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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 24: 41-67 JUN.

2005

A COORDENAÇÃO FEDERATIVA NO BRASIL:


A EXPERIÊNCIA DO PERÍODO FHC
E OS DESAFIOS DO GOVERNO LULA1

Fernando Luiz Abrucio

RESUMO
O renascimento da federação brasileira com a redemocratização trouxe uma série de aspectos alvissareiros,
mas o Brasil também precisa enfrentar os crescentes dilemas de coordenação intergovernamental constatados
internacionalmente, de acordo com as especificidades históricas de nossa realidade. O presente artigo
concentra-se basicamente no estudo dos problemas e ações de coordenação federativa ocorridas recentemente
no Brasil, mais particularmente no período governamental do Presidente Fernando Henrique Cardoso. A
partir desta análise, procura-se, ao final, apresentar resumidamente os desafios de coordenação
intergovernamental colocados para o governo Lula.
PALAVRAS-CHAVE: federação; centralização; descentralização; governo FHC; governo Lula.

I. INTRODUÇÃO mo brasileiro privilegiam a análise do embate, hoje


e ao longo da história, entre o governo federal e
A estrutura federativa é um dos balizadores
os entes subnacionais, por meio de suas elites po-
mais importantes do processo político no Brasil.
líticas e estruturas de poder. As oposições
Ela tem afetado a dinâmica partidário-eleitoral, o
descentralização versus centralização (ou
desenho das políticas sociais e o processo de re-
recentralização) e o poder dos governadores frente
forma do Estado. Além de sua destacada influên-
à força das instâncias nacionais – os partidos e/ou
cia, a federação vem passando por intensas modi-
o Presidente da República – dominam boa parte
ficações desde a redemocratização do país. É pos-
do debate. Esse foco analítico é uma peça-chave
sível dizer, tendo como base a experiência com-
na investigação das relações intergovernamentais,
parada recente, que o federalismo brasileiro é atu-
mas ele não esgota o seu entendimento e, pior,
almente um dos casos mais ricos e complexos
não leva sozinho à compreensão do funcionamento
entre os sistemas federais existentes.
dos sistemas federais.
Diante de tudo isso, cresce o número de pes-
É preciso acrescentar outro vetor analítico,
quisas sobre o assunto, de estudiosos brasileiros
pouco explorado no Brasil, bem como no estudo
e estrangeiros. Embora esses trabalhos compor-
de outros países. Trata-se da análise do problema
tem abordagens de campos científicos diferen-
da coordenação intergovernamental, isto é, das
tes, diversidades de temas e divergências de in-
formas de integração, compartilhamento e deci-
terpretação, há um elemento comum à maioria
são conjunta presentes nas federações. Essa ques-
deles. Grosso modo, os estudos sobre o federalis-
tão torna-se bastante importante com a
complexificação das relações intergovernamentais
ocorrida em todo o mundo nos últimos anos. Isso
se deveu à convivência de tendências conflituosas
1 Este artigo baseia-se em duas pesquisas. A primeira foi
e de intrincada solução, entre as quais se desta-
feita em 2002, para o Ministério do Planejamento e o Pro- cam três:
grama da Organização das Nações Unidas para o Desen-
volvimento, que resultou na publicação O Estado em uma a) há hoje expansão ou, no mínimo, manutenção
era de reformas: os anos FHC. A segunda chama-se Refor- do Welfare State convivendo com maior escas-
ma do Estado, federalismo e elites políticas: o governo sez relativa de recursos. Tal situação exige me-
Lula em perspectiva comparada e está em andamento, ten-
lhor desempenho governamental, com fortes
do como financiador o Núcleo de Publicação e Pesquisas
(NPP) da Fundação Getúlio Vargas. pressões por economia (cortar gastos e cus-

Recebido em 10 de dezembro de 2004 Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 24, p. 41-67, jun. 2005
Aprovado em 18 de maio de 2005
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A COORDENAÇÃO FEDERATIVA NO BRASIL

tos), eficiência (fazer mais com menos) e alvissareiros, mas o Brasil também precisa enfren-
efetividade (ter impacto sobre as causas dos tar os crescentes dilemas de coordenação
problemas sociais) – três tópicos que depen- intergovernamental constatados internacionalmen-
dem, em países federativos, de maior coorde- te, de acordo com as especificidades históricas
nação entre as esferas político-administrativas de nossa realidade. O presente artigo concentra-
na gestão das políticas públicas; se basicamente no estudo dos problemas e ações
de coordenação federativa ocorridas recentemen-
b) houve um aumento das demandas por maior
te no Brasil, mais particularmente no período go-
autonomia de governos locais e/ou grupos ét-
vernamental do Presidente Fernando Henrique
nicos, levando à luta contra a uniformização e
Cardoso (FHC). A partir desta análise, procura-
a excessiva centralização, o que acontece ao
se, ao final, apresentar resumidamente os desafi-
mesmo tempo em que governos e coalizões
os de coordenação intergovernamental colocados
nacionais tentam evitar problemas causados pela
para o governo Lula.
fragmentação, como a elevação da desigualda-
de social, o descontrole das contas públicas de II. O SIGNIFICADO DA COORDENAÇÃO FE-
entes subnacionais – como ocorreu na Argen- DERATIVA
tina e no Brasil –, a guerra fiscal entre os níveis
A temática da descentralização ganhou força
de governo e, no piores casos, o surgimento
nos últimos 30 anos em todo o mundo. Sua
de focos de secessão, como na Rússia e
implementação diferencia-se, no entanto, de país
c) se, por um lado, é cada vez maior a interconexão a país, de acordo com especificidades históricas,
dos governos locais com outras estruturas de coalizões sociais e arranjos institucionais. Dentre
poder que não os governos centrais, tais como estes últimos, a adoção de uma forma federativa
os relacionamentos com forças transnacionais de Estado é a que tem maior impacto.
– como empresas e organismos internacionais
O sistema federal é uma forma inovadora de
– e as parcerias com a sociedade civil, por ou-
lidar-se com a organização político territorial do
tro lado, há simultaneamente uma necessidade
poder, na qual há um compartilhamento matricial
de reforço das instâncias nacionais para orga-
da soberania e não piramidal, mantendo-se a es-
nizar melhor a inserção internacional do país e
trutura nacional (ELAZAR, 1987, p. 37). O en-
reduzir os aspectos negativos da globalização,
tendimento da especificidade do federalismo pas-
inclusive para as comunidades locais e seus há-
sa pela análise de sua natureza, de seu significado
bitos socioculturais.
e de sua dinâmica.
Conflitos e dilemas como esses revelam, em
Primeiramente, toda federação deriva de uma
suma, que a temática da coordenação federativa
situação federalista (BURGESS, 1993). Duas con-
tem como intuito ir além da dicotomia centraliza-
dições conformam esse cenário. Uma é a existên-
ção versus descentralização. Em recente estudo
cia de heterogeneidades que dividem uma deter-
feito pela Organization for the Economic
minada nação, de cunho territorial (grande exten-
Cooperation and Development (OECD), com base
são e/ou enorme diversidade física), étnico,
em diversas federações, concluiu-se que “Há tem-
lingüístico, sócio-econômico (desigualdades re-
pos ocorrem debates sobre centralização ou
gionais), cultural e político (diferenças no processo
descentralização. Nós precisamos agora estar dis-
de constituição das elites dentro de um país e/ou
postos a mover em ambas as direções – descen-
uma forte rivalidade entre elas). Qualquer país
tralizando algumas funções e ao mesmo tempo
federativo foi assim instituído para dar conta de
centralizando outras responsabilidades cruciais na
uma ou mais heterogeneidades. Se um país desse
formulação de políticas. Tais mudanças estão a
tipo não constituir uma estrutura federativa, difi-
caminho em todos os países”2 (OECD, 1997, p.
cilmente a unidade nacional manterá a estabilida-
13).
de social ou, no limite, a própria nação corre risco
O renascimento da federação brasileira com a de fragmentação.
redemocratização trouxe uma série de aspectos
Outra condição federalista é a existência de um
discurso e de uma prática defensores da unidade
2 Todos as citações cujos originais são em língua estrangei- na diversidade, resguardando a autonomia local,
ra foram traduzidas pelo autor.
mas procurando formas de manter a integridade
territorial em um país marcado por heterogenei-

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dades. A coexistência dessas duas condições é Constituição, criando um processo decisório mais
essencial para montar-se um pacto federativo. Mas intrincado, que exige maiorias qualificadas e, em
que é uma federação? Segundo Daniel Elazar, “O muitos casos, é necessária a aprovação dos
termo ‘federal’ é derivado do latim fœdus, que [...] legislativos estaduais ou provinciais. E mais: al-
significa pacto. Em essência, um arranjo federal é guns princípios básicos da federação não podem
uma parceria, estabelecida e regulada por um pacto, ser emendados em hipótese alguma.
cujas conexões internas refletem um tipo especial
Como bem constatou Alfred Stepan, toda fe-
de divisão de poder entre os parceiros, baseada
deração restringe o poder da maioria (“demos
no reconhecimento mútuo da integridade de cada
constraining”), consubstanciado na esfera nacio-
um e no esforço de favorecer uma unidade espe-
nal. Porém, o federalismo precisa igualmente res-
cial entre eles” (ELAZAR, 1987, p. 5).
ponder à questão da interdependência entre os
O princípio da soberania compartilhada deve níveis de governo. A exacerbação de tendências
garantir a autonomia dos governos e a centrífugas, da competição entre os entes e do
interdependência entre eles. Trata-se da fórmula repasse de custos do plano local ao nacional são
classicamente enunciada por Daniel Elazar: self- formas que devem ser atacadas em qualquer ex-
rule plus shared rule3. Quanto ao primeiro aspec- periência federativa, sob o risco de enfraquecer-
to, é importante ressaltar que os níveis intermedi- se a unidade político-territorial ou de torná-la ine-
ários e locais detêm a capacidade de autogoverno ficaz para resolver a “tragédia dos comuns” típi-
como em qualquer processo de descentralização, ca do federalismo, vinculada a problemas de
com grande raio de poder nos terrenos político, heterogeneidade. O fato é que a soberania com-
legal, administrativo e financeiro, mas sua força partilhada só pode ser mantida ao longo do tempo
política vai além disso. A peculiaridade da federa- caso estabeleça-se uma relação de equilíbrio en-
ção reside exatamente na existência de direitos tre a autonomia dos pactuantes e sua
originários pertencentes aos pactuantes interdependência.
subnacionais – sejam estados, províncias, cantões
A interdependência federativa não pode ser
ou até municípios, como no Brasil. Tais direitos
alcançada pela mera ação impositiva e piramidal
não podem ser arbitrariamente retirados pela União
de um governo central, tal qual em um Estado
e são, além do mais, garantidos por uma Consti-
unitário, pois uma federação supõe uma estrutura
tuição escrita, o principal contrato fiador do pac-
mais matricial, sustentada por uma soberania com-
to político-territorial.
partilhada. É claro que as esferas superiores de
Ressalte-se que na federação o poder nacional poder estabelecem relações hierárquicas frente às
deriva de um acordo entre as partes, em vez de demais, seja em termos legais, seja em virtude do
constituí-las. Assim, a descentralização em esta- auxílio e do financiamento às outras unidades go-
dos unitários pode até repassar um efetivo poder vernamentais. O governo federal tem prerrogati-
político, mas esse processo sempre provém do vas específicas para manter o equilíbrio federati-
centro e não constitui direitos de soberania aos vo e os governos intermediários igualmente de-
entes subnacionais. têm forte grau de autoridade sobre as instâncias
locais ou comunais. Mas a singularidade do mo-
Os governos subnacionais também têm ins-
delo federal está na maior horizontalidade entre os
trumentos políticos para defender seus interesses
entes, devido aos direitos originários dos pactu-
e direitos originários, quais sejam, a existência de
antes subnacionais e à sua capacidade política de
cortes constitucionais, que garantem a integrida-
proteger-se. Em poucas palavras, processos de
de contratual do pacto originário; uma segunda
barganha afetam decisivamente as relações verti-
casa legislativa representante dos interesses regi-
cais em um sistema federal.
onais (Senado ou correlato); a representação des-
proporcional dos estados/províncias menos po- O compartilhamento de poder e decisão em
pulosos (e muitas vezes mais pobres) na câmara uma federação, desde a sua invenção nos Estados
baixa e o grande poder de limitar mudanças na Unidos, pressupõe a existência de controles mú-
tuos entre os níveis de governo – trata-se dos

3 “Autogoverno mais governo compartilhado” (nota do


revisor). 4 “Freios e contrapesos” (N. R.).

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A COORDENAÇÃO FEDERATIVA NO BRASIL

checks and balances4. O objetivo desse mecanis- Para garantir a coordenação entre os níveis de
mo é a fiscalização recíproca entre os entes fede- governo, as federações devem, primeiramente,
rativos para que nenhum deles concentre equilibrar as formas de cooperação e competição
indevidamente poder e, desse modo, acabe com a existentes, levando em conta que o federalismo é
autonomia dos demais. Assim sendo, a busca da intrinsecamente conflitivo. Seguindo essa linha
interdependência em uma federação democrática argumentativa, Paul Pierson assim define o funci-
tem de ser feita conjuntamente com o controle onamento das relações intergovernamentais no
mútuo. federalismo: “Mais do que um simples cabo de
guerra, as relações intergovernamentais requerem
Mas, além da garantia da autoridade nacional
uma complexa mistura de competição, coopera-
sem retirar a autonomia local e da necessidade de
ção e acomodação” (idem, p. 458). Daí toda fe-
checks and balances entre os níveis de governo,
deração ter de combinar formas benignas de coo-
um novo aspecto torna mais complexo o funcio-
peração e competição. No caso da primeira, não
namento das federações. É que o desenvolvimen-
se trata de impor formas de participação conjun-
to recente dos estados modernos levou ao cresci-
ta, mas de instaurar mecanismos de parceria que
mento do papel dos governos centrais, especial-
sejam aprovados pelos entes federativos. O modus
mente no que se refere à expansão das políticas
operandi cooperativo é fundamental para otimizar
sociais. No caso dos sistemas federais, em que
a utilização de recursos comuns, como nas ques-
vigora uma soberania compartilhada, constituiu-
tões ambientais ou problemas de ação coletiva que
se um processo negociado e extenso de shared
cobrem mais de uma jurisdição (caso dos trans-
decision making5, ou seja, de compartilhamento
portes metropolitanos); para auxiliar governos
de decisões e responsabilidades. A interdepen-
menos capacitados ou mais pobres a realizarem
dência enfrenta aqui o problema da coordenação
determinadas tarefas e para integrar melhor o con-
das ações de níveis de governo autônomos, as-
junto de políticas públicas compartilhadas, evitando
pecto-chave para entender a produção de políti-
o jogo de empurra entre os entes. Ainda é peça-
cas públicas em uma estrutura federativa contem-
chave no ataque a comportamentos financeiros
porânea.
predatórios, que repassam custos de um ente à
Em seu trabalho sobre os estados de Bem-es- nação, como também na distribuição de informa-
tar Social em países unitários e federativos, Paul ção sobre as fórmulas administrativas bem-suce-
Pierson (1995) revela que no federalismo as ações didas, incentivando o associativismo intergoverna-
governamentais são divididas entre unidades polí- mental.
ticas autônomas, as quais, porém, têm cada vez
Não se pode esquecer, também, que o modelo
mais interconexão, devido à nacionalização dos
cooperativo contribui para elevar a esperança quan-
programas e mesmo da fragilidade financeira ou
to à simetria entre os entes territoriais, fator fun-
administrativa de governos locais e/ou regiões. O
damental para o equilíbrio de uma federação. No
dilema do shared decision making surge porque é
entanto, fórmulas cooperativas mal-dosadas tra-
preciso compartilhar políticas entre entes federa-
zem problemas. Isso ocorre quando a coopera-
tivos que, por natureza, só entram nesse esquema
ção confunde-se com a verticalização, resultando
conjunto se assim o desejarem. Desse modo, a
mais em subordinação do que em parceria, como
montagem dos Welfare States nos países federati-
muitas vezes já aconteceu na realidade latino-ame-
vos é bem mais complexa, envolvendo jogos de
ricana, de forte tradição centralizadora.
cooperação e competição, acordos, vetos e deci-
sões conjuntas entre os níveis de governo. O de- É também perigosa a montagem daquilo que
safio posto por essa questão foi bem resumido Fritz Scharpf (1988) denomina joint decision trap
por Pierson: “No federalismo, dada a divisão de (armadilha da decisão conjunta), bastante visível
poderes entre os entes, as iniciativas políticas são no caso alemão, mas que se repete igualmente em
altamente interdependentes, mas são, de modo fre- outras experiências. Nessa estrutura, todas as de-
qüente, modestamente coordenadas” (PIERSON, cisões são o máximo possível compartilhadas e
1995, p. 451). dependem da anuência de praticamente todos os
atores federativos. Sem desmerecer os ganhos de
racionalidade administrativa, tende-se à uniformi-
zação das políticas, processo que pode diminuir o
5 “Processo decisório compartilhado” (N. R.).
ímpeto inovador dos níveis de governo, enfraque-

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cer os checks and balances intergovernamentais diminuindo a competitividade econômica daquele


e dificultar a responsabilização da administração lugar; ou, ao contrário, os governadores deveri-
pública. am constituir uma estrutura mínima de prestação
de serviços públicos e baixar os impostos, redu-
As federações requerem determinadas formas
zindo com isso a afluência dos mais pobres àque-
de competição entre os níveis de governo. Pri-
la região e, novamente em tese, elevando a
meiro, devido à importância dos controles mútu-
competitividade econômica e a oferta de emprego
os como instrumento contra a dominância (ou ti-
do ente federativo que optasse por esta via – é o
rania, nos termos de Madison) de um nível de
que Peterson denomina race to the bottom8.
governo sobre os demais. Além disso, a competi-
ção federativa pode favorecer a busca pela inova- Entre o efeito de Welfare magnets e o race to
ção e pelo melhor desempenho das gestões lo- the bottom, muitos governadores nos EUA estão
cais, já que os eleitores podem comparar o de- escolhendo a segunda opção, de modo que o au-
sempenho dos vários governantes, uma das van- mento da competição vem acompanhado da re-
tagens de ter-se uma multiplicidade de governos. dução de políticas de combate à desigualdade. Em
A concorrência e a independência dos níveis de suma, o modelo competitivo levado ao extremo
governo, por fim, tendem a evitar os excessos piora a questão redistributiva.
contidos na “armadilha da decisão conjunta”, bem
O federalismo puramente competitivo vem
como o paternalismo e o parasitismo causados
estimulando, ainda, a guerra fiscal entre os níveis
por certa dependência em relação às esferas su-
de governo. Trata-se de um leilão que exige mais
periores de poder.
e mais isenções às empresas, em que cada gover-
Há uma série de problemas advindos de com- no subnacional procura oferecer mais do que o
petições desmedidas. O primeiro refere-se ao ex- outro, geralmente sem se preocupar com a forma
cesso de concorrência, que afeta a solidariedade de custear esse processo. Ao fim e ao cabo, a
entre as partes, ponto fulcral do equilíbrio federa- resolução financeira dessa questão toma rumos
tivo. Quanto mais heterogêneo é um país, em ter- predatórios, seja acumulando dívidas para as pró-
mos socioculturais ou sócio-econômicos, mais ximas gerações, seja repassando tais custos para
complicada é a adoção única e exclusiva da visão o nível federal e, por tabela, para a nação como
competitiva do federalismo. Países como a Índia, um todo.
o Brasil ou a Rússia devem por sua natureza evi-
O desafio é encontrar caminhos que permitam
tar uma disputa desregrada entre os entes.
a melhor adequação entre competição e coopera-
A competição em prol da inovação também ção, procurando ressaltar seus aspectos positivos
pode ter efeitos negativos, mais particularmente em detrimento dos negativos. Recorrendo mais
no terreno das políticas sociais, como demons- uma vez à argumentação precisa de Daniel Elazar:
trou o livro de Paul Peterson (The Price of “[...] todo sistema federal, para ser bem sucedi-
Federalism, 1995) sobre a experiência recente dos do, deve desenvolver um equilíbrio adequado entre
governos estaduais norte-americanos. O autor cooperação e competição e entre o governo cen-
percebeu o fortalecimento de uma visão acerca tral e seus componentes” (ELAZAR, 1993, p. 193;
do federalismo: a de que os cidadãos “votam com sem grifos no original).
os pés”6 , ou seja, podem escolher o lugar que
A coordenação federativa pode realizar-se, em
otimize melhor a relação entre carga tributária e
primeiro lugar, por meio de regras legais que obri-
políticas públicas. Diante disso, os estados fica-
guem os atores a compartilhar decisões e tarefas
ram entre duas opções: ou forneciam um cardá-
– definição de competências no terreno das políti-
pio amplo de proteção social, tendo como efeito
cas públicas, por exemplo. Além disso, podem
um Welfare magnets7, isto é, mais pessoas, so-
existir fóruns federativos, com a participação dos
bretudo as mais pobres, morariam nesses luga-
próprios entes – como os senados em geral – ou
res, aumentando os gastos públicos e, em tese,
que eles possam acionar na defesa de seus direi-
tos – como as cortes constitucionais. A constru-
6 Essa visão foi formulada originalmente por Charles
Tiebout (1956).
7 “Ímãs de bem-estar” (N. R.). 8 “Corrida ao fundo do poço” (N. R.).

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A COORDENAÇÃO FEDERATIVA NO BRASIL

ção de uma cultura política baseada no respeito estaduais, particularmente no Estado Novo, per-
mútuo e na negociação no plano intergoverna- deram a autonomia. O interregno 1946-1964 foi o
mental é outro elemento importante. A forma de primeiro momento de maior equilíbrio em nossa
funcionamento das instituições representativas, federação, tanto do ponto de vista da relação en-
tais como os partidos e o Parlamento, pode favo- tre as esferas de poder como da prática democrá-
recer certos resultados intergovernamentais tica. Mas o golpe militar acabou com esse padrão
(ARRETCHE, 2004). e por cerca de 20 anos manteve um modelo
unionista autoritário (ABRUCIO, 1998), com gran-
O governo federal também pode ter um papel
de centralização política, administrativa e finan-
coordenador e/ou indutor. Por um lado, porque
ceira.
em vários países os governos subnacionais têm
problemas financeiros e administrativos que difi- A redemocratização do país marcou um novo
cultam a assunção de encargos. Por outro, por- momento no federalismo. As elites regionais, par-
que a União tem por vezes a capacidade de arbi- ticularmente os governadores, foram fundamen-
trar conflitos políticos e de jurisdição, além de in- tais para o desfecho da transição democrática,
centivar a atuação conjunta e articulada entre os desde as eleições estaduais de 1982, passando pela
níveis de governo no terreno das políticas públi- vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral –
cas. ele próprio, não coincidentemente, um governa-
dor de estado – até chegar à Nova República e à
A atuação coordenadora do governo federal ou
Constituinte. Além disso, lideranças de discurso
de outras instâncias federativas não pode ferir os
municipalista associavam o tema da
princípios básicos do federalismo, como a auto-
descentralização à democracia e também partici-
nomia e os direitos originários dos governos
param ativamente na formulação de diversos pon-
subnacionais, a barganha e o pluralismo associa-
tos da Constituição de 1988.
dos ao relacionamento intergovernamental e os
controles mútuos. É preciso, portanto, que haja Um novo federalismo nascia no Brasil. Ele foi
processos decisórios com participação das esfe- resultado da união entre forças descentralizadoras
ras de poder e estabelecer redes federativas democráticas com grupos regionais tradicionais
(ABRUCIO & SOARES, 2001) e não hierarquias que se aproveitaram do enfraquecimento do go-
centralizadoras. verno federal em um contexto de esgotamento do
modelo varguista e do Estado nacional-
Definido o conceito de federalismo e a impor-
desenvolvimentista a ele subjacente. O seu proje-
tância da coordenação intergovernamental dentro
to básico era fortalecer os governos subnacionais
dele, o propósito central deste texto é analisar o
e, para uma parte desses atores, democratizar o
caso brasileiro, centrando o foco no período go-
plano local. Preocupações com a fragilidade dos
vernamental do Presidente Fernando Henrique
instrumentos nacionais de atuação e com coorde-
Cardoso (1995-2002). Mais especificamente, o
nação federativa ficaram em segundo plano.
objetivo primordial é mostrar como o governo
federal, na Era FHC, lidou com a questão da co- Dois fenômenos destacam-se nesse novo fe-
ordenação entre os níveis de governo. As ações deralismo brasileiro, desenhado na década de 1980
de outras instâncias que podem lidar com esse e com reflexos ao longo dos anos 1990. Primeiro,
tema não serão negligenciadas, mas deverão ser o estabelecimento de um amplo processo de
entendidas a partir da estratégia adotada pelo po- descentralização, tanto em termos financeiros
der Executivo federal. como políticos. Em segundo lugar, a criação de
um modelo predatório e não-cooperativo de rela-
III. A REDEMOCRATIZAÇÃO E O NOVO FE-
ções intergovernamentais, com predomínio do
DERALISMO BRASILEIRO
componente estadualista.
A história federativa brasileira foi marcada por
Comecemos pela formação do federalismo
sérios desequilíbrios entre os níveis de governo.
estadualista e predatório, visto que ele teve um
No período inicial, na República Velha, predomi-
impacto enorme nos primórdios do novo federa-
nou um modelo centrífugo, com estados tendo
lismo brasileiro. De 1982 a 1994, vigorou um fe-
ampla autonomia, pouca cooperação entre si e um
deralismo estadualista, não-cooperativo e muitas
governo federal bastante fraco. Nos anos Vargas,
vezes predatório (ABRUCIO, 1998). Essa revira-
o Estado nacional fortaleceu-se, mas os governos
volta na federação brasileira só pôde efetivar-se,

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em primeiro lugar, porque a União e a própria Pre- a União e deles entre si. Desde o final do regime
sidência da República entraram em uma séria cri- militar, as relações intergovernamentais verticais
se, que perdurou por pelo menos dez anos. A cri- tinham sido marcadas pela capacidade de os esta-
se abarcava o modelo de financiamento estatal do dos repassarem seus custos e dívidas ao governo
desenvolvimento, o equilíbrio das contas públicas federal e, ainda por cima, não se responsabiliza-
nacionais e a burocracia federal – enfim, os ins- rem por este processo, mesmo quando assina-
trumentos de poder do Executivo federal. vam contratos federativos. Caso clássico disso
foram os bancos estaduais. A partir de 1982, as
Além do enfraquecimento do pólo nacional,
instituições financeiras estaduais foram utilizadas
outras quatro características do sistema político
pelos governadores como instrumento de atuação
também contribuíram para aumentar o poderio dos
política. Foram criadas verdadeiras máquinas de
estados e de seus governadores. A primeira delas
produzir moedas, com efeitos deletérios para a
foi a vigência de um sistema ultrapresidencial nos
inflação e para o endividamento global.
estados – que em grande medida ainda vigora –,
que fortaleceu sobremaneira os governadores no No plano das relações entre os estados, o as-
processo decisório e praticamente eliminou o con- pecto predatório teve sua principal manifestação
trole institucional e social sobre o seu poder (idem, na guerra fiscal, que começou a ganhar força após
cap. 3). A segunda diz respeito aos padrões a Constituição de 1988 e ainda continua vigorosa
hegemônicos da carreira política brasileira, cuja nas práticas federativas. O fato é que o
reprodução dá-se pela lealdade às bases locais e estadualismo predatório acabou sendo ele próprio
pela obtenção de cargos executivos no plano um dos elementos geradores de sua crise, em 1994,
subnacional ou então aqueles no nível nacional que como veremos mais adiante.
possam trazer recursos aos “distritos” dos políti-
Esse contexto estadualista tem algo em comum
cos. Em ambos os casos, o Executivo estadual é
com a descentralização: o intento de reforçar os
peça fundamental, seja no monitoramento das ba-
governos subnacionais, obtendo-se uma autono-
ses para os deputados, seja para ajudá-los na con-
mia inédita. A federação tornou-se uma cláusula
quista de fatias estratégicas da administração pú-
pétrea e sua extinção ou medidas que alterem pro-
blica federal (ABRUCIO & SAMUELS, 1997).
fundamente seus princípios não podem ser obje-
Os caciques regionais tiveram uma posição des- tos de emenda constitucional (artigo 60, parágra-
tacada de liderança no Congresso Nacional ao lon- fo 4 da Constituição Federal de 1988). Os estados
go da redemocratização, por vezes a despeito dos ganharam maior capacidade de auto-organização
partidos, por outras tornando-se grandes propri- e novos instrumentos de atuação no plano
etários de parcelas dos condomínios partidários. intergovernamental, como as Ações Diretas de
Por fim, os governadores possuíam instrumentos Inconstitucionalidade (ADINs), extensamente uti-
financeiros e administrativos que os fortaleciam lizadas pelos governadores (WERNECK VIANNA,
no sistema de poder, como bancos estaduais e 1999, p. 55).
empresas estatais estratégicas.
Pela primeira vez na história, os municípios
O fortalecimento dos governos estaduais re- transformaram-se em entes federativos, consti-
sultou na configuração de um federalismo tucionalmente com o mesmo status jurídico que
estadualista e predatório. Estadualista porque o os estados e a União9. Não obstante essa autono-
pêndulo federativo esteve a favor das unidades mia, os governos locais respeitam uma linha hie-
estaduais em termos políticos e financeiros, pelo rárquica quanto à sua capacidade jurídica – a Lei
menos até 1994, quando se implementou o Plano Orgânica, por exemplo, não pode contrariar fron-
Real. Esse aspecto estava igualmente presente no talmente a Constituição estadual –, e são, no mais
comportamento atomizado e individualista dos das vezes, muito dependentes dos níveis superio-
governadores, cujo fortalecimento não resultou em res de governo no que tange às questões políti-
uma coalizão nacional em torno de um projeto de
hegemonia nacional, mas sim em coalizões pon-
tuais e defensivas para manter o status quo.
9 Já no seu artigo 1, a Constituição define que “a Repúbli-
O caráter predatório do federalismo brasileiro ca Federativa do Brasil [é] formada pela união indissolúvel
resultou do padrão de competição não-cooperati- dos Estados e Municípios e do Distrito Federal [...]” (BRA-
va que predominava nas relações dos estados com SIL, 1988).

47
A COORDENAÇÃO FEDERATIVA NO BRASIL

cas, financeiras e administrativas. sos próprios. A média por região é de 75% dos
municípios com até 50 mil habitantes, ao passo
A nova autonomia dos governos subnacionais
que no universo total há 91% dos poderes locais
deriva em boa medida das conquistas tributárias,
com esse contingente populacional (ARRETCHE,
iniciadas com a Emenda Passos Porto, em 1983,
2000, p. 247).
e consolidadas na Constituição de 1988, o que faz
do Brasil o país em desenvolvimento com maior A baixa capacidade tributária dos municípios
grau de descentralização fiscal (SOUZA, 1998, p. brasileiros é ainda maior sob o ponto de vista com-
8). Cabe ressaltar que os municípios tiveram a parado. Segundo estudo realizado por José
maior elevação relativa na participação do bolo tri- Roberto Afonso e Érica Araújo (2000, p. 48), os
butário, apesar de grande parte deles depender governos locais brasileiros estavam em 15º lugar
muito dos recursos econômicos e administrati- em termos de base de arrecadação própria em um
vos das demais esferas de governo. O fato é que universo de 19 países. Mas, além da fragilidade
os constituintes reverteram a lógica centralizadora financeira, a maior parcela das municipalidades
do modelo unionista-autoritário e mesmo as re- detém uma máquina administrativa precária.
centes alterações que beneficiaram a União não
Somado ao obstáculo financeiro e administra-
modificaram a essência descentralizadora das fi-
tivo, o bom andamento da descentralização no
nanças públicas brasileiras.
Brasil foi prejudicado pelo municipalismo
A descentralização foi acompanhada igualmente autárquico, visão que prega a idéia de que os go-
pela tentativa de democratizar o plano local. Em- vernos locais poderiam sozinhos resolver todos
bora esse processo seja desigual na sua distribui- os dilemas de ação coletiva colocados às suas
ção pelo país e tenha um longo caminho pela frente, populações. Essa definição foi elaborada por Cel-
ele redundou em uma pressão sobre as antigas so Daniel, ex-Prefeito de Santo André (em 2001),
estruturas oligárquicas, conformando um fenô- um dos grandes defensores da bandeira
meno sem paralelo em nossa história federativa. municipalista, além de um inovador administrati-
Daí surgiram novos atores, como os conselhei- vo e um democratizador das relações entre Esta-
ros em políticas públicas e líderes políticos que do e sociedade, mas que também sabia dos limi-
não tinham acesso real à competição pelo poder – tes do poder local no país.
o crescimento gradativo da esquerda nas eleições
O municipalismo autárquico incentiva, em pri-
municipais, em particular o Partido dos Trabalha-
meiro lugar, a “prefeiturização”, tornando os pre-
dores (PT), demonstra isso. Também surgiram
feitos atores por excelência do jogo local e
formas inovadoras de gestão, como o orçamento
intergovernamental. Cada qual defende seu muni-
participativo e a Bolsa-Escola, para ficar com dois
cípio como uma unidade legítima e separada das
casos famosos.
demais, o que é uma miopia em relação aos pro-
As conquistas da descentralização não apagam blemas comuns em termos “micro” e
os problemas dos governos locais brasileiros. Em macrorregionais. Ademais, há poucos incentivos
especial, cinco são as questões que colocam obs- para que os municípios consorciem-se, dado que
táculos ao bom desempenho dos municípios do não existe nenhuma figura jurídica de direito pú-
país: a desigualdade de condições econômicas e blico que dê segurança política para os governos
administrativas; o discurso do “municipalismo locais que buscam criar mecanismos de coopera-
autárquico”; a “metropolização” acelerada; os res- ção. Mesmo assim, em algumas áreas, os con-
quícios ainda existentes tanto de uma cultura po- sórcios desenvolveram-se mais, como em meio
lítica como de instituições que dificultam a ambiente e na saúde, porém ainda em uma pro-
accountability democrática e o padrão de relações porção insuficiente para a dinâmica dos proble-
intergovernamentais. mas intermunicipais. Ao invés de uma visão coo-
perativa, predomina um jogo em que os municípi-
Desde a fundação da federação, o Brasil é his-
os concorrem entre si pelo dinheiro público de
toricamente marcado por fortes desigualdades
outros níveis de governo, lutam predatoriamente
regionais, inclusive em comparação com outros
por investimentos privados e, ainda, muitas vezes
países. A disparidade de condições econômicas é
repassam custos a outros entes, como é o caso
reforçada, ademais, pela existência de um contin-
de muitas prefeituras que compram ambulâncias
gente enorme de municípios pequenos, com bai-
para que seus moradores utilizem os hospitais de
xa capacidade de sobreviver apenas com recur-

48
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 24: 41-67 JUN. 2005

outros municípios, sem que seja feita uma nariam com os outros níveis de governo. Esse
cotização para pagar as despesas. Nesse aspecto, vazio institucional favoreceu uma posição “flexí-
a questão da coordenação federativa é chave. vel” dos governos estaduais: quando as políticas
tinham financiamento da União, eles procuravam
Outro fenômeno que marcou o processo de
participar; caso contrário, eximiam-se de atuar ou
descentralização foi a intensa metropolização do
repassavam as atribuições para os governos lo-
país. Não só houve um crescimento das áreas
cais.
metropolitanas, em número de pessoas e de orga-
nizações administrativas, como também os pro- O avanço da descentralização encontrou a União
blemas sociais cresceram gigantescamente nes- em uma postura defensiva. Ao perder recursos
ses lugares. No entanto, a estrutura financeira e tributários na Constituição e responsabilizar-se
político-jurídica instituída pela Constituição de integralmente, em um primeiro momento, pela
1988 não favorece o equacionamento dessa ques- estabilidade econômica, o governo federal procu-
tão. No que se refere ao primeiro aspecto, a op- rou transformar a descentralização em um jogo
ção dos constituintes foi por um sistema de re- de mero repasse de funções, intitulado à época de
partição de rendas intergovernamentais com viés “operação desmonte”.
fortemente antimetropolitano, favorecendo inclu-
Ao contrário do que o ideário centralista de-
sive a multiplicação de pequenas cidades
fendeu junto à opinião pública, grande parcela dos
(REZENDE, 2001). No que tange ao segundo
encargos foi, sim, assumida pelos municípios. Mas
ponto, o fato é que as regiões metropolitanas
isso aconteceu de modo desorganizado na maio-
(RMs) enfraqueceram-se institucionalmente em
ria das políticas – a grande exceção foi a área de
comparação com a dimensão que tinham no regi-
saúde. Ademais, a inflação crônica tornava mais
me militar. Prevaleceu o municipalismo em detri-
instável o repasse de recursos, dificultando uma
mento das formas compartilhadas de gestão
assunção programada das atribuições por parte dos
territorial. É dessa concepção que se originou a
governos locais. Criou-se, em suma, uma situa-
explosão dos problemas dos grandes centros ur-
ção de incerteza, de decisões e transferências de
banos brasileiros.
verbas em ritmos inconstantes e de ausência de
A quarta característica da descentralização é a mecanismos que garantissem a cooperação e a
sobrevivência de resquícios culturais e políticos confiança mútua.
anti-republicanos no plano local. A despeito dos
Aqui se encontra a nova questão resultante do
avanços que houve, que foram muitos se os en-
federalismo conformado na redemocratização: a
xergarmos de uma perspectiva histórica, diversas
descentralização depende agora, diversamente do
municipalidades do país ainda são governadas sob
que ocorria no regime centralizador e autoritário,
o registro oligárquico, em oposição ao modo
da adesão dos níveis de governo estadual e muni-
poliárquico que é fundamental para a combinação
cipal. Por isso, o jogo federativo depende hoje de
entre descentralização e democracia.
barganhas, negociações, coalizões e induções das
É claro que a única maneira de democratizar e esferas superiores de poder, como é natural em
republicanizar o poder local é continuar na trilha uma federação democrática. Em suma, seu su-
da descentralização. Porém, se não houver refor- cesso associa-se a processos de coordenação
mas das instituições políticas subnacionais, além intergovernamental.
de uma mudança da postura da sociedade em re-
O principal problema da descentralização ao
lação aos governantes, o processo descentralizador
longo da redemocratização foi a conformação de
não leva necessariamente à democracia.
um federalismo compartimentalizado, em que cada
No plano intergovernamental, não se consti- nível de governo procurava encontrar o seu papel
tuiu uma coordenação capaz de estimular a específico e não havia incentivos para o
descentralização ao longo da redemocratização. Na compartilhamento de tarefas e a atuação consor-
relação dos municípios com os estados, predomi- ciada. Disso decorre também um jogo de empur-
nava a lógica de cooptação das elites locais, típica ra entre as esferas de governo. O federalismo
do ultrapresidencialismo estadual. Adicionalmen- compartimentalizado é mais perverso no terreno
te, as unidades estaduais ficaram, com a Consti- das políticas públicas, já que em uma federação,
tuição de 1988, em um quadro de indefinição de como bem mostrou Paul Pierson, o entrelaçamento
suas competências e da maneira como se relacio- dos níveis de governo é a regra básica na produ-

49
A COORDENAÇÃO FEDERATIVA NO BRASIL

ção e gerenciamento de programas públicos, es- plano internacional, antítese do que fôra a dé-
pecialmente na área social. A experiência interna- cada de 1980;
cional caminha nesse sentido.
b) um segundo ponto importante foi a melhora
Problemas vinculados ao estadualismo preda- das condições das contas públicas federais. Em
tório e à falta de coordenação da descentralização verdade, a “Era do Real” recebeu “de bandeja”
foram atacados pelo governo Fernando Henrique algumas conquistas dos períodos anteriores,
Cardoso, com sucessos diferenciados, maiores na como a modernização orçamentária feita no
primeira questão, mais irregulares na segunda. governo Sarney e o crescimento das reservas
Antes de analisar as políticas em si, é preciso com- cambiais obtido pelo Ministro Marcílio Mar-
preender as condições que permitiram as mudan- ques Moreira (governo Fernando Collor de
ças, bem como as que ainda criam obstáculos para Mello). Além disso, desde o governo Itamar
a melhoria da coordenação federativa. Franco houve um aumento progressivo da ar-
recadação federal. Diretamente, Fernando
IV. FEDERALISMO SOB FHC: PRINCIPAIS MU-
Henrique Cardoso, então Ministro da Fazenda,
DANÇAS
atuou de maneira decisiva para a aprovação do
A “Era do Real” marca o início da crise do Fundo Social de Emergência (FSE), que au-
federalismo estadualista, embora não tenha con- mentou os recursos “livres” da União, consti-
seguido eliminar todas as suas características pre- tuindo a primeira grande vitória federativa da
datórias – uma delas, a guerra fiscal, até aumen- União no campo financeiro desde a aprovação
tou de intensidade. Entende-se aqui o Real de uma da Emenda Passos Porto, em 1983, quando se
forma mais ampla do que um plano de estabiliza- iniciou o aprofundamento da descentralização;
ção: o contexto que o proporcionou e os seus di-
c) o impedimento do Presidente Fernando Collor
versos resultados foram fundamentais para forta-
de Mello e a possibilidade da vitória de Lula
lecer o governo federal e enfraquecer os gover-
nas eleições presidenciais de 1994 levaram a
nos estaduais, mudando a dinâmica intergoverna-
um realinhamento do establishment, em suas
mental.
dimensões política, social e econômica. Os
Nesse sentido, a “Era do Real” nasceu antes principais caciques regionais e os partidos ou
da promulgação do plano de estabilização. A partir frações partidárias que comandavam importan-
de 1993 e, mais especificamente, da indicação do tes setores empresariais e a maioria dos meios
Ministro Fernando Henrique Cardoso para o Mi- de comunicação de massas não estavam dis-
nistério da Fazenda, o governo federal fortaleceu- postos a ter de engolir o “sapo barbudo” nem
se em razão dos seguintes fatores: um novo aventureiro solitário à direita. Havia,
então, os primeiros sinais do fortalecimento do
a) o primeiro foi a mudança no cenário externo.
governo federal, creditado à atuação de
Depois de uma década em que se combina-
Fernando Henrique Cardoso, que, aliás, pouco
ram, perversamente, a redução drástica de em-
a pouco se transformava informalmente em
préstimos e refinanciamento externos com uma
“Primeiro-Ministro” do Presidente Itamar Fran-
enorme transferência líquida de recursos para
co. Com esse cacife e sua virtù na montagem
o estrangeiro (SALLUM JÚNIOR, 1999, p. 25),
da coligação eleitoral, Fernando Henrique Car-
a partir de 1991 começou a ocorrer uma re-
doso conseguiu formar uma grande aliança, que
versão desse processo. Entre 1992 e 1997
se reforçou com o sucesso do Real;
ocorreu o auge do fluxo de capitais para a
América Latina. De acordo com dados da Co- d) houve também a consolidação de uma mudan-
missão Econômica para a América Latina e o ça ideológica que há anos estava, paulatinamen-
Caribe (Cepal), somente o montante de inves- te, ganhando força na sociedade brasileira. Os
timento estrangeiro direto passou de US$ 10 principais formadores de opinião, a classe mé-
bilhões, em 1990, para US$ 68 bilhões, em 1997 dia, os meios de comunicação e importantes
(GAZETA MERCANTIL, 2000, p. A-20). setores empresariais adotaram a idéia de refor-
Soma-se a isso a bem-sucedida renegociação mas constitucionais como a salvação do país e
da dívida externa realizada em 1993 e que se foi isso que, somado à estabilização monetária,
constituiu, assim, em uma situação extrema- uniu fortemente o Presidente à sociedade no
mente favorável ao poder Executivo federal no primeiro mandato, dando grande popularidade

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 24: 41-67 JUN. 2005

a Fernando Henrique Cardoso; O êxito inicial do Plano Real teve grande im-
pacto sobre a descentralização. A drástica redu-
e) pela primeira vez desde o início da
ção da inflação tornou mais estáveis as transfe-
redemocratização, as eleições presidenciais de
rências intergovernamentais, favorecendo a con-
1994 ocorreram concomitantemente ao pleito
dução do processo descentralizador. Com isso, a
estadual e à disputa para o Congresso Nacio-
União obteve o instrumento que lhe faltava para
nal. Essa “eleição casada” vinculou os congres-
poder barganhar a passagem de encargos e fun-
sistas e o Presidente, e mesmo os governado-
ções de uma forma mais racional e programada
res, ao mesmo manto de legitimidade, ao con-
para os governos subnacionais. Foi essa situação
trário do que ocorrera antes, quando a Presi-
que permitiu a formulação de políticas públicas
dência da República era definida em um pleito
coordenadas como o Fundo de Manutenção e
“solteiro” e os parlamentares elegiam-se tendo
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
como carro-chefe a eleição à governadoria – o
Valorização do Magistério (Fundef), que analisa-
que contava a favor da atuação dos chefes dos
remos adiante.
executivos estaduais junto às bancadas de seus
estados. Decorreu, daí, um dos fatores do for- A “Era do Real” teve o significado de uma
talecimento da Presidência da República vis-à- “conjuntura crítica”, isto é, de uma grande mu-
vis os governos estaduais; dança na posição relativa dos atores políticos e
sociais em relação aos instrumentos de poder e às
f) ainda no plano eleitoral, não foi apenas o cará-
preferências (PIERSON, 2000). A essa modifica-
ter concomitante da eleição que favoreceu a
ção na situação dos agentes somou-se a capaci-
União no seu relacionamento com os estados.
dade do Presidente Fernando Henrique Cardoso
A eleição de 1994 foi marcada por uma outra
de montar e manter por um bom tempo uma coa-
peculiaridade: em unidades estaduais estratégi-
lizão capaz de fazer alterações na antiga estrutura,
cas da federação, foram eleitos governadores
segundo os objetivos determinados por ele. Nes-
fiéis ao Presidente e cujas vitórias derivaram
se sentido, trata-se, também, de um “momento
do apoio ao Plano Real. Entre esses governa-
maquiaveliano” (POCOCK, 1975), em que a mu-
dores destacaram-se Marcello Alencar (Rio de
dança da “fortuna” (condições objetivas, no sen-
Janeiro), Eduardo Azeredo (Minas Gerais),
tido marxista) realiza seu potencial na virtù do con-
Antônio Britto (Rio Grande do Sul) e mesmo
dutor da mudança, que cria uma nova ordem
Mário Covas (São Paulo), embora este tivesse
institucional10.
maior independência partidária e calibre políti-
co. Apesar de ainda existirem importantes con- Ao mesmo tempo em que se fortaleceu o go-
flitos e FHC ter tido sempre de negociar com verno federal, os estados entraram em uma séria
os governos estaduais, os últimos atuaram bas- crise financeira. O estopim disso, sem dúvida al-
tante afinados com o Palácio do Planalto, con- guma, foi o Plano Real. Em primeiro lugar, por-
cordância federativa que não era obtida desde que, com o fim da inflação, os governos estadu-
o governo Geisel e ais deixaram de ganhar a receita provinda do
floating, que permitia o adiamento dos pagamen-
g) por fim, o fortalecimento do governo federal
tos e o investimento do dinheiro arrecadado no
completou-se e estruturou-se no estupendo
mercado financeiro, possibilitando assim uma ele-
êxito inicial do Plano Real, que conseguiu sus-
vação artificial dos recursos e uma diminuição
tentar-se por mais tempo que qualquer outro
igualmente artificial de boa parte das despesas dos
e, ademais, estabeleceu uma agenda estrutu-
governadores.
ral, em parte continuada hoje pelo governo Lula.
A legitimidade do Real garantiu a eleição e a O Plano Real produziu outro grande impacto
reeleição do Presidente Fernando Henrique nas finanças estaduais com a elevação das taxas
Cardoso, bem como um grande apoio de im-
portantes setores da sociedade, dos governa-
dores e da comunidade internacional. Além da
legitimidade, a arquitetura do Plano Real prati- 10 Os conceitos de “conjuntura crítica” e “momento

camente liquidou os mecanismos que os esta- maquiaveliano” foram primeiramente utilizados para o caso
brasileiro por Eduardo Kugelmas e Lourdes Sola (1999) e,
dos detinham anteriormente para produzir, au-
depois, por Maria Rita Loureiro e Fernando Luiz Abrucio
tônoma e predatoriamente, recursos financei- (2004).
ros.

51
A COORDENAÇÃO FEDERATIVA NO BRASIL

de juros, atingindo em cheio as dívidas estaduais, Fernando Henrique Cardoso, estabelecendo-se


sobretudo no que se refere aos títulos e dívidas uma “conjuntura crítica” na federação brasileira.
dos bancos estaduais. Depois de terem sido o gran- Mesmo com a corrosão gradativa da coalizão go-
de instrumento financeiro dos governadores, es- vernista no segundo mandato (COUTO &
pecialmente na fase áurea do federalismo ABRUCIO, 2004), não houve uma reviravolta na
estadualista, os bancos estaduais entraram em federação e, ao contrário, a adoção de um novo
verdadeira bancarrota. Sofreram mais os grandes modelo financeiro ganhou força com a aprovação
estados, sendo os casos mais graves o do Banerj da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), com
(Rio de Janeiro) e, principalmente, o do Banespa apoio considerável dos congressistas, da socie-
(São Paulo). Neste último, estava em sua carteira dade e dos governantes locais.
a própria dívida do estado de São Paulo, a maior
Um balanço geral dos anos FHC mostra que,
dentre as unidades estaduais.
em parte, ele conseguiu constituir um “momento
Contou ainda para a crise financeira dos esta- maquiaveliano” no jogo federativo, tendo a virtù
dos a adoção de medidas tributárias centra- para criar uma nova ordem; em outros aspectos,
lizadoras. O resultado final foi uma nova recen- todavia, isso não foi feito, permanecendo o lega-
tralização de receitas. Ainda que o Brasil seja um do do federalismo desenvolvido durante a
dos países com maior descentralização fiscal em redemocratização e ainda com algumas influênci-
comparação com os países em desenvolvimento as da trajetória histórica das relações
e mesmo perante as federações mais consolida- intergovernamentais do país. Analisaremos a se-
das do mundo, o movimento concentrador foi de guir como se deu, sob esse pano de fundo, o pro-
fato considerável, por intermédio da elevação das cesso de coordenação federativa no período 1995-
receitas advindas das contribuições sociais e do 2002.
represamento de parcela dos recursos para trans-
V. COORDENAÇÃO FEDERATIVA NA ERA
ferência aos governos subnacionais.
FHC: AVANÇOS, DILEMAS E PROBLEMAS
Os efeitos e o esgotamento do modelo preda-
Durante os dois mandatos de Fernando
tório constituíram-se também em elementos de-
Henrique Cardoso, podemos destacar sete meca-
cisivos para a crise financeira dos estados. Não
nismos gerais adotados pelo governo federal para
se pode, portanto, creditar as causas do dese-
modificar e coordenar as relações intergoverna-
quilíbrio das contas públicas estaduais apenas às
mentais e o processo de descentralização. O pri-
ações e ao fortalecimento do governo federal. Os
meiro deles refere-se ao fato de que o Brasil tinha
juros, medidas tributárias centralizadoras, o fim
iniciado o processo descentralizador antes de es-
da inflação e a intervenção nos bancos estaduais,
tabilizar a economia, o que tornou mais difícil a
sem dúvida, foram fundamentais; porém, são os
constituição de jogos mais coordenados e efeti-
próprios governos estaduais que têm a maior par-
vos de divisão de atribuições, sobretudo porque a
cela de culpa na produção de sua crise.
inconstância da transferência das verbas consti-
O excessivo gasto com pessoal foi outro gra- tui um obstáculo em uma federação desigual como
ve problema que ajudou a minar as contas públi- a brasileira. Ao reduzir a inflação, houve um im-
cas estaduais. Esse padrão administrativo foi re- pacto positivo para a regularização dos repasses
forçado pelos estados ao longo da redemocra- de recursos aos governos subnacionais. Isso per-
tização, particularmente com a promulgação das mitiu a abertura de uma nova rodada de negocia-
constituições estaduais. Nesse tópico, o fator prin- ção para (re)pactuar a descentralização em diver-
cipal no aumento das despesas com funcionalis- sas políticas públicas.
mo adveio da previdência pública, algo crescente
Um segundo mecanismo foi a associação en-
em todos os níveis de governo, mas de uma for-
tre a descentralização e os objetivos de
ma mais preocupante no âmbito estadual. Esse
reformulação do Estado. Nesse sentido, o gover-
diagnóstico demorou para ser feito tanto pelos
no federal procurou, em primeiro lugar, reduzir
governadores como pela União, com efeitos dele-
todos os focos de criação de déficit público nos
térios para a reforma do Estado planejada pelo
governos subnacionais, especialmente os de cu-
governo Fernando Henrique Cardoso.
nho predatório – isto é, que repassavam custos
O modelo estadualista e predatório enfraque- para a União. Para alcançar essas metas fiscais,
ceu-se sobremaneira com a Presidência de houve uma atuação conjunta em prol da moderni-

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 24: 41-67 JUN. 2005

zação da estrutura fazendária em vários estados – ocorreu ainda uma redistribuição horizontal de
com recursos de instituições internacionais – e, recursos, experiência inédita na federação brasi-
no segundo mandato, a aprovação de uma regra leira.
federativa de restrição orçamentária – a Lei de
A partir do final do primeiro mandato e início
Responsabilidade Fiscal –, além da adoção de
do segundo, foram adotadas políticas de distri-
medidas de auxílio na área previdenciária.
buição de renda direta à população. O primeiro
O modelo de coordenação federativa no cam- deles foi o PETI (Programa de Erradicação do
po da reformulação estatal, ademais, incluiu a pro- Trabalho Infantil), depois veio o Programa Renda
posição de programas de demissão voluntária aos Mínima e, mais adiante o Programa Bolsa-Escola,
estados, com financiamento federal. Em um sen- a que se juntaram os programas Bolsa-Alimenta-
tido mais institucional, o Ministério da Adminis- ção e o Vale-Gás. Buscou-se, com tais medidas,
tração e Reforma do Estado (MARE) procurou atacar diretamente a pobreza por meio de políti-
ativar o Fórum dos Secretários Estaduais de Ad- cas nacionais, as quais podem ser realizadas em
ministração, realizando reuniões mais constantes parceria com outros instrumentos de gestão lo-
e cujo tema de debate era a modernização das cal, mas com a garantia de uma verba federal pa-
máquinas públicas – isso durou apenas os primei- dronizada. O pressuposto dessas ações era que
ros quatro anos do período FHC. Por fim, desta- em problemas de origem redistributiva, particu-
ca-se aqui o processo de privatização das empre- larmente em uma federação, é necessária a atua-
sas estaduais, no qual o Banco Nacional de De- ção do governo federal para evitar o agravamento
senvolvimento Econômico e Social (Bndes) teve das desigualdades.
um papel decisivo.
A aprovação de leis ou mudanças constitucio-
O repasse de recursos condicionado à partici- nais atinentes à temática federativa foi outro me-
pação e à fiscalização da sociedade local foi um canismo bastante utilizado nos anos FHC. Com
terceiro mecanismo marcante dos anos FHC. De tais ações, ficou claro que o objetivo era fazer
certo modo, houve uma continuidade da estraté- uma reforma institucional no federalismo brasilei-
gia já prevista pela Constituição de 1988, particu- ro, mais do que implementar políticas de gover-
larmente na criação e ampliação do escopo dos no, embora o padrão de implementação dessas
conselhos de políticas públicas. Aprofundou-se medidas não seja completamente coerente, além
essa concepção com a determinação de que cer- de responder a pressões políticas diferenciadas
tas transferências só seriam recebidas se existis- dentro do poder Executivo federal. Das 34 emen-
sem os Conselhos da área em questão. Além dis- das constitucionais aprovadas de 1995 até junho
so, o programa Comunidade Solidária optou pela de 2002, quinze delas afetavam diretamente o pac-
produção de programas intrinsecamente vincula- to federativo. Isso ocorreu nos seguintes terre-
dos à montagem de parcerias entre o Estado e a nos:
sociedade. O caráter democrático da
a) no tributário, com a aprovação duas vezes do
descentralização, mais do que o aspecto fiscal,
Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) e sua re-
foi a tônica dessa política.
novação posterior pela Desvinculação de Re-
A coordenação de políticas públicas foi muito ceitas da União (DRU), como também pelas
importante nas áreas de saúde e educação, com o mudanças nas contribuições sociais, especial-
PAB (Piso de Atenção Básica) e o Fundef, respec- mente aquelas vinculadas à criação e à prorro-
tivamente. Os mecanismos coordenadores aqui gação da Contribuição Provisória sobre Movi-
utilizados passaram pela combinação de repasse mentações Financeiras (CPMF). Foi por meio
de recursos com o cumprimento de metas pré- das Contribuições Sociais que a União aumen-
estabelecidas ou a adoção de programas formula- tou suas receitas, sem precisar reparti-las com
dos para todo o território nacional. Trata-se de os outros níveis de governo. Também foram
um modelo indutivo que transfere verbas segun- feitas modificações constitucionais que atingi-
do metas ou políticas-padrão estipuladas nacio- ram o Imposto Predial e Territorial Urbano
nalmente, procurando assim dar um perfil mais (IPTU), garantindo sua progressividade, e no
programado e uniforme à descentralização, sem Imposto sobre Serviços (ISS), procurando efe-
retirar a autonomia dos governos subnacionais em tuar aqui uma harmonização tributária entre os
termos de gestão pública. No caso do Fundef, municípios;

53
A COORDENAÇÃO FEDERATIVA NO BRASIL

b) na organização político-administrativa, com a sável entre os níveis de governo.


aprovação da “Emenda Jobim” (Emenda Cons-
A avaliação de políticas descentralizadas tam-
titucional n. 15), que tornou mais difícil a cria-
bém entrou na agenda de coordenação federativa
ção de municípios, com a aprovação de novos
do governo FHC. O Ministério da Educação
limites de gastos dos legislativos locais (Emen-
(MEC) constituiu-se no principal agente dessa
da Constitucional n. 25) e mesmo com a insti-
mudança, criando sistemas avaliadores que apre-
tuição da reeleição (Emenda Constitucional n.
sentam regularmente os resultados alcançados por
16). Pouco se comentou acerca do impacto
essa política. Entretanto, esse vetor avaliador não
federativo da reeleição, mas o fato é que ela
se tornou uma regra geral do governo federal.
alterou o mercado político brasileiro e prova-
velmente terá um grande impacto sobre os pa- Em resumo, o governo FHC usou principal-
drões de carreira tradicionais da classe políti- mente sete mecanismos de ação na ordem federa-
ca, que antes passavam pela utilização dos tiva: 1) o combate à inflação e a respectiva regula-
legislativos, sobretudo a Assembléia Legislativa, rização dos repasses, permitindo uma negociação
como trampolim para postos executivos; mais estável e planejada com os outros entes; 2) a
associação dos objetivos da reforma do Estado,
c) na reforma do Estado, com a abertura à com-
como o ajuste fiscal e a modernização administra-
petição e à privatização nas áreas do gás cana-
tiva, com a descentralização; 3) condicionou a
lizado e das telecomunicações, e a reformulação
transferência de recursos à participação da socie-
de vários artigos referentes à administração pú-
dade na gestão local; 4) criou formas de coorde-
blica (Emenda Constitucional n. 19) e à previ-
nação nacional das políticas sociais, baseadas na
dência (Emenda Constitucional n. 20), com
indução dos governos subnacionais a assumirem
impacto enorme sobre a gestão governamental
encargos, mediante distribuição de verbas, cum-
dos estados e municípios. Não por acaso, to-
primento de metas e medidas de punição, também
das essas medidas passaram por intensas ne-
normalmente vinculadas à questão financeira, além
gociações com prefeitos e, sobretudo, gover-
de utilizar instrumentos de redistribuição horizon-
nadores (Cf. ABRUCIO & COSTA, 1999;
tal no Fundef; 5) adoção de políticas de distribui-
MELO, 2002) e
ção de renda direta à população, partindo do pres-
d) na área social, com a aprovação do Fundef suposto de que o problema redistributivo não se
(Emenda Constitucional n. 14), da chamada resolveria apenas com ações dos governos locais,
“PEC [Proposta de Emenda Constitucional] da dependendo do aporte da União; 6) aprovou um
Saúde” (Emenda Constitucional n. 29) e do conjunto enorme de leis e emendas constitucio-
Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza nais, institucionalizando as mudanças feitas na
(Emenda Constitucional n. 31), que ajudou a federação, dando-lhes, assim, maior força em re-
modificar o padrão das políticas de distribui- lação às pressões conjunturais e 7) estabeleceu
ção de renda direta à população, tal como refe- instrumentos de avaliação das políticas realizadas
rido anteriormente. É interessante notar que tais no nível descentralizado, especialmente na área
reformulações constitucionais criam obrigações educacional.
válidas não só para os próximos Presidentes,
Entretanto, o modelo federativo adotado pelo
mas também para os futuros governantes de
governo Fernando Henrique Cardoso também teve
estados e municípios.
problemas gerais de funcionamento. Entre eles,
Além das alterações constitucionais, várias leis estão a fragmentação de uma mesma política em
complementares e ordinárias com impacto fede- vários órgãos e ministérios, como é o caso do
rativo foram aprovadas. Destacam-se a Lei de saneamento básico; a pulverização das políticas
Responsabilidade Fiscal e a Lei Kandir, que trans- de renda, a despeito da ação coordenadora do Pro-
formaram regras básicas das finanças públicas. jeto Alvorada; a falta de uma avaliação consistente
Na verdade, essa nova legislação reordenou os na maior parte das áreas descentralizadas; a exis-
parâmetros de ação dos entes subnacionais, cri- tência de poucos ou fracos fóruns
ando as condições para que as relações intergovernamentais, a partir dos quais as políti-
intergovernamentais ganhem um sentido diferen- cas nacionais poderiam ser melhor controladas e
te do constituído na redemocratização, especifi- legitimadas; a adoção de uma visão tributária per-
camente no que tange à convivência mais respon- versa do ponto de vista federativo, seja pela

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 24: 41-67 JUN. 2005

recentralização de recursos, seja pela negligência de março de 2002, foi de R$ 70 bilhões (MORA,
em relação à harmonização tributária do Imposto 2000). Não obstante, esse modelo permitiu uma
sobre Circulação de Mercadorias e Serviços mudança crucial na lógica das relações
(ICMS); a deterioração das políticas regionais, intergovernamentais.
levada às últimas conseqüências com o fim da
O governo federal, por meio principalmente
Superintendência para o Desenvolvimento da
do Bndes, também atuou fortemente no progra-
Amazônia (Sudam) e da Superintendência para o
ma de privatizações dos estados. O objetivo, como
Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e o fra-
dito acima, era reestruturar a ação do Estado em
casso das políticas urbanas, afetando setores como
áreas estratégicas e obter recursos para quitar a
habitação, saneamento, segurança pública e trans-
dívida pública. No primeiro mandato de FHC, fo-
portes metropolitanos.
ram privatizadas 24 empresas estaduais e em mais
Pretende-se, a seguir, fazer um breve relato de 13 ocorreu a venda de participação acionária, o
três áreas de coordenação federativa contempla- que significou a obtenção de 37% dos quase US$
das nos anos FHC. O propósito não é avaliar subs- 70 bilhões movimentados por todas as
tantivamente tais ações; o intuito desta parte do privatizações e concessões realizadas no período,
trabalho é entender do papel do governo federal excluídas as transferências de dívidas (ABRUCIO
em tais questões ou setores. & COSTA, 1999, p. 101).
V.1. Reforma do Estado: questões financeiras e O êxito financeiro e programático alcançado
administrativas pelo poder Executivo federal nas privatizações nos
O tema central da agenda federativa de FHC estados não solucionou todos os problemas en-
foi a questão financeiro-fiscal. Suas ações volvidos nesse tema. Primeiro porque muitos es-
nortearam-se pelos objetivos de acabar com os tados usaram parte das receitas obtidas não para
mecanismos que os governos subnacionais tinham o pagamento de suas dívidas com a União, mas
de repassar custos à União, pela criação de condi- para gastos correntes. É claro que houve um ganho
ções para que os estados conseguissem ajustar importante em termos de abatimento de débito,
suas contas e pelo programa de privatização da mas sem, no entanto, levar a maioria dos estados
empresas estaduais, pelo qual procuraram, ao à realização de um verdadeiro ajuste estrutural das
mesmo tempo, remodelar setores econômicos contas públicas – os poucos que conseguiram
segundo o modelo de Estado defendido por Brasília fazê-lo, como São Paulo, precisaram fazer cortes
e obter recursos para quitar a dívida pública. Além e racionalização dos gastos, bem como aumentar
disso, o segundo período governamental concen- a receita.
trou-se, movido ainda pela ótica econômica, na Mais do que isso: a política macro-econômica
questão previdenciária. adotada no primeiro mandato de FHC dificultou
No plano financeiro-fiscal, o governo federal qualquer ajuste provindo apenas dos recursos de
aproveitou a enorme crise que assolou os gover- privatização. Isso porque o modelo da sobrevalo-
nos estaduais e a legitimidade da “Era do Real” rização cambial e sua aposta no financiamento por
para, primeiramente, reestruturar o sistema ban- poupança externa vincularam-se a uma taxa alta
cário estadual. O resultado final apontou para o de juros que, ao fim e ao cabo, elevava ainda mais
fim das formas de repasse de custos ao Banco a dívida pública, de modo que os recursos obti-
Central, por meio da extinção, privatização e dos com a venda das empresas (estaduais e fede-
federalização da grande maioria dos bancos esta- rais) acabavam, em boa medida, indo “para o ralo”.
duais. Se, por um lado, este processo pôs fim a Em termos estruturais, os governadores teriam
um mecanismo estrutural de produção de déficit, feito melhor se utilizassem a receita da privatização
por outro lado ele teve um preço para os cofres para capitalização de fundos de pensão do funcio-
da União, causado por dois fatores: pela dificul- nalismo estadual, com efeitos benéficos maiores
dade em resolver a situação do Banespa, que pos- no curto e longo prazos. Mas, naquele momento,
tergou a resolução dos problemas de todo o siste- os governos estaduais e o governo federal, no seu
ma, e pela necessidade de criar-se um instrumen- papel de coordenação federativa, não tinham idéia
to financeiro de transição, o Proes (Programa de do impacto estrutural dos gastos previdenciários
Incentivo à Redução do Setor Público Estadual na às contas públicas subnacionais.
Atividade Bancária), cujo custo final, em valores Obviamente que as privatizações são funda-

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A COORDENAÇÃO FEDERATIVA NO BRASIL

mentais para diminuir redes clientelistas Franco, teve verbas bloqueadas e logo a seguir
estabelecidas entre as empresas estatais, a classe regularizou seu pagamento.
política e as empresas privadas, constituindo-se
As despesas com pessoal nos governos esta-
assim em um aspecto essencial para mudar a gra-
duais constituíram mais um tópico da agenda fe-
mática política brasileira (NUNES, 1997). Ade-
derativa do período FHC. No início de 1995, das
mais, sem as empresas estatais, os estados ten-
27 unidades estaduais (contando o Distrito Fede-
dem a não fazer determinados gastos que levari-
ral), apenas seis despendiam menos de 60% da
am ao aumento de seu déficit. Colocados esses
receita líquida com o funcionalismo, sendo que
aspectos positivos à mesa, deve-se ter cuidado
em três delas (Roraima, Amapá e Tocantins) a
para não transformar o programa de privatizações
maior parte dos servidores ainda era paga pela
em uma ação a partir da qual o Estado sai dessas
União, já que a sua condição de estado é bastante
esferas econômicas.
recente. A continuidade desse problema dificulta-
Aqui se encontra o maior problema do progra- rá a resolução dos déficits financeiros da federa-
ma de privatizações dos estados sob a coordena- ção.
ção federativa da União: não se propôs, na grande
Por isso, o governo federal resolveu atuar nessa
maioria dos casos, um modelo regulatório con-
questão. A medida de maior impacto inicial foram
sistente para o dia seguinte da reforma do Estado.
os programas de Demissão Voluntária (PDVs).
Do mesmo modo que o Bndes prestou adequada
Com financiamento da Caixa Econômica Federal,
assessoria financeira para a venda das empresas
os PDVs resultaram na demissão de 100 mil fun-
estaduais, também seria necessária a ajuda na cri-
cionários públicos estaduais, mas tiveram peque-
ação de agências regulatórias – montadas depois
no impacto na redução de custos, de apenas 4,5%
em número menor de estados do que o universo
do que se gastava com pessoal ativo – os estados
de governadorias que privatizaram empresas
com maior contingente de servidores, ademais,
(ABRUCIO, 2004). Porém, nesse aspecto, pesou
foram os menos afetados (BELTRÃO, ABRUCIO
mais o lado da primeira onda de reformas volta-
& LOUREIRO, 1998).
das para o mercado do que o aspecto essencial da
segunda rodada de reformas, de criação de novas Foram constatados dois grandes problemas na
instituições estatais voltadas à regulação econô- aplicação dos PDVs. O primeiro é que os servido-
mica (BANCO MUNDIAL, 1997). res que aderiam a esses programas de dispensas
normalmente tinham uma melhor qualificação pro-
A renegociação das dívidas dos estados, por
fissional, ficando os com menor capacidade
meio da Lei n. 9 496/97, foi um passo importante
gerencial. Além disso, em muitos estados não ha-
para disciplinar as relações federativas, rompen-
via um mapa preciso do perfil do funcionalismo
do com o antigo modelo predatório. Em primeiro
e, desse modo, não se sabia exatamente quais eram
lugar, o acordo contemplou quase a totalidade das
os gargalos burocráticos. Faltou aqui uma ação
unidades estaduais, evitando-se assim a existên-
mais coordenada entre o governo federal e as ad-
cia de free riders11. No total, ela refinanciou um
ministrações subnacionais.
montante de R$ 132 bilhões. Em segundo lugar,
embora os estados reclamem hoje da porcenta- A falta de uma coordenação federativa tam-
gem da receita líquida que têm de dispor, o fato é bém levou a um diagnóstico equivocado quanto
que receberam um grande subsídio da União, a aos gastos com pessoal. O governo FHC insistiu,
partir do qual houve uma redução substantiva das por boa parte do primeiro mandato, em um argu-
taxas de juros que vinham pagando antes. Esse mento: a resolução do problema dar-se-ia com a
novo contrato, ademais, é bem diferente dos permissão de dispensa de funcionários quando um
efetuados ao longo da redemocratização, particu- nível de governo gastasse mais do que 60% da
larmente pela sua capacidade de fazer que seja de receita líquida com folha de pagamento. Ao não
fato cumprido, incluindo a retenção de transfe- discriminar os gastos entre os poderes, a então
rências federais – o único estado que tentou bur- Lei Camata colocou para o governador uma tare-
lar essa regra, Minas Gerais, na gestão de Itamar fa em que em parte ele não podia atuar. Isso por-
que cresciam, cada vez mais, os gastos com pes-
soal do poder Legislativo e, sobretudo, do poder
Judiciário. Mas o maior erro foi outro: não perce-
11 “Caronistas” (N. R.).
ber que o maior problema do excesso de gastos

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 24: 41-67 JUN. 2005

com pessoal provinha do pagamento de inativos. sucedidas de coordenação federativa nos anos
Novamente, isso não foi detectado porque faltava FHC. Faltou, no entanto, criar um fórum de dis-
uma burocracia competente nos estados e uma cussão entre os vários níveis de governo, tal como
ação coordenadora do governo federal para de- estabelecido no artigo 67 da LRF, que estipula a
tectar essa questão. Somente no final de 1997 é instituição de um Conselho de Gestão Fiscal. O
que os governos estaduais e a União deram-se governo FHC não se mobilizou politicamente para
conta da magnitude desse problema. regulamentar tal Conselho, causando prejuízo para
a democratização da federação. No fundo, preva-
Mesmo tendo adquirido poder no pêndulo fe-
leceu aqui a visão da equipe econômica, que su-
derativo no primeiro mandato, a União não se pre-
põe, seguindo certas versões do federalismo fis-
parou adequadamente para atuar como agente
cal, que deve haver uma hierarquização entre os
coordenador no plano intergovernamental. Deve-
entes governamentais, com o governo federal –
ria ter havido orientação e capacitação da buro-
que nesse caso poderia chamar-se governo cen-
cracia federal para recolher informações dos go-
tral – comandando linearmente as finanças públi-
vernos subnacionais ou então, em uma via mais
cas. Nada mais distante da soberania comparti-
pertinente para o federalismo, os estados e os mu-
lhada que marca o federalismo.
nicípios poder ter sido auxiliados na construção
de capacidades institucionais. Em vez disso, o A melhoria das condições fiscais de longo pra-
primeiro governo FHC procurou “vender” uma zo, por fim, tem a ver com duas outras variáveis,
receita de reforma do Estado sem estabelecer uma praticamente negligenciadas no período FHC: a
rede da burocracia nacional com as estaduais e realização de reformas institucionais e a constru-
municipais. ção de um novo modelo de desenvolvimento. No
primeiro aspecto, é importante que sejam realiza-
Houve, porém, dois avanços no segundo man-
das mudanças no relacionamento entre a socieda-
dato de Fernando Henrique Cardoso. O Ministé-
de e o Estado e das instituições políticas
rio da Previdência e Assistência Social assumiu
subnacionais, especialmente do Tribunal de Con-
uma importante função coordenadora e atuou de-
tas e do poder Judiciário, para aumentar a
cisivamente na assessoria e indução dos estados e
accountability democrática. Além disso, a buro-
municípios. O resultado é que mais e mais gover-
cracia dos níveis subnacionais precisa ser conti-
nos subnacionais estão constituindo Fundos
nuamente aperfeiçoada.
Previdenciários, com cálculos atuariais mais pre-
cisos – mas a tarefa teria sido mais fácil se o di- A construção de um novo modelo de desen-
nheiro da privatização fosse usado inicialmente na volvimento que melhore a situação dos estados
capitalização desses sistemas. depende basicamente de ações nacionais. Por um
lado, é preciso atacar as desigualdades regionais,
O aprendizado federativo também foi consta-
que impedem a obtenção de resultados satisfatórios
tado na definição de gastos com pessoal e nos
em várias partes do país. Por outro, a guerra fis-
instrumentos de controle com a promulgação da
cal não pode mais continuar, pois ela cria déficits
Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), em maio
futuros aos governos estaduais e, efetivamente,
de 2000. A LRF definiu melhor os mecanismos de
não resolve o problema do desenvolvimento; ao
restrição orçamentária, responsabilizando mais
invés disso, acirra o conflito horizontal entre as
claramente todos os poderes. Adicionalmente, suas
unidades federativas.
regras estabeleceram instrumentos de enforcement
mais efetivos, que dificultam uma postura con- Desse modo, a resolução federativa dessa ques-
trária à nova regulamentação, por conta das pena- tão passa, sim, pela continuidade da trilha aberta
lidades. E, ainda, o governo federal exerceu um pela Lei de Responsabilidade Fiscal, com a ativa-
papel coordenador ativo por intermédio do Bndes, ção de um fórum federativo que a gerencie mais
que assessorou governos locais, disseminou as democraticamente, mas também depende de re-
noções básicas da LRF por todo o país e deu in- formas estruturais – criação ou fortalecimento dos
centivos para a modernização da máquina admi- fundos previdenciários, modernização das buro-
nistrativa dos governos subnacionais, com vistas cracias estaduais, democratização das instituições
a cumprir os requisitos fiscais básicos. políticas subnacionais e novo modelo de desen-
volvimento – para as quais o fiscalismo reinante
A LRF foi uma das experiências mais bem-
nos anos FHC deu pouca atenção.

57
A COORDENAÇÃO FEDERATIVA NO BRASIL

V.2. Coordenação federativa na área social: alguns dual, e na Comissão Intergestores Tripartite (CIT)
exemplos no âmbito nacional. A NOB-96 estimula as parce-
A área de proteção social é bastante abrangente rias entre municípios, mas não cria incentivos fi-
e difícil de ser mapeada no espaço deste artigo. nanceiros específicos (ABRUCIO & COSTA,
Por essa razão, escolhemos três de suas políti- 1999, p. 78).
cas, analisando como se deu a relação entre Foi nesse contexto de maior consistência da
descentralização e coordenação federativa, sem descentralização que o governo FHC estabeleceu
fazer uma avaliação substantiva dos resultados suas políticas de saúde. Os problemas iniciais es-
alcançados. tavam vinculados mais à regularidade dos repas-
A saúde é, sem dúvida alguma, a política pú- ses e à garantia de fonte seguras e permanentes
blica de maior destaque no quadro federativo des- de recursos. Com a resolução destes últimos, a
de a Constituição de 1988. O modelo de partir do fim da inflação e da aprovação da CPMF
descentralização proposto foi construído por mui- com recursos “carimbados” para a saúde, a
tos anos de lutas contra a centralização dos pro- descentralização aprofundou-se ainda mais. Entre
gramas e da gestão dos recursos, com destaque 1995 e 1999, sem contabilizar as transferências,
para a atuação de sanitaristas e profissionais da os gastos dos níveis de governo eram de 58%
área médica que constituíram, junto com lideran- para a União, 16% para os estados e 26% para os
ças locais e movimentos sociais, aquilo que al- municípios; após contabilizarmos as transferên-
guns denominam de “partido da saúde” – a que cias, as cifras mudam substancialmente: 23% para
hoje se somam a burocracia setorial e diversos a União, 25% para os estados e 52% para os mu-
políticos, muitos com origem na área. nicípios. Além disso, segundo dados de dezem-
bro de 2001, 99% dos municípios estavam habili-
A reforma desse setor aprofundou-se com a tados a uma das condições de gestão, sendo 89%
Constituição de 1988 e o estabelecimento do Sis- em Gestão Plena da Atenção Básica, e 10,1% na
tema Único de Saúde, o SUS. Seus critérios bási- Gestão Plena do Sistema Municipal (MELO, 2002,
cos são a universalidade, a integralidade e a igual- p. 4).
dade de assistência garantida a todos os brasilei-
ros; preconizava ainda a descentralização da ges- No campo da saúde, a descentralização e a
tão do sistema e a participação da comunidade, coordenação federativa estiveram presentes em
com um tom fortemente municipalista. três questões. A primeira diz respeito ao fortaleci-
mento das atividades intrinsecamente nacionais.
Na década de 1990, surgiram também as A primeira delas é a organização administrativa do
NOBs (Normas Operativas Básicas), que repre- Ministério da Saúde, que se reforçou com a
sentaram um esforço de racionalização dos repas- melhoria dos sistemas de informação, em especi-
ses de recursos e dos gastos pelos estados e mu- al o Datasus. Houve também uma reorganização
nicípios, além da criação de instrumentos de fis- administrativa, com aperfeiçoamento de pessoal e
calização e avaliação das políticas de saúde. Elas constituição de duas agências reguladoras essen-
tentavam definir, com a maior clareza possível, ciais: a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
os custos e benefícios resultantes do cumprimento (Anvisa) e a Agência Nacional de Saúde Suple-
ou não das regras e critérios de repasse de recur- mentar (ANS). Cabe reforçar que a coordenação
sos (principalmente no que se refere às condições federativa associa-se claramente à capacidade
necessárias e suficientes ao repasse de recursos burocrática do governo federal.
financeiros entre União, estados e municípios),
prestação de contas e acompanhamentos das A política de saúde do governo FHC adotou
ações de saúde. iniciativas para reforçar as funções redistributivas
do SUS, orientando recursos para as regiões mais
A partir da NOB-96, o SUS procurou pobres e menos populosas (COSTA, SILVA &
estruturar-se pela responsabilização de cada ins- RIBEIRO, 1999). A principal medida nesse senti-
tância de governo. Estabeleceu-se que os gestores do foi a criação, em dezembro de 1997, do PAB.
federal e estadual são os promotores da Ao mesmo tempo em que procura reduzir as de-
harmonização, modernização e integração do SUS. sigualdades de recursos, o PAB também funciona
Essa tarefa acontece, especialmente, na Comis- como incentivo à municipalização, pois somente
são Intergestores Bipartite (CIB), no âmbito esta- os governos locais habilitados podem receber tais

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 24: 41-67 JUN. 2005

recursos. da eleitoral vencedora a tais dispositivos constitu-


cionais. Talvez tivéssemos de combinar melhor
O PAB é composto de uma parte fixa e outra
as regras intertemporais que orientam a ação dos
variável. A primeira destina-se à atenção básica da
entes federativos com mecanismos de negocia-
saúde e garante a transferência automática, fundo
ção contínua de metas e resultados – e, nesse sen-
a fundo, de um mínimo de R$ 10 por habitante/
tido, o Fundef está mais adequado ao padrão
ano para todos os municípios brasileiros. A idéia
federalista de políticas públicas, uma vez que tem
era reduzir as desigualdades existentes entre as
metas e prazo para esgotar-se, ao mesmo tempo
municipalidades, uma vez que aquelas com maior
em que suas diretrizes ultrapassam o período de
“capacidade produtiva” tendiam a receber mais
mais de um governante.
recursos, ao passo que as pequenas, com rede
incipiente ou nenhuma rede de atenção à saúde, Não foram equacionadas todas as questões
pouco recebiam. A parte variável do PAB é uma federativas ligadas à saúde. A coordenação
das invenções mais frutíferas do federalismo nos intergovernamental, a despeito da força integradora
anos FHC. Sua distribuição de recursos só ocor- do SUS e do “partido da saúde”, vez ou outra
ria se os governos locais aderissem aos progra- revela sua fragilidade, como ficou bem claro no
mas nacionais definidos como prioritários. Além episódio da dengue, em 2002, em que a briga dos
disso, para receber tais recursos era preciso pas- governantes era para saber se o mosquito era
sar por todo o sistema de conselhos, que procura municipal, estadual ou federal. A maior lacuna
fiscalizar o uso adequado dos recursos públicos. desse sistema é a indefinição do papel das unida-
des estaduais. Nesse tópico, o governo federal
Foram seis os programas nacionais incluídos
precisa criar formas de indução à participação e à
no PAB variável: Saúde da Família-Agentes Co-
cooperação da mesma maneira que o PAB fê-lo
munitários de Saúde, Saúde Bucal, Assistência
em relação aos municípios.
Financeira Básica, Combate às Carências
Nutricionais, Combate a Endemias e Vigilância O Ministério da Saúde também tentou incenti-
Sanitária. A característica básica dessas políticas var a formação de consórcios entre os municípi-
era a ênfase na prevenção e não na cura, lema os, como forma de melhorar a prestação do ser-
histórico do movimento sanitarista. O município viço segundo problemas que são regionais e/ou
podia aderir a quantos quisesse e recebia os re- porque a maioria dos governos locais não tem
cursos de acordo com o estipulado em cada pro- condições de resolver todos os seus problemas
grama. Tais ações governamentais, ademais, en- nessa área.
volvem capacitação dos gestores locais e a avali-
O fato é que a saúde é uma das áreas com
ação dos resultados, seja pelo sistema federal, seja
maior número de consórcios. Em 2000, havia 141
pelo controle social ligado aos mecanismos de
consórcios de saúde, em 13 estados e 1 168 mu-
accountability intrínsecos ao SUS. Os resultados
nicípios e abrangendo uma população de 25 362
foram bastante satisfatórios no que se refere à
735 habitantes, segundo estudo da Organização
adesão e, conseqüentemente, ao número de pes-
Panamericana de Saúde e do Ministério da Saúde.
soas atingidas. No caso do Programa de Agentes
Trata-se de um dado impressionante comparado
Comunitários de Saúde (PACS), por exemplo,
ao que acontece nas outras políticas públicas.
houve um aumento de 30% na população coberta
Porém, os mesmos números mostravam que no
entre 1994 e 1998 (SINGER, 2002, p. 517).
bloco das municipalidades que têm entre 10 mil a
A terceira medida foi a aprovação da chamada 20 mil habitantes a porcentagem de consórcios
“PEC da Saúde” (Emenda Constitucional n. 29), era de 23,5%, enquanto no estrato que vai de 20
que determinou a elevação gradativa da porcenta- mil a 50 mil, o contingente atingido era de 12,4%.
gem de recursos destinados a essa área nos três Além do mais, nenhuma capital tinha consórcio,
níveis de governo. Com isso, o problema que o o que é um absurdo, sabendo que as regiões me-
governo Fernando Henrique Cardoso encontrou tropolitanas sofrem freqüentemente do problema
no início do seu primeiro mandato de instabilida- do “carona” – habitantes de cidade vizinha que se
de nos gastos com saúde foi, em boa medida, re- utilizam dos equipamentos sociais e não pagam
solvido. Muitos criticam o modelo da vinculação, nada por isso.
pois ele “engessa” mais o orçamento e os própri-
Esse retrato revela que é preciso igualmente
os governantes, que devem subordinar sua agen-
ter uma política de indução à criação dos consór-

59
A COORDENAÇÃO FEDERATIVA NO BRASIL

cios, na mesma linha do PAB. Mas, nesse caso, a aplicação dos recursos do Fundo. O Conselho
há um problema estrutural, revelado anteriormen- Municipal de Acompanhamento e Controle Social
te: o federalismo compartimentalizado, o do Fundef deve ser composto de, pelo menos,
municipalismo autárquico e a fragilidade jurídica quatro membros, representando a Secretaria Mu-
desse instrumento dificultam a adesão a essa união nicipal de Educação ou órgão equivalente; os pro-
intermunicipal. fessores e diretores das escolas públicas de ensi-
no fundamental; os pais de alunos e os servidores
Na área de educação, uma política destacou-
das escolas públicas de ensino fundamental.
se nos anos FHC como forma de coordenação
federativa. Trata-se do Fundo de Manutenção e Em comparação com a saúde, em que o papel
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de do governo federal sempre foi muito forte, a ação
Valorização do Magistério (Fundef). Aprovado pelo da União na educação foi prejudicada pela forma
Congresso Nacional em 1997, ele obriga os go- confusa e movediça de distribuição de responsa-
vernos a aplicarem 25% dos recursos resultantes bilidades e competências. Nessa “torre de Babel”,
da receita de impostos e transferências na educa- a União cumpria as tarefas mais variadas, em to-
ção, sendo que não menos de 60% deverão ser dos os níveis educacionais, mas não conseguia
destinados ao Ensino Fundamental. Sua implanta- direcionar a contento seus esforços para o Ensino
ção, em nível nacional, iniciou-se em 1o de janei- Fundamental. Desse modo, seu comprometimen-
ro de 1998. to era mais voluntarista ou discricionário do que
fruto de um plano de cooperação federativa na
Dos recursos do Fundef, pelo menos 60%
área educacional. Isso apesar de a Constituição
devem ser aplicados na remuneração dos profis-
definir expressamente a missão do governo fede-
sionais do magistério em efetivo exercício de suas
ral: promover prioritariamente a universalização e
atividades no Ensino Fundamental público. Ade-
a eqüidade no ensino público, incentivando, finan-
mais, são definidas metas que balizam a ação dos
ciando e fornecendo assistência técnica a estados
gestores locais. Entre elas, podemos citar que os
e municípios. O Fundef conseguiu reorganizar
estados, o Distrito Federal e os municípios de-
com sucesso a ação federal.
vem dispor de um novo Plano de Carreira e Re-
muneração do Magistério. Os resultados do Fundef revelam o crescimento
tanto do número de alunos matriculados como da
O rateio do Fundef é proporcional ao número
municipalização do Ensino Fundamental, tarefas
de alunos matriculados na respectiva rede de en-
que não avançavam satisfatoriamente no período
sino. Com isso, a distribuição de recursos obede-
anterior. Em 1996, antes da implantação do Fun-
ce a um critério mais justo, vinculado à assunção
do, 63% das matrículas estavam na rede estadu-
efetiva de encargos. Ocorre aqui uma adequação
al, enquanto 37% estavam no âmbito municipal.
melhor das transferências às atribuições, algo fun-
Um ano depois de iniciado esse programa, já hou-
damental em uma federação, especialmente a nos-
ve uma reversão significativa: 51% dos alunos
sa, em que a desigualdade e a politização dos cri-
pertenciam ao sistema estadual e 49%, ao muni-
térios foram regularmente empecilhos à efetividade
cipal. Outro dado revelador da mudança: em 1998
das políticas.
os governos municipais detinham 38,2% das ver-
O objetivo do governo federal com o Fundef bas do Fundef e, em 2000, passaram a reter 43,2%
foi corrigir a má distribuição de recursos entre as (GARSON & ARAÚJO, 2001, p. 2-3).
diversas regiões e dentro dos próprios estados,
Em resumo, o Fundef foi bem-sucedido no
diminuindo as desigualdades presentes na rede
que se refere à questão federativa por ter melho-
pública de ensino. Trata-se, nesse sentido, de uma
rado a redistribuição de recursos (em termos ver-
política vertical e horizontal de redistribuição de
ticais e horizontais), aumentado a esperança por
recursos, o que a faz única no federalismo brasi-
simetria entre os níveis de governo, além de im-
leiro.
pulsionar uma municipalização mais planejada e a
Para assegurar o seu cumprimento, a lei exige colaboração intergovernamental. Contudo, exis-
a criação dos conselhos de Acompanhamento e tem dois dilemas federativos não equacionados.
Controle Social do Fundef, instituídos em cada O primeiro é o da fragilidade do controle, percep-
esfera de governo, que têm por atribuição acom- tível pelo enorme crescimento das denúncias de
panhar e controlar a repartição, a transferência e corrupção em vários estados. Para tanto, é ne-

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 24: 41-67 JUN. 2005

cessário estabelecer formas articuladas de fiscali- impacto que têm. A primeira diz respeito às políti-
zação institucional entre o TCU, os tribunais de cas de desenvolvimento, analisadas pelo viés do
Contas do plano subnacional, o Conselho vincu- federalismo. A estrutura institucional federal mon-
lado à política e o poder Legislativo. tada para tratar desses problemas foi bastante dé-
bil. O Ministério da Integração Regional consti-
O Fundef, ademais, não foi montado sobre um
tuiu-se apenas em um lugar para o fisiologismo
aparato institucional capaz de discutir e revisar
político da pior espécie, afora ter tido uma grande
sua implantação tal qual há na área de saúde, em
instabilidade no seu comando, com trocas freqüen-
que a rede federativa é mais forte e legitimadora.
tes de titulares, muitas delas derivadas de algum
Em termos democráticos, é essa rede que permi-
escândalo.
te a continuidade e as alterações da política ao
longo do tempo. Triste sina tiveram as instituições de coorde-
nação do desenvolvimento regional, a Sudam e a
Finalizando a discussão de algumas políticas
Sudene. O Presidente Fernando Henrique Cardo-
sociais, destacamos as políticas de transferência
so poderá dizer que foi ele quem desvelou toda
de renda à população. Iniciado com o PETI, pas-
uma estrutura profunda, construída por décadas,
sando pelo mal definido Programa de Renda Mí-
de corrupção. É óbvio que essa obra deve ser cre-
nima até chegar ao bolsa-escola, o governo FHC
ditada ao avanço democrático ocorrido nos últi-
gastou sete anos de seu mandato para construir
mos anos, com intensa participação da imprensa
uma forma mais efetiva de atacar a pobreza. Na
e das instituições de controle, em particular aqui o
verdade, ao longo desse aprendizado, percebeu-
Ministério Público Federal. Mas o fato cabal é que
se que problemas redistributivos em uma federa-
o governo FHC não teve um projeto claro de de-
ção, como já apontaram Paul Peterson (1995) e
senvolvimento regional. Ao contrário, desmante-
Paul Pierson (1995), só podem ser resolvidos com
lou os órgãos incumbidos de tal tarefa, fragmen-
a intervenção ativa de políticas nacionais. A maior
tou políticas para esta área e não propôs uma al-
novidade em termos substantivos é a vinculação
ternativa ao modelo anterior.
da transferência de dinheiro a certos objetivos,
como a manutenção da criança na escola e a re- O acirramento da guerra fiscal tornou-se uma
dução da evasão escolar. marca negativa da Era FHC. O uso dessa forma
de competição federativa é comprovadamente inó-
A soma de recursos aí direcionada cresceu bas-
cuo, pois a adoção dessas medidas não tem alte-
tante, graças à aprovação do Fundo de Combate e
rado a redistribuição regional dos recursos e, como
Erradicação da Pobreza. Além disso, a partir de
mostrou o estudo de Sérgio Ferreira (2000), do
2001, essa distribuição de renda diretamente à
Bndes, dos sete estados que mais utilizaram os
população foi mais bem coordenada pelo Projeto
instrumentos de incentivo tributário (Rio Grande
Alvorada, que estabeleceu uma focalização me-
do Sul, Ceará, Paraná, Espírito Santo, Goiás, Bahia
lhor de quem seriam os beneficiados, mediante
e Pernambuco), somente o Ceará teve aumento
um critério criativo de utilização do índice de de-
na sua participação no PIB nacional entre 1985 e
senvolvimento humano (IDH) dos municípios.
199812.
Todavia, o Projeto Alvorada e a noção mais
Sem dúvida, há fatores que fogem da alçada
coordenada de políticas de transferência de renda
da União, como o comportamento estadualista das
foram atropelados pelo ciclo eleitoral. Com a pro-
governadorias e os elementos da crise financeira
ximidade do pleito presidencial, o Presidente
dos estados causados por eles mesmos, resultan-
Fernando Henrique Cardoso também permitiu a
tes do uso indiscriminado dos instrumentos pre-
proliferação de “bolsas” ou “vales” por vários
ministérios, de modo que mais programas dividi-
ram o bolo, muitas vezes com ausência de comu-
12 Os resultados dos estados que utilizaram intensamente
nicação entre eles, o que levou ao desperdício e à
dificuldade de avaliarem-se os resultados. a guerra fiscal foram os seguintes: Goiás teve um decrésci-
mo de 2% para 1,9%; no Rio Grande do Sul houve uma
V.3. As políticas urbanas e de desenvolvimento queda de 7,9% para 7%; na Bahia, de 5,1% para 4,1%; em
Pernambuco, de 2,5% para 2,3%; no Paraná, de 6,3% para
Várias ações do governo FHC poderiam ser 5,8%; no Espírito Santo, de 1,7% para 1,5%; a grande
criticadas sob o prisma federativo, mas duas de- exceção, o Ceará, teve um crescimento de 1,6% para 1,8%
las precisam ser comentadas devido ao enorme (FERREIRA, 2000, p. 6).

61
A COORDENAÇÃO FEDERATIVA NO BRASIL

datórios ao longo da redemocratização, o que os tuição de 1988. Na verdade, as RMs foram esva-
levou a procurar atrair empresas para angariar ziadas e sua conformação legal, transferida para
empregos e impostos futuros. Fica a pergunta: os estados, os quais, conforme trabalho realizado
como o governo federal poderia ter atuado nessa por Sérgio Azevedo e Virgínia Guia (2000), não
questão? Primeiro, realizando políticas de desen- priorizaram essa questão no seu desenho políti-
volvimento, a partir de decisões que sejam toma- co-administrativo. Sem uma instância metropoli-
das em fóruns nacionais, em nome da transpa- tana e/ou formas que levem à formação de
rência, da justiça redistributiva e da igualdade en- colegiados metropolitanos – com os municípios
tre os pactuantes. Em segundo lugar, faltou uma envolvidos, mais os governos estadual e federal,
ação mais efetiva em prol da reforma tributária. além da sociedade civil local –, será muito difícil
Porém, se partirmos da hipótese de que a resolver os dilemas dos grandes centros urbanos.
reformulação do sistema de tributo é quase im-
Uma ação nacional passaria pela revisão da le-
possível de ser realizada, o papel do Presidente
gislação sobre as regiões metropolitanas, o que
Fernando Henrique deveria ter sido o de colocar
depende de revisão constitucional. O governo fe-
no debate público esse problema e condená-lo.
deral não tratou deste assunto nos anos FHC. Para
Em vez disso, concedeu empréstimo do Bndes
além da questão mais geral, o fato é que a União
para a Ford, intercedendo, sem critérios, em uma
não constituiu políticas adequadas para a grande
batalha entre a Bahia e o Rio Grande do Sul, favo-
maioria dos problemas metropolitanos. Isso fica
recendo o governo baiano em razão da pressão
claro ao observarmos o desenho institucional do
do grande cacique regional, Antônio Carlos Ma-
poder Executivo federal em relação a essa temática.
galhães. Nesse caso, FHC perdeu para o legado
Primeiro, repassou tal preocupação à Secretaria
oligárquico e patrimonialista do federalismo bra-
de Políticas Urbanas, fraca institucional e politi-
sileiro.
camente, destinada a obter apoios clientelistas no
A maior fragilidade dos anos FHC foi a ausên- Congresso Nacional. Some-se a isso o fato de que
cia de políticas urbanas. É bem verdade que des- a maioria das políticas urbanas dividia-se por vá-
de o governo Sarney elas não são prioritárias e na rios ministérios – só o saneamento estava presen-
Era Collor houve um desmantelamento daquilo que te em sete deles, mais a Secretaria de Políticas
havia. Mas o fato é que o Brasil dos anos 1990 Urbanas. A fragmentação excessiva inviabilizou o
assistiu a um processo de metropolização dos pro- alcance de resultados satisfatórios.
blemas, com a elevação do desemprego urbano, a
As principais políticas de cunho urbano-me-
piora no sistema de transporte nas grandes cida-
tropolitano fracassaram. Poderíamos citar a se-
des, o crescimento da desigualdade e da pobreza
gurança pública, em que o governo federal des-
metropolitanas (fenômeno bem mais complexo do
cobriu tarde seu papel, reduzido ao financiamento
que o vivido no meio rural), bem como o aumen-
dos estados, quando deveria atuar em rede na
to da violência nas periferias.
coordenação das polícias. No caso do saneamen-
O crescimento dos problemas metropolitanos to, houve um problema regulatório, com a crise
ocorreu no mesmo momento em que não há polí- das empresas do setor e a errática (e equivocada)
ticas ou instituições capazes de dar conta dessa trajetória de privatização e, em termos de investi-
questão. A Constituição de 1988 foi movida por mentos, embora eles tenham-se elevado no perío-
uma concepção descentralizadora municipalista, do 1995-1998, não puderem crescer mais no
por um modelo federativo compartimentalizado e momento seguinte devido às restrições de acordo
por uma aversão ao centralismo, justificável pelo feito com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
impacto negativo que teve o “unionismo-autoritá- Segundo Marcus Melo, a Caixa Econômica Fede-
rio” desenvolvido pelo regime militar. Contudo, ral, principal financiadora de infra-estrutura urba-
quando os problemas não podem ser resolvidos na, não firmou nenhum contrato de financiamen-
sozinhos pelo poder local, envolvem mais de um to na área de saneamento entre 1999 e 2000
ente governamental e precisam também da inter- (MELO, 2002, p. 8).
venção ativa de uma política nacional, o desenho
Como a área de desenvolvimento urbano en-
institucional e a cultura política federalista predo-
volve competências e atribuições dos três níveis
minante não têm respostas adequadas.
de governo, a coordenação federativa teria que
O resultado disso torna-se claro no modelo de passar, como foi feito na saúde e com o Fundef,
região metropolitana (RM) concebido na Consti-

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 24: 41-67 JUN. 2005

pela elaboração de políticas federais indutoras, a locando fortes limites à irresponsabilidade fiscal
partir das quais os governos subnacionais fossem de governadores e prefeitos. Destaque deve ser
incentivados a cooperar e a buscar determinadas dado também para outros quatro elementos posi-
metas e resultados. Além disso, como bem nota tivos: o reforço do controle social vinculado à
Marcus Melo, o sucesso das políticas públicas descentralização; a adoção de políticas de coor-
tem sido maior conquanto consigam desenvolver denação intergovernamental nas políticas de saú-
suas características intersetoriais, como ocorre de (com o PAB) e de educação (com o Fundef);
no bolsa-escola, por exemplo. Isso é válido para criação de programas nacionais de transferência
vários setores do desenvolvimento urbano, em direta de renda, com importantes impactos
particular o Saneamento, que poderia articular-se redistributivos e, em menor medida, montou pro-
mais com a saúde, fortalecendo os programas desta gramas de avaliação dos gastos públicos e dos
área (idem, p. 25). resultados das políticas, fornecendo um feedback
essencial à União para coordenar a descentrali-
O Presidente Fernando Henrique Cardoso per-
zação.
cebeu, na passagem de um mandato a outro, que
sua política urbana ia de mal a pior. Por isso cogi- Os limites e os fracassos do período Fernando
tou de criar um ministério específico e forte para Henrique Cardoso são pensados aqui como o uni-
essa área, mas não teve êxito em seu intento. Ain- verso que compõe os desafios federativos do go-
da que longa, vale a pena citar a descrição de Caco verno Lula. Cabe assinalar, primeiramente, três
de Paula a respeito desse processo: “Durante sua ações institucionais positivas tomadas pelo novo
campanha pela reeleição, Fernando Henrique Car- Presidente: o revigoramento da Secretaria de As-
doso chegou a anunciar a criação do Ministério suntos Federativos, que nunca teve o devido po-
do Desenvolvimento Urbano, uma superpasta que der nos anos FHC, a criação do Ministério das
contaria com R$ 40 bilhões, provenientes do Or- Cidades, unificando todas as políticas urbanas em
çamento da União, de recursos da Caixa Econô- um só local, além da reestruturação da política
mica Federal e que, com acordos com a iniciativa regional, com o Ministério da Integração Nacio-
privada, se dedicaria a combater os grandes déficits nal. Duas medidas legislativas também apontaram
das áreas de habitação e saneamento. Saudado para o rumo certo. Uma foi a continuação da re-
tanto por técnicos em urbanismo como por em- forma da previdência, agora mais focada no setor
presários do setor imobiliário esse ‘Ministério da público, com impacto favorável à modernização
Moradia’ – ou ‘Ministério da Cidade’ – passou a dos governos estaduais – e a forma cooperativa
ser visto como uma possibilidade de, finalmente, pela qual Lula atuou junto aos governadores foi
o governo enfeixar as políticas de desenvolvimento um dos pontos altos de sua gestão. A outra medi-
urbano de forma mais integrada. Como já aconte- da revela a assunção de uma nova visão das rela-
cera outras vezes, desde os tempos do regime ções intergovernamentais. Trata-se do projeto que
militar, a superpasta foi motivo de muitos comen- regulamenta os consórcios públicos, que diminuirá
tários, discussões e disputas entre os políticos ali- substancialmente os efeitos perversos do munici-
ados do Palácio do Planalto. Mas na hora em que palismo autárquico.
teve de articular o xadrez ministerial para o seu
Permanece uma lista longa de problemas de
segundo mandato, Fernando Henrique Cardoso
coordenação federativa para o governo Lula. En-
abandonou a idéia. E o antigo projeto, tentado desde
tre os principais, destacamos:
o fim dos governos militares, de fazer da questão
urbana a grande prioridade da ação federal, nova- 1) mudanças no sistema tributário, principalmen-
mente, ficou para o futuro” (PAULA, 2002, p. te na lógica de cobrança do ICMS, a fim de
419). neutralizar os efeitos perversos da guerra fis-
cal;
VI. OS DESAFIOS DO GOVERNO LULA
2) o fortalecimento dos mecanismos nacionais de
A Era FHC teve um papel importante na mu-
avaliação de políticas públicas, tarefa bastante
dança de alguns padrões federativos construídos
atrasada no atual momento;
ao longo da redemocratização. Em especial, teve
grande êxito no ataque ao modelo predatório vin- 3) auxílio na reformulação e criação de capacida-
culado ao estadualismo, reduzindo as formas de des administrativas de estados e municípios,
repasse de custos financeiros entre os entes e co- processo que teve um bom impulso no campo

63
A COORDENAÇÃO FEDERATIVA NO BRASIL

dos estados, com a criação do Programa Na- 6) aprimoramento das políticas nacionais de trans-
cional de Apoio à Modernização da Gestão e ferência de renda, vinculando e controlando
do Planejamento dos Estados e do Distrito Fe- mais o repasse de recursos a políticas de
deral (Pnage). Além disso, é preciso estabele- capacitação para a cidadania plena;
cer redes e interconexões de longo prazo entre
7) adoção de políticas de desenvolvimento que
as burocracias federal, estaduais e municipais,
reduzam, efetivamente, as disparidades regio-
o que favorecerá um planejamento melhor das
nais do país. As boas intenções iniciais, inclu-
políticas nacionais e regionais;
sive no campo institucional, não tiveram ainda
4) montagem de uma nova ordem regulatória e resultados palpáveis e
coordenadora das principais políticas urbanas,
8) por fim, o fortalecimento dos fóruns federati-
com destaque para o saneamento, a segurança
vos de discussão e negociação entre os níveis
pública, a habitação e o transporte. Mais uma
de governo. Decerto que os anos FHC trouxe-
vez, o governo Lula tem andado lentamente,
ram muitos avanços para o nosso federalismo,
quando não erraticamente, na formulação e
mas eles ocorreram em uma ação direta, infor-
negociação dessas políticas. Vale frisar aqui que
mal e por vezes fragmentada do governo fede-
a discussão sobre o papel e o funcionamento
ral junto aos entes subnacionais. O aumento
das regiões metropolitanas precisa estar ligada
da consciência da importância da temática da
a esses assuntos;
coordenação federativa só ocorrerá com mai-
5) ampliação e reforço dos mecanismos coorde- or sustentabilidade quando instituições como o
nadores nas áreas de educação – com a elabo- Senado, o Conselho de Gestão Fiscal e gover-
ração e aprovação do Fundeb – e saúde – com nos metropolitanos devem ser ativados para evi-
a indução para ações mais regionalizadas –; tar o reforço perverso da dicotomia entre
descentralização e centralização.

Fernando Luiz Abrucio (fabrucio@fgvsp.br) é Doutor em Ciência Política pela Universidade de São
Paulo (USP), professor do Programa de Pós-graduação em Administração Pública e Governo da Funda-
ção Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), além de lecionar Política Comparada na Pontifícia Univer-
sidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

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