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Curso: Ciências Sociais

Disciplina: Antropologia II
Período: 2° segundo 2018/2
Professora: Dra. Fabiana Jordão Martinez
Aluno: Antonio Domingos Dias

Ensaio Sobre a Dádiva


Forma e Razão da Troca nas Sociedades Arcaicas
MAUSS, Marcel

Catalão
Outubro - 2018
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Dádiva uma Questão de Interesse, Trocas e Alianças


No texto o autor mostra que retribuir e dar presentes aos amigos tem
toda uma simbologia e significados e que o presente vai além da materialidade,
como destaca nos versos 41 e 42 (p. 186), os presentes são trocados entre
amigos de longa data e que essa troca valoriza a amizade, aliança ou a
comunhão entre eles, reforçando a generosidade. Há também aquele que tem
medo de dar presentes, porque são avarentos, e teme não retribuir de forma
adequada o presente recebido, conforme versos 46 e 48 (p. 186 e 187).
O autor identifica as prestações totais das sociedades arcaicas como
uma fórmula da relação de troca diferente do mercantil, e nesse sentido ele está
sendo evolucionista, pois essas trocas são mais complexas e têm mais regras,
e que faz uma associação a um valor ético e moral na transação econômica,
Mauss encontra uma diferença entre a dádiva de presente, e de símbolos, são
várias sociedades que se obrigam mutuamente, em grupos e mediante seus
chefes.
O objetivo da dádiva subentende-se implícita ou explicitamente que
os presentes e as trocas são uma espécie de contrato como fato social total,
como se fosse um acontecimento que regulamenta os valores daquela
sociedade tais como: religioso, político e econômico, ou fenômenos estéticos,
reforçando os laços sociais de “caráter voluntário, aparentemente livre e gratuito,
e, no entanto obrigatório e interessado” (p. 188). Observa-se que os atos de dar,
receber e retribuir fazem parte das interações sociais e que vão além dos
interesses materiais, é também uma troca espiritual.
O autor questiona como se realizam as transações humanas de trocas
comum em qualquer sociedade e em qualquer tempo e sua continuidade no
momento presente, identifica a presença de regras morais que influenciam essas
tribos e a economia existente nessas transações de troca de moeda, um viés
econômico que parece ser gratuito, mas não é.
A dádiva produz uma noção de aliança, como as matrimoniais, as
políticas, as religiosas, as econômicas, as jurídicas e diplomáticas. E não inclui
só presentes, mas também: bens e riquezas, bens móveis e imóveis, coisas úteis
economicamente, além disso, banquetes, danças, crianças, mulheres, afeto,
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sentimentos de amizade, ritos, serviços militares, visitas, festas, comunhões,


esmolas, herança (p. 191).
O autor descreve uma tradição de oferendas mútuas entre essas
sociedades que não trocam somente bens, riquezas, coisas economicamente,
mas gentileza faz a distinção entre a troca mercantil motivado pelo interesse
individual e o sistema da dádiva no qual a nobreza ganha prestígio, portanto
interpreta a dádiva como uma troca arcaica, mas não no sentido utilitarista, o
doador deve recuperar a dádiva, o seu bem, mas também o interesse moral e
não somente o prestígio e resguardar o seu nome, o sentimento de amizade e
garantir a circularidade, a dádiva interessava não apenas as coisas, mas as
pessoas.
A ideia de acumular para gastar, obrigatoriedade de dar festas, fazer os
jantares, reforça os laços e as alianças ou quebra dos laços provocado pela
rivalidade, pois dar uma festa melhor ou igual ou por distinção para provar do
seu status, um modelo para pensar que o que tem na festa deve ser consumido
e o que sobra é queimado.
Busca comparar as mais diversas sociedades como a Polinésia,
Melanésia, noroeste americano e alguns direitos escritos e não apenas regras
de comportamentos no caso de várias sociedades arcaicas, como potlatch, que
quer dizer dar, nutrir ou consumir, é uma cerimônia entre tribos indígenas da
América do Norte a forma evoluída e rara dessas prestações totais ou
1agonísticas.

Nas sociedades arcaicas, existem as prestações totais que implicam


nas três obrigações: dar, receber e retribuir (p. 200 e 201). O autor comprova
que a dádiva é o inverso da troca mercantil e procura nela a origem da troca pura
ou da relação de comércio, troca mercantil. As interações sociais são
persuadidas por julgamentos que excedem os interesses estritamente materiais,
e o presente trocado não significa um bem apenas material, pois os bens em
questão não são necessariamente físicos, mas também autoridade, honra, título,
cargos, privilégios, cujo papel social é o mesmo que os dos bens materiais. As
transações humanas em outras sociedades envolvem um mercado econômico,

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Em etologia, comportamento agonístico é qualquer comportamento social relacionado à luta. Portanto,
é uma categoria mais ampla que agressão, pois não envolve apenas o ato agressivo em si, mas também
exibições, fugas, conciliação. O termo foi cunhado por Scott e Fredericson em 1951.
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onde há troca de valor monetário, moeda ou prata ou ouro, pelo o que é vendido
ou comprado desde bens materiais até títulos.
Se dádivas são dadas e retribuídas, é porque se dão e se retribuem
respeitos, pode-se dizer igualmente, cortesias. “Mas é também porque as
pessoas se dão ao dar, e, se as pessoas se dão, é porque se devem - elas e
seus bens - aos outros”. (p. 263). Para o autor toda troca é interessada e é isso
que permite o ser humano viver em sociedade.
Quando Mauss estuda as relações sociais dessas sociedades, o seu
caráter religioso, a dificuldade de separar clã e família até o próprio indivíduo,
chama atenção para o texto. Em “As formas elementares da vida religiosa” de
Durkheim (1996), busca compreender as religiões e observa a história e a
etnografia, é capaz de revelar uma realidade concreta e estuda a natureza
religiosa do homem que é a primeira forma mais primitiva, simples e inferior, e
existe algo que une como seres humanos com categoria de entendimento,
noções de espaço, tempo, gênero são elementos constitutivos da formação
intelectual do homem. Para Durkheim a religião enriquece e contribui para a
formação do espírito humano previamente, bem como a maneira de elaboração
dos seus conhecimentos.
Neste contexto requer um entendimento e manutenção da vida social
por uma incessante troca de dádivas, dar e receber, universalmente estas são
obrigatórias, mas organizadas de forma específica em cada caso. Desta forma
é importante entender como as trocas são geradas e realizadas nos mais
variados tempos e lugares, de fato que elas podem ter formas variadas, da
retribuição pessoal à redistribuição de tributos.
A prática é trocar, dar e receber não representa somente uma troca
material, das diversificadas civilizações revelam que trocar é unir almas, uma
troca espiritual, permitindo a relação entre os homens, a intersubjetividade, a
sociabilidade. Mauss compreendia os tributos como uma forma de dádiva e são
sempre os grupos familiares ou clãs ou tribos que se empenham reciprocamente,
trocando, contratando e enfrentando-se em grupos ou por mediação de seus
chefes.
A Polinésia tem destaque do autor por causa da noção de mana,
através da qual inicia o seu estudo sobre a obrigação de retribuir e a força ou ser
espiritual ou à sua expressão simbólica ligada a uma ação ou transação desta
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retribuição. A noção de mana é igualmente essencial em algumas regiões da


Melanésia, mas em um contexto de menor desenvolvimento da chefia como
instância centralizadora da vida social.
Começa a análise por Samoa destacando a prestação total, bens
uterinos contra bens masculinos e a presença de uma classificação de bens e
pessoas em: taonga que são os bens uterinos, como o casamento, decorações,
cultos, tradições e talismãs que fazem parte de uma nova família através da
mulher (filhos, inclusive), e oloa que são os bens móveis ou os instrumentos do
marido. Hau o espírito das coisas, vento e alma, obrigação moral, Utu o
pagamento.
Chama atenção para as trocas de presentes entre homens e deuses,
pois excitam os deuses a serem benevolentes com os homens e ensina que as
trocas de presentes geram riquezas. O autor olha a esmola como uma noção
moral da dádiva e da riqueza, de quem recebe, e a noção do sacrifício, de quem
dá aos pobres, associado à justiça e a caridade, este sistema de troca é para
evitar as enfermidades. O pobre está dispensado de retribuir, mas não está
dispensado de receber, no entanto aquele que tem em abundância tem a
obrigação de dar e ainda observa que alguns não têm condições de retribuir.
Aborda o direito Maori, o espírito da coisa dada, no presente recebido
e trocado, gera um dever de retribuição, o taonga é vivaz pelo hau de sua floresta
e território, incomodando todos os seus detentores até que estes recompensem
com seus próprios taonga. Essa é a natureza do vínculo jurídico criado pela
transferência de bens: presentear é dar alguma coisa de si, da existência
espiritual, acontecimento que torna inevitável a compensação pelo risco que
representa resguardar um objeto não inerte; os bens móveis ou imóveis gerando
uma ascendência mágica e religiosa sobre o indivíduo.
Acredita-se que quando se dá algo a alguém especial, não se dá
apenas o material, mas, o espírito da pessoa que está dando vai junto, e há uma
devolução, e uma troca de atenção, amizade e confiança, nos mais diversos
tipos de trocas e nas mais variadas sociedades.
O Kula, por exemplo, pode ser entendido como um complexo de
relações intertribais, que tem como característica a formação de laços sociais,
de forma que se impõe a cada um dos envolvidos uma série de regras, cabendo
a cada um deles observá-las e cumpri-las. Uma de suas características é o
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aspecto transacional do sistema, em que a troca das peças do vaygua’a se opera


de forma semicomercial e semi-cerimonial atendendo ao desejo de posse.
O que caracteriza esse tipo de troca como semicomercial é que a
posse de cada um desses objetos é temporária, ou seja, ela é incompleta no
sentido de que não há uma monopolização dessas peças, se observa também
uma alternância, de modo que o indivíduo possui em suas mãos e em momentos
diferentes objetos de duas classes distintas. O que se observa é uma posse
cumulativa, já que há uma valorização acerca da quantidade de objetos
possuídos.
Outro fator é o modo como os indivíduos agem em relação ao Kula,
as peças não são usadas como medida do valor, o único ponto em comum entre
elas e o dinheiro é que ambos representam riqueza condensada. A única função
que as peças possuem é a de circular dentro do anel de Kula, seguindo um
sentido circular dentro de determinada área geográfica e entre parceiros
estabelecidos, cumprindo regras rigorosas.
Por fim, Mauss afirma que este é um primeiro trabalho sobre fatos sociais
totais, e que deve servir de base para que outros estudos possam ser feitos,
sendo importante para a sociologia que os sociólogos sigam essas indicações
metodológicas para observarem os fatos dados e fazerem menos abstrações,
podendo assim “perceber o grupo inteiro e seu comportamento global”. Ao final,
enfatiza que através de seu estudo pode constatar que as sociedades só
avançam e se unem pela aliança, que seus grupos e indivíduos puderam se
estabilizar quando aprenderam a dar, receber e, enfim, retribuir.

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