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Objetivo: Este relatório tem como objetivo abordar a temática da inserção da

antropologia no território brasileiro e como ela foi fator determinante para a criação de
uma identidade nacional cultural. Através dos autores Raimundo Nina Rodrigues, Paulo
Padro, Darcy Ribeiro e Oswald de Andrade, realiza-se uma análise para como se deu o
processo de “criação” dessa identidade nacional, que foi tão difícil de ser conquistada.

Brasil: entre a dominação e o processo de identidade cultural

A construção de uma identidade cultural brasileira foi e em partes pode-se dizer que
ainda é um tema difícil e nada simples de se abordar, a colonização e os processos de
construção da sociedade brasileira ocorrem em um meio hegemônico o que dificulta
identificar o processo e a criação de identidade. Esse fato acaba por refletir nas ciências
que ao tentar compreender o estereótipo do brasileiro se depara com vários
antagonismos e com isso uma imensa dificuldade para classifica-los.

A área da antropologia, na época, ainda muito recente no território brasileiro explicita


bem as dificuldades em se caracterizar as diferentes etnias produzidas no Brasil através
da enorme miscigenação. O Médico Nina Rodrigues que trabalhava nos estudos da
cabeça de Antônio Vicente Mendes Maciel, ou Conselheiro, como era chamado o líder
do movimento de Canudos, faz uma análise que seria publicada em 1º de novembro de
1897 na Revista Brasileira com o título: A loucura epidêmica de Canudos, Antônio
Conselheiro e os jagunços, nessa análise Nina Rodrigues caracteriza Antônio
Conselheiro como um simples louco, mas, segundo o estudo, sua loucura não seria de
caráter único, individual: seria uma espécie de loucura acometida em multidões, devido
a características socioeconômicas específicas de um determinado meio. Seguindo essa
lógica, Nina Rodrigues aporta um estudo da vida pregressa do Conselheiro, a fim de
demonstrar a evolução de sua “ patologia” e sua relação com os aspectos sociológicos
do meio de que provinha. O agravamento de seus problemas pessoais fez com que sua
doença evoluísse para um “ delírio de perseguição, donde se encontraria o ato de
peregrinar, fugindo de supostos inimigos, frutos de sua própria alucinação. A principal
ideia defendida pelo autor no artigo, a de patologias de loucura coletiva, são
provenientes de três fatores que a desencadeiem. O primeiro é um fator ativo (no caso
estudado, a liderança de Antônio Conselheiro) que desencadeia a epidemia em um fator
passivo (a multidão); um fator passivo que, embora aceite a loucura do fator ativo, reage
a esta loucura, reafirmando-a e transformando-a. Em segundo lugar, um tempo e um
espaço de convívio suficiente para fortalecer a patologia. E, por fim, o fato de que o
contágio do delírio deve estar amparado em caracteres semelhantes à realidade, como
ocorrências do passado ou temores do futuro.

Nina Rodrigues não apenas reflete uma tendência geral da época, ao estranhar
indivíduos de conduta social ou religiosa diversa da estabelecida como “ loucos” e
subversivos, como reforça esta tendência, a partir do momento em que fala do ponto de
vista de um médico, inserindo sua visão em uma análise acadêmica. Seu discurso, tido
como científico e, portanto, amparado em bases de conhecimento reconhecidos e
respeitáveis, transforma uma opinião corrente em verdade irrefutável.

Através da visão de Nina Rodrigues é possível perceber o tamanho da influencia da


dominação que desde época dos colonos ocorre no Brasil. A sua afirmação através de
uma ciência exata e a estranheza e classificação sobre patologia a condição de Antônio
Conselheiro por ser ele subversivo, reflete a consciência que se tinha do Brasil na época.
Local de pessoas “preguiçosas”, pálidas que viviam ao acaso da vida, submissas e que
de maneira alguma chegariam ao ponto de produção de um movimento de contestação,
a não ser que esse fosse resultado de uma patologia.

Essa visão sobre a incapacidade do povo brasileiro de movimentação e agitação politica


será analisada também por Paulo Padro em seu estudo, Retrato do Brasil - Ensaio sobre
a tristeza brasileira de novembro de 1928. O capitulo III A tristeza, o autor atribui a
melancolia dos povos que aqui já estavam e os que se sucederam depois a sucessão de
fatos que acaba por criar a sociedade brasileira. Ainda que a sociedade emergente da
região brasileira fosse vista por Paulo Padro como sofredora por parte dos regimes que
buscavam apenas depredação, exploração tanto dos homens como do próprio espaço
natural, havia certo “encantamento” pelas mulheres que aqui transitavam a nudez
exibida sem pudores despertava a sexualidade dos habitantes locais. É então o sentido
aflorado da sexualidade desenvolvida nas terras brasileiras que formara o embrião dessa
sociedade, os traços do povo brasileiro surgem exatamente da miscigenação movida por
uma sexualidade aflorada.

Demostra que desde sempre a dominação e o modo social de viver dos habitantes do
Brasil era de forma melancólica, sem vida e perspectiva, isso se caracterizava através
das doenças e vícios (sexo e álcool). As descrições que foram feitas acerca da sociedade
brasileira, incitavam pessoas de aspectos desagradáveis, o clima tropical e proliferações
de doenças, junto com a dominação dos povos oriundos da mestiçagem, tornavam esses
pessoas tristes de se ver, transpareciam a falta de possibilidades e espaço limitado para
viver através de suas ações e aparência física. Por fim o autor determinar a situação
lamentável do Brasil como resultado de três séculos de pleno uso sem consciência, uso
da terra, uso do povo, nem mesmo a colônia que antes mantinha seu lugar imponente do
poder se mantem intacta, torna-se apenas um “corpo amorfo, de mera vida vegetativa,
mantendo-se apenas pelos laços tênues da língua e do culto”.

Uma característica que se demonstra presente em muitos dos autores que discutiram a
situação da procura por uma identidade nacional do povo brasileiro é a questão da
dominação, podendo aparecer de formas diversas há sempre um porque oriundo de
serem esses povos dominados por seus colonos. Em América Latina Pátria Grande,
Darcy Ribeiro discute a chegada dos povos Europeus ao Brasil, suas relações com o
povo que aqui já habitava e o qual resultado de tais relações.

Para Darcy Ribeiro a chegada dos Europeus ao Brasil foi calcada por uma estranheza
com os povos existentes já que na visão europeia seus antepassados seriam barbudos,
usariam túnicas fedidas e seriam cheios de pecados, ao se deparar com a inocente nudez
do índio que vivia em um jardim tropical acreditam eles estar no paraíso, no próprio
Jardim do Éden. Mantinham uma extrema curiosidade em saber se esse povo desnudo
que vivam em “harmonia” eram homens ou bichos, teriam almas¿ eram capaz de ter
pecados e virtudes¿. Após a dominação geral da cultura europeia e a imposição de seus
costumes e religiões dentro dos povos indígenas, cria-se a ideia de que esses eram
pecadores, selvagens, pagões e infiéis, a dominação afetou tanto os índios que segundo
o autor, as mulheres indígenas deixaram de parir e era necessário que sinos fossem
tocados de madrugada para que os indígenas cumprissem com seu papel de reprodutor.
Depois de feito o juízo de valores sobre o indígena o mesmo passa a deixar de ser a
figura do habitante do “Éden tropical e dá lugar à do antropófago habitante do Inferno
Verde”. A dominação Europeia era tamanha, que através do genocídio sobre os índios
fizeram com que a população indígena se visse reduzida em menos de dez milhões em
1825. Os fatores contribuintes para tal genocídio foram as pestes trazidas pelo homem
branco, pestes essas: varíola, tuberculose, pneumonia, sarampo, malária, sífilis, gripe,
papeira, coqueluche, cárie dentaria, gonorreia etc. outro fator eram as guerras
promovidas pelos Europeus entre tribos indígenas. O autor aponta que o mais espantoso
não era o genocídio (já que era a dominação a principal arma usada), o mais incrível é
que sobrassem alguns que sobreviveriam aos dias futuros. Por conta do genocídio e
dominação ocorre de forma “natural” a mudança sobre a concepção de índio que passa a
deixar seus atributos culturais originais e se tornam seres genéricos, cada vez mais
aculturados e assemelhados à população geral; ainda que não perdesse totalmente suas
características indígenas, acima de tudo porque a própria sociedade os caracterizava
assim. A população indígena permaneceu em transformações profundas durante esses
anos, pois só através da transformação se manteriam vivos, porem tal mudança
mantinha sempre um caráter de preservar o próprio ser.

Após todo o processo de dominação ocorrido na América Latina, cria-se nela uma
singularidade que é a condição de um conjunto de povos intencionalmente constituídos
por atos e vontades alheios a eles mesmos. O povo latino americano é a resultante de
empreendimentos econômicos exógenos que visavam à dominação sobre as riquezas, a
resultante foi uma população ocorrida de um fato ocasional. Ainda hoje após séculos do
fato ocorrido, os mesmos dominadores que antes estavam no poder o deixaram para
suas gerações futuras e ainda hoje os dominadores continuam a achar que nosso povo
não esta preparado para o exercício da cidadania, porem como afirma Darcy Ribeiro “O
que era pretendido implantar aqui pelos Cristãos era algo que já existia na vivencia das
tribos indígenas: uma sociedade solidária de homens livres”.

Tanto Darcy Ribeiro como Paulo Padro, demonstram através de seus estudos a
dificuldade dos tanto dos povos que aqui já habitavam antes da colonização quanto dos
povos que vieram depois em se situarem como produtores de uma sociedade. Tamanha
era a dominação que não havia espaço para os negros, índios, mulatos, brancoides,
mamelucos etc. expressarem suas culturas e singularidades, muita das vezes era
necessário usar sincretismos para conseguir alguma forma de expressão sobre suas
culturas, exemplo usual disso foi o nascimento do candomblé que utilizava nomes de
santos católicos para culto de seus orixás africanos.

Se aproximando dessa visão de sincretismo como forma de expressão, o movimento da


semana de arte moderna em 22 se apropria em parte dessa forma e agrega outras para
embalar o que seria uma manifestação sobre a necessidade de identidade cultural
brasileira. Na época já não havia mais dominação dos colonos, mas a pratica da
dominação ainda era constante a importação da cultura Europeia ocorria em massa e
não havia espaço para as artes propriamente oriundas do Brasil, assim como não teve
em momento anterior algum na historia. Movido pela necessidade de “exportar o Brasil
para o mundo” Oswald de Andrade principal agitador cultural do início do Modernismo
brasileiro, lê em 1928 para seus amigos na casa de Mário de Andrade o que
posteriormente seria publicado na revista de antropofagia a qual Oswald ajudou a fundar
junto com Raul Bopp e Antônio de Alcântara Machado, o Manifesto Antropofágico.

O movimento antropofágico brasileiro tinha por objetivo a deglutição (daí o caráter


metafórico da palavra "antropofágico") da cultura do outro externo, como a norte
americano e europeu e do outro interno, a cultura dos ameríndios, dos afrodescendentes,
dos euro-descendentes, dos descendentes de orientais, ou seja, não se deve negar a
cultura estrangeira, mas ela não deve ser imitada. Nota-se, da mesma forma, que não se
trata de se opor pura e simplesmente à civilização moderna industrial; antes, Oswald
acredita que são alguns dos benefícios proporcionados por ela que tornam possíveis
formas primitivas de existência. Por outro lado, somente o pensamento antropofágico é
capaz de distinguir os elementos positivos dessa civilização, eliminando o que não
interessa e promovendo, por fim, a "Revolução Caraíba" e seu novo homem "bárbaro
tecnizado": "A idade de ouro anunciada pela América. A idade de ouro. E todas as
girls". O Manifesto Antropófago manifesta principalmente duas características
fundamentais para o processo de identidade cultural, sendo elas: a crítica ao erudito e a
tentativa de estabelecer uma identidade nacional. A presença de manifestações
populares no texto garante o discurso engajado e de tentativa de mudança, não só da
ordem cultural brasileira, mas da própria consciência da cultura do brasileiro, como nos
exemplos: “Nunca fomos catequizados. Fizemos foi carnaval. O Índio vestido de
Senador do império. Fingindo Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons
sentimentos portugueses.” Além da crítica à visão anterior da cultura nacional, bem
como à própria história de dominação brasileira, há ainda a presença de palavras em
tupi, que compõem o quadro de miscigenação entre o passado e o presente existente no
texto.

A expressão antropófaga é usada no sentindo de que eles deveriam agir de forma


antropofágica com a influencia europeia para impor o caráter verdadeiramente brasileiro
as artes. A antropofagia como prática indígena consistia em deglutir e ingerir somente
os inimigos mais inteligentes, os melhores guerreiros, a fim de absorver suas boas
qualidades. Come-se o outro para se apropriar de seu poder, utilizando-o para o
benefício pessoal. Esse manifesto lança a palavra antropófaga, como suporte de
escândalo, para ferir a imaginação do leitor com a lembrança desagradável do
canibalismo, transformada em possibilidade permanente de evolução da espécie
humana. Tal palavra ofensiva engendra certa agressão pessoal que traz à tona as
oposições e contrastes éticos, sociais, religiosos, políticos subentendidos em suas
entrelinhas.

Através da visão desses quatro autores aqui explícitos, percebe-se que a criação de uma
identidade nacional cultural foi algo dificilmente conquistado e mesmo séculos depois
necessitou de um movimento, um manifesto, para que fosse posto aos olhos do
Brasileiro a dificuldade dele mesmo em se encontrar com sua identidade nacional. Fica
claramente evidente que a questão da dominação e a miscigenação ocorrida no Brasil
foram fatores que “dificultaram” esse processo, e também tais fatores não poderiam ser
deixados de lado já que esses influenciaram diretamente na criação de uma sociedade e
cultura nacional. Ainda hoje é a identidade brasileira esta em continua mudança, mas
assim como Oswald coloca em seu manifesto antropófago, cabe a nós a deglutição de
tudo que nos rodeia e após digeri-la expressarmos nossa identidade cultural, sem que
essa sofra dominação, exclusão imitação, pois “Só a antropofagia nos une”.

Bibliografia:

RODRIGUES, Raimundo Nina. As coletividades Anormais, Brasília, Edições do


Senado Federal, 2006.

PRADO, Paulo. O Retrato do Brasil, São Paulo: IBRASA 2º edição, 1981.

ANDRADE, Oswald. Manifesto da Poesia Pau Brasil; Manifesto Antropófago. in:


NUNES, Benedito. A Utopia Antropofágica: A Antropofagia ao alcance de todos. São
Paulo: Globo, 1990.

RIBEIRO, Darcy. América Latina: A Pátria Grande. Ed, Guanabara, 1986.


Avaliação sobre o Curso: A escolha dos textos e Autores foi de grande valia para a
compreensão sobre o nascimento da Antropologia e da Identidade Cultural no e do
Brasil. Os seminários permitiram discussões e visões diferentes sobre vários aspectos
desses processos mencionados acima. Acredito que uma maior interatividade com
recursos audiovisuais acrescentaria muito para auxiliar a ilustrações do curso em si. Por
fim o curso me permitiu criar uma própria visão sobre como se fundou a antropologia e
seus processos de criação dentro da Nação Brasileira.

Auto Avaliação: Através de participações em aulas e das leituras dos textos escolhidos,
pude criar uma visão própria sobre a antropologia Brasileira e sobre os processos de
criação de uma cultura nacional. Por conta disso atribuo-me a nota oito.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Faculdade de Ciências Sociais

São Paulo, 10 de junho de 2013

Relatório Final Para a Disciplina de Antropologia V

Profª: Mariza Werneck

Nome: Bianca Fernandes Fasano

Turma: CSO MA5

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