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A economia como processo instituído (Karl Polanyi)

André Geraldo de Sá

Polanyi, incomodado com a forma como são empregados os significados de


“econômico”, muitas vezes se mesclando e se confundindo, e tornando insuficiente tais
conceituações no estudo dos aspectos econômicos das diversas sociedades na história,
toma o cuidado nesse texto de conceituar os dois significados de “econômico”. Polanyi
destaca que existem duas formas de se conceituar o significado de econômico: a partir de
uma abordagem formalista e um segundo significado a partir de uma abordagem
substantivista. Desse modo, a abordagem formalista parte de uma escassez ontológica e
tem como objeto de análise o indivíduo ("racional") isolado que procura maximizar seus
ganhos. Por seu turno, a abordagem substantivista versa sobre as formas institucionais
que o processo de satisfação das necessidades humanas reveste nas diferentes
comunidades, procurando estudar o lugar ocupado pela economia na sociedade. Sua
preocupação é a suficiência ao invés da eficiência.
O assunto que guia o texto se baseia na distinção de dois conceitos de
“econômico” que orientam o debate acerca da economia das sociedades tanto modernas
quanto primitivas. Uma economia centrada em mercado e busca constante por lucros,
com sentido de economizar, racionar, é denominada “formal”. Seu sentido “refere-se a
uma situação definida de escolha, ou seja, a escolha que se faz entre os diferentes usos
dos recursos, induzida por uma insuficiência desses mesmos recursos”1. A ideia de
escassez é conceito chave no entendimento de uma economia em que tudo é transformado
em mercadoria e as relações econômicas se dão em torno do mercado. A economia formal
é produzida pela lógica da ação racional, que se pauta na

Escolha de meios em relação aos fins. Os meios são qualquer coisa apropriada
para atingir um fim, seja em virtude das leis da natureza, seja em virtude das
regras do jogo. Portanto, “racional” não se refere aos fins nem aos meios, mas à
relação dos meios com os fins2.

1
POLANYI, Karl. A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro; Contraponto, 2012, p.
293.
2
Idem, p. 296.

1
Portanto, se a insuficiência de recursos induz a uma escolha, a teoria econômica
que trata desses fenômenos é denominada economia formal. Tal insuficiência “é
determinada com a ajuda da simples operação de ‘destinação’ ou ‘reserva’, que demonstra
se existe ou não o suficiente de algo”3. E é a prioridade ou a preferência em torno do uso
dos meios a condição para que a insuficiência induza à escolha.
Tal modelo de análise econômica é satisfatório para o entendimento de sociedades
que se sustentam em um sistema de mercado, mas torna-se insuficiente para o
entendimento das relações econômicas em que o mercado inexiste. Dado que, em uma
sociedade de mercado,

Todos os bens e serviços, inclusive o uso do trabalho, da terra e do capital, estão


disponíveis para compra nos mercados e, por conseguinte, têm um preço; todas
as formas de renda decorrem da venda de bens e serviços – salários, renda e juros,
respectivamente, que aparecem como diferentes exemplos de preços, conforme
os artigos vendidos. A introdução geral do poder de compra como meio de
aquisição converte o processo de satisfazer os requisitos numa alocação de
recursos insuficientes que podem ter usos alternativos, ou seja, de dinheiro.
Decorre daí que tanto as condições de escolha quanto suas consequências são
quantificáveis na forma dos preços. Podemos afirmar que, ao se concentrar no
preço como o dado econômico por excelência, o método formal da abordagem
oferece uma descrição completa da economia, tal como determinada pelas
escolhas induzidas por uma insuficiência de recursos4.

O segundo modelo de análise econômica é denominado “substantivista” e se pauta


em um processo instituído da relação humana e sua interação com a natureza em torno da
sua subsistência, resultando em contínua oferta de meios materiais para satisfazer suas
necessidades. Assim sendo, “a satisfação das necessidades é ‘material’ quando envolve o
uso de meios materiais para satisfazer os fins; no caso de um tipo definido de carências
fisiológicas, como as de alimento ou de abrigo, isso inclui somente o uso dos chamados
serviços”5. A economia é entendida como um processo instituído.
Processo se liga a ideia de movimento, ou seja, dinâmica e mudança, que podem
se referir tanto à mudança de localização quanto de apropriação, podendo se deslocar no
espaço e também no sentido da posse. A ideia de produção e transporte são aqui
essenciais, como também a de apropriação no sentido de circulação e administração de
bens. Dessa forma,

A economia humana se enraíza em instituições econômicas e não econômicas e


se entrelaça com elas. A inclusão do não econômico é vital, pois a religião ou o
governo podem ser tão importantes para a estrutura e o funcionamento da

3
Idem, p. 297.
4
Idem, p. 298.
5
Idem, p. 299.

2
economia quanto as instituições monetárias ou a disponibilidade dos próprios
instrumentos e máquinas que aliviam o fardo do trabalho.

O estudo do lugar mutável ocupado pela economia na sociedade, por conseguinte,


não é outro senão o estudo da maneira pela qual o processo econômico será
instituído em diferentes épocas e lugares.6

A economia substantiva se credencia a uma análise universal de todas as


sociedades da história, desde o passado mais remoto até o presente, pelo seu caráter de
compreensão da subsistência humana ao longo do tempo. Rompe-se, então, com a
economia clássica de mercado, dando as ferramentas necessárias para as ciências sociais
na constituição de uma metodologia de estudo das sociedades no sentido econômico.
Tendo demonstrado e exemplificado os dois conceitos de economia, Polanyi se
debruça no estudo do processo de instituição da economia. Tal processo se constitui em
dois níveis: a interação do homem com o ambiente natural e social a sua volta, e a
institucionalização desse processo. A instituição do processo econômico reveste tal
processo com unidade e estabilidade, produz uma estrutura com determinada função na
sociedade, muda o papel do processo na sociedade e centraliza o interesse nos valores,
motivos e políticas. Unidade e estabilidade, estrutura e função, história e políticas
dispõem, portanto, operacionalmente o conteúdo da asserção de Polanyi segundo a qual
a economia humana é um processo instituído.
Para finalizar, Polanyi traça as diferentes formas de comércio, dos usos do
dinheiro e os elementos de mercado para demonstrar que nem toda atividade econômica
necessariamente está relacionada ao mercado, e que, mesmo o mercado, nem sempre
possuiu o significado que tem nas sociedades modernas, onde é visto como regulador dos
preços e o lugar das relações econômicas. A definição de dinheiro e de comércio, por sua
vez, independem de mercados. A economia em muitas sociedades primitivas se dava de
forma integradora, a partir de conceitos de reciprocidade, redistribuição e troca. A forma
integradora da economia é totalmente institucionalizada.

6
Idem, p. 302.

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