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DO GENE AO DIREITO (Carlos María Romeo Casabona)

Cap. 4 – Práticas de eugenia

1. As correntes eugênicas e sua influência no Direito. A neo-eugenia

1.1 A eugenia, uma constante na história da humanidade. Seus efeitos para o Direito

A preocupação com a melhora do ser humano, sobretudo de suas características biológicas e


psíquicas, é uma constante na história da humanidade. Embora de forma rudimentar, a
eugenia já estava presente no ideário de alguns filósofos da antiguidade, como foi o caso de
Platão em sua República1.

A Eugenia gradualmente foi-se enroupando de um pretenso suporte científico, e com isso,


cercou-se de uma maior credibilidade intelectual e autoridade moral:

As contribuições da biologia humana e animal sobre os mecanismos


da reprodução e da herança biológica permitiram que os propósitos
seletivos pudessem ser apoiados em bases científicas – embora em
algumas ocasiões não suficientemente avaliadas e inclusive, errôneas
-, assim como em seus recursos e técnicas disponíveis para tais
objetivos. (p. 170)

A influência do evolucionismo de Darwin que não ficou restrito as ciências naturais, impacto
nas ciências sociais, e, por conseguinte, nas ciências jurídicas. Darwinismo social e legal
(p.171). Concretamente, os movimentos eugênicos tiveram intensa influência na produção
legislativa alguns países a exemplo dos Estados Unidos2 e da Alemanha3.

Recapitulando, a eugenia pode ser entendida como práticas que pretendem o


“melhoramento” da espécie humana. É comum também a distinção de duas classes de
eugenia:

(+) a positiva, que consiste em favorecer a transmissão de caracteres considerados desejáveis.


Na eugenia clássica: foi posta em prática através do estímulo estatal à reprodução daqueles
grupos considerados superiores.

1
A República, Platão.
2
Nesse país o movimento eugênico viu-se favorecido pela recusa social a setores específicos da
população (em especial, negros, criminosos e deficientes intelectuais) e pela crescente densidade
populacional atribuída a imigração em massa de europeus e asiáticos nas primeiras décadas do século
XX. Foram promulgadas leis de esterilização por trinta estados americanos – a começar pela Virginia em
1907-, além de outras relativas à internação de isolamento, limitações matrimoniais e restrições à
imigração (CASABONA).
3
Na Alemanha, a esterilização por motivos eugênicos era lei antes mesmo de Hitler assumir o poder.
Desde 1933, a Lei para prevenção das doenças hereditárias na descendência, determinava a imposição
coercitiva da esterilização àqueles que tivessem alguma deficiência, posteriormente – em 1935- a lei
teve sua abrangência aumentada e passou a incidir sob judeus e seus descendentes, deixando um saldo
de milhares de vítimas.
No contexto atual: por meio da coleta de gametas de pessoas com traços físicos ou intelectuais
considerados “perfeitos”.

(-) a negativa, pretende evitar a transmissão de caracteres considerados indesejáveis.

Na eugenia clássica: implicou em práticas de esterilização compulsória, proibições de


casamento e, em última análise, no extermínio, de pessoas consideradas degeneradas.

No contexto atual: implica na prevenção à transmissibilidade de doenças hereditárias, ou no


descarte de embriões ou fetos portadores de patologias genéticas.

O movimento eugênico tradicional perdeu prestigio e credibilidade no pós II. G.M.

Em parte porque se desvelou os horrores e a crueldade das práticas eugênicas adotadas pelo
regime nazista como política de Estado, e em parte devido aos avanços da genética.

1.2 As formulações eugênicas na atualidade: a neo-eugenia

As descobertas científicas a respeito do o genoma humano e o aperfeiçoamento e


ampliação das técnicas de reprodução assistida possibilitaram a reformulação das
correntes eugênicas tradicionais.

Destacam-se, em particular, as análises realizáveis em torno da


reprodução, como são os diagnósticos pré-conceptivos praticados
nos casais antes da procriação, o diagnóstico pré-implantatório no
zigoto obtido in vitro antes da decisão a respeito de sua transferência
à mulher. Todos esses procedimentos vinculados em principio à
saúde e às decisões reprodutivas dos casais, mas que também podem
ser realizados com fins estritamente eugênicos.

Como eugenia negativa: relaciona-se ao impedimento de manifestação de doenças nas


gerações futuras.

Por outro lado, as técnicas de reprodução assistida e o diagnostico pré-implantatório podem


ser também um instrumento eficaz de eugenia positiva: por tornarem possível a seleção de
gametas ou zigotos portadores de características “admiráveis” “desejáveis”.

COMPLEXIDADE ética e jurídica> Ao mesmo tempo em que o conhecimento genético constitui


um recurso disponível ao tratamento de doenças (viés terapêutico) também pode ser utilizado
como instrumento eugênico de “aperfeiçoamento hereditário”.

“Com efeito, a nova tentação eugênica desta época tem à sua disposição estes poderosos
meios que proporcionam o cada vez mais amplo e preciso conhecimento sobre o genoma
humano da espécie e dos indivíduos, e não somente de suas doenças orgânicas, como
também, segundo se anuncia, de doenças mentais, de comportamentos considerados carentes
de aptidões e habilidades “.
Movimentos de eugenia clássica> propugnavam uma melhoria da raça e a proteção da espécie
contra o mal representado pela degeneração racial. Nesse sentido, o “aprimoramento
hereditário” era tomado como problema social e coletivo cuja solução passava pela ciência e
pela atuação política dos Estados.

A nova eugenia> é formulada como uma questão médica, própria da esfera privada
consubstanciada na relação entre médico-paciente; que envolve a saúde dos próprios
interessados e das gerações futuras, “merecedoras de um direito à saúde frente a seus
progenitores e suas liberdades reprodutivas”

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