Você está na página 1de 3

Introdução:

A importância e a riqueza dos símbolos e emblemas é desvelada,


progressivamente, através dos processos sensoriais individuais. Podemos dizer
que os sentidos são portas externas, através das quais se gera uma primeira
perceção. O que vemos, ouvimos ou sentimos é posteriormente submetido à
nossa consciência que nos dá, como fruto, o resultado que temos como
autêntico de acordo com o nosso nível de inteligência e intuição.
O processo de expansão da nossa consciência (e por sua vez da imago mundi que
vamos percebendo) dá-se através de um conjunto de processos que, podemos
descrever como sendo de carácter iniciático. A função primária da Iniciação é
elevar a nossa consciência a um nível de supraconsciência através do despertar
de sentidos que, à partida se encontram adormecidos.
Entendamos que a clarividência é, por exemplo um estado de supraconsciência
através do qual o detentor dessa capacidade percebe o que se esconde para lá
do simplesmente constatável ao olho comum, não treinado e desenvolvido.
Quando as escrituras nos referem que “Cristo deu vista aos cegos”, por
exemplo, quer dizer-nos que lhes mostravas as realidades sem véu. Tal como
elas eram. Sem segredos, sem véus, a nu. Estava à vista de todos, mas não a
viam. Eram cegos. Depois diziam-se iluminados.
Cada trabalho que apresentamos em Capítulo, ajuda a revelar um pouco da
nossa luz aos restantes irmãos. Ajuda a vê-los a realidade com uma consciência
alheia, não controlada por eles, ajuda-os a perspetivar outros modos e formas
da realidade que nos rodeia, mas que por motivos externos e internos não
descortinamos plenamente.
Hoje, abordarei um dos muitos temas sobre os quais nunca vi nada escrito.
Talvez porque, como outros tantos, passa despercebido. Refiro-me à:
Sede do Cavaleiro.
Como referi fui motivado a escrever acerca deste tema, devido ao
desconhecimento que dele se tem, pese a sua importância simbólica e riqueza
reflexiva.
Refiro-me à Sede (enquanto local ou locus), sede de cadeira e sede enquanto
expressão de um desejo (por exemplo de água)
A sede do Cavaleiro é a sua cela. Local que aprisiona e simultaneamente lhe
cede domínio sobre tudo o que abaixo dele se situa quando este lhe dá uso
como sede, como sela.
A cela, separa o cavaleiro do mundo e das suas influências externas; a Sela isola
o Cavaleiro da terra e do Cavalo. É o separador ou isolante que permite
facilidade no controlo das operações montadas. O Centro. A cela que sela.
Analogamente, a cela (lt Cella e Gr Naos) é também a locus central de todos os
templos, desde a antiguidade. O local central que se encontra ladeado, por
paredes ou colunas e que separa o espaço externo do altar da divindade. Esta
foi a origem das celas monacais enclausuradas (como são exotericamente
conhecidas) onde se realizava e ainda realiza pelos que o conhecem, o trabalho
interno, intimo ou esotérico. Esse local escuro, entrevado simboliza o estado
primordial do Ser, antes do seu nascimento. A antecâmara preparatória da vida
e da morte; o núcleo onde os Mestres conduzem e regem a vida do Homem. A
cella está em baixo e o cellum em cima.
Não é de estranhar, por isso, que o termo Chellas conhecido nas escolas de
mistérios e demais veículos da tradição se encontre alinhado com a realidade
supra descrita. Um Chella é um discípulo pronto, aceite por um Mestre
autorrealizado, sendo por isso um utensilio da vontade divina expressa
duplamente. Primeiro através do seu retiro reflexivo (na cela) onde recebe a sua
instrução, depois para a acção no mundo (na Sela) como uma Célula (Cell por
exemplo em inglês) provocadora de mudança. Quantos exemplos conheceis de
seres que sendo forçados à permanência numa cela encontraram no seu interior
a capacidade gerar obras de mudança? Onde foram escritos os Lusíadas, Dom
Quixote, ou as epístolas de Paulo, por exemplo?
(Não será acaso fortuito Lisboa ter uma zona geográfica com o nome de Chelas)
A sela chancela o Cavaleiro e é por excelência, em ambos os casos, a sua sede,
conforme a acção que esteja a desempenhar. Defesa ou receção / Ataque ou
acção. Ter sede implica abdicar do resto a favor dela. Implica renúncia.
Já Selastes isto dentro de vós? Façamos o exercício!
Meditai sobre as seguintes questões, para vós.
O que já fiz de útil para a Ordem? Estou a ser útil? O que tive de renunciar para
servir os propósitos da Ordem? Que posso fazer mais? Para que quero fazer
mais? Estou a servir a Ordem ou a servir-me dela para mim mesmo?
Tendes sede, dais de beber ou ensinais onde estão os poços de água para o uso
de cada um segundo o seu grau de consciência?
Tendes real sede?
Recordo a quarta bem-aventurança (cuja conquista cede ao conquistador o
sentimento de plenitude) e o trecho final do mesmo sermão na montanha
deixada nos evangelhos:
“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque serão saciados”.
“Bem-aventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem, e vos perseguiram, e,
mentindo, disserem todo mal contra vós. Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso
galardão nos céus; pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós.” (Mt 5.11,
12.)
É difícil encontrar um texto mais claro que este nas escrituras em total
consistência com outras passagens e exemplos do velho testamento, como
aqueles onde se menciona, por exemplo o confronto de Elias aos monarcas
injustos; aos cínicos religiosos (Is 1.11-17), e políticos incoerentes (Is 10.1, 2).
2000 anos volvidos, a Ordem mantem-se fiel a estes princípio, tendo como um
dos seus pilares a sede de justiça das águas vivas; não cedendo perante os
obstáculos e as injustiças. Renunciando (cedendo) às vontades do mundo.
Recordo que o Cavaleiro está no mundo mas não lhe pertence. O Seu Senhor
não é deste mundo; O seu Mestre é o Rei do mundo que de há-de vir, montado,
ou em cela, segundo a tradição, num cavalo branco. Ele que reconhecerá e
chamará ao seu serviço os que receberam e mantiveram o Seu selo no coração.
Sophia de Mello Breyner disse que “ o poema sela a aliança do homem com as
coisas.”
Recebestes a marca, tendes o selo,
Fazei!

Você também pode gostar