, no passado, por uma causa materna.
materna pelo Método das Irmãs Além do mais, alguns representantes fize-
ram ver que, em seus países, os registros de
Existe um estímulo de algumas agências inter- óbito apresentam maior ou menor cobertura,
nacionais para que se utilize esse método. En- mas que o melhor a fazer é estimular seu apri-
tretanto, há estudos mostrando que o mesmo moramento, inclusive quanto à declaração da
superestima a mortalidade materna (OPS/ OMS, causa de morte.
1990a), além do fato de os resultados aponta-
rem, como já referido, uma situação ocorrida, Uma proposta para América Latina:
no mínimo, entre 10 e 15 anos passados. o caso do Brasil

• 5o – Países sem estimativas A maioria dos países latino-americanos, se-


de mortes maternas guindo o Plano de Ação Regional para a Redu-
ção da Mortalidade Materna da OPS, está de-
Neste caso, as agências internacionais estimam senvolvendo programas de saúde materna com
a mortalidade materna utilizando o modelo esse propósito. Há necessidade, portanto, con-
proposto na publicação já referida anterior- forme já referido, de avaliar não só o nível mas
mente (WHO/UNICEF, 1995), em combinação também a tendência histórica de suas taxas.
com projeções das Nações Unidas. Por outro lado, todos os países têm legisla-
São bastante compreensíveis os esforços ção específica sobre o registro de mortes e de
que vêm sendo utilizados pelas agências inter- nascidos vivos, sendo que, no caso do registro
nacionais como a OMS, o UNICEF, o Fundo de de óbitos, adotam o modelo internacional de
População das Nações Unidas (United Nations declaração da causa de morte proposto pela
Population Fund – UNFPA) e outras, no senti- OMS. Avaliações quanto à cobertura e à fide-
do de obter dados para conhecer os níveis de dignidade das informações, nesses países, têm
mortalidade materna. Foi visto que a sua redu- sido feitas pela própria OPS/OMS (1990b, 1992).
ção é uma meta a ser atingida e, numerosos No Brasil, pode ser referido que, de uma
países, como referido, estão executando ativi- maneira geral, a cobertura do Sistema de Infor-
dades programáticas nesse sentido. mação de Mortalidade é adequada, estimando
Várias reuniões têm sido realizadas visan- o Ministério da Saúde (MS) que a subenumera-
do discutir e propor métodos para estimar o ção de óbitos não exceda 20% (MS, 1998). O
seu valor. Em abril de 1998, realizou-se, na se- que tem sido verificado é que essa cobertura é
de da Organização Panamericana de Saúde em boa nas capitais e cidades de médio e grande
Washington, D.C., Estados Unidos, reunião porte, fugindo a esse padrão algumas áreas
denominada WHO/UNICEF/UNFPA – Inter menos populosas das Regiões Norte e Nordeste
Country Consultation on Maternal Mortality do país.
Estimates, na qual, além das agências interna- Cumpre salientar que, em relação a esse as-
cionais interessadas no assunto, estiveram pecto, algumas medidas estão sendo tomadas
presentes representantes de sete países latino- no sentido de minimizar a distorção quantita-
americanos, entre os quais o Brasil, e demó- tiva de seus dados. A primeira diz respeito à
grafos do Centro Latino Americano de Demo- gratuidade dos registros civis de nascimentos e
grafia (CELADE), de Universidades america- óbitos, que se tornou efetiva no país a partir de
nas e dos Centers for Disease Control (CDC), janeiro de 1998 (Lei 9.534 de 10 de dezembro
dos Estados Unidos. de 1997 – Brasil, 1997); tal fato, com certeza,
A reunião, de excelente nível técnico-cien- ocasionará uma diminuição do sub-registro.
tífico, discutiu intensamente a questão da Esse raciocínio é válido tanto para os registros
mensuração da mortalidade materna e a ne- de óbitos, quanto para os de nascidos vivos, o
cessidade desse conhecimento. Houve mani- que acarretará maior fidedignidade dos indica-
festações no sentido de apresentar, discutir e dores de morte materna. Além disso, a implan-

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tação do Sistema de Informação sobre Nasci- Outro método utilizado para a mensuração
dos Vivos (SINASC) do Ministério da Saúde, das mortes maternas consiste na identificação
desde 1990, vem propiciando maior cobertura de todas as mortes de mulheres em idade re-
desses eventos, inclusive fornecendo melhores produtiva, fazendo, para cada caso, entrevista
informações relativas às variáveis de caráter domiciliária e com o médico que assinou a de-
epidemiológico (Mello-Jorge et al., 1992). claração de óbito, bem como consulta aos
Deve ser ressaltado que, ainda do ponto de prontuários hospitalares, relatórios de necrop-
vista quantitativo, a introdução, pelo Ministério sia etc. Essa metodologia foi idealizada por
da Saúde, a partir de 1997, de mais uma via na Puffer & Griffith (1967) e, embora não específi-
Declaração de Óbito permite que os óbitos hos- ca para mortes maternas, foi capaz de mostrar,
pitalares sejam conhecidos pelo Sistema de In- em estudo realizado em cidades das Américas
formação de Mortalidade, independentemente e Inglaterra, já em 1962/1964, o quanto essas
do registro civil. A título de esclarecimento, es- causas eram subenumeradas, embora, em mui-
ta via deve permanecer no hospital, sendo dali tas dessas áreas, o registro de mortes pudesse
retirada periodicamente pelos órgãos de esta- ser considerado bom e completo. Este método
tística dos serviços de saúde, que passam, en- foi anteriormente citado como RAMOS.
tão, a poder contabilizá-las antes mesmo que o No Brasil, várias investigações utilizando
registro seja feito, conforme já salientado. essa metodologia foram realizadas. Trabalho
O que tem sido verificado é que, embora se conduzido por Laurenti et al. (1990) mostrou
possa admitir ter o Sistema de Mortalidade do que, na cidade de São Paulo, enquanto as taxas
Ministério da Saúde cobertura aceitável, no oficiais evidenciavam valores de 43 a 46 por
sentido de se aproximar, ao menos em quanti- cem mil nascidos vivos, os dados após a pes-
dade, do seu valor real, a sua qualidade, algu- quisa deixavam claro que a mortalidade mater-
mas vezes, deixa a desejar. na correspondia a aproximadamente o dobro,
Muitas vezes, a avaliação da real magnitude conduzindo a um fator de correção pratica-
da mortalidade materna não pode ser feita, mente igual a 2,0. No Rio Grande do Sul, estu-
bem como há dificuldades em medir seus re- do da Secretaria da Saúde mostrou também
sultados, mesmo com os programas já implan- que há subinformação e que a taxa corrigida é
tados e em funcionamento. da ordem de oitenta por cem mil nascidos vi-
Quando o médico declara, no atestado de vos (Secretaria do Estado da Saúde do Meio
óbito, uma causa materna, não há dúvida de Ambiente do Rio Grande do Sul, 1995).
que se tem, na realidade, esse tipo de morte, Por outro lado, é importante a menção de
pois, diferentemente do que ocorre com outros que foi a partir dos trabalhos de Laurenti
diagnósticos, dificilmente esse profissional fa- (1993), Laurenti & Ferreira (1995) e Laurenti et
rá menção a uma causa materna se essa não ti- al. (1990) que o Ministério da Saúde incluiu,
ver se verificado. entre as variáveis da declaração de óbito, soli-
Existem óbitos femininos em que é decla- citação de informação relativa ao fato de a mu-
rada, no atestado, uma só causa, causa essa ge- lher estar grávida no momento da morte ou ter
ralmente terminal e que sugere fortemente re- estado grávida nos doze meses que precede-
ferir-se a complicações de causas maternas, ram o evento fatal (pergunta a ser feita em to-
como, por exemplo, septicemia, embolia, em- dos os casos de óbitos de mulheres em idade
bolia pulmonar, hemorragia, choque hemorrá- fértil). O objetivo dessa variável era o de poder
gico, crise convulsiva, peritonite. Podem tam- completar a informação relativa à morte ma-
bém ser considerados como indicativos de terna, na medida em que era subsídio impor-
mortes maternas os atestados que apresentam tante quando uma causa presumível de morte
mais de uma causa, mas, nos quais, aquela se- materna era declarada.
lecionada como básica é uma das anterior-
mente citadas, como por exemplo, septicemia
levando a broncopneumonia, hemorragia le- Considerações finais
vando a choque hemorrágico ou peritonite le-
vando a choque. É importante salientar que é fato incontestável
Esses casos enumerados anteriormente po- que, mesmo nos países desenvolvidos, tem si-
dem ser entendidos como mortes maternas do usado um fator de correção para compen-
presumíveis, e, no cálculo da mortalidade ma- sar a má declaração da causa materna no ates-
terna, consideram-se como taxas de nível mí- tado de óbito, conforme já referido (Bouvier-
nimo aquelas que levam em conta somente as Colle et al., 1991). Por outro lado, somente a
mortes maternas declaradas e de nível máxi- utilização de métodos indiretos para a mensu-
mo, as declaradas acrescidas das presumíveis. ração das taxas ou razões de mortalidade ma-

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terna não pode ser totalmente acatada, em


função de críticas quanto à sua aplicabilidade.
Dado o fato de países da América Latina es-
tarem investindo no aprimoramento de seus
sistemas de informação, como é o caso do Bra-
sil, o incentivo à utilização de métodos indire-
tos deve ser visto com reservas, preferindo-se,
sempre, o aperfeiçoamento do registro civil,
fonte legítima dos dados de nascimentos e de
mortes (Mello-Jorge, 1990).

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