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A Natureza ou Essência da Igreja

Quanto à natureza, as igrejas de hoje ou são institucionais ou não-institucionais


(que chamaremos aqui de orgânicas).A igreja institucional, como o próprio nome
denota, é uma instituição. Descrevendo-a sinteticamente, podemos dizer que ela é
uma pessoa jurídica, registrada nos órgãos estatais, composta por seus fundadores,
e por outros associados, e tendo seu início marcado por meio de uma ata de
fundação. Porque ela é uma instituição, possui obrigatoriamente um local fixo de
reunião, ao qual chamam templo (ou inadequadamente de “igreja”). Possui um
estatuto ou documento semelhante, que rege a instituição como sua lei. É bastante
semelhante, em sua natureza (mas não no seu propósito), a uma organização não
governamental sem fins econômicos. As pessoas entram efetivamente para a igreja
institucional quando manifestam sua livre vontade e participam de seus rituais de
iniciação, geralmente uma declaração pública de aceitação dos estatutos
(doutrinas) da instituição e o batismo nas águas. Como ela é institucional, ela
organiza um rol de membros. Além disso, possui funcionários e prestam serviços
religiosos. Tem cargos, que são preenchidos por uma elite espiritual (clero), que
detém certos privilégios, e o restante dos associados são tidos como cristãos
comuns.

Já a igreja orgânica é mais como uma família. Entende-se a si mesma como um


organismo vivo, espiritual. Não é fundada por homens, mas, como todo organismo
vivo, nasce (de Deus). Não é uma pessoa jurídica. Não é uma organização (embora
não seja desorganizada). A igreja orgânica é composta simplesmente de crentes
que amam a Deus e resolvem caminhar juntos, compartilhando a vida, edificando-
se e servindo-se mutuamente. Elas se reúnem principalmente nos lares dos seus
membros. Nas igrejas orgânicas, não há estatuto; as regras são as da própria Bíblia.
Não há um ritual de iniciação para que pessoas façam parte dela. Porém, para ser
parte dessa família, a pessoa tem que ter nascido de novo (espiritualmente) e ter
sido adotada por Deus como filho. Batismos são realizados quando um novo (ou
antigo) convertido deseja se batizar. Não há um rol de membros. Nem é necessário,
pois todos que são irmãos vivem juntos e se conhecem. Também como ocorre nas
famílias saudáveis, as pessoas ajudam-se umas às outras nas igrejas orgânicas e
não permitem que nenhum de seus membros passe necessidade.

Neste aspecto, como era a igreja do Novo Testamento (A igreja primitiva)? Era
institucional ou orgânica?

Ela era registrada em algum órgão estatal (oficial)? Possuía alguma licença legal
para funcionamento?

Não. Ela era muito mais como uma grande família, sem qualquer licença ou
vínculo com o Estado. Na realidade, os apóstolos recomendavam que se
respeitassem as autoridades mundanas e as suas leis (Rom. 13.1; Tito 3.1), naquilo
que não entrassem em choque coma Palavra de Deus, mas, a igreja primitiva era
um movimento não institucionalizado.

Alguém poderia aqui argumentar que naquela época não havia este tipo de registro
cartorial, portanto, é inadequado comparar a igreja primitiva com a de hoje, neste
aspecto.

Certamente não existiam cartórios para registro de associações ou organizações no


primeiro século. Porém, será que não existiam corporações organizadas ou
reconhecidas pelo império, com suas próprias regras e estatutos? Existiam sim.
Essa é a opinião abalizada dos historiadores e dos eruditos do Novo Testamento.
William L. Coleman, em seu livro “Manual dos Tempos e Costumes Bíblicos” (p.
140), nos diz: “Nos dias de Jesus, a sociedade já era constituída de grupos rurais e
urbanos.” E ainda:
“Uma sociedade urbana exigia muitos tipos de serviços, e indivíduos com todo tipo
de habilidade profissional. Numa sociedade complexa, as necessidades básicas de
um trabalhador eram muitas, e isso os levou a organizar corporações. Já no tempo
em que Cristo viveu na terra, havia em vários lugares corporações de trabalhadores
bem organizadas e bem conceituadas.”

Wayne A. Meeks, da Universidade Yale, também afirma que havia diversos tipos
de corporações no primeiro século. Em seu livro “The First Urban Christians” (Os
primeiros Cristãos Urbanos), ele descreve um quadro social do primeiro e do
segundo séculos onde existiam diversas organizações institucionalizadas,
associações formalizadas, não somente profissionais, mas também sociais.

“Bem no início, o Império Romano testemunhou um crescimento luxurioso de


clubes, entidades e associações de toda sorte.” (MEEKS, Wayne. The First Urban
Christians - Os primeiros Cristãos Urbanos. Londres: Yale Uinversity Press, 1983.
P. 77)

Meeks afirma que nos tempos paulinos havia associações diversas, além das
sinagogas judaicas e das escolas retóricas/filosóficas. Interessava ao império
controlar todos os movimentos, portanto ele apoiava a formalização dessas
organizações. Movimentos não institucionalizados eram muito mal vistos pelo
Império Romano. Aliás, os estados modernos herdaram essa mesma atitude.

Essas citações nos mostram que, embora não existissem cartórios, existiam
organizações formalizadas nos tempos da igreja primitiva. O escopo deste artigo
não nos permite acrescentar outras citações, contudo, uma coisa fica certa: havia
instituições no primeiro século. A igreja primitiva, portanto, era orgânica, não por
falta de modelos institucionais em sua época. Ao contrário, ela era orgânica por
opção, ou melhor, por natureza.
A igreja não começou com uma ata de fundação ou documento semelhante,
elaborado por homens. Nasceu com um derramar do Espírito Santo nos fiéis, que
estavam em oração, em uma casa (Atos 2.2). Não possuía funcionários. Sustentava
os apóstolos (que eram plantadores de igrejas, missionários itinerantes), mas não
empregava nenhum funcionário local. Era uma família de irmãos e irmãs, cujo pai
era o Senhor Jesus.

“Eles se dedicavam ao ensino dos apóstolos e à comunhão, ao partir do pão e às


orações. Todos estavam cheios de temor, e muitas maravilhas e sinais eram feitos
pelos apóstolos. Os que criam mantinham-se unidos e tinham tudo em comum.
Vendendo suas propriedades e bens, distribuíam a cada um conforme a sua
necessidade. Todos os dias, continuavam a se reunir no pátio do templo. Partiam o
pão em suas casas, e juntos participavam das refeições, com alegria e sinceridade
de coração, louvando a Deus e tendo a simpatia de todo o povo. E o Senhor lhes
acrescentava diariamente os que iam sendo salvos.” (Atos 2.42-47. NVI)

Não é esta acima a descrição de uma típica família?

Assim, a igreja do Novo Testamento, a igreja bíblica, era orgânica. O modelo


bíblico era não-institucional. A igreja institucional não é um modelo bíblico. Ela
pode ser uma boa organização, possuir uma boa estrutura, muitas outras
qualidades, mas, quanto à sua natureza, este modelo não se encontra na Bíblia. Não
é bíblico.

A história nos mostra que a igreja cristã começou a se tornar institucional a partir
do Imperador Constantino (313 d.C.), o qual não oficializou o Cristianismo como
religião de Roma (quem o fez foi Teodósio, o imperador seguinte, em cerca de 360
d.C.), mas, Constantino cessou a perseguição aos cristãos e os apoiou
financeiramente, inclusive construindo os seus primeiros templos de tijolos. Aí
começou a grande decadência da igreja. Os interesses de Constantino e Teodósio
na igreja cristã não eram nada “cristãos”. Eram políticos, imperiais, movidos pela
sede de poder e controle. Constantino só foi batizado em seu leito de morte, pois
levava uma vida de luxuria e imoralidade. Os imperadores passaram a controlar os
cargos de liderança das igrejas, o que levou na idade média a igreja a até conceder
esses cargos mediante pagamento em dinheiro ou em troca de outras riquezas.

O modelo encontrado no Novo Testamento, o modelo bíblico de igreja, no tocante


à natureza da igreja, é o modelo orgânico das igrejas nos lares.

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