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O FENÔMENO GUERRA

Eugenio Diniz
Pucminas e GEE
Domício Proença Júnior
COPPE/UFRJ e GEE

Maio de 2004
v 15 – final

4. INTRODUÇÃO
Nossa intenção aqui é introduzir conceitos, fenômenos e dinâmicas fundamentais da
guerra. De saída, deixemos claro que aquilo de que se fala aqui é exclusivamente o
fenômeno bélico. Trata-se de guerra, no sentido estrito do termo tal como empregado
no âmbito dos Estudos Estratégicos, e que será explorado mais abaixo. Nada há aqui
que, segundo nosso entendimento, possa automaticamente ser apropriado para outras
esferas de atividade humana: não tratamos, nem mesmo metaforicamente, da “guerra
dos negócios”, da “guerra contra a fome”, da “guerra contra a inflação” ou, nem
mesmo, para os amantes de boutades falsamente profundas, da “guerra contra a
guerra” ou da “guerra pela paz”.
O gigante do campo dos Estudos Estratégicos é Carl von Clausewitz. Foi ele o primeiro
a fazer da guerra um objeto científico. É dele a sólida base de conhecimento e conceito
que hoje reconhecemos como a Teoria da Guerra que reside no centro do programa de
pesquisa científica que, em sua homenagem e memória, bem pode ser chamado de
Programa de Pesquisa Científica Clausewitziano1. O que se segue é, simplesmente, o
nosso entendimento 2 do que seja a sua proposta, e os desdobramentos de sua

1 De acordo com Lakatos, o foco de preocupação e ação dos cientistas, o progresso da ciência, se encontra
contido em programas de pesquisa científicos. Estes são o conjunto de atividades de investigação que resultam da
assunção de uma determinada teoria como explicativa de um conjunto de fenômenos. Um programa de pesquisa
científico é um empreendimento histórico concreto, em que sucessivas versões das teorias que o integram
competem na busca de soluções explicativas ou preditivas a problemas lógicos ou empíricos de sua viabilidade. Só a
normatividade Lakatiana permite aferir o estágio relativo de teorias ou Programas de Pesquisa Científicos por um
processo comparativo, e interativo, de sua capacidade de produção de conteúdos empíricos excedentes – isto é, não
apenas a explicação de fatos, mas a incorporação de fatos novos: fatos que eram anomalias, antes não explicados,
ou que só são descobertos como resultado do trabalho do Programa de Pesquisa Científico em superação de seu
rival. A competição entre teorias, e Programas de Pesquisa Científicos, portanto, se dá na forma do contraste entre
suas capacidades diante do teste empírico num determinado momento, compondo um quadro comparativo dos
resultados de cada um. Ver Lakatos et al. (1999a; 1999b), especialmente os Caps 1, 2, 3 e 4 do vol 1 e 8 e apêndices
do vol 2; apresentação sumária que pode ser útil é Larvor (1998).
2 Esse entendimento é devedor de Diniz (2002), particularmente do capítulo 3.
proposta desde a sua apresentação, em 1832. São a melhor introdução ao fenômeno da
guerra que podemos lhes dar.
Essa opção decorre da seguinte proposta: nossa intenção é informar sobre o conjunto
de problemas e, portanto, considerações e decisões postas para decisores pela
dinâmica da guerra3. A meta aqui é ajudar a compreender a guerra e sua condução.
Essa proposta exclui, portanto, a consideração de outras abordagens sobre o
fenômeno da guerra, que têm têm enfoques e propósitos distintos. Uma delas,
particularmente prolífica, adota um enfoque marcadamente estatístico, buscando
estabelecer correlações entre determinados processos políticos, sociais, demográficos
e a ocorrência de situações de emprego de força. Essa abordagem está fortemente
associada a um conjunto de trabalhos freqüentemente identificados coletivamente
como Estudos de Paz4 (Peace Studies, Peace Research). Diretamente relacionados a
essa abordagem, embora, em alguns casos, menos marcada por métodos quantitativos,
está a discussão de “causas da guerra”5. Independentemente de qualquer juízo que
façamos quanto ao mérito intrínseco dessas abordagens, o fato é que elas não nos
ajudam a compreender e analisar decisões tomadas na guerra e nem mesmo uma
decisão crucial, a de guerrear ou não.
A proposta também nos obriga a desconsiderar uma parcela importante — em termos
de quantidade de publicações — da literatura voltadas para a tentativa de identificação
do que seus autores entenderiam ser a maneira correta de guerrear6. A questão é que
esta literatura, em larga medida, reduz-se à proposição de fórmulas vagas que
deveriam ser seguidas em quaisquer circunstâncias: ambições de príncipios,
promessas de vitória. A questão é que estas obras, ao proferirem diretrizes imutáveis
de validade alegadamente universal, excluem exatamente a análise das circunstâncias
que põem problemas que exigem considerações e decisões.
Por sua vez, as restrições de espaço nos impedem de incluir uma discussão crucial
para a análise da guerra em nosso tempo, relativa a meios de força contemporâneos7.
Como se verá ao longo do texto, aquilo que é possível ou não fazer com esses meios de
força é uma consideração crucial para o desenvolvimento da guerra. Contentamo-nos
aqui em identificar por que isso é importante, qual é seu impacto na condução geral e
na análise da guerra, ressaltando os problemas fundamentais aí envolvidos. Em
seguida, identificam-se alguns desdobramentos particularmente relevantes para a

3 Portanto, ao contrário de Diniz (2002), cuja finalidade é analítica, o presente texto tem finalidade
eminentemente didática. Sendo assim, tomamos algumas liberdades quanto à exposição, visando a uma maior
clareza, e não seguimos ponto por ponto o fio de exposição do próprio Clausewitz. Exercemos, ainda, uma tomada
de decisão sobre o que sejam os tópicos adequados – necessários e suficientes – a um texto introdutório, mais
incisivo e atual na apresentação da teoria do que o que apresentamos anteriormente, como por exemplo Proença Jr,
Diniz & Raza (1999) ou Proença Jr (2003).
4 Uma amostra representativa de estudos nessa vertente está reunida no volume organizado por Vasquez e
Hennehan (1992). Também útil é o volume organizado por Wallensteen (1988).
5 Bueno de Mesquita (1981) e Van Evera (1999) são representativos dessa vertente, sendo o primeiro mais
marcadamente estatístico que o segundo.
6 Por exemplo, Liddel Hart (1982); Jomini (s.d. [1862]); Mahan (1911). Sobre estes, v. Proença Jr., Diniz e
Raza (1999). Excluem-se também os manuais para governantes, como Sun-Tzu (1994).
7 Para uma introdução histórica a essas questões, v. Proença Jr. e Diniz (1995); para uma introdução
temática, v. Dunnigan (1993).
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análise de guerras e também para considerações em tempos de paz. Por fim, tentam-se
identificar alguns pontos para discussão acerca da tomada de posição diante da
guerra.
Todas as referências e citações da obra fundamental de Clausewitz, o Da Guerra, se
referem à edição do On War (Vom Kriege) de Clausewitz (1984), editada por Peter
Paret e Michael Howard. As traduções são nossas. Como a obra se divide em livros e
capítulos, referimo-nos aos primeiros em algarismos romanos e aos últimos em
arábicos. Quando acontece de um capítulo ser dividido em seções, respeitamos a
numeração de Clausewitz, também em arábicos; quando divididos em partes, usamos,
como o autor, letras maiúsculas. Sendo assim, IV-26 é o capítulo 26 do livro IV; I-1-15
é a seção 15 do primeiro capítulo do livro I; e VIII-6B é a parte B do capítulo 6 do livro
VIII; e indicamos as páginas em seguida.
Antes de passarmos à exposição propriamente dita, é necessário esclarecer o emprego
de alguns termos e expressões de nossa parte, uma vez que eles diferem
marcadamente dos escolhidos por Howard e Paret:
Na exposição da teoria da guerra, não empregamos o termo “inimigo”, mas sim
oponente. Como afirma Clausewitz, a intenção hostil é necessariamente associada à
guerra — não é concebível guerrear se não houver a intenção de empregar força
contra o oponente; já o sentimento hostil, embora nunca esteja ausente, não se
associa necessariamente à própria idéia de guerra. Como o termo “inimigo” conota
sentimento hostil, e não apenas intenção hostil, optamos por oponente — que, de
resto, é o termo empregado por Clausewitz no texto alemão (Gegener).
A expressão forças armadas pode ter dois significados. O primeiro, mais amplo, se
refere simplesmente a qualquer grupo de pessoas armadas; o segundo, mais restrito,
se refere a organizações que planejam, preparam e empregam a força armada e são
parte de um determinado aparato governamental. Ao longo do texto, utilizaremos a
expressão forças armadas apenas na segunda acepção: quando pertencem a um
determinado aparato governamental. Para todos os outros casos, utilizaremos a
categoria mais geral de forças combatentes — termo que inclui as forças armadas
como um subconjunto específico, um caso especial.
Outros esclarecimentos serão feitos em notas específicas.

5. A TEORIA CLAUSEWITZIANA DA GUERRA


5.1. O CONCEITO DE GUERRA
Para a discussão em ciência da guerra, em Estudos Estratégicos, o vocábulo guerra é
um conceito próprio e preciso, uma descrição necessária e suficiente do seu objeto, a
chave para a compreensão do fenômeno bélico.
A essência da questão é a briga: dois seres humanos lutando, engalfinhados. A meta
imediata de cada um 8 é derrubar, prostrar o outro, fazê-lo incapaz de continuar
brigando, qualquer que seja o motivo da briga.

8 Os autores estão agradavelmente cientes de que as mulheres são seres humanos, e portanto, que dois seres
humanos numa briga podem ser homens ou mulheres. Ao escrever em português, no entanto, vemo-nos privados
do recurso do termo neutro comum, por exemplo, no inglês. A escolha e uso de tais termos no gênero masculino,
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A guerra é portanto um ato de força para compelir nosso oponente a fazer nossa
vontade. [I-1-3: 83, ênfase no original].
Cada parte deste conceito merece atenção.
O primeiro elemento é o contexto particular para o ato de força: o mundo material é
pleno em atos de força: desde respirar e engolir, passando por colher uma flor ou
quebrar um ovo etc., que não são guerras. A questão aqui é particular, explicada pelo
segundo elemento, os relacionamentos humanos: o desejo de compelir – obrigar pela
força – o nosso oponente, que é oponente porque não faz o que queremos. Uma porta
só cede quando a quebramos a trava em pedaços; mas a vontade humana pode ser
dobrada. É possível obrigar pela força. O terceiro elemento é a nossa vontade, isto é, o
que queríamos que ele não fez, ou o que ele queria e não fizemos, que é razão de ser da
coisa toda.
É isto que se entende seja uma guerra: não há nenhum qualificativo de época, de
local, de motivo, de tamanho ou relação de capacidade entre os envolvidos. Assim, não
se trata, ainda, de guerra em algum cenário específico. Não importa se a briga tem
lugar em terra, no mar, no ar, no espaço etc. Nem de guerra entre alguma identidade
específica: não importa se a briga é entre indivíduos, pequenos grupos, grandes
grupos, grupos organizados, clãs, tribos, Estados, etc. Não está em jogo o preparo, o
equipamento, a atitude ou as trajetórias históricas de quem está brigando.
A questão crucial, portanto, é a existência de vontades opostas, ou seja, de objetivos
políticos opostos. A idéia de política envolvida aqui é a de interação, e não de
programas de metas a serem implementadas 9 . No interrelacionamento entre dois
atores, diante da existência de objetivos opostos, é perfeitamente possível que pelo
menos um dos lados considere empregar a força para forçar o outro lado a ceder.
Se esse outro lado atribuir a seu objetivo político um valor tal que lhe torne pronto a
empregar de toda a força de que pode dispor para alcançá-lo, será necessário
desarmá-lo, isto é, torná-lo incapaz de prosseguir lutando, para que sua vontade seja
dobrada. Isso exigirá do lado que está considerando o emprego da força que se
empenhe o suficiente, isto é, que empregue força e esforço tal que possa sobrepujar a
resistência encarniçada que o oponente lhe oferecerá.
Se o lado que estiver considerando o emprego de força sobre o oponente valorizar de
tal modo o seu objetivo político que esteja disposto a tentar fazê-lo diante de tal
expectativa de resistência, ele estará travando uma guerra ilimitada, isto é, uma
guerra que, para viabilizar a obtenção do objetivo político original, terá que ser
prosseguida até a prostração do oponente. Nesse caso, será necessário, em primeiro
lugar, destruir as forças de seu oponente até o ponto em que elas não possam mais
produzir danos em escala significativa; em segundo lugar, ocupar seu território, de

como em “um”, “outro”, e mais tarde “o oponente” etc. não implica qualquer predisposição de negar, ocultar ou
minorar o papel de mais da metade da espécie humana, as mulheres, na briga ou na guerra, em particular, ou na
política ou na sociedade, em geral, ou na História, no presente ou no futuro. Trata-se, antes, de uma decisão
arbitrária de estilo, que visa facilitar a leitura do texto, evitando a alternância de gênero em cada ocasião e ainda
pela remoção de (a)s e (o)s ao final de cada instância em que se poderia estar falando de homens ou mulheres. O
tempora, o mores. [Cícero, Catilinárias, I,1; Verrinas – De Signes 25,56]

9 A intenção aqui é distinguir dois significados do termo política: a política partidária, do Estado, da
sociedade, isto é, o jogo de interesses, disputas e concessões (o que é designado, em inglês, pelo termo politics); —
e política [pública] — ou seja, uma mescla de normas, diretrizes e decisões que orienta, dirige e condiciona a
materialização de metas (em inglês, identificada pelo termo policy). Desnecessário dizer que toda política (policy) é
resultado da atividade política (politics).
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modo a lhe negar a possibilidade de se valer de seus recursos para reconstruir alguma
capacidade combatente, criando novas forças; por fim, será necessário impor a
obediência sobre a população do oponente, isto é, neutralizar até mesmo sua vontade
de resistir.
Porém, nem sempre isso é necessário. Muitas vezes, um dos lados estará disposto
apenas a um esforço limitado, um empenho menos que total em termos de força para
alcançar seu objetivo político. Nessas circunstâncias, a imposição de perdas para além
de um certo ponto pode bastar para forçar uma negociação mais favorável: a ocupação
de apenas uma parte do seu território, ou, freqüentemente, de sua capital — ainda que
apenas para devolvê-las depois, após um acordo favorável; a imposição de uma certa
quantidade de destruição às suas forças; às vezes, apenas uma incursão com o
propósito de produzir algum estrago em uma parte de seu território, ou destruir uma
parte de sua produção, ou impor uma quantidade limitada de sofrimento a sua
população. Alternativamente, um dos lados pode ser bem sucedido se apenas
demonstrar que o sucesso do oponente é improvável, ou que terá que ser obtido a um
custo mais alto do que imaginava. Nesse caso, fala-se de guerras limitadas.

5.2. FINS E MEIOS NA GUERRA: A CENTRALIDADE DO


COMBATE
Qualquer que seja o objetivo político, a guerra será apenas um instrumento. O sucesso
na guerra permitirá viabilizar um tipo específico de paz, uma paz mais favorável, que
viabilize ou ao menos aproxime a obtenção do objetivo político desejado. Para que isso
se realize, o propósito da guerra deverá ser alcançado. Como já visto, esses propósitos
podem variar, cada guerra tendo o seu: a prostração do oponente, se se tratar de uma
guerra ilimitada; ou qualquer um dos propósitos mencionados no caso de guerras
limitadas. De qualquer modo, a meta do recurso ao instrumento guerra será sempre
produzir um tipo específico de paz. O quanto essa paz aproxima o objetivo político
pretendido servirá de medida para o sucesso do emprego da guerra como instrumento
político.
Qualquer que seja o propósito da guerra, entretanto, só existe um meio pelo qual se
pode alcançá-lo: o combate, a atividade de combater. A natureza do meio da guerra –
o combate – está no centro de todas as suas considerações, mesmo quando ele não
ocorre de fato.
Quando um dos lados num enfrentamento – isto é, uma instância particular da
atividade de combater10– se rende, ou recusa o combate, ou cede sua posição, ou foge,
isto não significa que o combate não tenha tido lugar. É apenas que ele teve lugar na
mente de um dos comandantes, ou até na mente dos combatentes que observaram a
situação, concluindo sobre a certeza de seu resultado e agindo com base nisso. O
combate, neste caso, é virtual, mas nem por isso deixa de ser combate. Esta é uma
instância a mais da humanidade integral da Teoria da Guerra: seres humanos são
capazes de antecipar e agir com base em suas expectativas. [III-1: 181].

10 O termo Gefecht foi traduzido na edição em inglês de Howard e Paret como engagement, e na edição
francesa, como engagement. Aron (1976: 83, nota 1) corretamente considera essa tradução inaceitável, pois não
incorpora o elemento essencial de luta. Aron, porém, não distingue o combate (Kampf) de cada elemento que o
compõe (Gefecht), referindo-se sempre ao termo combat. Para manter a distinção e o elemento essencial de luta,
optou-se aqui pelo termo enfrentamento.
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Cada enfrentamento tem seu propósito específico: expulsar o oponente de uma
posição, desgastar suas forças, atrasar parte delas para que não se junte a outra, etc.
Porém, para se atingir qualquer que seja o propósito de um enfrentamento específico,
seu meio é a ação de uma força sobre a outra: os meios dos enfrentamentos são as
forças combatentes.
A dinâmica das forças no combate é simples. Existem apenas dois tipos de combate:
(i) o combate à distância11; e (ii) o combate cerrado12. O combate à distância se
dirige primariamente contra as forças físicas do oponente, contra o seu número,
embora tenha efeitos sobre as suas forças morais, sua coesão e vontade de lutar. A
questão de seu uso diz respeito às formas de maximização do poder de “fogo” amigo e
minimização do oponente. O combate cerrado se dirige primariamente contra as
forças morais do oponente, contra sua coesão, sua força moral, sua coragem, embora
tenha efeito em suas forças físicas, o seu número. A questão de seu uso diz respeito às
formas de se sobrepujar o oponente e de frustrar suas tentativas de nos sobrepujar.
Estas possibilidades são suficientes para dar conta de todo e qualquer tipo de
combate13.
É em função dos enfrentamentos que se reconhecem, em cada época, as capacidades
de combate de diferentes arranjos de armamento e organização de tropas, que se
expressam em especialidades e até em estilos combatentes. Cada um destes arranjos
combina capacidades diferenciadas dos dois tipos de combate,
pondera a mobilidade e a proteção das tropas em diversas circunstâncias ou
terrenos,

11 Evidentemente que as armas de combate à distância têm um efeito aproximado em seus alvos; a descrição
aqui é da forma de combate entre os lados. A questão é portanto o tipo de combate com mísseis ou projéteis de
qualquer tipo, desde a pedra ou pau lançado passando pelo arco e flecha, a arma-de-fogo, o míssil etc.
Normalmente, em nosso tempo, fala-se em fogo como descritor do combate à distância; trata-se apenas do uso
mais corriqueiro do combate à distância, e não há empecilho a que se use este termo por comodidade, desde que
não se emancipe da questão do combate à distância. O lança-chamas, por exemplo, que certamente dispara fogo,
tem, devido a seu papel na dinâmica combatente, um papel predominante no combate cerrado. Note-se que o que
se discute aqui inclui tanto o tiro individual de um combatente quanto todas as formas concebíveis de tiro e
bombardeio em que a perspectiva de combate cerrado não é iminente. É neste sentido amplo que se trata de
“combate à distâcia” ou “fogo” com abreviatura de “combate com armamentos de alcance” ou “combate à distância
com mísseis (de qualquer tipo)”. Para um panorama histórico, veja-se Delbrück (1990); Jones (1986); um
entendimento mais atual do combate à distância está em Bailey (1983); Hughes (1999) e Shaw (1988).
12 A questão do combate cerrado, do combate pelo choque, é facilmente compreensível antes das armas de
fogo, porque se resumia ao uso das armas brancas, de corte e impacto, que só podiam ser usadas em distâncias tão
pequenas que o caráter aproximado, imediato da luta e seu impacto sobre a posição, formação e coesão do
oponente eram evidentes. Modernamente, as armas de fogo têm um papel no combate cerrado, quando usadas a
curtas distâncias; isto não altera a caracterização que se quer fazer. Sua característica é que os lados estão
próximos, e o combate ele mesmo contesta a posição ou a integridade da formação de cada um deles pela
possibilidade do embate físico. Assim, o combate cerrado admite tanto a baioneta e a coronha quanto a granada e a
arma de fogo de curto alcance – a pistola, a submetralhadora ou o lança-chamas, por exemplo. É neste
entendimento do combate cerrado – que impõe a luta, a retirada, a submissão ou a morte – que se entende que
haja combate de choque, por exemplo, no ataque de forças mecanizadas ou, para tomar outro exemplo, na
passagem da luta de fogo mísseis de longo alcance para a luta cerrada de aeronaves com seus canhões (dogfight). O
efeito é o mesmo: a resolução do combate desfaz a coesão e dispersa a um ou ambos os lados, forçando o abandono
de uma posição e/ou formação; um morro ou, no caso aéreo, um dispositivo. Para um panorama histórico, veja-se
Delbrück (1922); Jones (1986); um entendimento mais atual do combate de choque está em Stoneberger (2000) e
Shaw (1988).
13 Clausewitz (1998); este texto trata de uma perspectiva mais sistemática a discussão do livro IV do Da
Guerra [Clausewitz (1984)] em termos de teorizar a dinâmica do enfrentamento em termos das possibilidades de
uso e efeito do combate sobre as forças físicas e morais; mas não se identificou ainda a sua data de escritura, nem
tivemos notícia de estudos críticos deste texto.
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pondera sua capacidade de dar conta dos arranjos de armamento e tropas do
oponente e ainda
expressa o que uma dada sociedade é capaz de reunir em termos de recursos na
constituição de forças combatentes.
Existem, portanto armas14, cada uma das quais expressa uma determinada proposta
de uso da força no combate, cada uma das quais tem capacidades e limites próprios,
cada uma das quais contém em si os limites societais da conversão de recursos em
força combatente. O armamento, a organização e o treinamento das tropas – que
determinam a forma de luta e do que as armas são capazes – é a parte do plano de
enfrentamento de cada lado que, normalmente, não pode ser mudada de acordo com
as circunstâncias15.
As forças combatentes, porém, não são apenas realidades físicas. Existem também os
fenômenos psicológicos, que no campo dos Estudos Estratégicos ficaram conhecidos,
graças ainda a Clausewitz, como forças morais16. “O combate ... é um embate de
forças morais e físicas por meio destas últimas” [II-1: 127]. As forças morais – a
disposição dos humanos armados de lutarem, e seguirem lutando, apesar do medo, da
dor, da morte à sua volta, da derrota – são decisivas na guerra.
É a vontade humana presente no próprio combate, a vontade de lutar, a disposição de
arriscar-se a morrer e matar. Há dinâmicas propriamente morais — no sentido de
psicológicas — a serem consideradas. Tropas que estão entrando num enfrentamento
depois de uma longa série de reveses tendem a estar menos dispostas do que as que o
fazem depois de uma série de sucessos; tropas que lutam próximas de seus lares,
conscientes do risco que a sua derrota traz para seus entes queridos, tendem a estar
mais dispostos que as que lutam longe dos seus lares. O mesmo vale para tropas que
lutam sob o comando de líderes que as inspiram e em quem confiam; as que sentem
que são capazes de devolver os golpes que recebem em oposição às que simplesmente
os absorvem; as que confiam que seu sacrifício serve a um propósito maior em que
acreditam, e as que não; etc.
A dinâmica das forças morais é ainda crucial para que se possa compreender como
elas são ainda a única forma de superar as dificuldades intrínsecas da ação na guerra:
o perigo [I-4: 113-114], a fadiga [I-5: 115-116], a incerteza [I-6: 117-118]; “tudo na
guerra é muito simples, mas a coisa mais simples é difícil.” [I-7: 119]. Este ambiente é
caracterizado ainda pelo que se conceitua na Teoria da Guerra como a fricção – a
dificuldade perversa das coisas, dos acidentes, dos erros [I-7: 119-121]; e sua soma
produz um ambiente de fricção geral. A única coisa capaz de superar este
impedimento, que embaraça a ação tanto das tropas quanto do seu comandante, é o

14 O idioma admite tanto o uso de armas como sinônimo de armamentos quanto como descritivo das
diferentes especialidades contidas nas forças combatentes, como neste caso; há ainda o uso de armas como os
ramos ou quadros de especialidades de todo tipo numa organização militar, como por exemplo a arma do material
bélico, da comunicação etc.
15 Clausewitz (1998): 56 ; parágrafo 222.
16 O termo “forças morais” resgata um entendimento de moral no sentido de estado de ânimo, disposição,
fervor ou coesão, isto é, o “moral da tropa”. Não se trata, portanto, da discussão de moralidade no sentido de
propriedade dos atos perante o que é Bom, Belo e Justo, nem ainda de um julgamento valorativo do motivo ou da
forma da luta. Note-se que existe um vínculo entre uma coisa e outra: humanos convictos da bondade, beleza e
justiça de sua luta, ou, dito de outra forma, que lutam pelo que amam, tendem a estar preparados para empenho e
sacrifício maiores do que outros que apenas fazem o que lhes mandam.
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conhecimento tácito e específico do próprio ato em si, a experiência de guerra, a
experiência de combate [I-8: 122].
É no contexto bélico assim definido que se pode compreender o que seja a essência do
gênio guerreiro, a combinação harmoniosa dos dons intelectuais e temperamento que
se aplicam à ação na guerra. O primeiro destes dons é a coragem moral de decidir
diante da gravidade das conseqüências, em contraste com a coragem física do risco
individual. O segundo deles é a capacidade de lidar com a incerteza, capaz de produzir
uma decisão correta a partir de informações claramente insuficientes, que combina a
capacidade de preservar uma certeza interna intocada em meio à confusão e ao caos,
identificando um rumo num relance, o coup d'oeil, e ainda a coragem de seguir esta
certeza, a determinação. A questão não é de brilho, no sentido amplo do brilho
intelectual, abrangente; a questão é antes de uma presença de espírito, diante do
inesperado, diante de todos os motivos para o desespero. Cada um destes aspectos
incide diferentemente sobre os vários elementos que compõe a fricção geral do
ambiente da guerra – mas a estes á que se acrescentar ainda a imaginação. É na
habilidade de integrar todos estes dons e encontrar, diante de cada momento, a
decisão e a forma de agir capaz de produzir ação, inspiração, que está o que distingue
um grande comandante dos demais. Tanto o leigo, distante da dificuldade intrínseca
da guerra, quanto o combatente, mergulhado na alternância entre rotina e urgência,
pode facilmente perder de vista como é o comandante que permite ou dificulta
encontrar o rumo no ambiente da guerra, e como este indivíduo pode ser um fator
preponderante. A força, concreta, real, é composta de seres humanos e é simplesmente
equivocado que se pense em força combatente sem que se tenha em mente quem a
comanda. [I-3: 100-112]

5.3. OS PONTOS DE VISTA NA GUERRA


Os acontecimentos, os problemas e as decisões nas guerras podem ser analisados de
quatro pontos de vista distintos. Os três primeiros — tática, estratégia, política — são
intrínsecos ao próprio fenômeno da guerra, pois decorrem diretamente dos elementos
essenciais do conceito: atos de força e oposição de vontades. O outro ponto de vista —
logística — não decorre diretamente do conceito de guerra, mas está
indissoluvelmente ligado a tudo o que acontece no planejamento e desenvolvimento
das hostilidades.

5.3.1. TÁTICA, ESTRATÉGIA, POLÍTICA


É com base no interrelacionamento entre fins e meios na guerra, costurados pela
centralidade dos enfrentamentos — isto é, das instâncias particulares da atividade de
combater, seja quando travados concretamente, seja quando apenas imaginados ou
antecipados —, que se podem esclarecer termos cruciais para o entendimento do
fenômeno bélico, cujo uso é tão corrente e tão confuso:
às considerações e decisões relativas ao emprego do meio forças — físicas e morais
— para os propósitos do enfrentamento, dá-se o nome tática;
às considerações e decisões relativas ao emprego do meio enfrentamentos para a
produção dos propósitos específicos de uma determinada guerra, dá-se o nome
estratégia;
naquilo que nos concerne, às considerações e decisões relativas ao meio guerra para
os propósitos políticos, isto é, que guerras travar ou não, e como usar da guerra para
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viabilizar o atingimento de um — ou mais de um — determinado objetivo político,
dá-se o nome de política.
Esses três pontos de vista — tática, estratégia e política — são intrínsecos ao próprio
conceito de guerra como ato de força para compelir nosso oponente a fazer nossa
vontade.
Quanto a essas três perspectivas intrínsecas ao conceito de guerra, costurados pelos
enfrentamentos, é preciso debelar imediatamente um entendimento profundamente
equivocado e infeliz que considera que tática, estratégia e política seriam os “níveis da
guerra”. Só a sua difusão, e a falsa afirmativa de que isto corresponderia ao
entendimento teórico da guerra, explica que ele seja tratado aqui. Essa idéia de
“níveis” reflete, na verdade, uma transposição ingênua, acrítica e injustificada do
fenômeno organizacional contemporâneo dos níveis hierárquicos das cadeias de
comando das Forças Armadas para o próprio arcabouço conceitual com que se analisa
e discute o fenômeno bélico, isto é, para a teoria da guerra. Segundo esse equívoco, os
representantes e decisores políticos seriam responsáveis pelo “nível” político; os
oficiais generais pelo “nível” estratégico; os oficiais de baixa patente e suboficiais (de
capitães e tenentes para baixo, nos Exércitos) pelo “nível” tático. Como pareceria
necessário completar a hierarquia, inventou-se, ainda, para os oficiais superiores
(coronéis, tenentes-coronéis e majores, nos Exércitos), um outro “nível”, dito
operacional, que não tem qualquer sentido analítico ou conceitual.
Note-se bem: a distribuição hierarquizada de responsabilidades numa cadeia de
comando é, mais que justificada, uma necessidade organizacional. Sua identificação
espúria com os conceitos de tática, estratégia e política, além do inventado
“operacional” — que obriga muita gente a gastar tempo tentando encontrar um
significado conceitual para esse termo —, porém, gera problemas graves não só de
entendimento, mas inclusive, e principalmente, de condução das atividades no
âmbito da guerra. Passa-se a idéia de que as lideranças políticas apenas
estabeleceriam os objetivos políticos, e sua instrumentalização — “a estratégia” –
ficaria a cargo dos oficiais generais; oficiais superiores detalhariam “a estratégia” em
suas respectivas áreas de responsabilidade; e sua implementação ficaria a cargo dos
oficiais de baixa patente e suboficiais, que cuidariam então “da tática”. Exisitiria,
portanto, uma hierarquia dos “níveis”, com “a política” em cima e “a tática” embaixo.
Não é esse, de forma alguma, o relacionamento entre política, tática e estratégia.
Na verdade, se as considerações políticas presidem as decisões ao estabelecerem o
que se deseja obter ao final, as considerações táticas — considerações relativas às
capacidades relativas das forças nos enfrentamentos — presidem as decisões ao
estabelecerem o que é possível fazer em cada momento. Para decidir diante da guerra,
não basta querer; é preciso saber o que é possível fazer com os meios que se tem ou
saber que meios são necessários para se poder fazer o que se quer.
Aos comandantes das forças combatentes cabe – em cada momento, à luz da
apreciação dos enfrentamentos já travados; diante da avaliação das capacidades
relativas das forças; e ponderando ainda a viabilidade e exigências logísticas das suas
opções – decidir quais enfrentamentos pretende travar e com que quantidade de
força em cada um deles, de modo a produzir um encadeamento de resultados de
enfrentamentos que viabilize o sucesso na guerra e com isso, espera-se, o objetivo
político que se quer alcançar.
Por sua vez, em cada enfrentamento, cabe aos comandantes empregar suas forças de
modo não apenas a viabilizar o sucesso naquele enfrentamento em particular, mas de
TdG – v 13– joint. Abril de 2004 9
tal modo que os demais enfrentamentos que serão necessários para o sucesso na
guerra possam ser travados.
Por fim, após cada enfrentamento, as lideranças políticas — formal ou informalmente,
individual ou coletivamente, impressionisticamente ou bem informados — reavaliam
os objetivos à luz de sua importância, à luz dos sacrifícios já feitos, à luz dos sacrifícios
que os comandantes julgam que ainda venham a ser necessários ou plausíveis e
decidem se ainda vale a pena perseguir aqueles objetivos políticos ou se é melhor
modificá-los ou ainda, simplesmente, abandoná-los.
Qualquer manifestação do fenômeno bélico contém todas estas dimensões: política,
tática e estratégia, não importando o tamanho ou natureza dos lados envolvidos ou de
suas forças, o tempo de sua ação ou o espaço em que ela se dê, com a exceção,
normalmente, das decisões táticas mais elementares.
Por exemplo, atirar em tiro simples ou em rajada pode, usualmente, considerar apenas
elementos táticos. É dizer: a decisão de atirar de uma ou de outra maneira pode ser
tomada exclusivamente com base no efeito que se deseja produzir sobre a força
oponente. Mas mesmo este grau recorrente de liberdade pode ser condicionado pelas
outras dimensões do fenômeno, em função das circunstâncias e do contexto em que o
enfrentamento tem lugar 17 . Se se tem pouca munição, por exemplo, então
considerações propriamente estratégicas – orientadas não pelo efeito da força no
combate, mas sim pela necessidade de manter-se capaz de combater, isto é, de ser
capaz de seguir usando os enfrentamentos em prol dos propósitos da guerra – irão
determinar o uso do tiro simples. Se se está atuando num território aliado, por outro
lado, considerações propriamente políticas podem determinar que todo tiro de parte
de nossas forças seja feito com tiro simples, de maneira a minimizar baixas colaterais
ou acidentes que poderiam atingir os bens e a população de um aliado, ou perverter a
paz que se busca na própria guerra. O reverso também é verdade. Considerações
propriamente estratégicas – buscar a máxima velocidade de avanço em território
oponente, para minimizar seu uso dos benefícios da espera e da posição; ou
considerações propriamente políticas – buscar a intimidação da população de um
território – poderiam determinar uma preferência pelo tiro em rajada.
Vê-se, facilmente, que política, tática e estratégia não são, e de fato não podem ser,
“níveis” hierarquizados: são universos distintos e simultâneos de considerações e
decisões feitas e a fazer, tomadas e a tomar em cada momento da guerra, por todas
as partes envolvidas: dimensões do fenômeno bélico.
De fato, ao responsável pela condução de um determinado enfrentamento cabe
ponderar se, à luz das necessidades dos enfrentamentos futuros e de seu possível
impacto para a obtenção do objetivo político, vale a pena continuar ou interromper
esse enfrentamento particular, até que ponto e com que custo.
Aos responsáveis por um determinado teatro de operações cabe ponderar, nas
decisões sobre enfrentamentos:
se disporá de força suficiente para travá-los com expectativa de sucesso;

17 Somos gratos aos questionamentos de Paul K Davis, sem os quais talvez não viéssemos a clarificar desta
forma a questão do efeito de considerações estratégicas e políticas no combate, e portanto permitisse o
enquadramento das regras de enfrentamento dentro do arcabouço da Teoria da Guerra. Uma exemplificação mais
extensa deste processo em diversos contextos combatentes politicamente diferenciados pode ser encontrada, num
estado menos desenvolvido conceitualmente, mas mais exemplificado, em Proença Jr (2003a,b).
TdG – v 13– joint. Abril de 2004 10
quais seriam as condições para se ter esta expectativa, à luz da sua avaliação acerca
das capacidades da força oponente;
se esse ou aquele enfrentamento ajudará ou dificultará a obtenção do propósito da
guerra, ou do objetivo político.
Às lideranças políticas cabe decidir se se irá à guerra, ou não; e ponderar se vale a pena
alocar uma determinada quantidade de força a um determinado teatro de operações
ou subtraí-lo de outro; ou investir ainda mais guerra e tornar-se menos preparado
para outras que se possa querer travar; ou que seu enfraquecimento na guerra atual
possa tornar outras guerras mais prováveis, e em todos os momentos se vale a pena
continuar esta guerra por este objetivo político.

5.3.2. LOGÍSTICA
Existe, porém, uma outra perspectiva crucial na abordagem do fenômeno bélico, que
não é diretamente decorrente das características intrínsecas ao próprio conceito, mas
que se associam necessariamente ao fenômeno. É, antes, a sua condição de
possibilidade. Ela decorre do fato de que, para que os enfrentamentos possam ocorrer
e ser bem sucedidos, as forças têm que existir e estar no lugar certo em condições de
combater, quando e tantas vezes quanto for necessário na guerra. Isso significa que as
forças precisam ser criadas, movidas e sustentadas.
Nossa classificação se aplica e exaure apenas a utilização das forças combatentes.
Mas a guerra é servida por muitas atividades que são bastante diferentes disto;
algumas próximas, outras muito distantes. Todas estas atividades dizem respeito à
manutenção das forças combatentes. Ainda que sua criação e treinamento
preceda a seu uso, a manutenção é simultânea e uma condição de possibilidade.
Em termos estritos, todas deveriam ser consideradas como atividades
preparatórias ao enfrentamento, de um tipo tão próximo à ação que são parte das
operações militares e que se alternam com a utilização concreta [das forças]. É
justificável que se exclua estas tanto quanto a todas as demais atividades
preparatórias do significado estrito da arte da guerra – da condução concreta da
guerra. De fato, é necessário fazer isto se a teoria for servir a seu papel principal de
discriminar entre elementos diferentes. Não se poderia considerar todo o
empreendimento de manutenção e administração como parte da condução
concreta da guerra. Ainda que possa haver uma interação constante entre estes e
a utilização das tropas, são essencialmente muito diferentes. [II-1: 128-129,
ênfases no original]
A criação da força é uma decisão de conversão dos recursos de uma sociedade em
meios de força – pessoas e coisas, que precisam ser reunidas e então urdidas em forças
combatentes. Uma força é um arranjo de pessoas, materiais, equipamentos,
organizações, liderança, treinamento e doutrina – grupos combatentes, que
correspondem a uma determinada concepção de sua forma de lutar e de seu papel no
combate diante dos limites de como se pode combater com as pessoas e coisas que
uma sociedade tem ou pode ter.
Uma vez criada a força, ela tem que ser movida até onde é necessária. Mover a força é
onde se revela uma distinção importante, que diz respeito aos modos de transporte e
as conseqüências destas alternativas modais na guerra. É preciso compreender como
estas alternativas – sumariamente, os meios de transporte em terra, mar e ar – estão
na raiz dos arranjos que distinguem, por exemplo, as assim chamadas forças
singulares: o exército, a marinha e a força aérea. Isto porque na medida em que se
pode usar a terra, o mar ou o ar como caminho para passagem da força, é natural que

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se considere como garantir este caminho para nossos propósitos e negá-lo para o de
nossos oponentes. Assim, estes caminhos podem se tornar palcos de enfrentamentos.
A luta em terra, mar e ar admite tanto a questão da interdição dos movimentos da
força e, por extensão, dos recursos que podem permitir a criação ou a sustentação de
força pelo oponente, quanto as formas pelas quais se busca controlar o uso destes
caminhos. Este controle pode afetar o uso dos outros caminhos e os enfrentamentos
em outros palcos. Assim, pode-se falar de tática, e portanto de armas, em cada um
destes palcos; e imediatamente, tem-se a perspectiva de formas mistas, das armas de
cada um destes palcos tomadas duas a duas ou todas as três.
Há um grau variável, em função do alcance de armamentos e da geografia, do efeito
que armas terrestres 18 podem ter sobre as armas marítimas, e vice-versa. A
onipresença do ar confere um potencial considerável ao que armas aéreas pode
permitir que se faça sobre terra e mar. É isto e nada mais que dá propriedade aos
diversos arranjos possíveis de forças singulares e das possibilidades de sua
articulação19. Não se pode permitir que esta especialidade dos meios de transporte
seja confundida com uma especialidade na própria guerra.
A humanidade vive em terra, e é aí que a guerra é decisiva. Seres humanos podem
andar continentes, mas não podem nadar mares ou voar. Os meios de transporte
marítimos e aéreos possibilitam, e por isto mesmo limitam, o uso do mar ou do ar
como caminho ou como palco de enfrentamentos. As partes da força combatente que
correspondem a armas marítimas ou aéreas podem influir, com maior ou menor
efeito, no desenrolar da guerra; podem agir de maneira direta contra a força oponente,
de maneira indireta contra a criação, movimento ou sustentação desta força; travam
seus próprios enfrentamentos nos palcos marítimos e aéreos; mas o centro de sua ação
é a capacidade de influir em terra. O critério último de sua utilidade é o quanto podem
influir no desenrolar, nos resultados ou na perspectiva dos resultados de
enfrentamentos em terra.
Esta influência pode até bastar numa guerra limitada em que este tanto de força seja o
suficiente para dobrar a vontade de um dos lados, ou em que se crie uma situação em
que apenas estas forças são relevantes nesta guerra. Mas na maioria dos casos, o que
atribui valor e, eventualmente, prioridade a ações marítimas ou aéreas é o que elas
permitem que as armas terrestres façam contra a força, a logística da força, o território
ou a vida nacional do oponente; ou então pelo receio do que estas ações marítimas ou
aéreas possam permitir que as armas terrestres do oponente venham a fazer.

18 Note-se bem: quando dizemos armas terrestres, o que está sendo dito é armas, no sentido apresentado
anteriormente, que são orientadas para o enfrentamento no palco terra. Esta é a qualidade que queremos
adjetivar, e não que pertençam ao que se defina como sendo as armas de uma organização particular, como a(s)
força(s) terrestre(s) de um país, o Exército, por exemplo, no caso brasileiro; ou o Exército e a Gendarmeria, na
França. Da mesma forma quando falamos de armas marítimas e aéreas, queremos dizer: orientadas para os
enfrentamentos nos palcos marítimo e aéreo. A defesa de costa, por exemplo, é uma arma marítima: destina-se a
enfrentamentos cujo palco é o mar. Não obstante, geralmente suas instalações e pessoal ficam em terra e tendem a
ser subordinados à(s) força(s) terrestre(s).
19 Havia algo de interessante e profundamente honesto no modelo soviético de cinco forças singulares, três
armas independentes. Num certo sentido, foi talvez a construção organizacional mais sincera com relação à
diversidade de papéis e possibilidades combativas da última metade do século XX. De fato, se acrescentarmos a
esta estrutura as milícias (polícias) regionais e metropolitanas, as forças paramilitares do Ministério do Interior, da
Guarda de Fronteiras e da KGB, o modelo soviético torna-se um espelho da diversidade de missões esperadas das
forças do Estado em nossos dias. Ver, por exemplo, Menaul (1980).
TdG – v 13– joint. Abril de 2004 12
A guerra é uma só. Os enfrentamentos no mar ou no ar são apenas alguns dos
enfrentamentos de uma guerra. São objeto da mesma estratégia, para os mesmos
propósitos da guerra. Assim, faz sentido falar com rigor das armas e tática terrestres,
ou marítimas, ou aéreas – com tudo de articulação que a guerra exige e as
possibilidades do combate permitem em termos de influência mútua. Mas com rigor
só se pode falar de estratégia ou guerra com a perspectiva do todo. Qualquer
adjetivação tem que ser afirmada, e compreendida, como sendo relacionada a este
todo.
Em todos os momentos, a força tem que ser sustentada. Isto significa atender à
necessidades básicas de pessoas e coisas. Na guerra, isto significa que é preciso manter
supridas as necessidades de munição e combustível, cujo uso varia de acordo com a
freqüência ou o resultado dos enfrentamentos. Manter a força significa ainda cuidar
da saúde física e mental dos vivos, da manutenção dos equipamentos e sistemas; dar
conta dos mortos e feridos, repor as baixas, recompletar os equipamentos, atualizar
coisas e procedimentos. Isto admite que se esteja alerta para aprender com o que
oponente ensina em cada enfrentamento: identificar e suprir carências, vantagens ou
vulnerabilidades; orientar tanto o processo de criação quanto de movimentação da
força.
A esse amplo conjunto de atividades, sem os quais a força não tem como existir, agir
ou perdurar, às considerações e decisões relativas à criação, movimentação e
sustentação das forças dá-se o nome de logística.
Questões logísticas são tão cruciais que, em qualquer guerra, várias decisões acerca de
quais enfrentamentos travar são tomadas em função de considerações estritamente
logísticas — por exemplo, pontos de passagem obrigatória que têm que ser liberados
ou que são excelentes para emboscar uma força oponente; posições vitais que têm que
ser asseguradas de imediato ou das quais o oponente têm que ser expulso; o quanto de
força tem que ser deixado para trás para proteger o fluxo de forças e suprimentos; as
áreas vitais para a produção, aquisição e transporte de equipamentos e suprimentos
que têm que ser protegidas, o quanto de força se pode utilizar no enfrentamento, ou
mover, ou sustentar, numa dada região ou numa determinada posição, etc. Ora, como
já visto, decisões relativas a enfrentamentos são decisões estritamente estratégicas, e
muitas dessas áreas e pontos vitais para a execução de tarefas e atividades logísticas —
isto é, relacionadas à criação, deslocamento e sustentação da força — são também, e
muito propriamente, chamadas de áreas e pontos estratégicos.
Ao contrário do que geralmente se imagina, uma parcela muito grande dos
enfrentamentos e das guerras é decidida não em função de uma quantidade
significativa de baixas produzidas em combate, mas da percepção, por pelo menos um
dos lados (e, muitas vezes, dos dois), do que a continuidade, ou os resultados, dos
enfrentamentos ou guerras podem significar em termos logísticos. Uma unidade
combatendo com sucesso numa posição pode ter que abandonar este enfrentamento
porque, como resultado de um outro enfrentamento, o oponente ameaça a sua
retaguarda ou flanco, ou pode controlar a sua linha de suprimentos: ficar nesta
posição seria se expor ao isolamento ou a um futuro enfrentamento em desvantagem.
Assim, independentemente da expectativa de sucesso neste enfrentamento, é
necessário interrompê-lo, produzindo um insucesso tático ao se ceder ao oponente. Os
dois lados num enfrentamento podem decidir que o tanto de forças que perderam – ou
o tanto de munição que gastaram – até o momento começa a comprometer a sua
capacidade de defender suas linhas de abastecimento, e optar por cessar o combate
para garantirem força suficiente para a segurança de suas linhas.
TdG – v 13– joint. Abril de 2004 13
Portanto, embora a idéia de logística não decorra diretamente do conceito de guerra
como ato de força para obrigar o oponente a fazer nossa vontade, as considerações
logísticas estão íntima e diretamente conectadas a toda a atividade bélica, e são
centrais para o planejamento e análise de qualquer guerra e de qualquer
enfrentamento particular numa guerra. [II-1: 127-132]

5.4. ATAQUE E DEFESA


A própria noção de combate exige e engendra, intrinsecamente, dois conceitos
adicionais: o ataque e a defesa.
A essência da defesa é, propriamente, aparar um golpe. Sua característica intrínseca
é, portanto, esperá-lo. O que lhe permite estar na espera da iniciativa alheia é
simplesmente o seguinte: se as coisas continuarem como estão, isso será bom para o
lado que pode esperar. Estar na defesa, portanto, significa ser beneficiado pela
manutenção do status quo: a defesa é a forma de luta que tem o propósito negativo,
isto é, manter as coisas como estão.
Se um dos lados é beneficiado pelo status quo, o outro lado é obrigado a alterá-lo. Se
ele nada fizer, o defensor será beneficiado e ele prejudicado. Cabe a ele, portanto,
tomar a iniciativa, isto é, atacar. Estar no ataque, portanto, significa ter o interesse
em alterar o status quo: o ataque é a forma de luta que tem o propósito positivo, isto
é, alterar a situação existente — golpear. Se a passagem do tempo contribui para o
sucesso da defesa, cabe ao ataque impedir que isto aconteça; ao atacante interessa
diminuir o tempo de duração das hostilidades. Portanto, enquanto o que caracteriza a
defesa é a espera, o que caracteriza o ataque é a rapidez. A idéia central do ataque é
tomar a iniciativa.
Numa interação entre dois lados num determinado contexto político, é teoricamente
possível — conquanto bem pouco provável na realidade — que ambos sejam
beneficiados pelo status quo de maneira rigorosamente igual. Se for esse o caso, não
haverá oposição de vontades, e não haverá necessidade do recurso à guerra para
resolver a questão. Não sendo esse o caso, porém, um dos lados será, em comparação
com o outro, favorecido pela continuidade das coisas. Esse último, portanto, estará na
posição politicamente defensiva; o outro, automaticamente, na posição politicamente
ofensiva. Por sua vez, uma guerra ou um enfrentamento são defensivos se se espera a
chegada, isto é, o avanço da força oponente: seja no primeiro ato de força contra nós,
seja através das fronteiras do território que pretendemos defender, seja diante de
nossas forças, seja ao alcance de nossos armamentos.
Do ponto de vista dos propósitos, portanto, há uma real polaridade entre ataque e
defesa: o que é bom para um é ruim para a outra, e vice-versa.
Existem, porém, duas diferenças fundamentais entre um e outra. A primeira já foi
mencionada: ao defensor, basta que nada mude; o mesmo não se dá com o atacante.
Portanto, enfrentamentos que terminam sem um resultado claro e imediatamente
aparente favorecem a defesa, e não o ataque; guerras que terminam sem uma
modificação substantiva da relação de forças e recursos entre os dois lados significam
maior sucesso para o defensor do que para o atacante; e a manutenção de um
determinado status quo político significa, por definição, que o defensor prevaleceu.
Podemos chamar essa vantagem da defesa de vantagem da espera.
A essa vantagem da espera se soma uma outra. Se a defesa pode esperar, seus recursos
de força não precisam ser apenas as forças móveis: ela se beneficia de posições
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naturais ou artificiais vantajosas, ela se beneficia da eventual necessidade do atacante
de percorrer ou se distribuir no espaço — diminuindo a rapidez do ataque —, etc. Já o
ataque, em função de sua característica intrínseca, é obrigado a se mover: enquanto
ataque, ele está restrito apenas a suas forças móveis e ao alcance de seus armamentos.
Uma parcela enorme de seus recursos nominais de força — como fortificações,
barreiras naturais etc. — lhe é vedada por ele assumir a posição de atacante. Ao
defensor, pelo contrário, os recursos imóveis são parte integral de sua força.
Podemos chamar essa outra vantagem da defesa de vantagem da posição.
Uma das conseqüências dessas vantagens da defesa é que os recursos de força do
defensor não podem, do ponto de vista estratégico, ser empregados todos
simultaneamente: como alguns de seus trunfos são fixos, eles não podem ser reunidos
todos para um mesmo enfrentamento. Como seria tolice desperdiçar a possibilidade
de empregar recursos de força ao longo de uma guerra, segue-se que o defensor não
emprega toda a sua força simultaneamente, mas sim seqüenciadamente. Não fosse
por essa impossibilidade de emprego simultâneo de todas as suas forças pelo defensor,
a guerra poderia ser um único ato em que as forças concentradas do atacante e as
forças e recursos de força do defensor se confrontariam num único grande
enfrentamento.
Incidentalmente, nesse caso, todas as considerações e decisões seriam estritamente
táticas, isto é, relativas ao emprego de forças no enfrentamento; não haveria qualquer
sentido no conceito de estratégia — considerações e decisões relativas ao emprego dos
enfrentamentos para os propósitos da guerra. É da diferença entre ataque e defesa
que surge a própria noção de estratégia.
Adicionalmente, esse único enfrentamento só poderia ter um único propósito para
ambos os lados: tornar a força oponente incapaz de continuar lutando aquele
enfrentamento — isto é, desarmá-la. Sendo assim, haveria um máximo prêmio no
exercício de esforços extremos na produção desse resultado: um dos lados acabaria
sendo concretamente desarmado. Com isso, toda a guerra, que só teria um único
enfrentamento, se resumiria a esse ato único voltado para esse único resultado. As
guerras seriam sempre, portanto, guerras absolutas. Que elas não sejam assim na
prática — que as guerras reais20 nunca sejam absolutas — se deve ao fato puro de que
à defesa interessa empregar seqüencialmente seus recursos de força, e não a qualquer
decisão ou consideração extrínseca à dinâmica do relacionamento entre as forças em
oposição.
Outra conseqüência crucial — um dos resultados mais importantes da Teoria da
Guerra — é a demonstração de que a defesa é a forma mais forte de luta, e que isto
deriva da realidade tática de que a defesa é a forma mais forte de combate.
É essa superioridade da defesa sobre o ataque que explica porque a guerra não é uma
sucessão frenética de embates, dando conta da “pausa na ação”. É a superioridade da
defesa que explica porque as guerras, durante a maior parte do tempo, consistem em
longos períodos de espera, em que nenhum dos dois lados está atacando. Isto não
seria lógico se ataque e defesa fossem distintos apenas em termos de seus propósitos:
a não ser em caso de um grave erro de informação ou timidez, o tempo de espera que
beneficiasse a um dos lados levaria a que o outro atacasse, antes que este benefício se
fizesse presente. Mas como a defesa é mais forte que o ataque, entende-se que cada

20 Sobre isso, ver, mais abaixo, a seção “Os dois tipos de guerra que existem de fato: ilimitadas e limitadas”.
TdG – v 13– joint. Abril de 2004 15
um dos lados pode ser forte o suficiente para defender-se, sem ser forte o suficiente
para atacar. [I-1: 84]

5.5. AS CAMPANHAS OFENSIVA E DEFENSIVA


A superioridade da defesa sobre o ataque explica fenômenos propriamente
estratégicos da guerra, que dizem respeito à dinâmica da instrumentalidade política
das operações militares21 no contexto das guerras. Qualquer guerra materializa duas
campanhas que interagem entre si: a campanha ofensiva do lado que busca alterar a
situação estratégica e a campanha defensiva do lado que busca preservá-la.
Uma campanha corresponde à implementação de uma seqüência antecipada de
enfrentamentos — e sua permanente reavaliação e reconfiguração a partir dos
resultados dos enfrentamentos travados e da antecipação dos resultados dos
enfrentamentos a travar — num teatro de operações, entendido como o espaço em que
os resultados obtidos ou sofridos por uma força têm efeito direto sobre as demais. [VI-
27: 484-487]
Perceba-se como que cada lado tem por meta a paz: a paz da situação modificada do
atacante, a paz da situação atual do defensor. O propósito da guerra é uma
determinada paz. Isto deveria ser evidente, mas aqui se tem uma oportunidade de
reafirmá-lo de maneira consistente, à luz das metas de cada um dos lados.
Toda consideração estratégica diz respeito ao estado do equilíbrio de forças num
teatro de operações concreto, hipotético ou futuro. Esse estado de equilíbrio expressa
as possibilidades combatentes das forças do atacante e do defensor. A mensuração
deste estado tem a especificidade do ambiente da guerra — concreto, hipotético ou
futuro —, onde atuam a lógica de balança de poder, a incerteza e a fricção e, ainda,
pela importância das forças morais (ou psicológicas, como se diz hoje), cuja estimativa
é sempre difícil. O centro destas considerações reside no desgaste relativo das forças
materiais e morais ou psicológicas do atacante e do defensor, que produz efeitos em
sua capacidades de travar enfrentamentos ofensivos ou defensivos com expectativa
razoável de sucesso no enfrentamento.
É apenas na consideração estratégica que se pode distinguir com clareza como a
antecipação dos resultados de um enfrentamento só faz sentido quando expressa em
termos de uma expectativa razoável de sucesso.
Em primeiro lugar, reconhece-se que o ambiente da guerra e as forças morais fazem
como que não seja possível ter-se mais do que uma expectativa; mesmo esta precisa
ser qualificada, ainda, por um juízo pessimista de precisão, que seja apenas razoável.
Em segundo lugar, é preciso compreender que sucesso, neste sentido, não diz respeito
a um resultado que seja sinônimo da expectativa de senso comum de uma “vitória”. O
sucesso num engajamento resulta de uma avaliação mais ampla, do que se busca com
ele em termos estratégicos, e portanto dos propósitos estratégicos que determinaram a
sua ocorrência. Isto diz respeito a seu papel nos esforços que buscam alterar

21 A atividade das partes das forças, ou das forças como um todo, não se explica em si mesma, mas sim como
parte de um desígnio. Assim, ainda que se possa falar de ações militares (especialmente desde o ponto de vista da
tomada de decisão política pelo uso, ou não uso, da força), a questão é precisamente indicar como elas são
resultado e materialidade de uma determinada intenção; o termo operações se afirmou como sendo um descritivo
suficiente. O próprio Clausewitz utiliza tanto operações militares quanto empreendimentos bélicos com esta mesma
intenção.
TdG – v 13– joint. Abril de 2004 16
positivamente o equilíbrio de forças no teatro de operações. O que interessa na
produção de baixas na guerra não é, ordinariamente, o seu valor absoluto, em pessoas
ou equipamento. Nem ainda, na maioria dos casos, o seu valor expresso como
percentagem, por exemplo, das baixas sofridas por um lado em relação às que
inflingiu, tantas pessoas ou equipamentos por outras tantas pessoas ou equipamento.
A questão preeminente é a proporcionalidade em relação ao equilíbrio de forças no
teatro de operações à luz do propósito da guerra – isto é, se a quantidade de perdas
impostas ao oponente obriga a reconsideração, por parte deste, da oportunidade ou da
conveniência do prosseguimento de seus esforços.
É desta perspectiva estratégica, no sentido rigoroso do termo, que se pode distinguir
com clareza o que sejam o sucesso no enfrentamento do sucesso na guerra.
O sucesso num enfrentamento é a obtenção do propósito pretendido — a expulsão do
oponente de uma determinada posição, um determinado grau de desgaste nas suas
forças, ou simplesmente obrigar as forças do oponente a um enfrentamento que dure o
suficiente para impedirem-nas de chegar a tempo em outro local, por exemplo. Quanto
esse resultado obtido é facilmente identificável, completo, pode-se falar em vitória:
por exemplo, quando as forças do oponente são concretamente expulsas de uma
posição, ou quando uma parte determinada da força do oponente é efetivamente posta
fora de combate. Note-se que este entendimento teoricamente rigoroso da vitória no
enfrentamento expressa precisamente a medida do sucesso na produção do que se
desejava num dado enfrentamento. Se o que se desejava era, por exemplo, atrasar o
oponente, então o fato de que não se causou nenhuma baixa, ou que se perdeu toda a
força usada, é secundário em relação a esta missão. Pode-se perder toda a força, sem
causar baixas ao oponente, e ainda sim se ter sucesso neste enfrentamento, uma
vitória: a produção do resultado que se queria naquele enfrentamento de maneira
clara e evidente22.
O sucesso na guerra é a obtenção de um resultado que, espera-se, favoreça a obtenção
do objetivo político pretendido. É possível, porém, ter sucesso na guerra sem que se
tenha o sucesso político que se buscava com a guerra. A questão é em si mesma
simples: se o propósito de guerra escolhido é de fato capaz de aproximar o objetivo
político que se buscou com a guerra. Na Campanha de 1812, Bonaparte tinha por
objetivo político forçar um alinhamento da Rússia, por exemplo, com uma posição
anti-britânica. Escolheu como seu propósito de guerra a tomada de Moscou, cuja
ocupação acreditava fosse o suficiente para a produção de seu objetivo político.
Moscou de fato foi tomada e ocupada por Bonaparte; seu propósito de guerra foi
atingido; ele teve sucesso na guerra. Mas isto não foi o suficiente para a produção do
resultado político que ele ambicionava. Dito sinteticamente, neste caso ao sucesso na
guerra não correspondeu o sucesso político do uso da guerra para os propósitos
políticos: sua escolha do propósito da guerra foi, simplesmente, equivocada.
Independente do que escolha como seu propósito de guerra, cabe ao atacante – a
quem quer alterar a situação presente – modificar o status quo, isto é: agir.
Materializando esta ação, o atacante lança mão dos meios de força e ordinariamente
penetra no território do defensor. O defensor não pode empregar todos os recursos de
força de que dispõe neste primeiro momento: no mínimo posições e terreno estão
dispersos pelo território, como também estão os centros populacionais e de recursos
onde tem lugar a criação de forças adicionais para o defensor.

22 Ver a exposição de Gomes (2001); Gomes & Proença Jr (2002) para uma súmula.
TdG – v 13– joint. Abril de 2004 17
Em função da estratégia que o defensor adote, ele pode travar enfrentamentos em
pontos e momentos específicos, buscando aproveitar a superioridade da defesa. Assim,
o defensor pode enfrentar o atacante nas ocasiões em que a expectativa razoável de
sucesso sugere que as perdas do atacante serão maximizadas, ou onde possa
constranger o avanço do atacante, dificultar sua movimentação ou o sustento das suas
forças.
Assim, mesmo enquanto cede terreno, o defensor busca utilizar os seus recursos
defensivos nos enfrentamentos, e os resultados diretos e indiretos destes
enfrentamentos, para diminuir a superioridade do atacante no teatro de operações.
Trata-se precisamente do uso dos recursos exclusivos da defesa: aproveitar a espera e
a posição para usar de ataques e defesas táticas no contexto da campanha defensiva,
buscando diminuir a vantagem do atacante gradualmente em cada enfrentamento e
como resultado direto ou indireto dos efeitos destes enfrentamentos. [VI-8: 379-389]
O centro do planejamento e execução das campanhas — ofensiva e defensiva — é o fato
de que a força do atacante declina em relação à do defensor no desenrolar da
guerra23. Isto nasce de duas dinâmicas encadeadas.
(i) Quanto mais profundamente o atacante avança no território do defensor, quanto
mais tempo a guerra dura, mais o ataque tende a se enfraquecer. Distancia-se de suas
bases, dificultando a chegada de reforços que compensem suas perdas; estende suas
linhas de suprimento, que têm que ser guarnecidas; dispersa-se para controlar o
território em disputa de maneira a poder explorá-lo e para dar conta da resistência
local de milícias ou guerrilhas; seu próprio sucesso arrisca trazer aliados ao defensor,
em função do funcionamento da balança de poder; desgasta-se no movimento e na
ação no ambiente de fricção da guerra.
(ii) Ao mesmo tempo, o defensor se fortalece, aproximando-se de suas bases,
ganhando suporte de sua população, pondo em campo as milícias e guerrilhas,
mobilizando forças adicionais ou obtendo aliados. Estes ganhos não são gratuitos: o
defensor cede parte de seu território, de seu povo e recursos ao atacante durante a
campanha. Mas o efeito da perda destes recursos do defensor – e seu controle pelo
atacante – não produzem, ordinariamente, resultados imediatos no equilíbrio de
forças. A retração da campanha defensiva aumenta a força imediata do defensor,
permitindo a exploração das posições defensivas e a agregação de novas forças – seja
pela incorporação de guarnições, seja pela criação de forças adicionais, seja pelo
acréscimo de forças de seus aliados.
O resultado final destas duas dinâmicas é francamente favorável ao defensor. Assim, a
diminuição da margem de superioridade do atacante pode produzir uma situação em
que ele não é mais capaz de seguir atacando com expectativa razoável de sucesso,
ultrapassando o ponto culminante do ataque. Antes que isto ocorra, o atacante
deveria reverter à defensiva, passando a defender o território que conquistou como
base para a paz que reconheça a nova situação.

23 Quando isto não acontece, a teoria avisa que se está diante de um caso excepcional. Este é precisamente o
seu papel: identificar os elementos que permitem que se afirme que um caso particular se distancia do que se
poderia esperar em geral, orientando uma abordagem mais cuidadosa e aprofundada e pautando os termos de
estudo. Estes casos são anomalias para a Teoria da Guerra, e portanto temas de pesquisa interessantes para o
programa de pesquisa científica Clausewitiziano: os casos em que a força da ofensiva não diminui com o seu
prosseguimento. O próprio Clausewitz via na ofensiva de guerrilha de Espanha uma possibilidade de exceção de
interesse. [VII-4: 527]
TdG – v 13– joint. Abril de 2004 18
Se, não obstante, o atacante decide prosseguir na ofensiva até ultrapassar o ponto
culminante do ataque, seu enfraquecimento pode vir a produzir uma situação em que
ele não é nem sequer capaz de defender o território que conquistou, ultrapassando o
ponto culminante da vitória. Neste caso, o atacante se expõe a uma contra-ofensiva
demolidora do defensor, um contra-ataque de largo alcance e potencial, a “espada
reluzente da vingança”, o momento máximo da defesa. Após o atacante ultrapassar o
ponto culminante da vitória, uma contra-ofensiva do defensor pode reverter todos os
ganhos do atacante. Como esta contra-ofensiva se dá contra um atacante que
enfraqueceu até o ponto de não ser mais capaz de se defender, ela pode vir a arriscar
até o próprio território original do atacante. [VI-6: 372-377, VI-8: 379-389, VII-4:
527, VII-5: 528; VII-22: 566-576]
É em função destes pontos culminantes que a campanha ofensiva se orienta pela
consideração do momento de reversão à defensiva, isto é, o momento em que o
atacante passa a defender o que conquistou. [VI-3: 365]. Se o atacante tiver alcançado
o seu propósito de guerra sem ter alcançado o primeiro destes pontos culminantes, ele
seria capaz de defender, com expectativa razoável de sucesso, o que conquistou.
Mas a questão segue sendo política. Se este resultado for algo que o defensor está
disposto a aceitar, então de fato o propósito de guerra escolhido pelo atacante
produziu termos viáveis para uma paz, obtendo seu objetivo político. O atacante, neste
caso, teve sucesso político no uso da guerra. Mas se o defensor não estiver disposto a
aceitar esta mudança, a luta continua.
Identificar a aproximação do ponto culminante do ataque durante a guerra é
extraordinariamente difícil. Não é possível conhecer com precisão o estado das forças
morais de ambos os lados, ou mesmo a correta dimensão e disposição da força à
disposição do defensor. O atacante pode ser tentado a mais um esforço, a mais um
enfrentamento, que prometa enfraquecer o defensor a tal ponto que ele possa ser
prostrado, permitindo obter o que quer que se queira dele, ou que ultrapasse o preço
que o defensor está disposto a pagar nesta guerra.
A isto se soma ainda que o atacante, na defensiva, não tem todos os recursos do
defensor. Ao reverter à defensiva, limitando-se a defender o que conquistou, continua
tendo que lidar com os efeitos de seu sucesso na balança de poder, continua tendo que
guarnecer e controlar a população que lhe é hostil, continua a ter que conviver com as
dificuldades do movimento de reforços e suprimentos desde o seu próprio território. A
reversão à defensiva tem que ser feita com força suficiente para que a expectativa
razoável seja do sucesso, pelo atacante, em defender o que foi conquistado contra os
contra-ataques do defensor. Se for este o caso, então construiu-se a situação em que
chegar a uma paz, aceitando o fato consumado, é a decisão lógica de parte do defensor.
Afinal, nessas circunstâncias, o defensor não tem como esperar vencer o atacante na
defesa.
Mas isto não significa que a simples reversão a defensiva seja uma panacéia em si
mesma. Se o atacante reverter à defensiva sem dispor de força suficiente para
garantir a defesa do que conquistou, a estratégia do defensor passa a ser a do
empreendimento de contra-ofensivas, isto é, do ataque às forças do atacante original,
buscando reduzir paulatinamente a margem de superioridade do atacante no teatro de
operações. Se o atacante não tem força suficiente, então o defensor pode tentar levá-lo
uma condição de inferioridade, ou até a certeza da eventual produção desta
inferioridade, para obrigá-lo a devolver o que tomou: em outras palavras, levar o
atacante, mesmo depois de reverter à defesa, a ultrapassar o ponto culminante da

TdG – v 13– joint. Abril de 2004 19


vitória. O defensor conta com o desgaste das forças do atacante na defensiva,
apostando em que este desgaste e suas contra-ofensivas possam levar até o ponto em
que o atacante seja forçado a ceder o que conquistou, restaurando o status quo ante, a
situação anterior à guerra.
A dinâmica das campanhas ofensiva e defensiva e a perspectiva da ultrapassagem dos
pontos culminantes do ataque e da vitória não deixam de existir apenas porque o
atacante reverteu à defensiva. A questão é se esta reversão à defensiva foi feita com
força suficiente para fazer com que a expectativa razoável de sucesso esteja com o
atacante, de maneira que o defensor não tenha como alterar o equilíbrio de forças no
teatro de operações de maneira favorável a seus propósitos de guerra, seus objetivos
políticos. É diante de uma e outra perspectiva que se compreende como o atacante
pode hesitar em reverter à defensiva, e opte por seguir atacando, buscando assegurar a
expectativa razoável de sucesso para a sua defesa; buscando destruir um tanto mais da
força do defensor, mesmo quando próximo do ponto culminante do ataque; e que se
arrisque em enfrentamentos cujo resultado possa levar a ultrapassagem do ponto
culminante da vitória ainda quando está na ofensiva. [VII-22: 566]
A vitória da defesa não é certa apenas pela continuidade da luta. Seja quando o
atacante já reverteu à defensiva, seja quando ele ainda segue atacando, o defensor tem
que considerar o quanto ainda se beneficia da espera. Para restaurar o status quo ante,
o defensor tem passar à contra-ofensiva em algum momento, isto é, tem que passar ao
ataque. A contra-ofensiva é parte intrínseca da defesa, porque só a contra-ofensiva
pode reverter os resultados do atacante e reconstituir a situação inicial. Se desde o
início da guerra, e por algum tempo, a força declinante do atacante é a realidade
estratégica preponderante, a partir de um certo instante isto deixa de ser verdade.
O ponto culminante da defesa corresponde ao momento em que os efeitos das perdas
do defensor em forças, ou a falta dos recursos que cedeu ao atacante, invertem o
declínio relativo das forças do atacante em relação ao defensor. Deste momento em
diante, a dinâmica resultante passa a ser a do enfraquecimento relativo do defensor.
Trata-se do momento a partir do qual a vantagem da espera se esgotou. Estimar este
momento tem muitas das dificuldades dos pontos culminantes anteriores, com uma
grande exceção. O defensor tende a saber com bastante segurança o quanto de força
ainda pode vir a reunir no futuro. Assim, uma vez que o tanto de força do atacante no
teatro de operações é conhecido, e ele é conhecido no próprio desenrolar da
campanha, o defensor pode perceber a proximidade do ponto culminante da defesa de
maneira mais fácil do que o atacante pode perceber os pontos culminantes do ataque
ou da vitória. Antes que este momento chegue, o defensor tem diante de si a última
oportunidade de buscar uma decisão, isto é, enfrentamentos que lhe permitam
reverter a situação; enfrentamentos cuja ambição é a destruição de uma fração tal das
forças do atacante que este se veja, daí em diante, em inferioridade: em termos
rigorosos, propeli-lo ao menos para além do ponto culminante do ataque. O ponto
culminante da defesa marca o instante em que o defensor ainda pode buscar esta
decisão, seja na defesa contra um atacante que ainda está atacando, seja passando à
contra-ofensiva contra um atacante que já reverteu à defensiva. Se este ponto é
ultrapassado, então a espera não mais serve ao defensor; o atacante, agora, se fortalece
à medida que o tempo passa, e o fracasso do defensor é o resultado cada vez mais
provável. [VI-8: 383]
O efeito dos enfrentamentos sobre o equilíbrio de forças no teatro de operações e seu
papel no atingimento dos pontos culminantes permite classificá-los de forma útil em
escaramuças – onde a dimensão e empenho de forças de cada lado não produz
TdG – v 13– joint. Abril de 2004 20
alteração significativa no equilíbrio de forças, independentemente do resultado;
batalhas – onde a fração de forças envolvidas por pelo menos um dos lado poder
alterar significativamente este equilíbrio; e as grandes batalhas, onde se empenham
tanto das forças de cada lado que o resultado pode ser um desequilíbrio irrecuperável,
levando a um dos lados para além dos pontos culminantes24. Neste enquadramento,
os únicos resultados de verdadeiro significado são os que alteram o equilíbrio de
forças, e daí a centralidade da grande batalha quando se busca uma decisão.
Perceba-se ainda como, embora o efeito sobre as forças morais seja decisivo, ele é
passível de recuperação de maneira mais fácil, ainda que menos previsível, do que as
forças físicas. A exploração de um sucesso tático, pela perseguição e destruição das
forças físicas do oponente em seu momento de máxima vulnerabilidade, é parte
essencial da guerra. O emprego do máximo de empenho neste esforço é determinado
pela necessidade de produzir resultados duradouros e úteis para a alteração do
equilíbrio de forças.
A menos que o resultado de um enfrentamento produza diretamente a paz, a guerra
continua. Ao longo de uma guerra, ponderados os efeitos eventuais de vantagens em
desempenho e moral, que podem ser tratados como modificadores no efetivo
numérico de cada lado, o saldo positivo e mais que proporcional de forças oponentes
destruídas tende a ser o único resultado duradouro que se obtém de um
enfrentamento. É isto que determina que a perseguição da força vencida num
enfrentamento, e a destruição de tanto quanto possível dela quando está fraca,
desorganizada, desmoralizada pela derrota. Abater o máximo da força oponente
quando ela está mais vulnerável revela um vínculo imediato entre o sucesso tático e a
sua exploração estratégica: o seu uso para forçar o oponente em direção a um dos
pontos culminantes. [IV-1 a 12: 225-270; VIII-1 a 9: 577-617, com atenção para I-1]
Assim, os pontos culminantes do ataque, da vitória e da defesa são a manifestação
estratégica máxima do relacionamento entre ataque e defesa. A possibilidade de que
eles sejam ultrapassados é que produz, na mente dos líderes e comandantes — mesmo
que nunca tenham ouvido tais expressões ou que não traduzam a questão nesses
termos — a permanente ponderação da continuidade do esforço nos moldes
anteriores. Por causa dos pontos culminantes do ataque e da vitória, nem sempre o
atacante (do ponto de vista estratégico) pode perseguir o curso lógico do ataque; por
causa do ponto culminante da defesa, a defesa não pode persistir numa espera
permanente. Ora, se o ataque não pode prosseguir seu curso lógico, o atacante (do
ponto de vista estratégico) talvez tenha que parar antes de atingir o sucesso estratégico
que lhe permitiria uma paz que aproximasse a consecução de seu objetivo político.
Isso obriga, portanto, à permanente reconsideração do objetivo político original, em
função da possibilidade de ultrapassagem dos pontos culminantes do ataque e da
vitória.
É esse conjunto de desdobramentos estratégicos da realidade tática e estratégica da
superioridade intrínseca da defesa que obriga à reconsideração da conveniência

24 Note-se como a idéia de batalha decisiva é inoportuna, ainda que retoricamente sedutora. A questão é que
qualquer batalha só poderá ser julgada decisiva a posteriori. A grande batalha descreve com vantagem o que
distingue este enfrentamento de outras batalhas, e por que ela tem o potencial – e apenas o potencial – de ser capaz
de decidir a guerra; porque ela representa uma ocasião de decidir o equilíbrio de forças no teatro de operações.
Note-se ainda que isto não decide, necessariamente, a guerra; o resultado deste enfrentamento pode produzir
conseqüências que neutralizem o seu efeito – uma intensificação dos esforços do lado perdedor, criando mais
forças, ou a entrada de um aliado na guerra, por exemplo.
TdG – v 13– joint. Abril de 2004 21
política de permitir ou não que o ataque prossiga o seu curso lógico, ou seja, a busca
da destruição da força oponente com a maior rapidez possível, e se submeta
permanentemente às considerações políticas. Dito de outra forma: a superioridade
intrínseca da defesa é que torna a guerra um fenômeno integralmente político.

5.6. A GUERRA É CONTINUAÇÃO DA POLÍTICA


É a perspectiva de uma pausa na ação – nascida da assimetria entre ataque e defesa –
que permite que a política tenha a possibilidade de intervir no andamento da guerra.
Considere-se que se a guerra fosse sempre resolvida num único enfrentamento não
faria diferença o fim pelo qual se travasse a guerra. Toda e qualquer guerra teria,
necessariamente, de ser travada com o engajamento máximo de todas as forças
disponíveis e disponibilizáveis de cada um dos lados, buscando um único resultado: a
prostração completa do oponente, a meta bélica (Ziel). Qualquer tentativa de
proporcionalidade entre o fim pretendido e a força destacada para buscá-lo; qualquer
consideração que reduzisse a mobilização, o empenho ou a energia da ação armada se
arriscaria a produzir o desarme diante de um oponente que empenhasse a totalidade
de seus recursos e forças com o máximo de intensidade. Mas esta guerra, a guerra
absoluta, em que o objetivo político é deslocado para fora da guerra pela usurpação da
meta bélica, que seria o resultado puramente lógico do conceito de guerra, nunca
ocorre, porque sendo a defesa a forma mais forte de guerra, o defensor impõe a que a
guerra não seja instantânea quando busca se aproveitar dos recursos da defesa. [I-1:
75-81]
A guerra não é um passatempo; não há desfrute chamativo na audácia e na vitória,
nem lugar para entusiastas irresponsáveis. É um meio sério para um fim sério, e
todas a sua semelhança a um jogo de azar, todas as vicissitudes da paixão, da
coragem, da imaginação e do entusiasmo que inclui são apenas suas características
especiais.
Quando comunidades inteiras vão à guerra – povos inteiros, especialmente povos
civilizados – a razão se encontra sempre na situação política, e a ocasião sempre
decorre de algum objetivo político. A guerra, portanto, é assunto político. Se fosse
uma manifestação plena, ilimitada, absoluta de violência (...), a guerra por sua
própria vontade independente usurparia o lugar da política no momento em que
tivesse lugar; expulsaria a política do poder e se governaria pelas leis de sua
própria natureza, assim como uma carga explosiva que só pode detonar na
maneira precisa pré-determinada pela sua configuração. (...) De fato a guerra (...)
não é assim. Sua violência não é do tipo que explode instantaneamente, mas sim a
que resulta do efeito de forças que nem sempre de desenvolvem da mesma
maneira ou no mesmo grau. Por vezes irá se expandir o suficiente para superar a
resistência da inércia ou da fricção; por vezes será débil demais para produzir
qualquer efeito. A guerra é um pulso de violência, variável em intensidade e
portanto variável na velocidade com que explode e libera a sua energia. A guerra se
move em direção a seu próprio objetivo com velocidades variáveis; mas sempre
dura o suficiente para que se possa influenciar o seu rumo de uma ou de outra
maneira – dura o suficiente, em outras palavras, para que possa permanecer sendo
o objeto da ação de uma inteligência superior. Se mantivermos em mente que a
guerra nasce de um determinado propósito político, é natural que a causa
principial de sua existência siga sendo a consideração suprema da sua conduta.
Isto, no entanto, não significa que o propósito político seja um tirano. Ele tem que
se adaptar ao meio que escolheu, um processo que pode modificá-lo radicalmente;
e ainda assim o propósito político permanece sendo a consideração primeira. A
política, então, permeará todas as operações militares, e, tanto quanto sua

TdG – v 13– joint. Abril de 2004 22


natureza violenta o permitir, terá uma influência constante sobre elas. [I-1: 87,
ênfases no original]
É porque a defesa é mais forte que o ataque que a guerra não é instantânea, e é isto
que determina que
(...) a guerra não é meramente um ato político mas um verdadeiro instrumento
político, a continuação do relacionamento político, levado adiante por outros
meios [isto é, pelo acréscimo destes meios – os meios de força, que não substituem
os demais – DPJ/ED]. O que segue sendo peculiar à guerra é simplesmente a
natureza peculiar de seus meios. A guerra em geral, e o comandante em qualquer
instância específica, tem o direito de solicitar que a tendência e os projetos da
política não sejam inconsistentes com estes meios. Esta não é uma demanda
trivial; mas por mais que possa afetar os objetivos políticos num determinado
caso, nunca irá mais longe do que apenas modificá-los. O objetivo político é o fim,
a guerra é o meio de se obtê-lo, e o meio nunca pode ser considerado de forma
isolada de seu fim. [I-1: 87 ]
É a natureza do próprio fenômeno bélico – que contém a superioridade da defesa
sobre o ataque, que permite a pausa na ação – que se encontra a preeminência
intrínseca da política no fenômeno bélico. O alcance deste resultado é de tal monta, de
tal conseqüência, que ele é tratado como se fosse um axioma, ou ainda como expressão
de um tipo de voluntarismo político. Não; a subordinação da guerra à política é parte
integral da própria guerra, pelos motivos explicados pela Teoria da Guerra.
As guerras, portanto, nunca se emancipam da política. São apenas uma forma de
política armada, literalmente, a continuação do relacionamento político pelo
acréscimo dos meios de força, pelo acréscimo do argumento da força. [I-1: 87]

5.7. OS DOIS TIPOS DE GUERRA QUE EXISTEM DE FATO:


LIMITADAS E ILIMITADAS
Essa subordinação intrínseca é que permite identificar os dois tipos de guerra que
concretamente existem — a que já se aludiu anteriormente —, e cuja distinção é
política: as guerras limitadas, em que o que se quer do oponente é algo que ele irá
ceder quando o custo de se opor à nossa vontade ultrapassar um determinado
montante de sacrifício; e as guerras ilimitadas, quando o que queremos só nos será
dado quando tivermos o oponente prostrado diante de nós, quando o tivermos
desarmado e reduzido à impotência.
As guerras não são limitadas ou ilimitadas em função do quanto se dispendem de força
ou recursos. A questão é política, do quanto o que se quer é valorizado por cada um
dos lados: é isso que determina se uma guerra será limitada ou ilimitada25. É por este
e por nenhum outro fator que se pode explicar a resistência que se espera encontrar, e
portanto da intensidade do esforço que se terá que dispender para sobrepujá-la. É isto
que determina o que se pode querer obter no entendimento da história do bélico, e na
fundação de sua teoria:

25 Clausewitz não usa o termo “ilimitada”; considera os tipos de guerra como sendo aqueles em que se busca
a prostração do oponente e as em que não, chamando a estas últimas de “guerras limitadas”. No entanto, o uso de
Corbett (1986) do termo guerra ilimitada expressa precisamente o que se quer dizer, permitindo distingüir com
clareza as guerras ilimitadas, onde se busca a prostração do oponente, da abstração da guerra absoluta, que nunca
tem lugar na realidade. [VIII-2 a VIII-9: 579-640, com cautela para o que se coloca em I-1].
TdG – v 13– joint. Abril de 2004 23
Em primeiro lugar, fica claro que a guerra nunca deve ser pensada como algo
autônomo, mas sempre como um instrumento político; de outra forma toda a
história do bélico irá nos contradizer. Só esta abordagem permite penetrar no
fenômeno inteligentemente. Em segundo lugar, esta forma de ver a guerra nos
mostrará como a as guerras tem que variar em função da natureza de seus motivos
e das situações que lhes dão origem.
A decisão primeira, suprema, o ato de juízo de maior alcance que o estadista e o
comandante têm diante de si é a determinação por este teste do tipo de guerra em
que está entrando; sem equivocar-se, ou querer fazê-la algo distinto de sua
natureza. Esta é a primeira das questões estratégicas, e a mais abrangente. [I-1:
88-89, ênfases no original]
Diante da guerra e durante a guerra, sopesa-se o que se pode obter, ou o que se arrisca
a perder. Isto leva em conta todas as considerações que se pode associar à política;
todas as considerações que se pode associar à tática; e, portanto, todas expectativas do
que se pode obter no combate, isto é, como resultado dos enfrentamentos e a forma
como este resultado contribui para que obtenha os objetivos políticos pelos quais se
luta, ou dito de outra forma, todas as considerações que se pode associar à estratégia.
A idéia de estratégia inclui integralmente a articulação de política e tática.
É um equívoco grave e pernicioso, que vai além do erro sobre o qual se alertou
anteriormente com relação à questão modal dos transportes, querer reduzi-la a uma
versão adjetivada, a uma “estratégia militar”, como se a guerra não fosse política
armada, ou como se a dimensão estratégica pudesse ser reduzida à dimensão tática,
considerando apenas as necessidades combatentes do uso da força no enfrentamento;
ou mesmo ambicionando monopolizar uma dimensão do fenômeno como sinecura
corporativa de uma determinada organização. Ao contrário: é precisamente porque a
estratégia usa os enfrentamentos para os propósitos da guerra que a consideração
estratégica inclui integralmente tanto os objetivos e as alternativas políticas que não
incluem o recurso à força quanto as expectativas e possibilidades táticas do combate.
É pela consideração de umas e outras que se pode falar de propósito de guerra
(Zweck) como distinto do objetivo político.
Por vezes o objetivo político e o propósito da guerra coincidem – por exemplo, na
conquista de uma província. Noutros casos o objetivo político em si mesmo não
produz um propósito de guerra imediato. Nesta situação, um outro propósito de
guerra será definido que sirva ao objetivo político e o simbolize nas negociações de
paz. (...) Há momentos em que para que se possa conseguir o objetivo político será
necessário encontrar um propósito de guerra bem mais importante do que o
objetivo político original. Quanto menos envolvidas forem as populações, e menos
sérias as tensões dentro e entre os Estados, mais os requisitos propriamente
políticos predominarão, e tenderão a ser decisivos. Há situações portanto em que o
objetivo político será praticamente o único fator determinante.
De maneira geral, o propósito da guerra corresponde ao objetivo político e irá se
reduzir em proporção a este; e isto será ainda mais pronunciado se o objetivo
político se tornar predominante. Daí se desdobra sem qualquer inconsistência que
as guerras podem ter todo grau de importância e intensidade, desde guerras de
extermínio até a simples observação armada. [I-1: 81, ênfases no original]
O que o propósito da guerra permite distinguir, portanto, é o que se pode obter
diretamente pelo uso dos meios de força, o que não necessariamente coincide
diretamente com o objetivo político da guerra. A história tem vários exemplos de como
uma ação militar – a conquista de uma província, ou até a ameaça concreta da
conquista de uma província; um bloqueio marítimo de comércio; o deslocamento de
TdG – v 13– joint. Abril de 2004 24
forças para uma fronteira – se torna peça de barganha para uma concessão política
noutra parte. Assim, se pode observar como a conquista e a devolução da Província do
Cabo (hoje, África do Sul) foi uma peça constante nos termos de paz entre Inglaterra e
Holanda no século XVII; ou como o bloqueio do comércio, o respaldo a um embargo
ou sua ameaça, é uma peça diplomática constante nas relações internacionais,
propósito de guerra para um objetivo político tão distante do ato em si quanto a
autorização para a entrada de uma vintena de inspetores num território.
Isto permite ainda considerar como mudanças pontuais nos propósitos de guerra de
guerra têm lugar durante o seu desenrolar, escolhendo-se tomar ou ceder esta
província e não aquela; aceitando este resultado mas resistindo a outro, em função de
fatos políticos ou táticos. É precisamente o que se espera que ocorra, diante da
pervasividade do dilema da segurança para todos os grupos, os imperativos da balança
do poder, a preeminência dos propósitos políticos e a centralidade do combate na
guerra.
A dinâmica da guerra pode levar a que se ganhem ou percam aliados, e que o oponente
sofra o mesmo processo em função dos interesses dos demais à luz das conseqüência
da vitória ou derrota de um dos beligerantes que resultam do desfecho, e do efeito, dos
enfrentamentos. Pode-se mesmo mudar de um tipo de guerra para o outro, de uma
guerra limitada para outra ilimitada no mesmo fluxo histórico, quando se alteram os
objetivos políticos que se buscam na guerra e/ ou se muda a percepção de o quanto o
objetivo é valorizado por cada um dos lados. A questão é compreender o que isto
significa em termos políticos: uma comunidade que se vê diante de uma guerra
ilimitada, que ameaça ou ambiciona algo que lhe é visceral, empenha-se muito mais
do que quando de uma guerra limitada, cujo objeto, ao fim e ao cabo, pode se revelar
mais caro do que se dispõe a pagar.
As diversas formas de relacionamento político não cessam porque a guerra começou; a
guerra é apenas uma forma adicional neste relacionamento. Assim, em qualquer
momento, pode-se chegar a uma solução política. Um dos lados pode comunicar que a
sua vontade foi dobrada, ou oferecer termos tais que o outro concorde em cessar as
hostilidades. É por isso que se pode afirmar que a guerra pressupõe, e sustenta, o
recurso de todos os outros tipos de ação não-combatente que possam vir a obter o
resultado para um dos lados.

5.8. A TRINDADE ESQUISITA E OS CENTROS DE


GRAVIDADE
Este panorama da forma como atacante e defensor buscam impor suas vontades um
sobre o outro, utilizando-se de ofensiva e defensiva, ataque e defesa contra o pano de
fundo político da balança de poder, à luz do acesso a recursos e da opinião popular,
com forças dominadas pelas forças morais no ambiente de incerteza e fricção da
guerra, na violência e sanguinolência do combate e dos enfrentamentos pelo uso de
seus efeitos revela, ainda, porque Clausewitz descreve a guerra como sendo uma
“trindade esquisita”26, na passagem que encerra o capítulo I-1 e expressa a conclusão
de seu raciocínio mais acabado:

26 Parece suficiente reproduzir uma nota de Diniz (2002), com relação a esta escolha de tradução: “O termo
em alemão é wunderliche. A tradução de Howard e Paret como “paradoxical” é injustificada. Outros autores têm
simplesmente modificado a tradução, mesmo quando citam a edição Howard e Paret. Villacres & Bassford (1995),
TdG – v 13– joint. Abril de 2004 25
A guerra é um verdadeiro camaleão, que adapta suas características ligeiramente a
cada caso particular. Enquanto fenômeno integral, suas tendências dominantes
sempre fazem da guerra uma trindade esquisita – composta de violência
primordial, ódio e inimizade, que podem ser tratadas como uma força natural,
cega; do jogo do acaso e de probabilidades, onde o espírito criativo pode enveredar
livremente; e de seu elemento de subordinação, de instrumento político, que a faz
subordinada apenas à razão.
O primeiro destes três aspectos diz respeito principalmente ao povo; o segundo ao
comandante e à sua força; o terceiro ao governo. As paixões que devem ser
inflamadas na guerra já devem estar presentes no povo; o alcance que a coragem e
o talento terão no campo das probabilidades e do acaso depende do caráter
particular do comandante e do de sua força; mas os objetivos políticos são
província exclusiva do governo.
Estas três tendências são como três diferentes fontes do direito, cada uma
profundamente enraizada em seu próprio tema, e ainda assim sensíveis em seu
relacionamento recíproco. Uma teoria que ignorasse qualquer uma delas, ou que
ambicionasse fixar arbitrariamente o seu relacionamento entraria em tal conflito
com a realidade que apenas por este motivo seria totalmente inútil.
Nossa tarefa é portanto desenvolver uma teoria que dê conta [da influência] destas
três tendências, com um pêndulo em movimento entre três magnetos. [I-1: 89]27
É o entendimento da guerra como uma trindade esquisita que permite compreender
que o propósito da guerra necessário para o objetivo político a que corresponde o
sucesso na guerra pode não estar contido na destruição das forças do oponente.
Existem Centros de Gravidade, pontos ótimos de aplicação da força, que
correspondem aos núcleos de poder e movimento, coesão e direção de que tudo
depende. É o entendimento da trindade que permite compreender que, ainda que a
destruição das forças do oponente sejam usualmente um início promissor, e sempre
tenham influência no desenrolar da campanha, seja possível identificar Centros de
Gravidade de seu esforço de guerra em outros pontos.
Que “o combate é um embate de forças morais e físicas por meios destas últimas” [II-
1: 127] não deve ser confundido com um aforisma: é uma descrição do que seja a
natureza do combate na guerra. Assim, compreende-se como a força do oponente
tende a ser o centro de gravidade da guerra: não apenas em si mesma, mas ainda como
materialidade da capacidade de resistência, cuja existência influencia a própria
vontade de resistir do oponente.
Mas há circunstâncias em que o centro de gravidade do oponente se encontra em
outro lugar. Em países cuja capital é não apenas seu centro administrativo, mas
também seu principal centro de atividade econômica e política, ou cuja população
esteja politicamente dividida, exatamente essa capital pode ser seu centro de

por exemplo, utilizam o termo “remarkable”, que faria mais sentido. Em português, “esquisita” capta a estranheza
que Clausewitz quis salientar.” Diniz (2002): 77, nota a.
27 Bassford, Christopher (on-line): “Teaching the Clausewitzian Trinity” (Clausewtiz Homepage:
http://www.clausewitz.com argumenta que esta imagem inclui uma componente dinâmica que não deve ser
subestimada. De fato, o pêndulo magnético de três pólos tende a ser pouco conhecido, porque já não faz parte da
educação fundamental. A questão é que o movimento do pêndulo é o que denominaríamos hoje como caótico, isto
é, a partir de pequenas variações na condição inicial – altura, força dos magnetos, velocidade etc. – o resultado
varia de maneira significativa, descrevendo movimentos que ora se aproximam, ora se distanciam dos pólos. É
preciso que não se pense que a imagem aqui é apenas a do equilíbrio equidistante. Veja-se um pequeno clip deste
tipo de movimento em http://www.clausewitz.com/CWZHOME/Trinity/romp2.htm.
TdG – v 13– joint. Abril de 2004 26
gravidade: ocupá-la pode produzir o colapso do oponente. Se um país é fraco e
depende de um aliado mais poderoso, o centro de gravidade do oponente não são as
suas próprias forças, mas sim as daquele aliado. Em levantes populares ou na
guerrilha, o centro de gravidade tende a residir na opinião pública e nos líderes.
A questão é assestar o golpe sobre o alvo que mais afete a coesão e a vontade de nosso
oponente, que atinja suas forças morais, tanto quanto físicas; o que melhor sirva para
que dobremos sua vontade à nossa. Assim, o Centro de Gravidade pode estar na força
principal do oponente, ou na força de um aliado mais poderoso, ou na Capital, ou,
como no caso de movimentos guerrilheiros, em sua liderança. A questão é a de
produzir um efeito favorável no equilíbrio de forças de tal ordem que ele não possa ser
revertido. Daí, portanto, em termos gerais, a prioridade para a grande batalha, e para
a exploração implacável de seus resultados. [VI-27: 484-487; VIII-4: 595- 600; VIII-5:
601-602; IV-9: 248-252; IV-10: 253-257; IV-11: 258-262; IV-12: 263-270]

6. DESDOBRAMENTOS
Como já dito, há três perspectivas distintas nas considerações e decisões relativas ao
fenômeno bélico:
política — as considerações e decisões acerca das maneiras pelas quais os resultados
da guerra podem favorecer a obtenção de objetivos políticos;
estratégia — as considerações e decisões relativas a como os resultados dos
enfrentamentos já travados e os por travar podem favorecer a obtenção dos
propósitos da guerra;
tática — as considerações e decisões relativas a como as forças combatentes foram
ou serão empregadas para alcançar os propósitos de cada enfrentamento.
Essas perspectivas surgem diretamente de elementos intrínsecos à idéia de guerra, a
saber: a especificidade do tipo de interação política que é a guerra, caracterizada pelo
recurso à força para dobrar a vontade de outrem; o fato de que ataque e defesa são
formas diferentes de combater; o fato de que à defesa não é possível utilizar
simultaneamente todos os seus recursos de força, e que portanto esse emprego de
força pelo defensor é seqüenciado; e o fato de que a defesa é a forma intrinsecamente
mais forte da guerra.

6.1. O ATACANTE E O DEFENSOR


Como já visto, o lado que se beneficia da manutenção do status quo tem a vantagem da
espera, da passagem do tempo: basta que a situação não se altere para que seu
objetivo seja atendido. A esse lado, portanto, estão franqueadas as vantagens da
defesa. A iniciativa da ação — atacar — cabe, portanto, ao lado a quem interessa alterar
o status quo, o que lhe obrigará a dispor de forças suficientes para sobrepujar as
vantagens da defesa.
Para muitos, porém, os seguintes pontos escapam:
a disjuntiva entre querer ou não manter o status quo se aplica a cada uma das
dimensões, aos três pontos de vista intrínsecos à guerra: tática, estratégia e política;
porém, nada há que impeça que o lado que esteja na defensiva em um ou dois deles
esteja na ofensiva nos outros, e vice-versa.

TdG – v 13– joint. Abril de 2004 27


Por exemplo, um lado que, do ponto de vista político, esteja interessado na
preservação do status quo — o defensor do ponto de vista político — pode
perfeitamente considerar que, com a passagem do tempo, o lado que, do ponto de vista
político, esteja interessado em alterá-lo — o atacante do ponto de vista político — se
fortalecerá a ponto de poder sobrepujar as vantagens da defesa. A partir daí, é
perfeitamente racional que esse lado politicamente defensivo tome a iniciativa de
iniciar uma guerra — isso é, o lado politicamente defensivo torne-se, do ponto de vista
estratégico, o atacante — de modo a inviabilizar ou, pelo menos, retardar o
fortalecimento do lado que, politicamente, está na ofensiva. Naturalmente, nada nesse
processo exige ou impede que ele tome ou aguarde a iniciativa em qualquer
enfrentamento concreto particular — isto é, ele pode perfeitamente ser tanto o
atacante quanto o defensor quanto alternar entre as duas posições do ponto de vista
tático.
Imagine-se a seguinte situação. Um determinado país A considera que, pelo menos
por enquanto, a preservação do status quo político lhe é suficiente. Porém, identifica
em um vizinho B a vontade de alterá-lo, inclusive pela força, embora tanto A quanto B
saibam que esse último não dispõe de força suficiente para sobrepujar A no presente.
Suponhamos ainda que essa avaliação corresponda efetivamente à realidade. Eis que,
então, A recebe a informação de que B está desenvolvendo um programa de
armamentos nucleares, que lhe daria uma enorme vantagem sobre A. Essa informação
é corroborada por A, que identifica ainda um conjunto de instalações cruciais para o
desenvolvimento do programa de armamento nuclear de B.
O dilema de A é: se B vier a completar o programa, o status quo político — e até
mesmo a pura e simples existência de A — está inteiramente ameaçado. Caso A espere
que B complete seu programa e tome a iniciativa de atacar para que só então A se
defenda, não só as mortes e perdas de A — e, eventualmente, também de B28 — serão
muito maiores, como as chances de A vir a ser bem-sucedido se tornariam muito
menores.
A, então, toma a iniciativa — isto é, ataca — e destrói um conjunto de instalações
cruciais sem as quais o programa de B é inviável. A não ataca nenhuma outra
instalação, nenhuma unidade das forças armadas de B, nem atinge nenhum civil, a
não ser o necessário para destruir as instalações, não ocupa uma fração sequer do
território de B. Sendo assim, a manutenção do status quo político terá sido garantida
pela iniciativa das hostilidades: o defensor político se viu na condição de ser o atacante
do ponto de vista estratégico, para preservar o status quo político. Dito de outra
forma: a condição de preservação do status quo político foi a iniciativa da guerra. Ou
seja, o atacante estratégico era o defensor político.
Note-se que, no caso particular do exemplo fictício descrito acima, ao considerarmos a
iniciativa do país A, vemos que, de antemão, considerando as duas hipóteses — guerra
depois que B obtivesse armamento nuclear e guerra antes que B tivesse armamento
nuclear —, a opção menos destrutiva foi a adotada por A. Chamamos aqui a atenção
para isso, porque essa é uma das coisas mais difíceis de compreender para quem não
tem familiaridade com a discussão da guerra: por mais que isso seja difícil de aceitar,
há guerras que poupam vidas e evitam destruição. Normalmente, as pessoas
consideram que a opção é sempre entre guerrear ou não guerrear. Isso, porém, não é
necessariamente verdade: muitas vezes a opção é entre uma guerra mais destrutiva e

28 Principalmente, mas não exclusivamente, se A dispuser de armamentos nucleares.


TdG – v 13– joint. Abril de 2004 28
uma menos destrutiva — às vezes apenas para um dos lados, mas freqüentemente
para ambos.
Essa consideração nos leva diretamente ao exame de um outro problema. Atualmente,
o Direito Internacional só reconhece como legítima defesa a resposta a um ato
concreto de agressão conduzida por outrem. Ao considerarem apenas os atos
concretos de agressão — isto é, a iniciativa estratégica alheia —, as normas vigentes do
Direito Internacional ignoram o fenômeno exposto acima.
A passagem do tempo pode vir a beneficiar o lado que tem mais interesse na alteração
do status quo pela força, e eventualmente vir a gerar uma situação não de ausência de
guerra, mas sim de uma guerra com mais mortes e destruição do que o que ocorreria
caso a guerra fosse travada antes, pela iniciativa do lado que então tinha nítida
vantagem. Desse ponto de vista, o Direito Internacional se encontra na situação de, em
muitos casos, não só não evitar uma guerra, como também de aumentar a quantidade
de morte e destruição dela decorrente. O mais perverso nisso tudo é que, quando isso
ocorre, pode ter ocorrido exatamente porque um dos lados seguiu o Direito
Internacional: a obediência a algumas das normas vigentes do Direito Internacional
pode ter sido a causa direta do aumento de mortes e destruição decorrentes de uma
guerra travada em piores condições.
Isso não significa desmerecer o Direito Internacional em si mesmo, ou afirmar que ele
é inútil. Ao contrário, trata-se apenas de constatar que existe um enorme descompasso
entre alguns de seus dispositivos concretos, tal como vigentes hoje, e as realidades
estratégicas fundamentais. Note-se que esse descompasso foi significativamente
intensificado a partir da existência das armas de destruição em massa —mas em si
mesmo não é um fenômeno novo.
Identificar esse fato é importante para que se possam discutir maneiras de superar
esse descompasso. Do contrário, cada vez mais nos depararemos com uma de duas
situações: ou o Direito Internacional será sistematicamente violado — o que tende a
induzir violações de outros dispositivos; ou sua observância poderá, em muitos casos,
produzir resultados mais indesejáveis que os que proviriam de eventuais violações.

6.2. TEMPO, ESPAÇO E A DIMENSÃO ESTRATÉGICA DOS


PAÍSES
Como já visto, os fenômenos estratégicos dos pontos culminantes do ataque e da
vitória decorrem dos diversos fatores que tendem a enfraquecer o atacante (do ponto
de vista estratégico) à medida que este progride. Essa dinâmica se desenvolve no
tempo. Entretanto, esse tempo é obtido pelo defensor à custa de espaço: quanto mais
se estender a linha de suprimentos do atacante; quanto mais difícil for a chegada de
reforços e suprimentos para o atacante; quanto mais forças o atacante tiver que
destacar para proteger esses fluxos; quanto mais o atacante vai adentrando em terreno
hostil; quanto mais intensa vai se tornando a resistência ao atacante; quanto mais o
avanço do atacante preocupar a outros atores relevantes; mais o atacante vai se
enfraquecendo. Eventualmente, o atacante pode atingir o ponto culminante do ataque,
ou, de seu ponto de vista, pior ainda, pode vir a ultrapassar o ponto culminante da
vitória.

Isso tem uma conseqüência imediata: em geral, quanto maior o território do defensor
(do ponto de vista estratégico), maiores as vantagens que a defesa (estratégica) lhe
TdG – v 13– joint. Abril de 2004 29
agrega. Mais problemático, porém, é o oposto: quanto menor o território do defensor
(do ponto de vista estratégico), menos vantagens a defesa (estratégica) lhe agrega.
Isso significa que, do ponto de vista estratégico, países muito pequenos podem obter
muito poucas vantagens adicionais da posição (estrategicamente) defensiva.

No limite, países que podem ser varridos numa tarde e que têm alguma capacidade de
iniciativa poderiam, do ponto de vista estratégico, beneficiar-se mais de boas doses de
iniciativa e rapidez — eventualmente, mas não necessariamente, associadas a uma
rápida passagem à posição taticamente defensiva — que de uma posição de espera
(defesa) estratégica29. Note-se que isso independe do tamanho de seu oponente: se
um ator é suficientemente pequeno, uma ação rápida e decisiva de um oponente
(mesmo pequeno) que o pegue desprevenido poderá resultar em sua ocupação.

Em mais uma daquelas situações difíceis de compreender e de aceitar para quem não
tem familiaridade com a discussão da guerra, isso significa que, muitas vezes, um país
que queira apenas sobreviver como unidade política autônoma eventualmente
aparentará ser o mais agressivo e belicoso em toda sua região, em função de sua
constante necessidade de tomar a iniciativa (do ponto de vista estratégico) das
hostilidades. Basta que ele seja muito pequeno e tenha alguma capacidade de
iniciativa (estratégica) para que essa situação se torne altamente provável.

Por outro lado, países grandes que estejam geralmente mais beneficiados que
prejudicados com o status quo político tenderiam a permanecer na defensiva também
do ponto de vista estratégico, a não ser em casos de uma enorme disparidade em
termos de força. Com exceção desses últimos casos, países gigantescos são quase
inconquistáveis numa única guerra30 e, se beneficiados politicamente pelo status quo,
podem obter algumas vantagens políticas decorrentes de sua tranqüilidade
estratégica, isto é, de sua aparente pacificidade.
Com isso em mente, voltemos a considerar o problema da legítima defesa. Como visto,
países muito grandes geralmente tendem a ser beneficiados pela espera da iniciativa
estratégica alheia, pois a dinâmica de espaço e tempo normalmente os favorece. Já
países muito pequenos, mesmo quando são os principais interessados na manutenção
do status quo, podem não ter condições de se defenderem caso esperem um ato
concreto de agressão alheio, pois, no seu caso, a dinâmica de espaço e tempo lhes é
desfavorável. Por paradoxal que possa parecer, a conclusão é bastante clara: as
normas atualmente vigentes do Direito Internacional privilegiam os interesses dos
países grandes em detrimento dos interesses dos países pequenos, mesmo nos casos
em que os países pequenos seriam beneficiados pela não-ocorrência de hostilidades.
Desse ponto de vista, ao menos nesses casos, as normas vigentes do Direito

29 A guerrilha é o extremo tanto lógico quanto material desse fenômeno. Infelizmente, não será possível
explorar o tema aqui. Ver [VI-26] e Lawrence (1992).

30 É perfeitamente concebível que um país C, cujos objetivos são inviabilizados por um país de grandes
dimensões D, adote a postura de diminuir D progressivamente. Assim, pode travar diversas guerras em diversos
momentos para erodir paulatinamente o território e os recursos de D, tomando ou subtraindo pedaço por pedaço o
que é impossível obter de uma única vez. Isto pode ser uma forma de lidar com o fato de que D é inconquistável
numa única guerra. No entanto, a questão é que D também sabe disso, e portanto, se puder, não aceitará perder
nem mesmo uma vila, um pomar ou uma concessão de comércio para C. Um possível desdobramento é que uma
guerra que C deseja seja limitada por uma determinada província pode ser tomada como uma guerra ilimitada da
parte de D, que vê no risco desta perda mais do que apenas a perda da província.
TdG – v 13– joint. Abril de 2004 30
Internacional não só não defendem os menores, como também podem privilegiar o
lado mais interessado na alteração do status quo pela força. Ao não levar em conta as
realidades estratégicas, o Direito Internacional vigente, em muitos casos, favorece a
opressão e protege o belicoso.
Uma vez mais, o objetivo aqui é apenas constatar as dificuldades, de modo a contribuir
para uma discussão construtiva sobre o Direito Internacional, de modo a permitir que
sua obediência não seja autodestrutiva e produza os resultados que desejamos.

6.3. FORÇA E DEFESA


Se a um dos lados interessa alterar o status quo político pelo recurso à força, em
princípio caberá a ele a iniciativa das hostilidades. Para que ele venha a fazê-lo, ele
terá que se entender como sendo capaz de sobrepujar as vantagens que a defesa (no
caso, dos pontos de vista político e estratégico) agregará ao outro lado; ou seja, o
atacante (nesse caso, dos pontos de vista político e estratégico) terá que ser
significamente mais forte que o lado política e estrategicamente defensivo. Com isso,
chegamos a mais um dos pontos paradoxais e contra-intuitivos, tão comuns na
discussão do fenômeno bélico, excelentemente traduzido no adágio latino se vis
pacem para bellum: se queres a paz, prepara a guerra.
Se um dos lados é beneficiado pela manutenção do status quo dos pontos de vista
político e estratégico, ele é em princípio o mais beneficiado pela não-ocorrência da
guerra. Nesse caso, o que é que tornaria a guerra mais provável, e não menos
provável? A percepção, por parte do lado a quem interessa alterar o status quo político
através do recurso à força, de que ele tem condições de sobrepujar a força defensiva do
outro lado. Cabe, portanto, ao lado que, nessas condições, se beneficia da paz — o lado
política e estrategicamente defensivo — impedir que o outro lado se sinta em
condições de sobrepujá-lo.
Embora blefes, desinformação e alianças possam ser muito úteis, existe em princípio
um caminho praticamente infalível: ser efetivamente mais forte que o lado que
pretenderia alterar o status quo pela força. Isso implica que o lado política e
estrategicamente defensivo maximiza as chances de paz se for mais bem treinado,
mais bem equipado, mais motivado e mais bem abastecido e cuidado que o lado que
pretenderia alterar o status quo político pela força. Dito de outro modo: o lado que
mais investe tempo e recursos humanos e financeiros na preparação da guerra, que
se ocupa de possuir mais força, pode ser não o lado belicoso, mas sim o lado que
mais se beneficia da paz.
Esta é, nitidamente, uma proposição profundamente contra-intuitiva. Não
poderíamos explicá-la melhor que o próprio Clausewitz, através da citação abaixo:
A guerra serve mais ao propósito da defesa do que da agressão. É a agressão que
impõe a defesa, que traz consigo a guerra. O agressor é sempre um amante da paz
(...); ele preferiria tomar nosso país sem oposição. Para impedir que isto aconteça,
deve-se estar disposto a fazer a guerra e preparado para tanto. Em outras palavras
são os fracos, os que provavelmente precisarão de defesa, que devem estar sempre
armados para não serem sobrepujados. [VI-5: 370]
Isso deveria nos deixar alertas quanto a uma tendência de pensamento muito comum:
a idéia de que o desarmamento conduziria necessariamente à paz. Essa idéia não é
verdadeira. Muitas vezes, um processo de desarmamento pode vir apenas a reduzir a
vantagem do lado que eventualmente esteja na defensiva do ponto de vista político e
estratégico — o que, na verdade, estimularia a ação por parte do lado que pretenderia
TdG – v 13– joint. Abril de 2004 31
alterar o status quo político pela força. Por outro lado, durante a maior parte da
história humana, os povos lutaram com armamentos razoavelmente rudimentares —
alguns povos lutam assim também nos dias de hoje —, e nada impede que se lute com
paus, pedras, ossos, ou, no limite, pernas e braços, dentes e unhas.

6.4. TECNOLOGIA E ARMAMENTOS


E com isso chegamos a um dos mitos que mais obscurece a discussão do fenômeno
bélico: o fascínio com algo a que se refere como “a tecnologia”. As pessoas, inclusive
profissionais da área, tendem a ficar seduzidos com grandes inovações técnicas,
equipamentos modernérrimos, soluções engenhosíssimas, muitas vezes esquecendo
de considerar a primeira questão realmente relevante em qualquer armamento: sendo
um armamento parte de uma força, qual o impacto de uma determinada inovação no
momento do enfrentamento? Em outras palavras, qual o valor tático da inovação?
Não é incomum uma inovação tecnológica significar uma diminuição da vantagem
tática do equipamento. Um exemplo particularmente interessante é o das asas de
geometria variável. Numa aeronave mais lenta, o ideal é uma abertura maior da asa,
de modo a aumentar a sua sustentação; numa mais rápida, essa abertura pode ser
menor, o que a torna capaz de manobras em espaços menores e diminui a exposição
da aeronave. Durante um enfrentamento aéreo, os caças — aeronaves desenhadas para
combater outras aeronaves — variam muito sua velocidade. Foi instalado em alguns
tipos de caças um mecanismo sofisticado, controlado por computador, que permite
variar a abertura da asa, conforme variem as necessidades de sustentação, velocidade
e manobrabilidade. Porém, o efeito tático dessa inovação, conforme se observou
posteriormente, é que o piloto oponente se torna capaz de antecipar muito mais
facilmente o que o piloto de um caça com asa de abertura variável tem a intenção de
fazer em função da abertura da asa, o que gera uma evidente desvantagem tática
para o piloto do caça com asa de abertura variável31.
Esse exemplo da asa de configuração variável chama a atenção para o seguinte ponto:
tecnologia não vai à guerra. Ao analisar um determinado equipamento ou
armamento em termos de sua finalidade bélica, só duas questões são relevantes: seu
efeito tático e seu impacto logístico.
A consideração logística é relevante porque, um determinado armamento, embora de
desempenho tático inferior se comparado, um por um, com um outro, pode ser tão
mais acessível ou implicar exigências ou custos tão menores que o efeito agregado das
maiores quantidades acaba sobrepujando, tanto do ponto de vista tático quanto,
eventualmente, do estratégico, as vantagens individuais de um armamento superior.
Quando acontece de um determinado armamento ser mais eficaz do ponto de vista
tático e mais eficiente do ponto de vista logístico do que os similares, aí então é
provável que a completa substituição dos últimos pelo primeiro seja apenas questão de
tempo, recursos e planejamento.
A reificação de questões tecnológicas, porém, tem uma outra vertente importante.
Existe uma ampla literatura que discute a possibilidade de distinguir entre
armamentos defensivos e armamentos ofensivos e, a partir dessa distinção, procura
identificar uma maior ou menor probabilidade de ocorrência de guerras em função da
variação das vantagens tecnológicas de uns sobre outros. Assim, quando “a tecnologia”

31 Gunston & Spick (1983): 189.


TdG – v 13– joint. Abril de 2004 32
favorecesse os armamentos defensivos, as guerras seriam menos prováveis; quando “a
tecnologia” favorecesse os armamentos ofensivos, as guerras seriam mais prováveis.
Essa vertente é chamada de teoria do balanço ataque-defesa. Não há espaço para uma
discussão sistemática de toda essa literatura aqui32. Temos que nos contentar com
apenas apontar sua inconsistência conceitual fundamental.
Consideremos inicialmente a questão do ponto de vista tático. Os sucessos e
insucessos na guerra são obtidos a partir do encadeamento dos resultados dos
enfrentamentos, e os enfrentamentos são travados pelas forças combatentes de cada
lado. É comum que, no curso de um enfrentamento particular, o desgaste das forças
seja aproximadamente equivalente em cada lado, até que um dos lados, por algum
motivo, resolva desengajar-se. Esse desengajamento é sempre um processo
complicado, exatamente porque se tem o oponente diante de nós, alerta para explorar
qualquer enfraquecimento, e a saída do enfrentamento é exatamente enfraquecer-se
diante do oponente até romper o contato e parar de lutar com ele neste momento.
Implica retirar forças da frente de contato, quando então as forças que estão mais
atrás dificultam a retirada das mais avançadas; além disso, as forças avançadas
percebem que não poderão contar com suporte, e podem vir a desesperar ou serem
sobrepujadas; antecipando o desespero dos combatentes avançados e a possibilidade
de não terem a proteção destes para sua retirada, as forças recuadas podem entrar
num espírito de salve-se-quem-puder — o que comporá o desespero das forças
avançadas e poderá levá-las a simplesmente quebrar diante de um oponente que sente
a vitória e a desorganização da capacidade de resistência do oponente. É a partir do
momento do desengajamento de um dos lados que o lado que prevaleceu consegue
impor a maior quantidade de perdas ao oponente – na perseguição, atacando forças
que não estão mais coesas e bem dispostas, mas que se reduzem a grupos isolados. É
na perseguição que se faz a maior parte das baixas e dos prisioneiros. Se a força que foi
vencida correspondia à maior parte da força de um dos lados, se as perdas forem uma
fração expressiva desta força, então o impacto moral (psicológico) desta derrota pode
chegar a desmoralizar não só os que puderem desengajar como mesmo outras partes
da força que nem estavam presentes. Uma derrota suficientemente expressiva e
marcante – uma derrota numa grande batalha – pode abalar a confiança de toda a
força para além de qualquer possibilidade de recuperação.
Pois bem: se o lado que prevaleceu foi o lado que tomou a iniciativa do enfrentamento
(o atacante do ponto de vista tático), quando o lado taticamente defensivo opta por
desengajar, o atacante apenas prossegue seu curso, e completa a ação. Agora,
suponhamos que o lado que prevaleceu era o lado que começou o enfrentamento na
defensiva (portanto, defensor do ponto de vista tático). Se, quando o lado que tomou a
iniciativa do enfrentamento (isto é, o atacante do ponto de vista tático) resolve
desengajar, e o lado então taticamente defensivo não pode passar à ofensiva, ele terá
desperdiçado sua resistência e a possibilidade de travar novos enfrentamentos em
situação mais vantajosa — afinal, aquelas perdas que o defensor produziria na
perseguição seriam um prejuízo líquido para o atacante. Esta é uma oportunidade de
debilitar o atacante que o defensor não pode deixar de aproveitar. Ou seja: do ponto de
vista tático, uma defesa bem-sucedida exige a passagem ao ataque; já um ataque
bem-sucedido apenas prossegue seu curso.

32 Uma discussão sistemática da teoria do balanço ataque-defesa é feita em Diniz (2002).


TdG – v 13– joint. Abril de 2004 33
Considerando agora o ponto de vista estratégico, lembremo-nos do ponto culminante
da defesa, mencionado anteriormente. Como se viu, do ponto de vista estratégico, a
vantagem da defesa se esgota a partir do momento em que os recursos apropriados
pelo atacante (do ponto de vista estratégico) em sua progressão começam
efetivamente a aumentar as forças desse último. Antes que esse ponto seja
ultrapassado, portanto, o defensor (do ponto de vista estratégico) é obrigado a passar
à ofensiva; do contrário, toda sua resistência terá sido simplesmente desperdiçada e
inútil. Se ele não tem condições de fazê-lo, bem, ele não tem mais chance de sucesso.
Isso implica que, do ponto de vista estratégico, o elemento do ataque está presente
também na defesa; uma defesa que fosse pura resistência e espera não pode
prevalecer. O contrário, porém, não é verdade; do ponto de vista estratégico, um
atacante que reverte à defensiva está apenas sucumbindo a uma situação de fato, de
caráter estratégico, determinada pelos resultados dos enfrentamentos já travados e
pela antecipação dos resultados de enfrentamentos ainda por travar. O ponto central,
portanto, é: do ponto de vista estratégico, a defesa exige a passagem ao ataque, e o
conceito pleno de defesa o inclui; já o ataque não exige a passagem à defesa, e no
máximo resigna-se a isso.
A implicação disso é bastante óbvia: não há vantagem “tecnológica” que sirva para o
ataque que não sirva também para a defesa, uma vez que a defesa plena inclui o
elemento de ataque. A expectativa dos proponentes da teoria do balanço ataque-defesa
é, simplesmente, vã: não é possível distinguir armamentos ofensivos de defensivos;
não é possível, portanto, que uma vantagem tecnológica do ataque se estabeleça; não
há pêndulo entre vantagem tecnológica do ataque e vantagem tecnológica da defesa; a
maior ou menor probabilidade de ocorrência de guerras não pode ser explicada a
partir daí.
A última questão que deve estar sempre presente quando se discute tecnologia e
guerra é o fato que quem luta são as pessoas. O central da guerra, do combate, é que
eles dizem respeito à luta armada dos seres humanos, com toda sua criatividade,
inteligência, teimosia e autosacrifício. Isto significa que, para além da tecnologia, está
o fato de que os combatentes não pretendem se deixar matar todos, ou desistir da luta,
só porque o oponente está melhor equipado. Encontram-se novos usos para o que se
tem. Atua-se mais, ou menos, sistematicamente contra os limites do que o oponente é
capaz de fazer; aceitam-se baixas para poder superar a vantagem do oponente.
Buscam-se formas de neutralizar sua vantagem tecnológica, tanto na linha de frente
quanto nos quartéis-generais – seja apresando o que o oponente tem e passando a
usá-lo, seja frustrando as bases da vantagem que a tecnologia dá, seja buscando as
circunstâncias que a fazem inaplicável, seja subtraindo as oportunidades ou
vulnerabilidades de que ela depende. Qualquer vantagem tática de origem tecnológica
é vulnerável a contramedidas. Ao final, a única vantagem tática que é constante é a
que reside nas pessoas: a coesão e competência dos comandantes e combatentes, a
experiência de combate. É isso que distingue, de fato, forças profissionais das demais:
a competência no uso do que dispõem, a flexibilidade de maximizar suas vantagens e
dar conta das vantagens do oponente, a coesão para seguir adiante mesmo quando
diante da desvantagem e da derrota.

7. CONCLUSÃO — PODE-SE FALAR DE A PAZ?


Uma das conseqüências mais desagradáveis da consideração dos fenômenos táticos,
estratégicos e políticos e da interação entre ataque e defesa nessas três dimensões é o
reentendimento da idéia de paz que daí decorre. De fato, qualquer situação concreta
TdG – v 13– joint. Abril de 2004 34
de paz — qualquer situação em que a interação política se dá sem o recurso à força — é
sempre uma paz determinada: uma paz que beneficia mais a um lado que a outro.
A justa consideração dos horrores da guerra tende a tornar essa última proposição
repugnante às pessoas. A percepção da quantidade e intensidade do sofrimento, do
sacrifício, do desperdício e da destruição trazidas pela guerra nos levam a pensar que a
paz seria sempre do interesse de todos. O fato é que cada situação concreta de paz
atende mais aos interesses de uma parte que aos de outra.
As situações concretas de paz decorrem muito mais freqüentemente da consideração,
por pelo menos um dos lados, da impossibilidade de se alterar o status quo pela força
a não ser com sacrifícios inaceitáveis do que da situação extraordinariamente
improvável de os dois lados serem beneficiados de maneira rigorosamente igual e
totalmente satisfatória pelo status quo. Cada determinada paz mascara um fato
simples: um dos lados está prevalecendo sobre o outro — e, dependendo dos valores
ou interesses ou objetivos de cada um, não necessariamente o lado que está
prevalecendo é o lado que gostaríamos que prevalecesse.
Pode-se aceitar essa prevalência como um fato da vida; é possível resignar-se com essa
realidade. Ou pode-se tentar alterá-la. Se se decide tentar alterá-la, é possível que a
força possa a vir a ser algo a que se tenha que recorrer, e que uma guerra tenha lugar.
O custo de ela não ocorrer pode ser a perpetuação de um status quo percebido como
prejudicial, injusto ou opressivo. O preço da paz perpétua pode ser a submissão
permanente.
Isso não deve, de forma alguma, ser entendido como uma apologia da guerra enquanto
tal. Trata-se apenas de nos obrigar a responder às seguintes questões:
Há coisas pelas quais vale a pena lutar?
Se há, quais são e em que condições?
Da resposta a essas perguntas existenciais fundamentais decorre, ou deveria decorrer,
a nossa atitude geral perante a guerra e os nossos julgamentos e avaliações de cada
situação particular em que o recurso à força tenha sido ou venha a ser contemplado ou
efetivamente adotado.
De qualquer modo, o que alguém que queira se posicionar eticamente a respeito do
assunto tem que reconhecer, em primeiro lugar, é: a primeira pergunta — há coisas
pelas quais vale a pena lutar? — não admite meio-termo ou saída:
1. Suponhamos que a resposta tenha sido: “Sim. Há coisas pelas quais vale a pena
lutar, e elas são (x), (y) e (z).”. Isso significará, portanto, admitir que, em prol de
qualquer combinação de (x), (y) e (z), nós admitiremos a luta — no caso, a guerra.
Isso significará aceitar as seguintes conseqüências:
a. as pessoas que lutarão em nosso favor poderão morrer. Pode ser que sejamos
nós, e estamos dispostos a aceitá-lo. Pode ser que se trate de pessoas que não
conhecemos, e também estamos dispostos a aceitá-lo. Mas pode ser que sejam
pessoas que nós amamos, e isso às vezes é muito difícil de aceitar; e ainda
assim, aceitamos essa possibilidade;
b. mesmo pessoas que não lutarem em nosso favor poderão morrer. Mais uma
vez, pode ser que sejamos nós, pode se tratar de pessoas que não conhecemos,
pode-se tratar de pessoas que amamos, e estamos dispostos a aceitá-lo. Mas
uma consideração adicional se impõe aqui: pode ser que se trate de pessoas que

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não lutaram porque não aceitavam que se devesse lutar — e aqui o peso ético da
decisão é maior: teremos que aceitar essas mortes também;
c. as pessoas que lutarem, porém, poderão ainda matar, e outras que
contribuírem para a guerra com outras atividades — atividades relacionadas,
direta ou indiretamente, à viabilização da força combatente — estarão ainda
contribuindo para isso. Às vezes, pode ser que aceitemos com uma certa
resignação que outros matem em nosso benefício; pode ser mais difícil de
aceitar que nós mesmos poderemos matar; mas pode ser extremamente difícil
ter que lidar com o fato de que pessoas que amamos matarão.
Se admitimos que há coisas pelas quais vale a pena lutar, temos que aceitar todas
essas coisas.
2. Agora suponhamos que a resposta tenha sido: “Não. Não há nada pelo que valha a
pena matar ou morrer”. Quem responde dessa maneira se livra daquelas decisões
dolorosas acima. Por outro lado, deve reconhecer que isso implica:
a. que aceitar um mundo em que os nazistas tivessem ocupado toda a Europa
seria eticamente superior à luta contra o nazismo — para ficarmos só num
exemplo;
b. que a perpetuação daquele estado de coisas seria eticamente superior a tentar
derrubá-lo;
c. que quem se insurge contra a opressão no mínimo age tão mal quanto aqueles
que o oprimem.
Em outras palavras: afirmar que a paz é sempre preferível significa afirmar que o
status quo é sempre mais justo.
O ponto absolutamente inescapável da discussão é: ou se responde sim e aceitam-se
as conseqüências 1a, 1b e 1c – e seu resultado; ou se responde não e aceitam-se as
conseqüências 2a, 2b, 2c – e seu resultado. Diante de situações que não aceitamos por
qualquer razão, freqüentemente nos depararemos com esse dilema — mesmo que não
sejamos nós que o estamos enfrentando, a atitude propriamente ética exige a resposta:
qual seria a nossa posição se tivéssemos que decidir?
A saída da falsa ética dos moralistas é bradar: “Alguém tem que encontrar uma
saída!”, exibindo assim sua indignação e, portanto, sua pretensa superioridade moral
diante dos que tiveram que tomar as decisões difíceis — os “alguéns” referidos no
brado. De novo: não há saída. Ou se admite que vale a pena matar e morrer por
alguma coisa ou se admite que a perpetuação de um estado opressivo de coisas é
aceitável.
Para quem decide que não há nada pelo que valha a pena lutar e aceita suas
conseqüências, sua tarefa está cumprida. A quem admitir a hipótese do recurso à
força, porém, cabe ainda responder quais as coisas pelas quais vale a pena lutar, e em
que condições. Uma infinidade de respostas pode ser dada a essa dupla questão, e
existe uma ampla literatura a respeito 33 . Nossa intenção aqui é apenas expor o
dilema: enfrentá-lo é problema de quem nos lê.

8. REFERÊNCIAS CITADAS
33 Como exemplo, o debate da guerra justa de Walzer (2000).
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