PARTE I
empo distante.
i diferent
a erente
qs coisas acontecidas hd cem anos parecem tao
longe de nds!
Afinal, cem anos s4o muitos anos € 0 que acon-
teceu hd um século est4 muito distante de nés no tempo.
No entanto, nao é apenas porque aconteceram hd cem anos
que parecem longe de nés. Esse tempo parece distante por-
que é um tempo muito diferente do nosso.
Em 1889 0 Brasil se diferencava muito do que é ho-
Je: no possutamos Cineléndia nem arranha-céus; os bon-
des eram puxados por burros e ninguém rodava em auto-
mével; 0 rédio néo anunciava o encontro do Flamengo com
o Vasco, porque nos faltavam radio, Vasco e Flamengo;
na Estrada de Ferro Central do Brasil morria pouca gen-
te, pois os homens, escassos, viajavam com moderacao;
existia 0 morro do Castelo, e Rio Branco nao era uma
avenida — era um bardo, filho de visconde. O visconde
tinha sido ministro ¢ 0 baréo foi ministro depois. Se eles
nao se chamassem Rio Branco, a avenida teria outro nome.
O Amazonas, a cachoeira de Paulo Afonso e as flo-
restas de Mato Grosso comportavam-se como hoje. Mas
as estradas de ferro eram curtas, e quase se desconheciam
estradas de rodagem, porque havia caréncia de rodas. Nos
sitios percorridos atualmente pelo caminhdo, deslocava-se
0 carro de boi, pesado ¢ vagaroso.
Pouco luxo nas capitais, necessidades reduzidas no
campo. As cidadezinhas do interior, mediocremente po-
voadas, ignoravam a iluminagao elétrica e o bar.
(Graciliano Ramos, ‘Pequena his-
tria da Reptblica’. In: Alexandre ¢
outros herdis, p. 126-7.)Vendedor de verduras, figura tipica do Rio de Janeiro, (Mare Ferrez, s/d.)
A vida era tao diferente
As casas das grandes cidaces de ent!
tais com goiabeiras e mangueiras, Pela ras, O que se ou-
via era o trote dos cavalos, porque o# primeiron A 6
veis sé chegaram aqui no comego do séeulo XX, Também
se ouviam os pregies dos vendedores ambulanies que andavam
com a mercadoria Ay costas, Alguns eram ainda 10s,
¢ carregavam tabuleiros de doces ¢ balas, por vex ili-
brando-se nos estribos dos bondes, una das grandes novi-
dades da época,
— Balas! Quer balas? Horteld, chocolate, bauni-
tha e cocol
— Biseoitos,
inhd,
— Sto seis por um tostéo!
— Baleeei...ro! Queimada e Ovo!
Notdvel agilidade a desses molecotes de 12 a 16 anos,
ginastas consumados, equilibristas perfeitos, herdeiros da
ligetreza acrobdtica da capoeira colonial, precursores na
destreza e no desembaraco do jogador de futebol de agora.
[...] Saltam como se fossem bolas de borracha, pulando
de um para outro carro, até quando eles estao em acelera-
do movimento, sem deixar cair a bandeja dos rebugados
que vendem, equilibrada na palma da mdo, erguida toda
para oar. [...]
Quando servem o fregués, trepados pelos estribos, balas
e biscottos, soltam as maos do balatistre, e, assim, con-
tam a mercadoria, fazem o troco, o vetculo sacolejando,
vezes torcendo por curvas fortes, sem cair, sem vacilar...
— Baaala, fregués... Baleeeiro!
(Luis Edmundo, 0 Rio de Janeiro do
meu tempo, p. 143-4.)
Como era diferente aquele tempo!
Para nés ja é dificil imaginar céu sem aviado e casa sem
televisio. Imaginem o que era usar roupa de 14 em pleno
verao carioca!... Mas era assim ha cem anos, pelo que conta
Luis Edmundo:
Os homens usavam sobrecasaca, fraque e ‘‘veston’’,
ds vezes de traspasse, cortados em tecidos importados di-
retamente da Inglaterra; panos em demasia, espessos, pura
1a de carneiro da Australia, nada de acordo com as exi-
géncias naturais de um clima quente como 0 nosso.
(Luis Edmundo, De um livro de me-
mérias, v. 1, p. 196.)
Segundo esse mesmo autor, a situacao da mulher mu-
dara para melhor. E se hoje essas mudangas nos fazem sor-
rir, € preciso nfo esquecer que sAo coisas acontecidas ha
cem anos...