Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
substância material, é uma escolha do indivíduo, um radoura”, cujo caráter é altamente pessoal e cercado
tipo de ligação baseada em um padrão de compor- de considerações sentimentais e morais.
tamento e em um código de conduta que Schneider A essa diferença se soma, em um segundo nível,
sugere estar na ordem da lei, isto é, de regras, costu- os acréscimos ou incrementos que variáveis biológi-
mes e tradições que orientam a conduta dos indi- cas, como a idade e o sexo, desempenham sobre as
víduos. Esse mesmo argumento, porém, é utilizado funções dos membros na família. Neste nível, a iden-
para demonstrar que o parentesco norte-americano tidade de um indivíduo resulta de um constructo
não se restringe exclusivamente aos descendentes e que articula vários domínios da cultura norte-ame-
afins, porque amigos e até mesmo os animais (como ricana, demonstrando que a escolha de um parente é
o cachorro, a quem o autor recorre para dar esse feita por uma pessoa que opera para incluir e excluir
exemplo), em vista de sua escolha e performance, certos indivíduos de suas relações de parentesco.
também reproduzem os padrões de relações que ca- Segundo Schneider, esses constructos resultam da
racterizam o parentesco, como a lealdade, o amor e centralidade que o simbolismo da relação sexual e
a solidariedade. do amor ocupam na família, pois além de definirem,
Sobre a família, Schneider argumenta no capí- em termos abstratos, o que um parente é, revelam
tulo 3 que se trata de uma unidade que representa o conjunto de padrões normativos que orientam
o modo como o parentesco deve ser conduzido e um indivíduo real a agir com base nessas abstrações.
cujos membros são definidos em termos da relação Isso significa que tanto o sangue como o casamento
sexual e do tipo de ligação que mantêm entre si. informam aos norte-americanos quem são seus pa-
Seu átomo é constituído pela mulher, marido e fi- rentes, mas a decisão sobre quem é ou não um pa-
lhos, e todo evento que promova uma ruptura des- rente é tomada com base em critérios que, de modo
se modelo (infertilidade, morte, divórcio ou casa- algum, são puramente questões de parentesco. As
mento) compromete as relações naturais entre seus distâncias física, socioemocional e genealógica têm
membros que lhes permitem “viver juntos”, seja um papel decisivo nesse sentido, pois o valor que o
pela coabitação, como eufemismo para a relação se- parente possui como pessoa é resultado do tipo de
xual, seja pelo convívio, como domínio em que os relacionamento implicado nisso. Schneider aponta
parentes fazem da moradia um “lar”. alguns exemplos, como o “parente famoso”, persona-
Mas família e parentesco não se confundem, gem a quem se recorre nas genealogias para ampliar
razão pela qual na segunda parte do livro Schnei- a importância da linhagem em comparação com as
der aponta os vários componentes conceituais e demais ou traçar relações com o Ego produzindo no-
simbólicos que os distinguem em dois níveis. No toriedade social; o formato de árvore de Natal ad-
primeiro estão o simbolismo do sexo, que, segundo quirido pelas genealogias – no topo está o ancestral
o autor, se baseia nos fatos da natureza e define a fundador e tanto o “tronco” como os “galhos” são
conduta apropriada ou legítima em uma determi- “adornados” por parentes com quem o Ego mantém
nada relação, e o simbolismo do amor, baseado no uma relação consanguínea ou guarda memória; as
relacionamento entre pessoas e que é o símbolo cul- categorias utilizadas para descrever a área indetermi-
tural desse sistema. Em tal nível, a precedência do nada e esmaecida que contém os parentes distantes,
sangue como a substância material torna as relações como “parentes de fralda de camisa”, “parentes de
de filiação e descendência objetivas, permanentes e beijo” e “parentes de velórios-e-casamentos”; e os
involuntárias, produzindo o que o autor chama de mortos, que mesmo ausentes ocupam uma posição
“amor cognático”, enquanto as relações de afinida- ambígua e são lembrados por terem desempenhado
de são subjetivas, perenes e dependem da vontade uma relação significativa em vida.
dos indivíduos, o que se reflete na definição que os No último capítulo do livro, Schneider se
norte-americanos dão ao “amor conjugal”. O amor, dedica a descrever a regra que orienta a aplicação
em qualquer caso, é o ponto de convergência nessa dos termos de parentesco a determinadas pessoas
distinção; ao lado da amizade, desfruta do que Sch- (quem chama “quem” “do quê”?), sugerindo que
neider considera ser uma “solidariedade difusa du- isso se deve ao fato de que elas atuam voluntaria-
RESENHAS 3