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A Fábrica de Chocolate

Preparado por Fernando Dewes e Gabriel Schlatter, da ESPM-RS1.

Recomendado para as disciplinas de: Comportamento Organizacional, Empreendedorismo,


Marketing, Estratégia e Análise de Ambiente.

RESUMO
Os principais marcos da trajetória da Chocolate Do Parke - empresa que produz e comercializa
chocolates de alta qualidade - são reveladores do espírito empreendedor do seu dirigente e das
características a ele associadas. A história da empresa, que começou no ano de 1986 é, na verdade,
a história de seu atual dirigente - que a adquiriu em setembro de 1987 - e de todos os desafios que
enfrentou para colocá-la no patamar de maior produtora de chocolate da Serra Gaúcha, possuin-
do hoje sete filiais instaladas nos três estados da Região Sul. De um pequeno empreendimento
ligado à agricultura familiar até dirigente principal de uma fábrica de chocolate com 160 empre-
gados, muitos foram os desafios, decisões, superações e conquistas. O relato das principais etapas
do desenvolvimento da empresa, seus momentos mais cruciais e as formas adotadas pelo empre-
endedor para o enfrentamento dos desafios refletem estratégias e modelos de gestão capazes de
inspirar reflexões e questionamentos de grande valor didático.

Palavras-chave
Empreendedorismo. Perfil do empreendedor. Tomada de decisão. Modelos de gestão.
Produção de Chocolate.

Dezembro/2009.

1 Este caso foi escrito inteiramente a partir de informações cedidas pela empresa e outras fontes
mencionadas no tópico “Referências”. Não é intenção dos autores avaliar ou julgar o movimento estra-
tégico da empresa em questão. Este texto é destinado exclusivamente ao estudo e à discussão acadêmi-
ca, sendo vedada a sua utilização ou reprodução em qualquer outra forma. A violação aos direitos auto-
rais sujeitará o infrator às penalidades da Lei. Direitos Reservados ESPM.

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Este estudo relata o nascimento e o desenvolvimento da
Chocolate do Parke a partir da figura de José Schneider, seu atual
dirigente. A trajetória descrita contempla distintas fases do empre-
endimento, percorrendo as mudanças nas atividades realizadas, suas
iniciativas de expansão e a consolidação da marca no mercado. O pri-
meiro desafio começa com a aquisição do pequeno negócio e as difi-
culdades experimentadas para fabricar e vender um produto sem ter
clientes. Como superar reveses dessa natureza logo no início de um
empreendimento? Também se descreve o processo de crescimento
da empresa, praticamente sem nenhum recurso financeiro. Aqui apa-
recem as primeiras iniciativas do empreendedor, buscando crédito
junto aos fornecedores e lutando para superar desafios emergentes,
tais como o de vender sua produção sem ter qualquer experiência
nesta atividade e num mercado que lhe era completamente desco-
nhecido.
Ao longo da narrativa novos e mais complexos problemas vão surgindo, como a sua
dependência dos fornecedores, uma concorrência cada vez mais acirrada e a abertura de novos
mercados. O quê fazer para superar tais desafios? A história aqui relatada fornece indicado-
res sobre as formas de enfrentamento e superação de cada problema e, principalmente, sobre
como o espírito empreendedor de um jovem empresário agiu frente as ameaças e oportunida-
des.

Nasce um projeto: Chocolate do Parke


José Schneider era um entre dez irmãos que trabalhavam numa pequena área de terra
no interior do Rio Grande do Sul. A disciplina da cultura alemã canalizava todo o esforço da
família para o trabalho e, graças a ele, os filhos não conheceram nem a fome e nem o frio. Nessa
vida de trabalho árduo estava José, tirando o produto da terra - cultivado em alguns poucos
hectares - e de um pequeno moinho colonial, que transformava o milho em farinha. Mas essas
atividades não possibilitavam nada mais além da subsistência. A criação de frangos surgiu, en-
tão, como uma opção de aumento da renda familiar. Na pequena propriedade rural foi instala-
do um aviário, através do qual passaram a criar e vender o frango para quem quisesse comprá-
-lo: em geral, pequenos abatedouros e comerciantes de varejo da região. Com a produção da
lavoura, do moinho e, principalmente, do aviário a família viveu um ciclo de prosperidade que
ainda não havia conhecido.
Mas no início dos anos 80, o sistema integrado de produção e abate de frangos chegou
à região com grande poder de pressão econômica. Os pequenos e independentes produtores
de frango se viram frente a um dilema: integrar ou morrer! O impulso de sobrevivência foi mais
forte. Integraram-se a um grande sistema: receber o pinto, criá-lo e entregá-lo para o abate.
Mas logo perceberam que o resultado financeiro era muito pequeno - e o risco muito grande.
Neste sistema era preciso, cada vez mais, buscar produção em escala e fazer rodar a equação do
quanto menor a margem de lucro, maior deveria ser a produção.
A família de José era proprietária da terra, do aviário e dos seus equipamentos. Mas a
sensação era a de que tinha se tornado um empregado. E este não era o futuro que estava pro-
jetando para si. Em uma das muitas conversas que tinha com o pai, este lhe perguntou: - “O que
você quer fazer meu filho?” - ”Não quero ser empregado de ninguém. Quero ter o meu próprio
negócio”, respondeu José, na época com 28 anos, inconformado com aquela situação de muito
trabalho e pouca renda.

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Preocupado, José começa a procurar oportunidades. Conversa com amigos. Consulta
pessoas mais experientes e escuta histórias de negócios bem ou mal sucedidos. Não levou mui-
to tempo para descobrir que a oportunidade estava mais perto do que pensava. Uma pequena
estrutura de processamento artesanal de chocolate, localizada em Gramado, de propriedade
de alguém próximo a sua família, foi lhe oferecida. Eram quatro panelas, um forno elétrico, uma
mesa, uma geladeira e 1000 quilos de massa de chocolate, alojados no porão de uma casa.
Não tinha dinheiro para adquiri-la e, muito menos, conhecimento sobre chocolate.
Mas o pagamento poderia ser feito após a venda futura do chocolate a ser processado. A venda
poderia ser feita por um eventual vendedor comissionado, e o conhecimento sobre o produto
seria lhe transmitido pelo próprio proponente do negócio. Assim, nestas condições, José não
hesitou. Adquiriu a pequena fábrica e a pôs em funcionamento num porão alugado. Mas quem
lhe havia prometido ensinar tudo sobre o processamento do chocolate, não ensinou. José não
se abateu. Foi buscar ajuda. Logo encontrou uma pessoa com experiência no ramo que ensi-
nou-lhe o básico sobre processamento do chocolate.
Comprou a crédito os outros insumos necessários e processou os 1000 quilos de massa
de chocolate, transformando-a em ovos de Páscoa. Mas quem disse que iria vender o produto,
não vendeu! Sem hesitar, embarcou no seu “Fusca” 77, junto com algumas amostras do produto
e foi para Caxias do Sul, oferecê-lo nas associações de funcionários das indústrias. Como não
conhecia aquela cidade, um amigo o acompanhou para orientá-lo no percurso. Sem dinheiro,
com várias dívidas, mas com mil quilos de ovos de páscoa e uma vontade enorme de vencer, foi
adiante. “Jamais esquecerei aquele dia. Fomos em várias indústrias, batendo de porta em porta.
Todas elas nos receberam, mas apenas uma fechou negócio. A Associação dos Funcionários da
Fras-Le aceitou meu produto em consignação. Entreguei toda a produção para eles. Se com-
prassem tudo, ótimo. Caso contrário, traria de volta o que não fôra vendido. O resultado foi que
compraram tudo e ainda faltou produto!”.
Com a primeira venda, José começou a pagar a pequena fábrica e a visitar mais indús-
trias para entregar seus produtos na Páscoa seguinte. Assim se passaram três anos. No final de
cada ano comprava massa de chocolate, misturava-a com outros ingredientes, transformava-a
em ovos de Páscoa, embalava e entregava-os em consignação para associações de funcioná-
rios de empresas em Caxias do Sul. O desfecho de cada temporada era o mesmo: as vendas
cresciam fortemente e o produto esgotava-se rapidamente. Até que, no final do terceiro ano,
tomou a decisão de comprar 20 toneladas de massa de chocolate.
“Todos me chamaram de louco”, comentou José. Mas ele não deu ouvidos aos pessi-
mistas e saiu em busca de um fornecedor de massa de chocolate que aceitasse vender-lhe a
crédito. Não tinha dinheiro e nem bens para dar em garantia. Conseguiu encontrar um fabri-
cante de chocolate que lhe fornecesse as 20 toneladas na mais inteira confiança de vir a receber
o pagamento mais tarde. Mas todos lhe diziam que não iria conseguir elaborar, em tão pouco
tempo, tanto chocolate, muito menos vendê-lo. Nesta época, José conheceu um profissional de
vendas que viria a ser, mais tarde, o seu Diretor Comercial. Com o auxílio deste profissional do
mercado, José se lança ao desafio. Trabalharam noite e dia, na fábrica e nos pequenos varejistas
na região, oferecendo o produto e, muito antes da Páscoa, concluíram o processamento de
toda a produção e efetivaram a sua venda. “Fiz, vendi e paguei todas as contas em dia. E ainda
me sobrou dinheiro para comprar a casa onde funcionava minha pequena fábrica”, completou
José em um tom triunfante.
Mas o crescimento da empresa de José continua e, para entender as decisões futuras
que precisou tomar, é preciso conhecer um pouco mais da cadeia produtiva do chocolate, des-
de a plantação do cacau até a elaboração do produto final. É o que veremos no tópico a seguir.

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O processo de fabricação
O cacau é o fruto do cacaueiro, planta da família
das Sterculiáceae, tendo sido classificado em 1753 como
Theobroma Cacau, cujo nome - Theobroma - tem o signifi-
cado em grego que quer dizer “Alimento dos Deuses”. É uma
árvore que se desenvolve melhor à sombra de outras árvo-
res maiores, sendo delicada e sensível a extremos climáticos
e fraca às pragas e aos fungos. Sua altura chega a ser de 5 a
10 metros e os primeiros frutos surgem por volta de cinco
anos do seu plantio.
A abertura da primeira casa de chocolate ocorreu em Londres, em 1657, por um fran-
cês. Até então, o chocolate era considerado um produto nobre, destinado à elite. A Revolução
Industrial trouxe a produção em série e tornou o chocolate um produto popular. Foi só em 1910
que começou a ser vendida a barra de chocolate, que se popularizou após a utilização pelo
exército americano como alimento de combate durante a segunda Guerra Mundial. A cacaui-
cultura brasileira está distribuída nas regiões nordeste (Bahia), sudeste (Espírito Santo), Centro-
-Oeste (Mato Grosso) e Norte (Pará, Rondônia e Amazonas).
O produto mais importante do fruto do cacau é a amêndoa de cacau seca. A produ-
ção dos processadores de cacau a partir das amêndoas secas é conhecida como derivados do
cacau, estando incluídos a massa, a pasta, o liquor, a manteiga, a torta e pó de cacau. A figura
abaixo sintetiza as etapas de processamento do grão do cacau:

Etapas do processamento do grão de cacau


Fonte: Adaptado de NCA (2009)

O processo de produção dos derivados do cacau tem início nas fazendas com a reti-
rada das amêndoas, as sementes dos frutos que servem de matéria-prima para o doce. Cada
cacau contém entre 20 e 50 sementes, com alto teor de gordura e água. Para eliminar parte do
líquido, elas passam por uma secagem ao sol por oito dias, além de um processo de fermenta-
ção. Na fábrica, após a mistura de diversos grãos de origens diferentes, é feita uma limpeza dos
mesmos, retirando quaisquer impurezas separando eventuais grãos que estejam quebrados.
Em geral, os produtores de chocolate preferem fazer a torrefação do grão antes da retirada
da sua casca, enquanto que os processadores de cacau optam pela retirada da casca antes da
torrefação.
A torrefação é um processo de aquecimento que elimina a umidade e faz surgir o aro-
ma peculiar do cacau. As sementes são resfriadas e seguem então para o triturador, que retira
a casca da amêndoa. Nessa etapa se tem os nibs, que são considerados como a “carne” das
amêndoas do cacau. Quando já estão descascadas, as amêndoas passam pela moagem. Como
as frutas têm um teor de gordura superior a 50%, o produto resultante da moagem não é um
pó, mas uma massa pastosa e perfumada, chamada liquor, ingrediente básico para os diversos
tipos de chocolate. Na sequência, a massa de cacau passa por uma máquina de prensagem, que

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separa o ingrediente em dois produtos. O primeiro é a manteiga de cacau, que será reintrodu-
zida na próxima etapa de fabricação do chocolate. O segundo é a chamada torta de cacau, uma
espécie de “bolo” que se esfarela facilmente. Parte dela é dissolvida e misturada ao açúcar para
se fazer o chocolate em pó. Outra porção é resfriada e quebrada em tabletes, que serão usados
na fabricação do chocolate.
O chocolate é um produto obtido por processo de manufatura adequada, a partir da
mistura de vários ingredientes. As etapas de fabricação do chocolate estão descritas na figura
abaixo.

Etapas de fabricação do chocolate


Fonte: Adaptado de NCA (2009)

Para fabricação do chocolate, misturam-se diversos produtos, tais como liquor, man-
teiga, leite e açúcar. O leite poderá ser em pó, natural ou condensado, dependendo do tipo e
do gosto do chocolate que se deseja produzir. Na produção do chocolate ao leite, a massa de
cacau (ou liquor) e a manteiga de cacau recebem açúcar e leite, formando a massa do chocolate
tradicional. O chocolate meio amargo leva todos esses ingredientes, menos o leite. O branco é
feito apenas com manteiga de cacau, açúcar e leite.
No processo de mistura, os ingredientes são aquecidos e secos em cilindros, de modo
a deixar a composição homogênea. Independentemente do tipo de chocolate, a massa resul-
tante passa pelos cilindros de refinação, onde os cristais de açúcar da mistura são triturados e
quebrados em partículas microscópicas. Isso melhora a textura da mistura, deixando-a mais
macia. É esse processo que determina a “fineza” das marcas de chocolate mais cobiçadas.
A mistura é então colocada em conchas, grandes agitadores que movimentam a mis-
tura sob calor. Normalmente, mais manteiga de cacau é adicionada à mistura nesse estágio. O
objetivo do concheamento é retirar a acidez e a umidade do composto, além de tornar a mis-
tura mais macia. Em princípio, quanto mais tempo nessa etapa, mais macio será o chocolate,
sendo que esse processo pode durar de poucas horas até três dias. A última etapa consiste na
têmpera, na qual o chocolate passa por diversas trocas de temperatura para cristalizar a man-
teiga de cacau e deixar a pasta na consistência ideal para ser moldada. Concluída essa fase, o
chocolate é moldado em formas com o aspecto final desejado. Também é nessa fase final que
os recheios de castanhas, flocos ou frutas são adicionados antes de se encherem os moldes.

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Diversificar ou focar no negócio?
Após o ousado passo do processamento e venda das 20 toneladas, José começou a
perceber que sua inquietude não era só fruto da insatisfação por não ter seu próprio negócio.
Afinal ele já o tinha. Porém continuava inquieto. A razão disto originava-se do fato de que a sua
atividade era sazonal. Trabalhava muito para a Páscoa e um pouco para o Natal. Isto resultava
em muito trabalho durante alguns meses do ano. Mas, nos outros meses, o que fazer? Precisava
algo mais, que o mantivesse plenamente envolvido. Após alguma procura, adquiriu uma fábri-
ca de móveis fora de atividade e a colocou em operação. Cedo, porém, descobriu que, quanto
mais se dedicava a produção de móveis, mais gostava do chocolate.
Não tinha paciência para enfrentar os problemas associados à fabricação de móveis.
Ora era a madeira que ainda estava verde. Ora era o projeto executado que não correspondia
ao planejado, ora era o cliente insatisfeito com um ou outro detalhe do produto. Isto foi lhe
consumindo tempo e energia. E era preciso interromper esta sequência de aflições e prejuízos.
Para encontrar um pouco da quietude necessária a uma tomada de decisão tão im-
portante, hospedou-se num hotel em meio a natureza, longe da turbulência da vida urbana.
Passou três dias refletindo e, ao final do domingo, decidiu-se. Fechou a fábrica de móveis, en-
cerrando todas as suas atividades e passou a dedicar-se, tão somente, ao chocolate. Só que,
agora, queria produzir muito mais. E não foi preciso muito tempo para atingir o processamento
de 300 toneladas por ano. Adquiria a matéria-prima (massa de chocolate e outros insumos) dos
grandes fornecedores do mercado. Mas todos eles reclamavam exclusividade e impunham-
-lhe condições de fornecimento. José revivia um antigo desconforto: o de estar refém de um
sistema.
Começa, então, uma nova batalha: conquistar sua independência dos grandes forne-
cedores. A Páscoa de 2003 foi a última com chocolate comprado porque, dali em diante, inicia-
ria a fabricação de seu próprio chocolate. Esta era uma mudança significativa. Especialmente
porque, apesar das exigências impostas pelos seus fornecedores, eles lhe proporcionavam o
conforto dos prazos de pagamento dos insumos. Primeiro vendia, depois pagava.
Mas José queria produzir o ano todo, não só para a Páscoa. Além disto, sonhava em
produzir um chocolate de sua própria receita, com mais qualidade. Queria um chocolate que
honrasse a tradição de Gramado. Na busca por soluções, foi à Alemanha, onde o aconselharam
a não fazer chocolate: - “É complicado e muito caro. Fique como está, comprando-o dos gran-
des fornecedores”, recomendaram-lhe os alemães. Mesmo sabendo que na Europa se fazia o
melhor chocolate, não aceitou o conselho. Retorna ao Brasil com o firme propósito de realizar
seu projeto. Novamente descobre que a solução não estava longe. Encontrou em São Paulo
um engenheiro que dominava a tecnologia para projetar e construir a máquina que estava
buscando. Como a arte e a técnica de fazer chocolate não são facilmente compartilhadas, José
vislumbrou ali uma rara oportunidade, não só de aprender mais sobre o produto, mas de pro-
duzir seu próprio chocolate. Este engenheiro trabalhava para uma indústria de chocolate que
se encontrava fora de operação. Nela ele havia desenvolvido a tecnologia e o processo que o
permitiam projetar e fabricar uma máquina com as especificações técnicas necessárias para a
produção de um chocolate de excelente qualidade.
“Chamei o homem e disse: quero comprar uma máquina”. Em resposta, o Engenheiro
foi categórico: “Não forneço máquina. Forneço tecnologia!”. Iniciava-se ali uma parceria promis-
sora. José deu uma entrada em dinheiro, de seu próprio recurso, e o restante foi combinado
para ser pago com a própria produção da máquina. A máquina possuía capacidade para pro-
duzir 7 toneladas por dia. Com esta produção, no segundo ano de operação já foi possível, não
só ter o seu próprio chocolate, mas também fornecê-lo para pequenas indústrias de processa-
mento da região da serra gaúcha.

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Mas os grandes fornecedores não tardaram para reagir. Pressionavam-no porque for-
necia chocolate para clientes deles. Baixaram os seus preços para alijá-lo do mercado. E logo
José percebeu que não conseguiria acompanhá-los em preço. Rapidamente concluiu também
que, se quisesse continuar fornecendo, teria que ser pela qualidade, tanto para a indústria do
chocolate caseiro, quanto para o consumidor final.
Até o ano de 2004 o chocolate produzido no Brasil não continha gordura vegetal. A
partir daquele ano, os grandes fornecedores começaram a adicionar essa gordura, diminuindo
a manteiga de cacau que estava ficando cada vez mais escassa e mais cara. A regulamentação
do governo brasileiro determinava que, para ser considerado chocolate, seria necessária uma
presença mínima de 33% de cacau no produto. Mas os grandes fornecedores conseguiram mu-
dar este percentual, reduzindo-o para 25%. Coerente com suas ideias, José seguiu adicionando,
no mínimo, 33% de cacau à sua fabricação. “Chocolate é saúde e chocolate é cacau!”, repetia
José para quem quisesse ouvi-lo. Com esta determinação, vai, gradualmente, conquistando sua
participação no mercado de fornecimento para a indústria caseira.

Rumo ao varejo e à conquista do consumidor


Mesmo colocando uma parte de sua produção na pequena indústria do chocolate ca-
seiro e a outra nas associações de funcionários de empresas da região, o esforço produtivo era
ainda muito concentrado na época da Páscoa. Fornecia para o pequeno varejo, durante o ano
todo, mas em quantidade pouco expressiva. Era preciso marcar presença nas gôndolas dos
supermercados e no paladar do consumidor.
O grande varejo não o conhecia e o desafio inicial era justamente esse: como se tornar
conhecido? Uma pequena série de visitas frustradas já o fez perceber que, argumentos basea-
dos somente na qualidade do produto ou na história pessoal de um empreendedor esforçado,
não eram suficientes para sensibilizar o grande varejista. Era preciso formular uma estratégia de
marketing mais eficaz, mas que demandaria tempo e recursos financeiros. Entretanto, a capaci-
dade instalada de produção exigia vendas imediatas.
Em junho de 2006, como ação pontual, José voltou-se ao pequeno varejo, onde seria
mais facilmente aceito e as condições impostas para vender seu produto eram menos draco-
nianas. Enquanto isto, buscou ajuda de profissionais de marketing para orientar sua estratégia
de acesso aos grandes canais de distribuição e ampliação do seu mercado de consumo.

Marca e embalagens antigas

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A participação da empresa na EXPOAGAS 2008 – Exposição da Associação Gaúcha de
Supermercadistas – constituiu-se numa valiosa fonte de conhecimentos sobre estratégias mer-
cadológicas, além de um grande impulso na divulgação de sua empresa. A experiência obtida
neste evento, associada à percepção aguçada do empresário e aos conhecimentos dos profis-
sionais do marketing, levaram-no a uma crucial conclusão: era preciso reposicionar sua marca
no mercado.
“Mas qual deveria ser o seu novo posicionamento?”, perguntou-se José. Por sua ex-
periência, sabia que as pessoas desejavam saborear o chocolate de Gramado, o qual lhes pro-
porcionava a sensação do clima serrano, de um chocolate puro, caseiro, feito com atenção e
esmero. E o seu chocolate continha todos os atributos desejados pelo consumidor, embora o
seu posicionamento no mercado não despertasse as sensações correspondentes. Como pode-
ria um produto desconhecido, aparentemente indiferenciado e com preço semelhante ao das
marcas tradicionais, disputar espaço com as grandes marcas? Esta era a pergunta crucial e, sem
respondê-la, seria impossível antever qualquer estratégia de marketing bem sucedida. Feliz-
mente a resposta não tardou e com ela foi dado um importante passo na evolução da empresa.
Foi criada uma nova marca para assumir o lugar da marca original, que já havia cum-
prido sua missão. “Tradição de Gramado” é a marca que veio para dar nome ao puro chocolate
da serra gaúcha. Com ela, a empresa abriu as portas para o mercado do varejo, reforçando o seu
nome em toda região sul do país.

Marcas e embalagens novas

O melhor chocolate começa na amêndoa do cacau


A “Tradição de Gramado” está agora conquistando o seu lugar em meio às grandes
marcas brasileiras. Novos canais de distribuição são abertos e suas vendas crescem na mesma
proporção em que cresce, na mente de José, a convicção de que somente a amêndoa do cacau,
livre de impurezas, poderá transformar-se em um chocolate puro. Para garantir mais esse dife-
rencial de qualidade, seria preciso, então, controlar também essa fase do processo de produção.
José decide adquirir em sociedade duas máquinas de processamento de amêndoa
de cacau. Através delas é extraída a manteiga mas, antes de iniciar o processo de extração, a
amêndoa é cuidadosamente inspecionada e selecionada. Não deve apresentar sinais de fungos
ou de qualquer outra impureza, estando livre de sujidade e umidade. Somente após rigorosa
inspeção e aprovação, seguirá para processamento. “O cacau tem que ser puro. Isto é o que eu
quero!”, enfatiza José.
José decide não parar por aí. Após a instalação e operação das prensas de amêndoas
de cacau, antecipa-se o próximo passo: a produção do próprio cacau. Até o momento, o cacau
é adquirido de fazendas produtoras localizadas no Espírito Santo e Bahia. Mas, em 2008, nasce

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a “Floresta do Rio Doce Agro derivados S/A”, empresa criada por meio de uma parceria com
outros empreendedores, destinada a plantação e cultivo do cacau. Com este empreendimento
será possível controlar a qualidade sobre toda a cadeia produtiva, da lavoura à embalagem do
produto acabado. Questionado sobre as razões fundamentais do cultivo do cacau, José res-
ponde sem vacilar: “O consumo do chocolate está aumentando e a produção de cacau não
aumenta na mesma proporção. Precisamos plantar para não faltar”.
Hoje, se perguntado sobre os motivos que o fazem investir tanta energia, esforço e de-
terminação no seu trabalho, também responde sem hesitar: “Porque acredito que o importante
é ser feliz. E chocolate me lembra felicidade!”

Questões para discussão


Várias foram as situações que José teve de enfrentar na gestão da empresa. Reflita
sobre as mesmas. Se você estivesse no lugar dele, teria tomado outras decisões? Em particular,
pense sobre esses momentos chave da sua trajetória empresarial e procure responder as per-
guntas a seguir:

1. Que fatores de motivação e características de personalidade estão no perfil deste empreen-


dedor? Qual o grau de importância da participação de cada um destes fatores e característi-
cas no sucesso do empreendimento?

2. Você deixaria um negócio familiar, ainda que pouco rentável, para se arriscar em um meio
sobre o qual nada soubesse? Quais foram os riscos envolvidos na mudança de atividade e o
que poderia levar a um desfecho desfavorável?

3. Que outras alternativas José poderia ter explorado para vender a produção excedente do seu
primeiro ano no negócio de chocolate? Como a criatividade poderia ajudar nesse sentido?

4. Um dos grandes desafios de José foi a entrada no mercado varejista. A resistência das gran-
des redes a novos fornecedores, com marcas ainda pouco conhecidas, sempre foi muito for-
te. Como vencer esse desafio? Que estratégias você vislumbra para a entrada de uma marca
nova em redes supermercadistas que exigem giro contínuo do produto e margens de lucro
compensadoras?

5. Uma das estratégias de negócio que José vislumbra é a integração da cadeia produtiva do
chocolate, porém não através de terceiros, mas sim como proprietário ou sócio de empre-
endimentos fornecedores. Essa abordagem vai na contra mão das atuais tendências que su-
gerem foco em um negócio, terceirizando todas as atividades que não sejam ligadas ao core
business da organização. Como justificar essa estratégia do empreendedor?

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REFERÊNCIAS

SCHNEIDER, José. Entrevistas realizadas entre 30 de julho e 30 de Setembro de 2009.

Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira – CEPLAC (2009) em <http://www.ceplac.


gov.br/radar/radar_cacau.htm>, acesso em 15/09/2009. - Figura 1: <http://www.ceplac.
gov.br/album/indice/index_Tour_roca_cacau.htm>

NCA - National Confectioners Association (2009), em <http://www.candyusa.com/Candy/con-


tent.cfm?ItemNumber=984>, acesso em 15/09/2009.

WORLD COCOA FOUNDATION (2009), em <http://www.worldcocoafoundation.org/learn-


-about-cocoa/cocoa-dictionary.html>, acesso em 15/09/2009.

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