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Marcelo Medeiros
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rendimentos dos indivíduos que segmenta a classe dos indivíduos, por exemplo, está fun
sociedade entre capitalistas, proprietários de damentalmente relacionada à sua posição no
terra e trabalhadores (Smith, 1988) e Ricar processo de produção capitalista.
do sustenta um esquema semelhante, que Há controvérsias em relação às defini
também utiliza os tipos de rendimento como ções de classe usadas por Marx (Ollman,
critério de distinção das classes (Ricardo, 1976, p. 6). O capítulo “As classes”, parte do
1978). Em ambos os casos, a fonte de rendi livro III de O capital, em que o tema seria dis
mentos é tratada como um indicador da fun cutido, jamais foi concluído, deixando espaço
ção de cada indivíduo na sociedade, e esta para interpretações distintas (Marx, 1975, Li
função, usada como elemento explicativo da vro III, pp. 1012-1013). Para alguns, como
dinâmica econômica da sociedade. Embora a Shaw, a definição de classe em Marx é límpi
reflexão sobre a estrutura social seja facil da: classes são grupos de pessoas em relações
mente localizada em obras muito anteriores, semelhantes de produção de propriedade.
as preocupações da economia política clássi Poulantzas, porém, contesta Shaw e acredita
ca podem ser tomadas como o início das ten ser um erro definir as classes de Marx em ter
dências modernas de um campo de pesquisas mos de relações de produção, já que essas
guardariam também vínculos com níveis po
que hoje é compartilhado por economistas e
líticos e ideológicos (Shaw, 1979, pp. 50-53).
sociólogos.
Como todo debate de caráter muito interpre-
Sucessor direto dos primeiros economis
tativo, esse é um cuja conclusão não é sim
tas políticos, Marx pode ser classificado como
ples, pois o próprio Marx usa o termo classe
um dos autores mais comentados da sociolo
com várias conotações. E inequívoco, porém,
gia no que diz respeito ao estudo da estratifi
que, em O capital, a posição dos indivíduos
cação social. Sua discussão sobre a origem e
na estrutura de produção é uma peça chave
a lógica de funcionamento das sociedades
para definir sua situação de classe.
capitalistas é fortemente orientada ao estudo
O grupo mais rico da sociedade é consti
da desigualdade social por uma abordagem
tuído pela classe capitalista, que monopoliza
de classes. O método usado por Marx para os meios de produção e acumula riqueza por
explorar os fenômenos sociais concentra-se meio da exploração dos trabalhadores. Essa
na análise de estruturas da sociedade. Em exploração consiste em remunerar os trabalha
larga medida, sua abordagem consiste em dores com salários cujo valor é inferior àquilo
elaborar teorias baseadas em categorias abs que eles produzem. Os capitalistas apropriam-
tratas e de caráter muito geral para, então, se de parte do valor do trabalho de seus em
analisar fenômenos concretos. E o caso, por pregados (mais-valia) e a investem no proces
exemplo, da maneira como as categorias ca so produtivo, expandindo a riqueza por meio
pital e força de trabalho são articuladas para da reprodução de seu capital.
explicar não só a base que define a estrutura Marx afirma, em diversos momentos de
social, mas praticamente toda a dinâmica do sua obra, que os indivíduos nas classes são
capitalismo. Em uma economia capitalista, apenas portadores de relações sociais. Em O
o capital se reproduz por meio da exploração capitai por exemplo, a dinâmica das socieda
da força de trabalho (extração de mais-va- des capitalistas é explicada por uma teoria
lia). Esse processo de reprodução define, na construída em termos de relações entre capital
abordagem marxista, grande parte das carac eforça de trabalho e não entre indivíduos capi
terísticas da estrutura social. A situação de talistas e trabalhadores. A diferenciação, que
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pode parecer preciosismo, pois as últimas ca terminado momento da história se propaga
tegorias são personificação das duas primeiras, até as sociedades capitalistas. Enquanto to
não deve ser subestimada. Devido a ela, os mava nota de suas leituras de J. B. Say, Marx
motivos que fazem de um indivíduo específi registra, nos Manuscritos de Paris, que é pelo
co um capitalista ocupam um papel de menor “direito positivo”, isto é, pelo direito de su
relevância nas preocupações de Marx. Em úl cessão, que alguém se converte em proprie
tima instância o capitalista possui poder de tário de fundos produtivos, nos casos em
comandar trabalho não por suas qualidades que o capital não é fruto do roubo ou da
pessoais ou humanas, mas porque é proprietá fraude (Marx, 1978, vol. 5, p. 321), e repe
rio do capital (Marx, 1978, vol. 5, p. 322). te algo muito semelhante em uma carta di
Marx discorre extensivamente sobre a rigida a Adolf Cluss (Marx, 1981, vol. 39, p.
origem histórica do capitalismo ao tratar da 378). Em O capital, escreve que a divisão
acumulação primitiva do capital. Esta é re das fortunas das famílias determina, entre
sultado, em grande parte, da violência e da outros fatores, o número de capitalistas na
fraude, mas ele mesmo reconhece que parte sociedade (Marx, 1975, Livro I, p. 726).
dessa acumulação se deu independentemen Ainda no século XIX surge, com Veblen,
te da exploração, por meio do trabalho acu um outro enfoque da desigualdade que se
mulado ao longo de gerações (Marx, 1975, tornou relevante nos estudos modernos. Ve
Livro I, pp. 662 e 677; 1973, cad. IV, p. blen, um norueguês radicado nos Estados
459). Isto não o impede de rejeitar, recor Unidos, edita, pela primeira vez em 1899, A
rentemente, aquilo que chama de Teoria da teoria da classe ociosa: um estudo econômico
Abstinência, ou seja, a justificativa moral da ri das instituições (1983). O livro, que teve frag
queza por meio do argumento de que os ca mentos inicialmente publicados no American
pitalistas são capazes de acumular suas pro Journal o f Sociology, baseia-se em digressões
priedades porque optaram por uma vida de históricas de caráter científico contestável,
consumo frugal e trabalho duro. mas é, ao mesmo tempo, um apurado relato
Há, proporcionalmente em relação ao etnográfico do comportamento das classes
tratamento dispensado à origem histórica da superiores das sociedades capitalistas do final
classe capitalista, pouco em sua obra que con do século XIX.
tribua para definir a origem da situação de Pouco discutida na sociologia brasileira,
um capitalista individual. Embora existam A teoria da classe ociosa trata extensivamente
menções de sua parte ao assunto, seu arca de mecanismos não-econômicos de distinção
bouço teórico confere poucos instrumentos de classe, tema posteriormente explorado
para relacionar os atributos de um indivíduo pela sociologia francesa. Do ponto de vista
à sua posição na estrutura social. Isto não im filosófico, Veblen investe contra o consumo
pede, porém, a realização de algumas inferên conspícuo e o emprego improdutivo de tem
cias a partir de sua teoria. po, dinheiro e esforço realizado com o pro
Pode-se concluir, por exemplo, que as pósito de distinguir as classes superiores do
heranças têm um papel importante na trans restante da sociedade. Esse comportamento
missão intergeracional da situação de classe. conspícuo não tem o objetivo de trazer o
A sucessão familiar, que é destacada nas aná bem-estar físico à classe ociosa, mas sim um
lises sobre a reprodução da classe trabalha papel meramente emulativo (isto é, exibicio-
dora, pode ser usada para explicar como a nista), cuja função é simbolizar a situação de
acumulação de capital realizada em um de classe dos indivíduos ociosos.
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A maior pane da obra de Veblen não está classe ociosa limita as possibilidades de mu
centrada na origem da riqueza, mas em seu danças no status quo (Idem, p. 94).
destino. A riqueza confere honra a seu possui E difícil definir quem constitui a classe
dor e sua conquista é um meio de assegurar a ociosa. Embora Veblen aponte para os espe
distinção e a estima social. Por esta razão, mais culadores financeiros, acionistas anônimos
importante do que o efeito material que a ri (em contraposição aos capitães da indús
queza pode ter sobre o conforto é seu efeito tria), altos oficiais das forças armadas, pres
simbólico de anunciar o status de um indiví tadores de serviços bancários, governantes,
duo perante os demais (1983, p. 19). Devido esportistas e até mesmo advogados (que se
a isto, A teoria dã classe ociosa dedica-se a ana ocupariam exclusivamente de fazer ou anu
lisar temas como o ócio e o consumo conspí lar as fraudes) (Idem, pp. 105, 111-116), a
cuos, o padrão de vida pecuniário e os efeitos ociosidade conspícua é antes um comporta
da valorização
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do ócio como as regras
O
do Oeos- mento do que um indicador da posição na
to, o vestuário, as observâncias devotas, a cul estrutura social usada nas definições mais
tura superior (erudita) e as sobrevivências mo modernas de classe.
dernas da proeza. Ainda assim, há uma série de Se a valorização do enfoque de Veblen
indicações sobre as origens da classe ociosa na na sociologia é apenas recente, o mesmo não
obra de Veblen. Em uma crítica aberta à idéia pode ser dito quanto à obra de Weber. Escri
de que a fortuna depende de uma ética da ope ta no início do século XX, ela é um marco
rosidade e da frugalidade presente na ideologia entre os estudos sobre estratificação social,
de um capitalismo virtuoso, Veblen defende cuja importância só pode ser comparada à
que a relação predatória com os demais mem influência do trabalho de Marx. A tipologia
bros da comunidade, a força e a desonestidade de classes, estamentos e partidos weberiana
são as bases do sucesso dos membros da classe influenciou os critérios considerados na de
ociosa (Idem, pp. 8,10, 101-102). finição da situação social dos indivíduos em
Uma vez estabelecidos, os membros da diversos estudos posteriores. O esquema de
classe ociosa são submetidos a um processo estratificação social weberiano baseia-se em
seletivo contínuo, tendo que se adaptar à so três eixos: as diferenças econômicas, que de
ciedade em que vivem, e, por isso, criam e finem as classes, as diferenças de poder, que
mantêm instituições a fim de perpetuar sua definem os partidos, e as diferenças de pres
posição: editam decretos e convenções que tígio, que definem o status (1974, pp. 211-
contribuem para a segurança da propriedade, 228; 1991, pp. 199-203).
a execução dos contratos, a facilidade das Para Weber a situação de classe está rela
transações financeiras e os interesses adquiri cionada a oportunidades de vida abertas aos
dos, regulam falências, responsabilidades li indivíduos e indica a existência de situações
mitadas e operações bancárias e controlam o de interesse semelhantes em que um indiví
relacionamento entre operários e empregado duo se encontra junto com muitos outros, a
res (.Idem , p. 96). A contrapartida da acumu qual, em princípio, é constituída pelo nível
lação da riqueza na classe ociosa é a pobreza de propriedade dos meios de produção, a ca
no restante da sociedade. Para manter sua si pacidade de consumo e a qualificação de ser
tuação a classe ociosa propaga uma ideologia viço. Os indivíduos mais ricos da sociedade
conservadora e resiste a qualquer mudança na podem pertencer às “classes proprietárias po
estrutura social. Mantendo as demais pessoas sitivamente privilegiadas”, formadas tipica
sob a pressão da luta pela sobrevivência, a mente por rentistas, e às “classes aquisitivas
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positivamente privilegiadas”, compostas por reu” (1961, p. 309)," mas permaneceu o ra-
empresários e, em certas circunstâncias, pro cionalismo ocidental, que é a base do capita
fissionais liberais e trabalhadores altamente lismo e do qual o protestantismo é apenas
qualificados (1991, pp. 199-201). “um estágio historicamente anterior” (1989,
A situação de classe dos indivíduos é p. 50). Portanto, não é mais nas característi
uma situação de mercado, mas pode ser in cas religiosas, mas no autocontrole e na efi
fluenciada por diversos fatores, inclusive ciência produtiva que parte da explicação
aqueles que possuem pouca relação direta para a posição social dos indivíduos nas so
com a atividade econômica individual. Ao ex ciedades capitalistas deve ser procurada.
plicar a diferenciação das pessoas na estrutura Ainda no início do século XX, uma
social, Weber não subestima a importância de obra que influenciou muitos dos estudos so
fatores institucionais que asseguram, por bre a relação entre a estrutura social e o fun
exemplo, a transmissão de heranças (assegu cionamento dos sistemas político-partidá-
rando o monopólio de propriedades), ou rios é a de Pareto, um autor importante no
mesmo a distinção na qualificação profissio campo de pesquisas sobre desigualdade. No
nal dos indivíduos (monopólio da educação) Tratado de sociologia geral, um de seus prin
(.Idem , pp. 69, 99-100, 199-200), mas boa cipais livros, a heterogeneidade da sociedade
parte de seus principais livros dedica-se à aná ocupa um papel central na análise sociológi
lise da motivação para o trabalho e o compor ca. Pareto argumenta que os homens são di
tamento capitalista (1961, 1989, 1991). ferentes física, moral e intelectualmente, o
Em larga medida Weber endossa a tese que faz com que todas as sociedades sejam
de que a operosidade e a frugalidade são de essencialmente heterogêneas. As diferenças
terminantes importantes do desempenho entre indivíduos estão na origem da distin
econômico dos indivíduos nas sociedades ção entre classes, mas essa distinção não im
capitalistas. Um dos objetivos de A ética pro plica uma separação rígida entre grupos,
testante e o espírito do capitalismo é mostrar pois indivíduos circulam entre classes (Pare-
que essas características explicam o fato de to, 1964, vol. II, p. 527, § 2025). Logo,
protestantes ocuparem posições superiores uma teoria que leve a heterogeneidade em
às de católicos na hierarquia social. O argu consideração não deve apenas mapear a es
mento weberiano, amplamente conhecido, é trutura social, mas, também, tratar da mobi
de que, na origem do capitalismo moderno, lidade dentro dessa estrutura.
certas correntes do protestantismo possuíam A estratificação mais famosa de sua obra
um ethos, compatível com o “espírito do ca é a conhecida separação entre elite e massa
pitalismo”, que favoreceu a ocupação de po (ou, mais exatamente, entre elite e não-elite),
sições mais altas na estratificação social por utilizada na teoria que busca explicar a ori
protestantes. Essa ética estendia-se a todos gem e a circulação das elites na sociedade. Pa
os estratos sociais, determinando um com reto não é o primeiro a tratar de uma estrati
portamento ascético favorável ao investi ficação desse tipo, mas é a ele a quem a
mento, a escolhas educacionais orientadas à consolidação do termo elite deve ser atribuí
qualificação profissional e ao trabalho como da. Segundo Pareto, é possível, por simplifi
um fim em si mesmo. cação, dividir a sociedade em dois estratos
Weber é cauteloso em dissociar a religião fundamentais, um inferior, a massa (classe non
do capitalismo moderno. Em suas palavras, elettd), e outro superior, a elite {classe elettá).
“a raiz religiosa do homem moderno mor O estrato superior, por sua vez, subdivide-se
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em elite governante e elite não governante. miliares e outros fatores externos aos indiví
Apesar de propor essa subdivisão, Pareto pra duos. Na teoria de Pareto, os atributos pes
ticamente usa o termo elite como sinônimo soais têm um papel ambíguo na determina
de elite governante (Idem , p. 531, §2032). ção da posição dos indivíduos na estrutura
Para expor sua idéia de elite, Pareto usa social: a ascensão à elite se dá em função da
uma analogia com um sistema de notas con capacidade (qualificação) individual; a ma
feridas à capacidade das pessoas em suas ati nutenção da posição na elite ao longo das
vidades profissionais. A elite é a classe com gerações, não.
posta pelos indivíduos com maiores índices Qual seria o critério exato para demarcar
em suas atividades. Pareto tenta manter a o estrato de elite? Discutindo a abordagem
noção de elite restrita à avaliação da eficiên marxista, Pareto rejeita o uso de classes capi
cia de um indivíduo na perseguição de suas talistas e trabalhadoras por julgar haver uma
metas, quaisquer que sejam elas. Por esta ra diversidade de interesses muito grande dentro
zão, busca afastar o julgamento de valor do grupo dos capitalistas, além de, muitas ve
quanto aos fins das atividades, inserindo, zes, trabalhadores e capitalistas possuírem in
lado a lado, nas elites profissionais, o ladrão teresses comuns {Idem, pp. 664-665, §2231).
e o artista competentes. As elites perpetuam- Neste ponto, “interesses” parecem ser o eixo
se recrutando os membros mais capacitados que Pareto usa para captar, na definição de
das classes inferiores. uma classe, o resultado das características eco
No entanto, essa não é uma forma de ex nômicas e políticas do grupo. No entanto,
posição totalmente consistente com o corpo mais adiante, Pareto enfatiza a heterogeneida
teórico paretiano. Embora Pareto insista em de dentro das elites governantes {Idem, p.
utilizar o sistema de notas para definir inicial 681, §2254), que pode perfeitamente assu
mente as elites, essa abordagem parece ser mir características semelhantes às usadas por
uma tentativa de excluir valores morais do es ele para rejeitar o esquema marxista. Essa
quema de classificação e não um esforço para questão, portanto, não encontra uma respos
formar uma regra classificatória. A posição de ta clara em Pareto e foi objeto de discussões
elite diz respeito mais à capacidade de influir posteriores nos estudos baseados em teorias
nos destinos da sociedade em função de sua das elites, do mesmo modo que as proposi
posição na estrutura social do que a atributos ções dos precursores do debate sobre estratifi
individuais. Em Pareto, a elite não é apenas cação social foram alvo de controvérsias.
um estrato, ela constitui uma classe que se re Entre os autores clássicos das ciências so
conhece como tal e se esforça por manter sua ciais que estão sendo resgatados nos estudos
posição, logo o apelo a atributos pessoais ad modernos sobre estratificação social está Émi-
quire um certo tom de justificativa histórica le Durkheim. Fundamentais para entender
para a segmentação da sociedade e não a for seus escritos sobre a estrutura social das socie
ma de um critério de estratificação. dades modernas são as analogias feitas por ele
Isso se torna mais claro quando Pareto entre sociedade e organismos vivos. Do mes
indica que a riqueza, o parentesco e a rede mo modo que um organismo vivo, as socie
de relacionamentos podem dar o título de dades podem ser entendidas como sendo
elite a quem não deveria tê-lo (1964, 532, formadas por partes especializadas em deter
§2036). São, portanto, determinantes da minadas funções. Assim como a comple
posição de elite tanto elementos de mérito mentaridade dos diversos órgãos é essencial
individual como heranças, características fa para a manutenção de um organismo vivo, o
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funcionamento equilibrado da sociedade fluencia Durkheim, que tende a se concen
depende da integração adequada de suas trar mais sobre os elementos que determi
partes. nam a integração dos grupos profissionais do
Que partes são essas? Em A divisão do tra que sobre as hierarquias entre os grupos.
balho social, Durkheim considera os grupos O uso de uma classificação definida de
profissionais um elemento-chave para se en modo exógeno
O
e a influência do modelo or-
tender a organização da sociedade moderna. gânico na abordagem da estrutura social fa
Uma série de fatores faz com que as funções na zem com que o arcabouço teórico durkhei
sociedade se tornem cada vez mais especializa miano para a análise das estruturas sociais
das e, como resposta a este fenômeno, o traba seja guiado por uma idéia de dependência
lho social seja dividido entre grupos profissio simétrica entre os grupos sociais. Isso não
nais. O pertencimento a um grupo profissional quer dizer que as hierarquias na estrutura so
é acompanhado de prerrogativas e deveres, cial sejam ignoradas por Durkheim. Ele re
além de indicar, para o restante da sociedade, conhece que os indivíduos desejam algumas
a posição de um indivíduo na estrutura social posições mais do que outras e que este dese
(1984, vol. I, p. 38). jo é origem de conflitos na sociedade. Para
São aspectos técnicos da divisão do tra analisá-los, Durkheim lança mão de um
balho que levam à formação de grupos pro modelo normativo, no qual a existência de
fissionais. Em um sistema classificatório de diferenças hierárquicas é justificável do pon
base axiológica, essas características técnicas to de vista moral, em razão das necessidades
da produção poderiam ser usadas para defi de especialização funcional na sociedade, e
nir os grupos profissionais. No entanto, as posições superiores devem ser ocupadas
Durkheim não se vale desse procedimento e por mérito. Sua noção de mérito é produti-
usa as categorias institucionalizadas pela di vista e está relacionada às aptidões profissio
visão do trabalho para captar a estrutura so nais (1991, vol. 2, p. 171).
cial. Utilizando-se da informação presente Há duas categorias de determinantes
na “consciência social” (isto é, instituciona das posições na estrutura social. A desigual
lizada) para mapear os grupos profissionais, dade social exprime as “desigualdades natu
o modelo durkheimiano transfere, no limi rais” e as “imposições exteriores”. A primei
te, os julgamentos necessários para a defini ra diz respeito às capacidades e às escolhas
ção de categorias e sua hierarquização para a dos indivíduos, que podem ser entendidas
sociedade. O que Durkheim faz, portanto, é como a expressão dos talentos - ou, mais es
muito mais identificar as categorias compar pecificamente, a qualificação para a ativida
tilhadas por grande parte da sociedade do de profissional — e as inclinações pessoais
que discutir critérios para defini-las. para determinadas atividades. As segundas
A analogia organismo-sociedade tem consistem em imposições de caráter institu
impacto forte sobre as decisões valorativas de cional, como normas e leis, das quais são ex
Durkheim acerca da possibilidade de hierar pressões as barreiras criadas por regulamen
quização dos grupos profissionais. O mau tação do exercício da profissão ou
funcionamento de um órgão específico pode qualificação para ela e, principalmente, as
implicar a ruína do organismo como um heranças. No modelo normativo de Dur
todo. Logo, em certa medida não faz sentido kheim, estas últimas são indesejáveis, mes
hierarquizar a importância dos órgãos, visto mo que consagradas por instituições como o
que eles são interdependentes. Essa idéia in direito, pois fazem com que a divisão do tra-
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balho social resulte de imposições externas minadas neo-ricardianas guardam grande se
aos fatores que a motivaram e asseguram a melhança com as idéias de Marx; o mapa de
eficiência da sociedade (Idem , pp. 170-174). classes de Pierre Bourdieu é uma fusão do
esquema de Weber com elementos que fo
ram discutidos na obra de Veblen3 e os es
O Debate Atual quemas de classe neo-durkheimianos, por
sua vez, buscam uma alternativa à estratifi
No debate atual é possível notar a mar cação com base em axiomas das tradições
ca das teorias precursoras elaboradas nos sé marxista e weberiana.
culos XIX e XX. Porém, apesar de ser possí A tradição marxista moderna é compos
vel identificar tradições distintas dentro desse ta por correntes um tanto distintas. A ado
debate, uma característica do campo é uma ção de uma agenda normativa fortemente
intensa troca entre elas. São raros, atualmen igualitarista, que influencia a seleção dos te
te, estudos relevantes sobre estratificação so mas de pesquisa e o modo de abordá-los, é
cial que sigam fielmente o modo de abordar um ponto comum entre todos os marxistas,
o problema proposto pelas teorias precurso mas não uma característica exclusiva da tra
ras. Antes, elementos das diversas tradições dição. A diversidade de correntes dificulta a
são reelaborados e fundidos de modo a identificação dos eixos teóricos compartilha
preencher falhas das teorias antigas e adaptar dos pelos marxistas atuais, mas é possível di
as novas às mudanças ocorridas na sociedade. zer que, nas teorias marxistas modernas, a
A análise das teorias modernas de estra divisão da sociedade em classes ainda tem
tificação realizada a seguir privilegia as teo um papel fundamental na teoria, embora
rias de classe e destaca três pontos. Primeiro, talvez menor do que o concebido por Marx.
os eixos utilizados para definir os estratos em Segundo Wright (2000, 2002), as teorias
cada teoria. Segundo, o produto da dinâmi marxistas modernas sustentam modelos hie
ca da disputa teórica, ou seja, o resultado das rárquicos de divisão da sociedade em classes
interseções entre tradições distintas e as crí nos quais a assimetria entre as classes permite
ticas mútuas por elas realizadas. Terceiro, o relações de exploração, dominação e subordi
tratamento dado à hierarquização dos estra nação entre elas. Essa assimetria tem origem
tos e as relações entre eles. E evidente que em relações sociais de produção, isto é, na
diversos outros enfoques poderiam ser reali distribuição dos direitos sobre o uso de recur
zados. O objetivo desta escolha, porém, é sos produtivos e dos direitos que regulam a
bastante específico e consiste em levantar apropriação da produção. O mais relevante
subsídios para uma posterior definição de para a classificação dos indivíduos nas dife
um estrato rico na sociedade brasileira. rentes classes, portanto, não são atributos das
Especialmente no que diz respeito às pessoas ou das relações das pessoas com as
teorias de classe, as influências de Marx e coisas, mas características da relação que um
Weber se fazem sentir em um grande núme indivíduo possui com os demais no processo
ro de abordagens. Elas são o pivô da discus de produção. A ênfase no critério das relações
são teórica moderna, e exemplos disso são sociais de produção dá uma base teórica para
abundantes na extensa literatura sobre o as lidar com questões de classificação de indiví
sunto —além das tradições neo-marxistas e duos que têm poder de comandar trabalho e
neo-weberianas, sucessoras óbvias das duas se beneficiam de sua exploração sem, no en
abordagens precursoras, proposições deno tanto, deter a propriedade formal (jurídica)
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sobre os meios de produção, como é o caso sobre a formação e a transmissão desses di
dos executivos das empresas. reitos, o que significa estudar como a cons
Como as classes não se definem apenas tituição e a implementação de leis, normas e
pela propriedade formal de meios de produ ideologias, assim como a organização de ins
ção, torna-se facilmente compatível com o tituições, afetam a estrutura social.
corpo teórico marxista o uso de esquemas de Certas dificuldades enfrentadas pelos
classe mais complexos (isto é, com um maior neo-marxistas levaram ao surgimento de ma
número de categorias) que a dicotomia sim pas de classe que abrem mão de alguns aspec
plificada entre capitalistas e trabalhadores. tos da teoria de Marx. E o caso da aborda
Isso incrementa a teoria em pelo menos três gem de Sorensen (2000, 2002). No artigo
pontos: 1) torna-a mais aplicável a casos de “Neo-Ricardian class analysis”, Sorensen
articulação de modos de produção distintos, apresenta um esquema em que classes são de
tal como ocorre em sociedades onde convi finidas a partir de direitos de propriedade, os
vem relações capitalistas e semi-feudais ou quais são entendidos como a legitimidade
em economias capitalistas altamente estatiza- para receber rendas de um ativo qualquer. Os
das; 2) faz com que ela seja mais capaz de li direitos de propriedade influenciam a rique
dar com as situações em que o direito sobre za total individual e, por isto, indicadores das
o uso de recursos produtivos não é totalmen condições de vida de uma pessoa são indica
te conferido pela propriedade dos recursos, dores de sua posição de classe. Do ponto de
como é o caso das concessões de uso de um vista da exploração de classes, diz Sorensen,
recurso qualquer; e 3) permite um melhor as categorias de classe estabelecem-se em fun
tratamento de questões que envolvem a re ção da propriedade ou não de ativos rentá
gulação dos direitos de propriedade e dife veis, ressalvando que as posições de classe de
renciam os indivíduos na estrutura social, finidas a partir de condições de vida não
como os acordos trabalhistas, o controle das possuem necessariamente interesses antagô
características das empresas e da produção nicos, pois a propriedade de ativos rentáveis
por meio de agências reguladoras, a sujeição pode não fazer parte da riqueza que uma pes
a regimes tributários diferenciados etc. soa controla (2002, pp. 169, 208).
Nos esquemas de classes baseados em De certo modo o esforço de Sorensen é
relações sociais de produção, os atributos montar um esquema de classificação que usa
dos indivíduos atomizados têm papel indire elementos da sociologia marxista, porém des
to na definição de sua posição na estrutura cartando a teoria do valor-trabalho de Marx
social. A premissa por trás dessa opção é a de para definir exploração. Ao utilizar um sistema
que as escolhas e os comportamentos dos in classificatório baseado em rendas, Sorensen en
divíduos são moldados pelo tipo de relação genhosamente evita os graves problemas que
que eles têm com outros indivíduos. Em ter essa teoria tem para transformar valores em
mos práticos, isso não significa que caracte preços —que afetam a base de seu conceito de
rísticas individuais, como educação, sexo ou exploração, a teoria da mais-valia —, mas con
raça, são irrelevantes em um sistema de clas tinua sustentando que a exploração tem ori
sificação marxista, mas que sua relevância gem nos direitos de propriedade. A exploração,
depende da influência que essas capacidades para Sorensen, é a desigualdade gerada pela
têm na distribuição de direitos sobre os re propriedade de ativos (recursos) que geram
cursos e os resultados da produção. Por esta rendas. Esses ativos geram desigualdades
razão o enfoque das pesquisas marxistas é quando as vantagens dos proprietários surgem
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às custas dos não-proprietários. A exploração, referência ao uso, por David Ricardo, de ti
portanto, aparece na forma de renda de ativos pologias de rendas na formulação de suas teo
que são concentrados pelas classes explorado rias. No entanto, nem a divisão da sociedade
ras e cuja eliminação ou redistribuição seria segundo tipo de renda auferida é original
vantajosa para os não-proprietários (Idem , pp. mente ricardiana, nem o conceito de renda de
178-179). Sorensen é rigorosamente o mesmo de Ricar
O conceito de propriedade usado por do. Como se trata de uma teoria de classes em
Sorensen não se limita à titulação legal, esten que a fundamentação dos critérios de estrati
dendo-se à legitimidade para auferir rendas ficação é dada por uma teoria de justiça dis
de um determinado ativo (Sorensen, 2000, tributiva centrada na exploração, parece que
2002). Com isso podem ser incluídas na clas o mais correto seja posicionar Sorensen pró
se dos rentistas várias pessoas que obtêm ren ximo das abordagens neo-marxistas.
das utilizando ativos dos quais não possuem a O esquema de Sorensen, baseado em
propriedade legal, como é mais evidente no rendas, evita as dificuldades que a definição
caso dos executivos que usufruem das rendas de classes a partir da propriedade legal apre
das empresas que gerenciam, ou das classes senta, mantendo, porém, um conceito de
políticas que se beneficiam da administração exploração que se relaciona à idéia de pro
dos bens do Estado. Todavia, como o concei priedade. Nele, o grupo de exploradores
to de propriedade assumido é bastante am abarca um grande número de pessoas e, do
plo, quase todas as pessoas podem possuir al ponto de vista operacional, pode ser identi
gum tipo de ativo produtivo rentável. Assim, ficado a partir de informações sobre riqueza,
realizar a distinção de classes deixaria de ser uma vez que parte dessa riqueza pode existir
uma questão de identificar a posse ou não ati na forma de ativos que geram rendas.
vos rentáveis e passaria a ser um problema de Há uma certa tendência da literatura re
se estratificar a população em função do tipo cente em destacar uma grande semelhança en
e volume desses ativos. tre as análises de classe de tradição marxista e
Porém, se a definição de Sorensen for weberiana. Cromptom, por exemplo, destaca
rigorosamente seguida, os ativos que defi que ambas identificam classe a partir da estru
nem a posição de classe devem ser ativos tura ocupacional (1995, p. 50). Savage vê
transferíveis. Conseqüentemente, o uso de uma convergência entre ambas, mas julga que
recursos que são tratados por algumas teo a análise de classe weberiana depende da vita
rias como formas de capital intransferível, lidade das teorias de classe marxistas (2000, p.
como o capital humano ou mesmo certos 17). Breen acredita que as fronteiras entre am
capitais simbólicos, não caracterizaria a ex bas são pouco definidas e se estabelecem ape
ploração, mesmo que rendas possam ser au nas em termos da importância dada às classes
feridas a partir desses recursos. Tudo indica, como elemento de explicação na teoria (2002,
portanto, que o mais adequado, a partir da p. 46). Tumin afirma que Weber concordou
definição inicial de Sorensen, não é dividir a com aspectos fundamentais do pensamento
sociedade em proprietários e não-proprietá- marxista muito mais do que reconheceram al
rios de ativos, mas entre exploradores e ex guns estudos sobre estratificação social e que
plorados, conforme o volume dessa explora quase todas as pesquisas neste campo combi
ção e o tipo de renda que a possibilita. nam aspectos da sociologia marxista com
A abordagem de Sorensen é apresentada idéias weberianas (1970, p. 19). Wright, por
como uma “análise de classe ricardiana”, em sua vez, acredita que as análises de classes de
79
tradição weberiana são englobadas pelo corpo Embora não seja exclusiva da tradição
teórico marxista (2002, p. 35). weberiana, a atenção dada a elementos extra-
E verdade que, nos estudos modernos, econômicos em estudos sobre estratificação
existem semelhanças nas abordagens de am social é, sem dúvida, um de seus traços carac
bas as tradições. Porém, do ponto de vista da terísticos. A partir da década de 1930 uma
centralidade que as classes ocupam na teoria, série de estudos inclui informações subjetivas
existe uma distinção entre as duas correntes: sobre prestígio social, reputação, valores etc.,
para a tradição weberiana, as classes têm um em esquemas classificatórios, estratégia que
poder explicativo menor que o atribuído pe se mantém até hoje em muitas pesquisas,
los neo-marxistas. Se, para estes, alguns pa como mostram Blau, Duncan e Tyree (2000,
drões de mudança histórica podem ser expli pp. 204-207). Os mecanismos de transfor
cados em termos da evolução da relação mação de classes econômicas weberianas em
entre as classes, não seria incorreto afirmar classes sociais, isto é, os modos pelos quais as
que as idéias de Weber são usadas muito relações econômicas se traduzem em estrutu
mais para estabelecer critérios de demarcação ras sociais não econômicas, tornou-se objeto
de grupos na sociedade do que para compor de diversas pesquisas de Giddens e seus su
uma teoria sobre como as classes se originam, cessores (Giddens, 1982, p. 157). O papel
como se relacionam e como esse relaciona do poder político na estruturação da socieda
mento pode ser usado para explicar o funcio de também é objeto de atenção dos weberia
namento da sociedade. Se, por um lado, We nos e foi incorporado em inúmeros estudos
ber define classes de um modo mais nítido e após a publicação das obras de Wright Mills
afastado de ambigüidades do que Marx, por e Parsons. Quanto aos fatores que definem a
outro lado seus comentários sobre o tema são posição dos indivíduos em um determinado
bastante fragmentados e ocupam um papel estrato, porém, os determinantes culturais e
secundário em suas principais obras, e isto se motivacionais usados por Weber em A ética
reflete nos sucessores das duas correntes. protestante e o espírito do capitalismo foram
Um grande número de estudos sobre es abandonados em função de atributos socioe-
tratificação poderia ser classificado como conômicos mais facilmente observáveis.
weberiano caso as peculiaridades dessa tradi Embora recuse o título de weberiano, John
ção sejam a não atribuição de um conteúdo Goldthorpe é considerado o principal expoente
substantivo para as classes nas teorias que da tradição, tanto por Savage (2000) como
explicam o funcionamento da sociedade — por Breen (2002). Parece correto tratá-lo des
ou o que Savage chama de uma “realidade se modo, uma vez que seus esquemas de es
ontológica das classes” (2000, p. 16) —e o tratificação estão claramente orientados à
uso de tipos ideais para fundamentar a estra agregação de coletivos a partir de tipos ideais,
tificação. Para os weberianos, as classes não sem depender de uma teoria que articule, an
são importantes a priori: sua existência deve tecipadamente, a relação entre as classes, rela
ser testada para verificar se os indivíduos nas ções de exploração entre elas ou de uma teo
classes formam uma coletividade. Os estu ria de como elas agem (Goldthorpe e
dos que podem ser enquadrados como we Marshall, 1992, p. 383). Em formulações re
berianos acreditam que faz sentido estratifi centes, Goldthorpe e seus colaboradores
car uma sociedade porque os estratos usam um esquema de classes predominante
representam grupos reais que têm compor mente baseado na regulação das relações de
tamento provável semelhante. trabalho por meio de contratos, em que os es-
80
tratos são definidos a partir de duas dimen das em aspectos técnicos da divisão do tra
sões básicas, o grau de monitoramento e a es balho e, portanto, mais facilmente reconhe
pecificidade dos recursos humanos requeri cidas na sociedade. Um dos principais ex
dos pelas tarefas (Goldthorpe, 2000, p. 214; poentes da corrente, David Grusky, chama
Erikson e Goldthorpe, 2000, p. 311). essas categorias de “microclasses” e acredita
Muitos dos estudos na tradição weberia- que elas refletem melhor os níveis da vida
na sofreram influência da teoria das elites. A social em que as atitudes e os estilos de vida
partição dicotômica de Pareto entre elite e são gerados. Trata-se de categorias que refle
massa, porém, foi abandonada e, em seu lu tem, em certo grau, a estrutura ocupacional
gar, foram usados esquemas de estratificação da população, tal como ela é reconhecida
que distinguem estratos intermediários. Em pelos indivíduos e pelos sistemas normativos
bora na maior parte dos estudos recentes a e legais (2002, pp. 76-88).
idéia de elite esteja associada a conceitos como Embora o tratamento dado por Dur
poder, autoridade ou controle, nas últimas dé kheim aos grupos ocupacionais seja extensi
cadas as elites passaram a ser entendidas como vamente usado em campos como a sociologia
grupos além da esfera política do Estado, es das profissões, nos estudos sobre estrutura so
pecialmente após pesquisas que destacavam a cial são incomuns abordagens claramente
importância das elites na gerência da produ durkheimianas. Desde pelo menos a década
ção e nos movimentos sociais (Keller, 1963; de 1930, os estudos sobre mobilidade social
Parry, 1969; Lasswell, Lerner e Rothwell, usam informações sobre categorias ocupacio
1971; Therborn, 1982). nais como indicação de posição na estrutura
Outra ruptura em relação às teorias social, mas nem sempre como um critério de
clássicas de elite resulta das análises recentes delimitação de grupos que de fato comparti
que mostram que a manutenção dos mem lham valores e comportamentos distintos dos
bros das elites em suas posições se baseia em demais agrupamentos. Até o momento as
mecanismos simbólicos, ideologias e até abordagens durkheimianas têm poucos resul
mesmo na violência. Reconhecendo esses re tados reais a oferecer. Nas palavras do próprio
sultados, muitos teóricos deixaram de lado a Grusky, a alternativa durkheimiana consiste
idéia de que a composição atual das elites mais em levantar novas questões do que for
pode ser adequadamente explicada em ter necer respostas prontas (.Idem , p. 104).
mos de talentos ou características psicológi Uma outra corrente moderna que não se
cas de seus membros e passaram a buscar ex alinha rigorosamente às tradições marxista e
plicação para essa composição na estrutura weberiana se baseia em estudos de Pierre
da sociedade, aproximando-se, neste ponto, Bourdieu. Os trabalhos de Bourdieu sobre es
da tradição marxista. trutura social não usam o recurso de derivar
Os esquemas de classe que se autodeno categorias sociais a partir de axiomas previa
minam inspirados na obra de Durkheim mente definidos. Isto, aliado a uma linguagem
surgem na busca por uma alternativa às tra peculiar que redefine diversos conceitos cor
dições marxista e weberiana. Estas costu rentes da sociologia, faz com que suas idéias
mam analisar a sociedade a partir de catego sejam passíveis de interpretações ambíguas
rias que agregam um grande número de (Weininger, 2002). Mesmo assim, é possível
indivíduos, classificando-os a partir de axio classificar a forma como Bourdieu aborda a
mas teóricos. O esquema neo-durkheimia- estratificação da sociedade entre as teorias que
no, em contraposição, usa categorias basea apresentam, simultaneamente, características
81
do esquema geral weberiano e do tratamento ficação que torna difícil separar os efeitos cau
dado por Veblen ao uso do estilo de vida sais de cada um deles, fazendo com que o es
como um símbolo de classificação social. O tudo da desigualdade baseado apenas na aná
eixo central do trabalho de Bourdieu é o estu lise de classes perca relevância (Pakulski,
do das relações entre classes e grupos de status 2002). Para outros críticos, como Touraine, a
- que na obra de Weber são tratados separada informação de que um indivíduo pertence a
mente baseado no argumento de que a aná uma classe determinada diz pouco sobre suas
lise das relações econômicas (classe) requer ações. São essas ações que modelam a socieda
um estudo simultâneo das relações simbólicas de e, portanto, são elas o objeto central das
{status) (Bourdieu, 1984, 1989). ciências sociais. Há momentos em que as clas
Bourdieu monta um esquema de classifi ses agem como um coletivo, modelando a so
cação baseado em três dimensões —volume, ciedade, porém em muitos outros as classes
composição e trajetória dos capitais econômi são apenas agregados passivos de indivíduos.
cos e culturais —, no qual não há fronteiras de Logo, nas sociedades modernas que não são
finidas de classe, exceto aquelas definidas pe moldadas por estruturas de privilégio, as situa
los grupos ocupacionais institucionalizados. ções (posições na estrutura) não determinam
Com isso, é possível entender a posição dos ações e o relevante para o cientista social não
indivíduos na estrutura social como uma fun é identificar “classes”, mas “movimentos so
ção dos atributos pessoais que definem os ca ciais” (1995, p. 88).
pitais econômico e simbólico e dos processos
de transmissão intergeracional desses capitais
(1984, pp. 128-129, 262, 340, 452, 504). Conclusão
Esse esquema foi montado para analisar o que
determina um estilo de vida específico, mas As diversas teorias de estratificação social
pode também ser aplicado para estudar como discutidas formam o núcleo de uma grande
a combinação de classe e status influenciam as quantidade de estudos contemporâneos sobre
oportunidades de vida dos indivíduos. desigualdade. A estratificação de uma popula
Uma ala do debate moderno sobre classes ção em ricos e não-ricos não é objeto específi
distingue-se pelo questionamento da validade co de nenhuma dessas teorias. De fato, uma es
das teorias de classe como um todo. Parte da tratificação como esta é, do ponto de vista de
discussão gira em torno de críticas ao poder uma proposição teórica, muito pouco ambi
explicativo das classes nas sociedades moder ciosa se comparada às intenções dos esquemas
nas. Para alguns críticos, a análise das formas de estratificação discutidos, que, em sua maio
contemporâneas de hierarquia e antagonismo ria, pretendem identificar grupos cujo com
requer partições alternativas da sociedade: re portamento permite explicar os grandes movi
lações de autoridade estatal, gênero e raça, por mentos da dinâmica social. No entanto, essas
exemplo, são origem de desigualdades que teorias trazem uma série de contribuições para
não são captadas pelas análises de classe e, no um estudo dos ricos. Entre elas merecem des
entanto, são elementos centrais para a com taque as que se referem às dimensões nas quais
preensão das sociedades modernas. Segundo a diferenciação dos estratos é realizada e as que
Pakulski, um dos resultados da complexifica- dizem respeito aos fatores que determinam a
ção das desigualdades é a “hibridização” dos posição dos indivíduos na estrutura social.
esquemas de estratificação, isto é, a interpene A grande diversidade de abordagens nas
tração de dois ou mais mecanismos de estrati- pesquisas sobre estratificação social é uma
82
característica da configuração atual do cam de grupos homogêneos. Terceiro, o baixo ní
po. Ainda que seja possível identificar dois vel de associativismo dos grupos profissionais,
grandes ramos dominantes, o marxista e o a alta rotatividade nos postos de trabalho e a
weberiano, além de alguns ramos menores, grande proporção de trabalhadores por conta-
as fronteiras entre eles são difusas e sua hete própria em ocupações mal definidas fazem
rogeneidade interna é elevada, o que faz com com que, para uma grande parcela da popula
que qualquer agrupamento de teorias seja ção, seja pouco provável que uma categoria
passível de controvérsias. Não seria exagero profissional represente uma rede de pessoas
dizer que a maior parte das teorias precurso que se relacionam de modo estável ao longo
ras consideradas aqui teve influência, direta do tempo, moldando comportamentos. É
ou indireta, na formulação das abordagens provável que para um estudo dos ricos seja
modernas. Como essas abordaçens O
não são mais apropriado, na dimensão ocupacional,
necessariamente incompatíveis entre si, não tratar de elites (intra) ocupacionais, como su
há motivos para um esquema de estratifica geriu Pareto, do que lidar com as ocupações
ção deixar de incorporar elementos oriundos como unidades.
de fontes diversas. Esquemas baseados em bens simbóli
Atualmente, predominam quatro gran cos, estilo de vida, prestígio, reputação ou
des dimensões da vida em sociedade sobre as algo semelhante são comuns no campo,
quais a estratificação é feita, as quais podem como mostram os trabalhos de Bourdieu e
ser denominadas ocupação, bens simbólicos, de diversos weberianos modernos. A maior
poder político e interesses no conflito distri dificuldade desses esquemas é acessar a in
butivo. Evidentemente a intenção de uma formação sobre bens simbólicos etc. no âm
divisão como esta é unicamente organizar a bito individual. A principal estratégia para
síntese de um grande número de teorias, superar essa dificuldade consiste em utilizar
uma vez que essas dimensões não são entre variáveis instrumentais que correlacionam
si, excludentes e, ao menos hipoteticamente, algum atributo observável do indivíduo a
um esquema de estratificação poderia usar, seu capital simbólico. É o caso, por exem
de maneira simultânea, todas elas para sub plo, das escalas de prestígio que, em um pri
dividir a sociedade. meiro momento, relacionam o prestígio de
As ocupações são utilizadas em diversos um grupo limitado de ocupações ao nível
esquemas de estratificação como um meio educacional ou rendimentos dos profissio
para se capturar informações de outras dimen nais e, posteriormente, realizam inferências
sões, como o prestígio, por exemplo. Nas acerca do prestígio de uma quantidade
abordagens de origem durkheimiana, os agru maior de ocupações usando essas variáveis.
pamentos ocupacionais institucionalizados A dificuldade de acessar informações so
são a principal dimensão da estratificação. Seu bre bens simbólicos, estilo de vida, prestígio
uso em um estudo dos ricos no Brasil, porém, ou reputação, por exemplo, inviabiliza o uso
parece enfrentar alguns obstáculos. Primeiro, dessas dimensões da estratificação em pes
os esquemas durkheimianos não privilegiam a quisas que pretendam utilizar levantamentos
hierarquização dos grupos, algo fundamental amostrais de grande porte para o estudo dos
em uma pesquisa sobre desigualdade. Segun ricos. Mesmo a estratégia das variáveis ins
do, a elevada desigualdade intra-ocupacional trumentais parece pouco útil, uma vez que
observada no Brasil compromete o uso de tí ela não só teria que enfrentar uma elevada
tulos ocupacionais como critério de definição heterogeneidade intragrupo do prestígio dos
83
indivíduos, como também depende de um fera da distribuição, razão pela qual seus es
estudo prévio que, ao que tudo indica, não tratos refletem a divisão da sociedade entre
se encontra disponível no Brasil. exploradores e explorados.
Há diversas décadas o poder político é o Qual seria, no conflito distributivo, o
núcleo da estratificação em parte dos estudos grupo com interesses antagônicos ao dos ri
sobre elites de tradição paretiana ou mesmo cos? E evidente que uma resposta desse tipo
em alguns daqueles que possuem relação depende de uma teoria de justiça que propo
com a obra de Weber. Como os ricos consti nha quais são as desigualdades injustas de
tuem um certo tipo de elite, parece ser im uma sociedade e como elas devem ser elimi
portante associar sua posição na estrutura so nadas. Em um sistema distributivo hipotéti
cial a seu poder político. Aqui, como no caso co que argumente a favor da redução da de
dos bens simbólicos, o obstáculo à incorpo sigualdade pelo menos até a erradicação da
ração dessa dimensão em um esquema de es pobreza, é possível entender os ricos como o
tratificação social é a disponibilidade de in grupo no extremo superior da distribuição
formações no âmbito individual. Em estudos da riqueza em uma sociedade que tem como
restritos a uma comunidade política, em que grupo de interesses antagônicos na disputa
a estrutura de poder é relativamente bem co pela distribuição dessa riqueza os pobres. A
nhecida, o uso dessa dimensão na estratifica desigualdade entre os grupos pode ser redu
ção é perfeitamente viável. Porém, quando se zida realizando-se transferências de um ex
trata da população como um todo, é pratica tremo a outro. Isso sugere, portanto, que o
mente impossível utilizá-la. Uma alternativa estrato dos ricos pode ser definido em rela
para não se deixar de considerar o poder po ção ao estrato dos pobres.
lítico em um estudo sobre os ricos baseado No esquema de Sorensen, a definição
em levantamentos de larga escala poderia ser das fronteiras entre classes com interesses an
a realização da estratificação por outros crité tagônicos (exploradores e explorados) não é
rios e, posteriormente, a correlação do poder uma questão de se ter ou não a propriedade
à condição de rico por meio de informações de ativos que geram rendas, mas de definir o
sobre ocupações em cargos políticos ou asso ponto em que o volume desses ativos é sufi
ciações a entidades políticas, por exemplo. ciente para definir uma nova classe. Isso sig
Uma das principais contribuições do nifica que as classes são posições ao longo de
debate sobre estratificação social para a par uma distribuição contínua e, portanto, o que
tição da sociedade entre ricos e não-ricos posiciona os indivíduos nas classes não é ape
vem das teorias que entendem a desigualda nas apresentar ou não uma determinada ca
de como resultado de alguma forma de con racterística (por exemplo, ser ou não proprie
flito distributivo. Os esquemas de estratifi tário de meios de produção), mas, também,
cação de Marx, Veblen e muitos de seus a quantidade possuída dessa característica.
sucessores expressam, de certo modo, esse Se, analogamente, ricos e pobres forem
conflito ao definir as fronteiras de seus estra entendidos como extremos de uma mesma
tos de modo a demarcar grupos que têm in distribuição, a definição das fronteiras desses
teresses antagônicos na disputa pelos bens estratos pode ser feita sobre algo que é comum
materiais produzidos pela sociedade. Nas a ambos, mas que os diferencia em termos de
teorias marxistas, por exemplo, a exploração quantidade. Esse eixo comum poderia ser
é o principal processo pelo qual desigualda constituído pelo volume de direitos sobre os
des injustas são geradas e transmitidas à es recursos e o resultado da produção conferidos
84
pela propriedade de ativos rentáveis. Porém, o dos estratos superiores aos inferiores, a estrati
próprio Sorensen reconhece a dificuldade em ficação da sociedade brasileira entre ricos e
se mensurar esses direitos e, por este motivo, não-ricos pode ser feita a partir de informa
propõe que o nível de riqueza dos indivíduos ções de um terceiro grupo, o dos pobres. Isto
seja usado para representar esses direitos, uma significa que é possível estratificar a população
vez que resulta deles. Assim como é possível
por meio de uma noção de riqueza que de
delimitar linhas de pobreza, é também possí
penda totalmente da intensidade da pobreza
vel a construção de uma linha de riqueza, isto
em uma sociedade, isto é, utilizando uma li
é, um patamar de riqueza acima do qual as
pessoas podem ser consideradas ricas. nha de riqueza que esteja diretamente relacio
Adotando-se a perspectiva de que a desi nada à linha de pobreza e se fundamente na
gualdade social está relacionada a um conflito possibilidade de erradicar-se a pobreza extre
distributivo e que a redução dessa desigualda ma por meio de transferências de recursos dos
de pode ser feita pela transferência de recursos mais ricos aos mais pobres.
Notas
1. Classes são entendidas como estratos sociais hierarquizados a partir de algum critério.
2. “La raiz religiosa dei hombre moderno ha muerto” (Weber, 1961, p. 309).
3. Bourdieu não menciona Veblen em A distinção (1984), mas há grande semelhança entre
as abordagens.
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Resumo
Abstract
Résumé
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