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A voz do atroz 2

30/09/1990
Levamos um tempo para adquirirmos uma comunicação que
realmente funcionasse, afinal não dava pra conversar apenas com
sussurros. Mais no final deu certo. Todos aqueles testes e
treinamentos funcionaram. Depois de dias escondido no bosque,
pude me preparar para o que me esperava.

Depois daquele dia no bosque eu pode notar a maneira como agia.


Eu estava menos tímido. O idiota do Ben Thompson, o valentão
que colocou as mãos do Sr. Bullock na vassoura, aparentava ter de
certo modo, medo pela minha mudança tão drástica. Ele não
roubava mais o dinheiro do lanche ou me empurrava para dentro
dos armários da escola.
Agora não me sentia mais sozinho. Sentia-me forte e apaixonado
por aquilo que chamam de.

18/07/1977
“Matar”, “Matar”, é o que ele me dizia. Talvez aquelas simples
palavras me levaram a viajar num sonho acordado, não sei, mais
era o que aconteceu quando o olhei nos olhos.

18/07/1537

Eu estava em um campo enlamaçado, Vestido como um ator de


Game Of Thrones. Havia estandartes por todos os lados, todos eles
rangados e sujos de sangue. O ar também estava coberto por
sangue, pois o cheiro era tão forte que me fazia querer enfiar a
cabeça na lama. Mas o que mais me chamava a atenção naquilo
tudo, eram os corpos apodrecidos no chão. Todos eles haviam
sofrido mortes horríveis e dignas de um filme de terror.
Aqueles homens todos, talvez tivessem família, talvez tivessem
amigos com se preocupassem, Talvez tivessem cachorros que
levavam a passeio e talvez fossem homens de bem. Mas estavam
ali deitados no chão frio e manchados pelo seu próprio sangue. O
que me leva a pensar, o quão estúpido foi e é o ser humano.
Quer dizer, era óbvio que aquilo era um campo de guerra. E uma
guerra daquelas que vemos em filmes medievais. O fato de todos
aqueles mortos estarem ali, mortos por motivos fugazes, me dava
nos nervos, afinal, a palavra morte significava algo para mim.
Depois de um tempo no meio de todos aqueles mortos, percebi
que um soldado ainda agonizava no chão.
Parceia que ele não me enxergava, afinal eu estava praticamente
do seu lado.
Ele tinha a perna direita ao seu lado direito, enquanto lutava para
buscar uma centelha de força para pedir ajuda. Para minha
surpresa ele conseguiu emitir um leve.. “socorro”, porém foi
suficientemente alto para um outro soldado ouvi-lo. Mais para sua
infelicidade, era um soldado inimigo. Ele tinha um aspecto
sanguinário. Suas costas estavam molhadas de suor, os enormes
braços, estavam banhados em sangue, provavelmente dos inimigos
que matou, além da longa espada em sua mão.
O homem olhou para o inimigo deitado ao chão implorando por
sua vida. Começou a caminhar em sua direção. Quando ficou cara
a cara com seu oponente indefeso. Fez algo que eu não imaginaria
que fizesse. Começou a chorar. As lágrimas jorravam de seus
olhos amarelos como uma cachoeira num campo de guerra. Ele
ajoelhou ao lado do homem no chão e sussurrou em seu ouvido.
“Matar”, “Matar”. Eu estremeci.
Será que aquilo tinha algo a ver com a criatura no bosque?
Eu não sei, mas percebi naquele momento que estava errado.
As lágrimas que caiam seus olhos amarelos, não eram de pena ou
misericórdia, eram de pura felicidade e excitação.
O soldado ajoelhado pegou sua espada e cortou a garganta de seu
inimigo lentamente. Mais lágrimas caíram de seus olhos e mais
murmúrios de “matar”, “matar”, saiam de sua boca.
Não satisfeito com o que havia feito, pegou o corpo do morto e
levantou sobre sua cabeça.
O sangue agora se espalhava por todo seu corpo, enquanto
aumentava o canto.

“Matar!!!”, “Matar!!!”, “Matar!!!” , “Owen !!!!”.

18/07/1739
Eu acordei encharcado e ensopado de suor. Será que aquilo foi
real? Como ele sabia meu nome? O que significava aquilo tudo?
Eram muitas perguntas e poucas respostas.
Percebi que também estava chorando. Mas porque? Eu não estava
triste, alegre, com raiva ou medo. As lágrimas pareciam
escorregadias e sem sentido.
De repente percebi algo ainda mais sem sentido. Eu estava
deitado numa cama, dentro do convés de um navio. Ao meu redor,
várias outras pessoas estavam deitadas também. Algumas liam
livros, outros dormiam e outros olhavam as estrelas pela janela do
convés. Essas pessoas, em sua maioria, magras e barbudas, com
olhos inchados e expressões carrancudas.

“Levantem marujos, temos trabalho a fazer”, disse uma voz atrás


de mim.

Olhei em volta, para identificar a fonte da voz. E vi um homem


tão cabeludo quanto o Pé Grande. Ele tinha roupas de couro velho,
com fivelas em todo lugar, além da perna era torna, seu olho
esquerdo estava coberto por um tapa olho preto.
“Quem não levantar agora, dormirá com os tubarões pelo resto da
sua vida”, Ele disse. Não demorou muito para que os marujos
levantassem de suas camas e começassem a sair do convés. Sem
saber o que fazer, levantei e comecei a me vestir.
Quando saímos do convés. Vi um verdadeiro caus. Ondas
gigantes ameaçavam tombar nosso navio. E dois outros navios,
maiores que o nosso, se atacavam. Um navio estava do estibordo e
o outro a bombordo. Estávamos entre a duas linhas de tiro.

“Senhor Fisher” disse o capitão “O que faz ai parado, prepare os


ganhões, ice as velas e pegue as armas”.

Parecia muita coisa, mas eu de alguma maneira sabia como fazer


todas aquelas coisas malucas. E foi o que fiz.
Fui para o porão do navio buscar armas primeiros. Era estranho
mais eu sabia o que estava fazendo. Enquanto descia as escadas do
porão percebi uma estranha luz dentre toda aquela escuridão.
No meio das sombras e breu, havia um par de olhos amarelos.
Eram os mesmos olhos do gato, da criatura e do soldado. Mas
agora estavam maiores, como se estivessem cara a cara comigo.
Eu tentei me afastar mas não pude. Estava paralisado pela beleza e
conforto daqueles olhos.
Então eles fecharam e eu me encontrei de novo no breu do porão.
Sabia que havia uma lamparina do lado esquerdo da escada, do
lado dos barris de room. Eu a peguei e assenti a luz fraca. Pro meu
espanto não havia ninguém no porão além de mim, as armas e a
bebida.
Tornei-me a me mover. Peguei as armas e subi para entrega-las a
tripulação.
Quando cheguei lá em cima. Não havia ninguém, não havia ondas
gigantes ou navios em guerra. Só um corpo de um homem no meu
do navio.
O corpo estava todo ensaguentado e ensopado de suor. Eu corri ao
seu encontro e me ajoelhei ao seu lado.
O rosto do homem de repente ficou bem claro para mim. Era o
soldado que havia matado aquele homem aleijado, pedindo por
misericórdia. Mas também tinha as roupas do capitão que me deu
as ordens de buscar as armas no porão. Além disso, aqueles
malditos olhos amarelos estavam lá, me encarando e jorrando
lágrimas de suas pálpebras.
Não consegui me afastar daquela coisa, fiquei ali olhando seus
olhos, enquanto ele olhava os meus.
Ele fez mesma coisa que fez no bosque, estendeu as mãos para
tocar no meu rosto. E desta vez não havia árvore em que me
apoiar.
A mesma voz fria e ao mesmo tempo perfurante, cruzou meus
pensamentos.

“Owen!!!”, “Owen!!!, gritou a coisa. “A morte o chama e os


mortos o desejam… Sussurrou ele desta vez. “A profecia a de ser
comprida, e a criança maldita será a chave….” Disse voz
agonizando.
Quando ele terminou, nós ainda nos olhávamos. As lágrimas
caiam dos olhos dele e dos meus também. Ele abriu a boca para
falar mais alguma coisa, mas estava enganado. Uma coisa estava
saindo de dentro da boca dele, pareciam mãos. Elas se apoiaram
nos cantos da boca do capitão e se lançaram para cima, algo estava
tentando sair de dentro daquele corpo. E então saiu. Era um
esqueleto carbonizado. Seus olhos eram buracos negros profundos
e cheios de ódio, seus dentes estavam irregulares e sua face
deformada. No seu pulso havia uma pulseira branca, que parecia
intacta e limpa. E nela um nome, Owen.
O esqueleto, por fim, saiu de dentro do corpo do morto e veio em
minha direção. Eu fiquei paralisado, não tinha escapatória, fiquei
olhando seus olhos, enquanto ele caminhava em minha direção.
Quando chegou a minha frente, ele me encarou, e começou a abrir
os braços. Eu não esperava o que viria a seguir, mas foi
exatamente o que imaginei. Ele me abraçou. Seu braços finos e
duros se enrolaram em torno do meu corpo. De algum jeito eu
perdi a consciência, viajei em visões e sonhos perturbadores de
pessoas mortas e de assassinatos cruéis, vi multidões aclamando e
reverenciando assassinos e genocidas, vi a criança mais pura e
doce ser morta por aquele que a odeia sem motivos. A humanidade
destruiu a si mesma, talvez até o próprio significado da palavra se
perdeu em momentos e ações nefastas e vis, o homem tornou-se
frio e duro, como uma estátua de pedra, sendo suas emoções sua
própria matéria-prima.

18/07/1977
Eu acordei ao lado da mesma árvore, onde a coisa me pegou.
Estava ensopado de suor, com milhares de folhas caídas sobre
mim. Quando a coisa havia encostado na árvore, todas as suas
folhas haviam caído.
Um torpor espalhava-se por todo meu corpo, deixando-me zonzo
e com a visão turva. Tentei levantar, mas não consegui. Apenas o
esforço de tentar abrir os olhos, era algo difícil. Felizmente
consegui ter uma última imagem da coisa diante de mim. Ela
estava se transformando outra vez. Suas garras estavam voltando
ao normal, seus dentes estavam diminuindo e seu pelo estava
caindo. De repente, o mesmo gato que havia perseguido pelo
bosque estava novamente a minha frente, com seus olhos grandes
e amarelos. Apaguei.
Quando acordei já estava escuro, a lua brilhava reluzente no céu
cheio de estrelas e os grilos cantavam em uma melodia que me
parecia tipo aqueles filmes de terror.
A árvore a minhas costas, era de grande ajuda, pois me sentia
tonto, o mesmo torpor invadiu minha mente e tornou meus
sentidos embaralhados e confusos, porém, havia uma coisa de
errada com a árvore, além de todas as folhas caídas, seu tronco
estava gelado e com a aparência de carbonizado, como se sua vida
e sua cor, fossem tiradas por inteiro.
Eu comecei a me levantar, mesmo que mamãe e papai soubessem
que fui ao passeio da escola, eles deveriam estar preocupados por
minha demora. Então comecei a caminhar de volta a Avenida
Ternson, em direção a minha casa, era impressionante como
conhecia o bosque mesmo no meio da noite.
Em todo o percurso até a avenida, não consegui tirar todas
aquelas imagens e visão, a maneira como elas sempre me levavam
até a coisa, ou o jeito que as pessoas morriam. Ainda podia escutar
os gritos do soldado caído, ou os lamentos do capitão. A coisa que
me mostrou tudo aquilo, ainda marcava sua presença a meu redor,
como se ainda estivesse me vigiando, então era difícil, não olhar
para os lados ou para trás de vez em quando.
Quando cheguei próximo da avenida, já me sentia bem melhor,
pelo menos para começar a correr se fosse preciso. A rua estava
escura, dos cinco postes naquela área onde estava, três haviam
queimado, tornando ainda pior a expectativa de chegar em casa.
Felizmente quando olhei no longo horizonte vazio da estrada,
avistei dois faróis brancos vindo em minha direção, estava vindo
bem rápido, portanto minha espera não durou muito. Quando
chegou próximo de onde eu estava, consegui ver um modelo
antigo, tipo os carros do final dos anos 70, o barulho do motor era
estridente, como se ele arrastasse pelo chão enquanto andava.
O carro começou a parar. Quando o fez pude ver que era o
motorista. Era um velho, talvez uns 65 anos ou 70, sua pele era
negra e em seu olho esquerdo estava coberto por tapa olho preto.
Sua expressão era dura e fria, como se sentisse um ódio
incontrolável e sombrio, lembrei da mesma expressão no rosto do
Soldado coberto de sangue fizera enquanto matava seu inimigo. O
velho dirigiu-se amim com aqueles mesmos olhos.

“O que faz aqui sozinho filho?”. Disse ele.


Eu não sabia o que dizer. Estava assustado pelo que me
acontecera e paralisado pela lembrança d que o olhar do velho me
trazia.
“Estou….pe-pe-perdido se-senhor”. Disse por fim.
O homem me olhou de cima a baixo, como se procurasse algo,
então abriu a porta de trás do carro.
Eu pensei naquele momento em fugir, talvez correr estrada acima
e encontrar outra corana. Mas aquilo significava ficar mais tempo
perto do bosque e a continuar com a impressão de estar sendo
vigiado pela coisa.
Não havia outra encolha, entrei no carro e segui em direção a
longa noite, com uma companhia adorável.

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