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Giovana Lazaretti1
Resumo: Este artigo tem como objetivo investigar o papel da mulher amazônica no romance
Órfãos do Eldorado, de Milton Hatoum, e sua inserção na sociedade, sob o enfoque nas relações
de gênero. O trabalho será desenvolvido a partir da análise de cinco personagens míticas da
região: Florita, Angelina, Dinaura, Madre Joana Caminal e Estrela, mulheres que marcaram a
trajetória de vida do personagem principal Arminto, e o papel que cada uma exerceu no
desenrolar da trama. Para isso, citar-se-ão alguns autores como Beauvoir (1980), Lemos (2014),
Zinani (2013), os quais ressaltam a importância da figura feminina e as questões de gênero no
meio social, fazendo referência às simbologias e aos mitos que representam no romance.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A obra Órfãos do Eldorado, escrita pelo autor manauense Milton Hatoum, em 2008,
elege como ambientação a própria Amazônia, terra natal do escritor. Ao ler o romance, percebe-
se que há riqueza de detalhes, paisagens naturais, típicas do Amazonas, como os mitos e as
lendas, observados logo nas primeiras páginas, em que a personagem Florita traduzia da língua
indígena para o seu enteado Arminto Cordovil: “Florita traduzia as histórias que eu ouvia
quando brincava com os indiozinhos da Aldeia [...]. Lendas estranhas”. (HATOUM, 2008, p.
12). Mitos contados pelos avós indígenas e Florita, após ouvir essas histórias, repetia-as em
casa “nas noites de solidão da infância”. (HATOUM, 2008, p. 13). Florita contava essas lendas
para Arminto quando era ainda criança, tinha nove ou dez anos de idade e, de certa forma,
algumas delas fazem sentido para o desenrolar da vida da personagem principal como a Cidade
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Mestranda do curso de Pós-Graduação Scrictu Sensu em Letras, Cultura e Regionalidade, pela Universidade de
Caxias do Sul, UCS, e licenciada em Letras, pela mesma universidade.
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Por meio da leitura desta obra, tem-se como objetivo analisar o papel da mulher
amazônica no romance de Hatoum e sua inserção na sociedade, sob o enfoque nas relações de
gênero, a partir das personagens femininas Florita, madrasta, com quem o personagem principal
teve um caso amoroso, Angelina, mãe que conhecera só por fotografia, Dinaura, amor platônico
de Arminto, Madre [Joana] Caminal, a qual cuidava do orfanato onde viviam algumas órfãs,
entre elas, a Dinaura, e Estrela, que aparece no final da trama, atração de Arminto, e as suas
representações, as quais se relacionam direta e/ou indiretamente com Arminto. Esse tema será
abordado no capítulo posterior, a fim de averiguar o mito ligado à mulher, interferindo no
destino do personagem.
Ao mesmo tempo que Arminto ameaçava o próprio pai pelo ciúme em relação à
Florita, também era o espelho de Angelina, o algoz de uma história de amor entre seu pai e sua
mãe, que havia falecido.
Angelina, mãe de Arminto Cordovil, era sempre lembrada com muito carinho, possuía
uma imagem dela e colocava-a na parede da sala de sua pensão. Arminto, por meio dessa
fotografia e das lembranças, invocava uma proteção, como se recorresse à imagem da Virgem
Maria, aquela que protege seus filhos, cheia de misericórdia, durante as caminhadas pelas vias
misteriosas e desconhecidas, ou seja, segundo Beauvoir (1980, p. 225), o “papel misericordioso
e terno é um dos mais importantes que foram atribuídos à mulher”. Angelina é vista aos olhos
do filho como uma pessoa imaculada, pudica, santa. Silva (2011, p. 72) ressalta que Angelina
simboliza
o protótipo da mulher e mãe idealizada e inatingível pelos dois homens, pai e filho
(Amando e Arminto), mesmo não fazendo mais parte da estrutura terrena. Ela
funciona como um significante ausente que, por assim ser, mobiliza e converge para
si o desejo e o destino dos dois homens, pois continua sendo amada por eles mesmo
depois de morta. É justamente por estar fora do alcance de ambos que ela se torna
fortemente idealizada.
Enquanto Arminto idolatrava a mãe Angelina, Florita seduzia-o sempre que podia,
agradava-o com a roupa lavada, trazia comida, porém ele só tinha olhos para uma mulher, além
de sua mãe, Dinaura. A figura do sexo feminino, associada à mitologia, adquire sentido
ambivalente e oposto em determinados momentos: enquanto Dinaura representa a perdição aos
olhos de Florita, a imagem de Angelita adquire um sentido maculado para o filho.
Arminto Cordovil conheceu Dinaura, uma órfã, em Vila Bela, no orfanato da Madre
Joana Caminal. Estiliano soube que seu amigo estava enfeitiçado por essa mulher, porém, desde
que soube, tentou enganá-lo, parecendo uma mulher desconhecida. Somente no final do
romance, Stelios entrega a verdade sobre Dinaura: “Essa é boa, um Cordovil embeiçado por
uma mulher que veio do mato”. (HATOUM, 2008, p. 31).
Sendo assim, Florita desperta um ciúme de Dinaura, mulher de duas idades, como
afirmava o próprio Arminto. Sustentava também que Dinaura era um ser sobrenatural, “uma
mulher encantada”, iria devorá-lo e, após, arrastá-lo para a lendária cidade encantada que existia
no fundo do rio, o Eldorado: “O olhar dela era só feitiço: parecia uma dessas loucas que sonham
em viver no fundo do rio”. (HATOUM, 2008, p. 31). A personagem Dinaura era calada, cunhatã
misteriosa e, no porto de Vila Bela, “alguém espalhou que a órfã era uma cobra sucuri que ia
me devorar e depois me arrastar para o fundo do rio. E que devia quebrar o encanto antes de ser
transformado numa criatura diabólica”. (HATOUM, 2008, p. 34). Nota-se, portanto, mais uma
figura da mulher amante e, com o seu poder de sedução, tornavam-se, Florita e Dinaura, figuras
estigmatizada e cercada pelo mistério. O corpo de Dinaura personifica o belo e o sensual
femininos amazonenses, permitindo aos mitos a metaforização dos sentimentos mais profundos
e inacessíveis dos homens.
Ao longo da narrativa, as expressões “o fundo do rio” e “o fundo das águas” aparecem
algumas vezes, simbolizando o mistério e a riqueza, e o Eldorado, a cidade encantada. Dinaura
faz reviver essa lenda: uma mistura entre o mistério e o enigma do fundo do rio, representando
o mistério da mulher amada, e o encanto, a beleza do Eldorado, a encantada, para Arminto.
Dinaura era calada, não falava com ninguém, e as pessoas, ao redor, não sabiam de
onde ela tinha surgido: “Como Dinaura não falava com ninguém, surgiram rumores de que as
pessoas caladas eram enfeitiçadas por Jurupari, deus do Mal”. (HATOUM, 2008, p. 35).
A personificação da mulher virgem também é destacada na personagem de Dinaura:
“Quando Dinaura andava na cidade, os homens iam atrás. Nenhum falava com a mulher. Por
quê? Medo. Alguma coisa no seu olhar inibia mais que uma voz ou um gesto. Com medo, eram
machos vencidos”. (HATOUM, 2008, p. 37). A mulher, até meados do século XX, era
prometida para um só, aquele escolhido por seus pais. Os critérios eram diversos; os ricos
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sempre se casavam com mulheres de famílias ricas e com posses. Os pais, que não tinham
muitas possibilidades financeiras, observavam certos olhares masculinos e obrigavam as suas
filhas a casarem com eles para garantirem o seu futuro e de sua prole. Em certas culturas, o
homem desejava a mulher virgem, que significava o ser único, dele próprio, que “se guardava
para o homem certo”, e que não foi de nenhum outro macho, a não ser ele, ou seja, o sexo
masculino gostava de ser a posse da mulher, assim como reafirma Simone de Beauvoir (1980,
p. 194):
A hesitação do macho entre o medo e o desejo, entre o temor de ser possuído por
forças incontroláveis e a vontade de captá-las, reflete-se de maneira impressionante
nos mitos da Virgindade. Ora temida pelo homem, ora desejada e até exigida, ela se
apresenta como a forma mais acabada do mistério feminino; é o aspecto mais
inquietante deste e ao mesmo tempo o mais fascinante. Segundo se sinta esmagado
pelas forças que o cercam ou se acredite orgulhosamente capaz de anexá-las a si o
homem recusa ou reclama que a esposa lhe seja entregue virgem. Nas sociedades mais
primitivas, em que o poder da mulher é exaltado, é o temor que vence; convém que a
mulher tenha sido deflorada antes da noite de núpcias.
Para Arminto, Dinaura existia, depois de uma noite de amor, apenas nos seus sonhos.
Ela, portanto, desaparece da trama, e o narrador-personagem delira pelo fato de sempre a ter no
pensamento. Florita tem crises de ciúmes e alega a seu enteado que nunca mais a virá e
aconselhou-o a esquecê-la: “Esquece aquela moça. Esquece antes de chegar a hora da tristeza.
A hora da tristeza?, perguntei. Ela nunca vai ser tua mulher. Nunca vai ser amada quem não é
de ninguém”. (HATOUM, 2008, p. 37). A amante que mais representa a lenda e o mito
amazônico, dentre as obras hatounianas, é a Dinaura – uma moça de origem desconhecida que
se torna alvo das investidas de Florita: “parecia uma dessas loucas que sonham em viver no
fundo do rio”. (HATOUM, 2008, p. 31). Florita confiava na sua influência sobre Arminto,
achando-se no direito de interferir na paixão dele por Dinaura, a qual ela renegava e
discriminava, insistindo que a órfã era o feitiço criado pela própria cabeça do filho de Amando,
ou seja, aproximava a amada do estereótipo de monstro ou, até mesmo, bruxa.
Em todo a história, Dinaura não fala, fica calada o tempo todo: “Ela escapa sem dizer
palavra. Não sei se escapava: era o silêncio que dava a impressão de fuga”. (HATOUM, 2008,
p. 37).
No final do romance, descobre-se que Dinaura, acobertada pelo principal amigo da
família, o advogado Estiliano, conhecido também por Stelios, mais íntimo pela família dos
Cordovil, guardava um grande segredo: “Dinaura seria então filha de Amando? Ou sua amante?
Seria ela, então, meio-irmã de Arminto? Ou sua madrasta? (HATOUM, 2008, p. 98).
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Entretanto, a história não revela, com segurança, qual é a verdadeira identidade de Dinaura.
Estiliano é quem diz ao amigo, ainda que com a dúvida da real participação na vida dos
Cordovil, que ela pode ser amante ou filha de Amando, salientando a sua idade: “Dinaura...
minha irmã?, eu disse engasgado. Meio-irmã, corrigiu Estiliano. Ou madrasta. Essa é a minha
dúvida. Por isso não queria te contar. Prometi ao teu pai que ia cuidar dela, caso ele morresse
antes de mim. Até hoje não sei quem é ela”. (HATOUM, 2008, p. 98).
Outra mulher que houve destaque pelo autor foi a Madre Joana Caminal. Graças a ela,
Dinaura e outras órfãs tinham abrigo. Uma mulher muito justa, que não permitia que crianças
e mulheres fossem mercadorias e tentava minimizar, com suas denúncias, a violência doméstica
da esposa e/ou empregada: “Em Vila Bela, madre Joana Caminal era conhecida como a Juíza
de Deus, porque proibia o escambo de crianças e mulheres por mercadorias, e denunciava os
homens que espancavam a esposa e as empregadas”. (HATOUM, 2008, p. 42).
O povoado comentava acerca da madre, desconfiando da sua pureza: “A madre
chefona, aquela espanhola, será que é virgem que nem santa? Queria ver, queria ver”.
(HATOUM, 2008, p. 35). Dinaura abrigava-se no convento de Caminal, e a madre, por sua vez,
afirmava que a órfã era sua afilhada e estava-a protegendo.
A mulher, em si, configurada por Hatoum, é
Além da ruína, marcada tanto no protagonista quanto na cidade, há, ainda, a denúncia,
no livro, de comportamentos ilícitos voltados para a exploração e violência de
mulheres e crianças. Nesse sentido, a personagem Madre Caminal destaca-se pelo fato
de estar relacionada a uma forte ideia de caridade e justiça, não só por ser a
responsável por acolher as jovens órfãs que havia na região em um número
considerável, protegendo-as de um destino cruel, mas também por proibir que fossem
exploradas.
Com isso, Madre Caminal tenta apaziguar a cidade, fazendo com que defendesse a sua
terra, depois de ter vindo da Espanha, da exploração infantil e da violência contra a mulher.
Tinha um papel primordial para fazer o bem e o combate a qualquer maldade em relação,
principalmente, às meninas e às moças órfãs.
Arminto, ao voltar de viagem, procura por Madre Caminal, esta que fazia seis anos
que já voltara para o seu país de origem, a Espanha: “Madre Caminal, eu disse. Nossa veneranda
Joana Caminal? Está na Espanha, senhor, disse a noviça. Ela nos deixou há seis anos. Nossa
veneranda quis morrer na Catalunha, mas está viva”. (HATOUM, 2008, p. 93). Assim ficou
conhecida a madre, como uma pessoa justa e que sempre preservava o bem e a inocência das
jovens residentes no colégio do Carmo, coordenada pela própria madre.
Estrela, vinda de Belém com seu filho e seu marido, moravam no palácio branco. O
interesse do personagem principal, no final da história, após perder tudo o que tinha herdado
do pai, era casar com ela para recuperar a residência que sempre fora de Amando e na qual
morava Florita: “O rosto já não escondia a velhice. Pus as mãos em sua cabeça e disse que meu
plano era casar com Estrela só para não perder o palácio branco. Um plano que não ia dar certo
porque eu amava Dinaura”. (HATOUM, 2008, p. 89). Estrela seria a mulher que o salvaria da
vida medíocre que conseguira, pois não assumiu, na morte do pai, as empresas, por pensar em
Dinaura, a qual também representa a sua autodestruição. As mulheres modificaram a vida do
personagem, levando-o a rumos totalmente diferente da vida que tinha e desfrutava enquanto
Amando estava vivo, tomando conta dos negócios. Essas que fizeram história e marcaram a
trajetória de vida dos personagens existentes na trama.
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3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se que a mitologia amazônica exalta a mulher, faz dela um ser único, com a
cultura indígena, porém não se estuda o mito com essa cultura, mas dentro do folclore, fazendo
com que perca a identidade original, desvalorizando essa herança pelo fato de as pessoas não
estudarem, pesquisarem essas lendas regionais.
Os cuidados com os nomes - pagina 90 da dissertação de mestrado – que o autor teve
questões telúricas
literatura regional
REFERÊNCIAS
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: fatos e mitos. v. 1, trad. Sérgio Milliet. 4 ed. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira,1980. Disponível em:
<http://brasil.indymedia.org/media/2008/01/409660.pdf>. Acesso em:
SILVA, Joanna da. Relações de gênero no romance de Milton Hatoum. São João Del-Rei, 2011.
http://www.brasilhipismo.com.br/noticias/dia-da-mulher-um-pouco-da-historia-e-do-mito-
das-amazonas acesso em: 15 mar. 2017
http://museudaamazonia.org.br/pt/2016/03/21/diabo-sem-cu-%E2%80%A2-origem-dos-
sarapos/
SÁ, Gladys Oliveira de; DUTRA, Márcia Guedes Egas. Mulheres na mitologia: uma análise
de personagens míticos da cultura amazônica. Disponível em:
<http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/3448/1/2009_DIS_MVMSILVA.pdf>. Acesso
em 29 mar. 2017.
BALZAC
HATOUM, Milton. Órfãos do Eldorado. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. Disponível em:
<http://lelivros.love/book/download-orfaos-do-eldorado-milton-hatoum-em-epub-mobi-e-pdf/>.
Acesso em: 15 mar. 2017.2
LEMOS,
WILLIS, Roy. Mitologias: Deuses, heróis e xamãs nas tradições e lendas de todo o mundo.
Tradução de Thais Costa e Luiz Roberto Mendes Gonçalves. Virtual Books. Disponível em:
<www.portaldetonando.com.br/>. Acesso em: 28 abr. 2017
ZINANI, Cecil Jeanine Albert. Literatura e gênero: a construção da identidade feminina. 2. ed.
Caxias do Sul: EDUCS, 2013.
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Utilizou-se da versão impressa para fazer as citações. O ano de publicação e a edição são os mesmos.