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O SILÊNCIO ADMINISTRATIVO: A INATIVIDADE FORMAL DO ESTADO COMO


UMA REFINADA FORMA DE ILEGALIDADE!

TITLE: SILENCE ADMINISTRATIVE: INACTIVITY FORMAL STATE AS A REFINED


FORM OF ILLEGALITY!

Raimundo Márcio Ribeiro Lima


Mestrando em Direito Constitucional pela UFRN. Professor Especialista de Direito Administrativo e
Constitucional da UnP. Especialista em Direito Público pela UnB. Especialista em Docência do
Ensino Superior pela UnP. Graduado em Direito pela UFC. Procurador Federal/AGU.

"A nossa confiança nos outros revela quanto desejaríamos tê-la em nós
mesmos." (Friedrich Nietsche)

Sumário: Introdução; 1 Conceito; 2 A Natureza


Jurídica do Silêncio Administrativo. 2.1. O Fato
Administrativo e o Ato administrativo; 2.2 A Vontade da
Administração Pública Constitui um Elemento do Ato
Administrativo?; 2.3 O Silêncio Administrativo: Fato ou
Ato Administrativo? 3 Ato Implícito e Silêncio
Administrativo; 4 A Tipologia do Silêncio
Administrativo; 4.1 O Silêncio Positivo; 4.1.1 Próprio;
4.1.2 Condicionado; 4.1.3 Implícito; 4.2 O Silêncio
Negativo; 4.2.1 Positivo; 4.2.2 Condicionado; 4.2.3
Implícito; 4.3. O Silêncio Interno; 4.4 O Silêncio
Externo; 4.5 O Silêncio Inominado; 5 A Função Política
do Silêncio Administrativo; 6 O Silêncio Administrativo
no Direito Brasileiro; 6.1 Aspectos Históricos; 6.2 O
Silêncio Administrativo na Ordem Jurídica Positiva; 7
Conclusão; Referências.

Resumo: O artigo visa analisar o instituto do silêncio administrativo, de forma a


explicitar o seu conceito, sua natureza jurídica e sua tipologia, assim como destacar a
sua diferença com relação ao ato administrativo implícito. Ademais, objetiva demonstrar
a importância do silêncio administrativo qualificado para reduzir a inatividade formal da
Administração Pública. Por fim, será destacado o instituto do silêncio administrativo no
Direito Administrativo brasileiro, de forma a apresentar uma breve exposição histórica,
bem como a sua ocorrência na legislação pátria.
PALAVRAS-CHAVE: Administração Pública. Silêncio Administrativo. Ato Administrativo.

Abstract: The article aims to examine the institution of administrative silence, in order
to clarify the concept, its legal status and their type, as well as highlight its difference
from administrative act implied. Furthermore, it aims to demonstrate the importance of
administrative silence qualified to reduce the downtime formal Public Administration.
Finally, the Institute will be highlighted administrative silence in Brazilian Administrative
Law, in order to present a brief history, and its occurrence in Brazilian legislation.
KEYWORDS: Public Administration. Administrative Silence. Administrative Act.
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INTRODUÇÃO

A Administração Pública possui, acima de tudo, dever de observância às prescrições


legais, isto é, um verdadeiro dever de juridicidade1 no cometimento das suas mais
diversas funções. Assim, quando há inobservância dos deveres a ela impostos pela
ordem jurídica, por certo, tem-se a inatividade do Estado; portanto, exsurge uma
refinada ilegalidade, na medida em que a inércia estatal, em que pese não consolidar
uma posição diretamente supressiva de direitos dos administrados, faz com que as
prestações do Poder Público sejam postergadas indefinidamente. A demora, em qualquer
caso, é um grave dano. Assim sendo, o não atuar pode se revelar tão danoso quanto
eventual atividade ilegal da Administração Pública.
Pretende-se, aqui, analisar o instituto do silêncio administrativo2. Para tanto, será
promovida as devidas digressões sobre o seu conceito, natureza e tipologia.
Ainda que se constitua uma perspectiva de estudo interessante, tanto que será
objeto de artigos específicos, não se promoverá, por ora, uma análise da
responsabilidade do Estado em face da ocorrência do silêncio administrativo, muitos
menos dos servidores por conta da inatividade formal do Poder Público. Explica-se:
adentrar no campo da responsabilidade demandaria um estudo, se sério, bem demorado,
principalmente quando se desejaria arvorar simultaneamente as bases de um instituto
jurídico conexo à temática; logo, não se ajustaria aos limites de um único artigo
doutrinário.
Destarte, será analisado nas linhas sucedâneas o instituto do silêncio
administrativo, muito embora, por vezes, algumas ligeiras reflexões sobre áreas diversas
do Direito Administrativo possam ou devam ser abordadas.

1 CONCEITO

Primeiramente, deve-se ressaltar que o silêncio administrativo não pode ser


confundido com a inatividade administrativa, uma vez que esta possui campo de
amplitude inercial maior; quer dizer, enquanto o silêncio administrativo se consubstancia
na omissão do Poder Público diante de um dever legal de atuação; a inatividade
administrativa, por sua vez, opera-se mesmo com a inexistência de tal dever ou de

1 Para uma precisa compreensão da temática é aconselhável à leitura da seguinte obra: OTERO, Paulo.
Legalidade e Administração Pública - O Sentido da Vinculação Administrativa À Juridicidade. Coimbra:
Almedina, 2003.
2 Na Espanha, sob a perspectiva do contencioso administrativo, consultar: (1) PÉREZ HERNÁNDEZ, Antonio. El
silencio administrativo en la ley de 18 de marzo de 1944. Revista de Administración Pública (RAP). Número
02, p. 131-142, Mayo-Agosto, 1950; (2) FALLA, Garrido. La llamada doctrina del silencio administrativo.
Revista de Administración Pública (RAP). Número 16, p. 85-115, Enero-Abril, 1955; (3) BOQUERA OLIVER,
José María. Algunas dificultades de la actual regulación del silencio administrativo. Revista de Administración
Pública (RAP). Número 30, p. 85-102, Septiembre-Diciembre, 1959; (4) PEÑA, J. Trujillo. La desviación de
poder en relación con el recurso de apelación y el silencio administrativo. Revista de Administración Pública
(RAP). Número 35, p. 153-165, Mayo-Agosto, 1961; (5) ENTERRÍA, Eduardo García de. Sobre silencio
administrativo y recurso contencioso. Revista de Administración Pública (RAP). Número 47, p. 207-227, Mayo-
Agosto, 1965; (6) FORADADA, Juan Antonio Bolea. El retraso de la Administración y el silencio administrativo.
Revista de Administración Pública (RAP). Número 51, p. 303-318, Septiembre-Diciembre, 1966; (7) PÉREZ, J.
González. El silencio administrativo y los interesados que no incoaron el procedimiento administrativo. Revista
de Administración Pública (RAP). Número 68, p. 235-246, Mayo-Agosto, 1972; (8) CUDOLÁ, Vicenç Aguado I.
Los origines del silencio administrativo en la formación del Estado Constitucional. Revista de Administración
Pública (RAP). Número 145, p. 329-362, Enero-Abril, 1998; (9) VALDIVIA, Salvador Martín. El silencio
administrativo como garantía de los derechos de los particulares. Un análisis comparativo de la nueva
regulación legal de la institución. Revista de Administración Pública (RAP). Número 149, p. 423-456, Mayo-
Agosto, 1999; e (10) PÉREZ, José Ignacio Morillo-Velarde. El silencio administrativo tras la reforma de 1999.
Un cambio inadvertido e unas posibilidades inéditas. Revista de Administración Pública (RAP). Número 159, p.
87-135, Septiembre-Diciembre, 2002.
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imposição concreta de agir. Portanto, o silêncio administrativo representa uma


inatividade formal da Administração Pública.
Um ponto deve ser, desde já, destacado: se o silêncio administrativo decorre de
uma inatividade formal, cumpre dizer que todo silêncio administrativo pressupõe a
ocorrência de uma ilegalidade, ainda que dela, como será demonstrado mais adiante,
possa ocorrer efeitos jurídicos favoráveis ou não aos administrados. Isto é, a constatação
da inatividade formal administrativa, que é violadora da ordem jurídica, acarreta, por sua
vez, em casos devidamente explicitados, a imposição ex lege de efeitos jurídicos
positivos ou negativos aos administrados.
Naturalmente, o conteúdo do dever legal de agir é bem diversificado, mas, em
linhas ordinárias, pode ser dividido em três grandes grupos: (a) o dever de
atender/responder aos requerimentos dos administrados (art. 5º, inciso XXXII, alínea a,
da CF/88); (b) o dever de controlar a atividade administrativa com vista a ferir a
regularidade na gestão da coisa pública (art. 70, caput, da CF/88); e (c) o dever
regulamentar para fiel execução das leis (art. 84, inciso IV, parte final, da CF/88) 3.
Outro ponto deve ser salientado: a inatividade formal da Administração Pública
geralmente decorre do não cumprimento das prestações4 positivas fáticas do Estado
previstas em lei e na própria Carta Política. Com singular clareza e lucidez, transcreve-se
uma exemplificativa passagem doutrinária sobre a temática (ALEXY; 2008, p. 443):
Assim, aquele que propõe a introdução de um direito fundamental ao meio
ambiente, ou que pretende atribuí-lo por meio de uma interpretação a um
dispositivo de direito fundamental existente, pode incorporar a esse feixe,
dentre outros, um direito a que o Estado se abstenha de determinadas
intervenções no meio ambiente (direito de defesa), um direito a que o
Estado proteja o titular do direito fundamental contra intervenções de
terceiros que sejam lesivas ao meio ambiente (direito a proteção), um
direito a que o Estado inclua o titular do direito fundamental nos
procedimentos relevantes para o meio ambiente (direito a procedimentos)
e um direito a que o próprio Estado tome medidas fáticas benéficas ao
meio ambiente (direito a prestação fática).
As ações estatais positivas demandam uma intensa atuação administrativa, de
forma que, não raras vezes, elas não são promovidas a contento ou, o que é pior, em
casos mais específicos, sequer são promovidas. Tudo isso denuncia uma inatividade
formal da Administração Pública, o que revela a ocorrência do silêncio administrativo.
No que se refere às prestações positivas normativas, que “são direitos a atos
estatais de criação de normas” (ALEXY; 2008, p. 202), o seu descumprimento, a priori,
não enseja a ocorrência do silêncio administrativo, uma vez que a inércia da atividade

3
Não se olvidando que, enquanto atividade administrativa, esse entendimento se aplica a todos os Poderes
da República.
4
Num sentido mais amplo sobre os direitos às prestações, podem-se dividi-las em 03 (três) grandes grupos:
(a) direitos à proteção; (b) direitos à organização e procedimento; e (c) direitos a prestações em sentido
estrito (ALEXY, 2008, p. 444). Tratando-se mais especificamente sobre a função de prestação social dos
direitos fundamentais, urge transcrever algumas considerações que bem retratam a problemática que
envolve o assunto (CANOTILHO, 2003, p. 408-409, negrito no original), nestes termos:
“A função de prestação dos direitos fundamentais anda associada a três núcleos problemáticos dos direitos
sociais, económicos e culturais: (1) ao problema dos direitos originários, ou seja, se os particulares podem
derivar diretamente das normas constitucionais pretensões prestacionais (ex: derivar da norma
consagradora do direito à habitação uma pretensão prestacional traduzida no „direito de exigir‟ uma casa;
(2) ao problema dos direitos sociais derivados que se reconduz ao direito de exigir uma actuação legislativa
concretizadora das „normas constitucionais sociais‟ (sob pena de omissão inconstitucional) e no direito de
exigir e obter a participação igual nas prestações criadas pelo legislador (ex: prestações médicas e
hospitalares existentes); (3) ao problema de saber se as normas consagradoras de direitos fundamentais
sociais tem uma dimensão objectiva juridicamente vinculativa dos poderes públicos no sentido de obrigarem
estes (independentemente de direitos subjectivos ou pretensões subjetivas dos indivíduos) a políticas
sociais activas conducentes à criação de instituições (ex: hospitais, escolas), serviços (ex: serviços de
segurança social) e fornecimento de prestações (ex: rendimento mínimo, subsídio de desemprego, bolsas
de estudos, habitações econômicas)”.
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legiferante decorre de uma convergência decisória e funcional diversa da que é


usualmente encampada na seara administrativa, bem como se encontra cercada de
outros institutos para a coibição da referida inércia estatal, ex vi ação de
inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2º, da CF/88) e mandado de injunção
individual e coletivo (art. 5º, inciso LVXXI, da CF/88)5. Ademais, o que se discute aqui é
o silêncio administrativo e não o silêncio da atividade normativa do Poder Legislativo.
Todavia, o Poder Executivo, não raras vezes, tem um papel importantíssimo na
efetivação das leis mediante a atividade normativa exercida através dos regulamentos e
demais veículos normativos imprescindíveis à fiel execução da lei. Nessas hipóteses, em
que pese se tratar de uma prestação positiva normativa, a inércia da Administração
constitui um silêncio administrativo, na medida em que há um dever, no âmbito da
atividade administrativa, de regulamentar a matéria delegada por lei, de forma que
eventual inatividade é formal e enseja, indiscutivelmente, a ocorrência do silêncio
administrativo.
Ainda que se distinga o silêncio administrativo da inatividade genérica do Estado,
todavia, não se pode negar que o silêncio administrativo constitui uma forma de
inatividade, porém com inegáveis particularidades como será demonstrado neste artigo.
Dessa forma, e para compreensão meramente tipológica, tem-se o seguinte: (a) a
inatividade administrativa em sentido amplo, ou genérica, compreende (a.1) o silêncio
administrativo; e (a.2) a inatividade administrativa em sentido estrito.
Assim sendo, considera-se silêncio administrativo aquele decorrente da inatividade
formal da Administração Pública, quer dizer, por conta da inobservância de um dever
legal de prestar/controlar/regulamentar6.
Instar salientar que, no Brasil, não há uma regra expressa sobre a inatividade
formal da Administração Pública7, o que põe em xeque a serventia ou utilidade de certos
prazos do processo administrativo, na medida em que o seu descumprimento não
acarreta uma consequência jurídica imediata8, o que pode, inclusive, servir de estímulo à
permanência da inatividade formal da Administração Pública.

2 A NATUREZA JURÍDICA DO SILÊNCIO ADMINISTRATIVO

Agora, tendo em vista a delimitação do instituto acima promovida, cabe perquirir


sobre a natureza jurídica do silêncio administrativo. O que o silêncio administrativo é
para o Direito brasileiro? Seria um ato ou fato administrativo? Constitui uma

5
À evidência, não há falar na discussão sobre a omissão do Poder Legislativo, especialmente no que concerne
a sua atividade típica, o mesmo se diga quanto ao Poder Judiciário, já que tais considerações demandariam
um trabalho específico. Muito embora, e isso é certo, no que se referem às atividades atípicas, os demais
Poderes merecem o mesmo tratamento do Poder Executivo.
6
Para uma conceituação analítica sobre silêncio administrativo, transcreve (FARIA; 2002, p. 135):
“A inatividade formal da Administração Pública, constitutiva de violação à ordem jurídica, em face da falta
de resposta a requerimentos de particular postulando interesse próprio, da inação indevida de órgão
controlador ou em virtude da falta de edição de ato normativo necessário para o exercício de direito
constitucional consagrado”.
Duas objeções são aventadas quanto à conceituação transcrita: (a) o administrado pode, através dos
institutos da participação administrativa, pleitear interesses coletivos associados ou não a interesses
meramente individuais, logo, melhor dizer postulando interesse próprio ou coletivo; e (b) a ausência do
dever regulamentar também pode incidir quanto às normas primárias que não possuam arrimo
constitucional.
7
Já que não há confundir o dever de decidir (arts. 48 e 49 da Lei nº 9.784/99) com o tratamento legal de tal
inobservância no prazo legal.
8
Claro que, em longo prazo, toda omissão traz consequência jurídica, sem que seja necessariamente a
prescrição ou a decadência, como ordinariamente se verifica com a ocorrência de danos à esfera patrimonial
do administrado.
5

manifestação de vontade da Administração Pública? Seria um ato presumido por


determinação legal? Trata-se de consentimento9 do Poder Público?
Bem, esses questionamentos são inevitáveis, já que a inércia administrativa acaba
por promover uma série de desdobramentos fáticos e, por consequência, também
jurídicos com o passar do tempo, o demanda uma análise quanto à natureza do instituto,
na medida em que viabilizará meios para desvendar o seu sentido e alcance na ordem
jurídica.
Então, compreender a essência do silêncio administrativo é relevante, pois, a
depender da posição tomada, diversas são as implicações no mundo, por vezes
conturbado, da aplicação do direito.
Assim sendo, será promovida uma ligeira aferição/verificação (a) sobre o fato e o
ato administrativo, (b) se a vontade constitui um dos elementos do ato administrativo; e
(b) se o silêncio administrativo pode ser considerado fato ou ato administrativo.

2.1 O FATO ADMINISTRATIVO E O ATO ADMINISTRATIVO

A Administração Pública para exercer suas mais diversas atividades, em virtude de


determinação constitucional ou infraconstitucional, e até mesmo regulamentar, faz uso
de duas formas de manifestação, a saber, (a) fato administrativo e (b) ato administrativo
(FARIA; 2002, p. 11).
Naturalmente, cada forma de manifestação possui características distintas, o que
referencia um tratamento diferenciado em face do sistema jurídico. Portanto, fato e ato
administrativo não se confundem, bem como possuem um locus de atuação bem definido
na consecução da atividade administrativa.
Assim sendo, entende-se por fato administrativo toda realização material da
Administração que não represente uma manifestação, pronúncia ou prescrição do Poder
Público, ainda que decorra delas, e que gere efeitos na ordem jurídica, já que ele, o fato
administrativo, acarreta importantes desdobramentos para o Direito Público, pois a
concreção ou realização material das prescrições do Poder Público ostenta enorme
relevância para a aferição dos resultados da gestão administrativa.
Por sua vez, ato administrativo10 constitui uma manifestação unilateral da
Administração Pública que contenha algum comando, isto é, que carreie uma prescrição,
pronúncia ou declaração do Estado.
Dessarte, exemplificativamente, a construção de uma praça não constitui um ato
administrativo, mas, sim, um fato administrativo; contudo, os procedimentos que
levaram a determinação ou decisão de construí-la, por certo, foram cercados de atos
administrativos.
Uma exemplar distinção é apresentada por Bandeira de Mello (2007, p. 364, itálico
no original), nestes termos:

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Essa tese, de plano, não pode ser encampada, pois as normas do Direito Público não se coadunam com o
disposto no art. 111 do Código Civil Brasileiro: “O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os
usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa”. Explica-se: no âmbito da
indisponibilidade que carreia toda a atividade administrativa, o consentimento pelo silêncio implica uma
inegável afronta aos comezinhos princípios do Regime Jurídico-Administrativo. Assim sendo, o administrado,
em algumas hipóteses, quando a inatividade lhe fosse favorável, prestigiaria o silêncio administrativo ao
invés da decisão célere, precisa e fundamentada do Poder Público.
10 Ou, conforme a melhor doutrina alemã, nestes termos (MAURER; 2006, p. 207, itálico no original):
“[...] ato administrativo é a regulação soberana de um caso particular por uma autoridade administrativa
com efeito externo imediato. Cada característica conceitual (regulação, soberana, caso particular,
autoridade administrativa, efeito externo) contém uma declaração positiva, mas serve também à
delimitação a outras formas da atuação estatal, de forma que no conceito de ato administrativo reflete-se,
simultaneamente, a multiplicidade da atividade administrativa”.
6

Atos jurídicos são declarações, vale dizer, são enunciados; são “falas”
prescritivas. O ato jurídico é uma pronúncia sobre certa coisa ou situação,
dizendo como ela deverá ser. Fatos jurídicos não são declarações;
portanto, não são prescrições. Não são falas, não pronunciam coisa
alguma. O fato não diz nada. Apenas ocorre. A lei é que fala sobre ele.
[...] Toda vez que se estiver perante uma dicção prescritiva de direito
(seja ela oral, expressada por mímica ou sinais convencionais) estar-se-á
perante um ato jurídico; ou seja, perante um comando jurídico. Quando,
diversamente, se esteja ante um evento não prescritivo ao qual o Direito
atribua conseqüências jurídicas estar-se-á perante um fato.
Assim sendo, em face das elucidantes palavras do consagrado administrativista
pátrio, não há como negar a diversidade que encerra na essência do fato e do ato
administrativo, inconfundíveis, portanto.
Antes de encetar as primeiras considerações sobre o cerne da questão do presente
tópico; a saber, se o silêncio administrativo é fato ou ato, cumpre entoar algumas linhas
sobre a vontade da Administração Pública e se ela constitui um elemento do ato
administrativo. Ora, como do silêncio não se pode extrair uma vontade; em tese, não se
pode falar, na ocorrência do silêncio administrativo, em ato administrativo se, para a
constituição deste, for exigida a vontade do Poder Público.

2.2 A VONTADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CONSTITUI UM ELEMENTO DO


ATO ADMINISTRATIVO?

Promovida a distinção entre fato e ato administrativo, impõe-se, agora, tecer


algumas considerações sobre a vontade do agente em face da constituição do ato
administrativo, levando-se sempre em conta que a vontade do agente representa a
vontade do órgão em que ele serve ou atua.
Para análise da questão, primeiramente, apresenta-se a vontade sobre três
perspectivas, quais sejam, (a) a psicológica; (b) a administrativa; e (c) a normativa. De
certa forma, se observa o deslocamento do parâmetro meramente subjetivo para uma
seara mais objetiva decorrente da contextura imposta pela ordem legal. Notadamente,
tal compreensão não é indene de críticas, seja quanto à pretensa objetividade de tal
vontade, seja mesmo quanto a sua existência/aplicação no caso concreto.
Em termos bem elementares, tem-se que a vontade psicológica11 compreende
aquela inerente a todos os humanos e que se constitui num desejo de promover uma
conduta representada mentalmente com vista a alcançar um fim predeterminado pelo
sujeito.
À evidência, impende gizar que do ponto de vista orgânico a Administração Pública
não possui vontade psicológica, isto é, os órgãos do Poder Público não ostentam qualquer
perspectiva psicológica. Claro que do ponto de vista objetivo, em que se vislumbram as
realizações administrativas, também não há falar em vontade psicológica, pois eventos
meramente materiais não podem expressar vontade.
Todavia, o agente que promove a atividade material da Administração Pública
possui, logicamente, vontade psicológica e suas condutas podem ensejar, a depender do
caso, a realização de fatos ou atos administrativos. Agora, e isso deve ficar claro, os atos

11
Numa senda filosófica, sobre a vontade são transcritas as seguintes palavras (MORA; 1964, p. 919):
“Voluntad se entiende principalmente en tres sentidos: (1) Psicológicamente como un conjunto de
fenómenos psíquicos o también como una „facultad‟ cuyo carácter principal se halla en la tendencia. (2)
Éticamente, como una actitud o disposición moral para querer algo. (3) Metafísicamente, como una entidad
a la que se atribuye absoluta subsistencia y se convierte por ello en substrato de todos los fenómenos. Estas
tres significaciones de la voluntad caracterizan las diferentes acepciones del voluntarismo, pero junto con la
distinción, necesaria en toda investigación filosófica, debe reconocerse que en casi todas las doctrinas
voluntaristas se proclama el dominio de la voluntad en las tres esferas y se pasa insensiblemente de la
psicología a la metafísica o, cuando menos, a la ética”.
7

administrativos praticados pelo agente não decorrem necessariamente de sua vontade


psicológica. E por que não?
Porque a atuação administrativa pode ser completamente adstrita à lei, isto é,
vinculada. Em outras palavras, a Administração Pública geralmente12 promove, no campo
das realizações materiais, o que a norma jurídica determinou criteriosamente ao Poder
Público, o que se dá nos atos plenamente vinculados. Assim sendo, essa vontade não
decorre do vislumbre psicológico do agente, não mesmo, ela decorre da configuração
administrativa da imposição legal. Ou seja, a vontade é administrativa.
Mas uma questão deve ser debatida: se os órgãos públicos não detêm vontade;
então, qual a razão de chamar o dever de cumprir uma imposição legal de vontade
administrativa? Porque os órgãos da Administração Pública se destinam justamente a
fazer cumprir os comandos legais e, por conseguinte, através dos seus agentes, se
prestam a envidar esforços à consecução das prescrições legais, daí a vontade de
promover, a contento, todos os fins a eles determinados ou impostos pelo sistema
jurídico. A rigor, a vontade dos agentes, nesses casos, é sempre derivada, pois advém da
prescrição legal. E se a vontade não é propriamente dos servidores, então, ela é
administrativa.
Nos atos administrativos discricionários, que se prefere chamar de não plenamente
vinculados, a margem de atuação da autoridade pública faz com que, em face de opções
ou medidas igualmente válidas no sistema jurídico, exista efetivamente uma vontade
psicológica, contudo, exercida nos claros limites da lei.
Por sua vez, a vontade normativa constitui uma perspectiva diversa de pensar, já
que a vontade não está precisamente na lei, esta apenas consolida a pretensão
normativa prospectada pela atividade legiferante13. Ora, se a Administração Pública deve
cumprir os comandos legais, então implica dizer que são os ditos comandos que orientam
e impõem toda a atividade administrativa. Logo, é a vontade normativa que rege a
promoção dos atos administrativos.
Nessa ordem de ideias, a vontade administrativa nada mais é que a configuração
da vontade normativa e que, por evidente, a vontade do agente é sempre derivada, pois
estará sempre circunscrita aos limites amplos ou restritos da lei.
Dessarte, a vontade normativa ficará ainda mais evidente nos casos em que o ato
administrativo independe de qualquer atuação direta do servidor ou até mesmo da
Administração Pública, pois tudo se opera ou é realizado mediante o uso de máquinas14

12
Porque além dos atos discricionários, defende-se que, mesmos nos atos vinculados, a disposição textual
imprescinde duma atividade interpretativa, que é criadora de novas formas de concepção da moldura
empreendida pela atividade legiferante, mas desde que compatível com a ordem constitucional vigente.
13
Não se vai discutir, aqui, os fundamentos das correntes originalistas e não-originalistas, rectius
interpretativistas e não-interpretativistas, sobre a intenção do legislador e a temática do ativismo judicial,
por ser despicienda, haja vista a proposta de trabalho encampada, todavia, não se pode negar que o
legislador pretende consolidar os limites normativos do texto a ser editado, só que, uma vez constituída a
disposição legal, passam a incidir os influxos interpretativos de cada época, conforme a ideologia
empreendida pelo intérprete. Daí, portanto, a fragilidade dos termos vontade administrativa e vontade
normativa, pois, em última instância, é sempre o intérprete que extrai a norma para o caso concreto, o que,
possivelmente, pode ensejar condutas desviantes das autoridades públicas de quaisquer dos Poderes da
República. Em outros termos, a temática passa a caminhar num fluxo diverso, já que o querer do agente
pode influir, ou simplesmente influi, na perspectiva de análise dos comandos legais, que nada mais é que a
vontade psicológica. Então, qual necessidade de explicitar a existência de tais vontades? Não há como
encetar os campos da atuação doutrinária sem as chagas da análise alheia ou da autoanálise; assim sendo,
na ausência de construção mais precisa, não se prescinde dos caminhos já trilhados, mesmo que falhos,
pois sempre contribuem para os ulteriores avanços sobre a temática.
14
Renomado administrativista pátrio, com singular acuidade científica, deita pena sobre a temática, nestes
termos (BANDEIRA DE MELLO, 1998, p. 20, itálico no original):
“Note-se, finalmente, que se poderia, inclusive, reconhecer uma hipótese na qual até mesmo a expedição
de ato jurídico administrativo vinculado poderia ser efetuada por máquina, conquanto detida por
particulares. Seria o caso dos „parquímetros‟ instalados por empresas privadas, sob contrato com o Poder
Público, os quais, sobre registrarem estacionamento além do tempo habilitado, ao cabo dele, emitissem o
8

ou instrumentos equivalentes, conforme as prescrições legais ou regulamentares


aplicáveis ao caso.
Insta transcrever sobre o assunto uma didática exposição doutrinária, nestes
moldes (ARAÚJO; 2009, p. 446, com aspas, negrito e itálico no original):
A “vontade jurídica” [...] não é vontade individual ou psicológica, impulso
livre do ser humano, que o Estado, embora pessoa capaz de direitos e
obrigações, não possui. Trata-se de vontade funcional, do agente público,
15
correspondente à vontade (também livre ) de, no exercício de suas
funções, declarar a vontade do Estado (como também o fazem os
representantes das empresas privadas), vontade esta que se denomina de
16
vontade normativa do Estado. A vontade funcional expressa realizar fins
e interesses de uma coletividade é o que a origina, quase como sinônimo
de “vontade coletiva.
Então, a rigor, na promoção do ato administrativo, a Administração Pública não
possui uma vontade, mas sim uma obrigação de seguir uma determinação legal. Ainda
sobre a temática, põe-se à baila uma lição de consagrado doutrinador pátrio (BANDEIRA
DE MELLO; 2007, p. 381, itálico no original):
Quanto à vontade, não a incluímos nem entre os elementos – pois, quanto
existente ou valorada pelo Direito, precede ao ato, sendo, pois, impossível
considerá-la como parte componente dele -, nem entre os pressupostos,
17
por se tratar de uma realidade psicológica , e não jurídica.
Então, com base no acima mencionado, pode-se gizar que a vontade do agente ou
mesmo da Administração Pública não constitui um pressuposto ou elemento do ato
administrativo.

2.3 O SILÊNCIO ADMINISTRATIVO: FATO OU ATO ADMINISTRATIVO?

Considerando que, como já assinalado no subitem anterior, a vontade da


Administração Pública não constitui um pressuposto ou elemento imprescindível à
promoção do ato administrativo, melhor dizer que jamais ela será pressuposto ou
elemento do ato, contudo, pode se revelar como um antecedente interpretativo relevante
para a definição dos esteios do ato administrativo. Portanto, pode-se cogitar a existência
de ato administrativo sem qualquer manifestação de vontade do Poder Público, tudo por
conta da vontade normativa18.
Então, se a constituição do ato administrativo prescinde da vontade da
Administração Pública, seria um possível afirmar que o silêncio administrativo qualificado,
rectius positivo ou negativo, se constituiria num ato administrativo, na medida em que
há uma ausência de manifestação do Poder Público, muito embora haja a ocorrência ex
lege de efeitos fático-jurídicos?

próprio auto de infração. Que ameaça, que risco, haveria para a liberdade dos cidadãos em tal proceder?
Que violência ocorreria no que atina à igualdade dos cidadãos, se o auto infracional não estaria em tal caso
relacionado com a vontade de particular algum, mas surgiria com o fruto automático da objetiva e
impessoalíssima verificação efetuada por um engenho mecânico ou eletrônico? Qual a importância do
recurso tecnológico pertencer a um particular ou ao Poder Público, ser ou não instalado pelo primeiro ou
pelo segundo?”
15
Aqui, uma ressalva é necessária: a vontade do agente não é totalmente livre, e nem pode ser, pois ele não
pode fazer apenas o que deseja, mas o que a ordem jurídica autoriza, prevê ou delega. Claro que o autor
quis apenas indicar que o agente possui vontade livre como uma decorrência do ser humano que é.
16
A vontade funcional se assemelha à vontade administrativa acima mencionada.
17
Que a vontade é uma realidade psicológica, não se discorda, já que patente, agora, não se olvida que ela
possui claros reflexos na contextura de qualquer ato jurídico, inclusive o administrativo, não sendo ela,
contudo, elemento ou requisito do ato administrativo, como bem ressalta o autor ao mencionar a sua
valoração em certos casos.
18
A referência à vontade normativa implica, tão-somente, à observância aos comandos legais.
9

A linha interpretativa da indagação acima contém dois equívocos! A saber, (a)


ausência de manifestação não é a mesma coisa que a prescindibilidade da vontade da
Administração Pública; (b) a constituição do ato administrativo não prescinde de certos
pressupostos, dentre outros, o formalístico, também não se quer dizer que todo ato
administrativo imponha uma forma, escrita ou não, predeterminada, mas ele sempre tem
uma forma19. O silêncio não tem forma e nem conteúdo, logo, não pode ser um ato
administrativo e, não sendo um ato, será um fato administrativo.
Transcreve-se, mais uma vez, um demorado posicionamento de festejado
administrativista pátrio (BANDEIRA DE MELLO; 2007, p. 402, com aspas no original):
Na verdade, o silêncio não é ato jurídico. Por isto, evidentemente, não
pode ser ato administrativo. Este é uma declaração jurídica. Quem se
absteve de declarar, pois, silenciou, não declarou nada e por isso não
praticou ato administrativo algum. Tal omissão é um “fato jurídico” e, in
casu, um “fato jurídico administrativo”. Nada importa que a lei haja
atribuído determinado efeito ao silêncio: o de conceder ou negar. Este
efeito resultará do fato da omissão, como imputação legal, e não de algum
presumido ato, razão por que é de rejeitar a posição dos que consideram
ter aí existido um “ato tácito.
No mesmo sentido, têm-se, ainda, as seguintes considerações (MARTINS; 2008, p.
255-256, itálico no original):
A omissão administrativa é um fato, e, como tal, pode gerar efeitos
jurídicos, desde que prevista no suporta fático de alguma norma jurídica.
Ou seja, se uma regra abstrata ou um princípio jurídico atribuir
consequências jurídicas à omissão administrativa, esta gerará efeitos, não
porque consiste num ato administrativo, mas porque, pela incidência da
regra ou do princípio, juridicizou-se, tornou-se fato jurídico.
Porém, deve-se salientar que o entendimento não é pacífico20. Aliás, consenso no
Direito é algo raro, o que há apenas, na maioria das vezes, é a superposição, em número
de adeptos, de uma corrente doutrinária em face de outra. Agora, a pretensa certeza ou
precisão de uma corrente sempre se encontra vinculada ao que pensam os seguidores
dela e não ao que necessariamente enuncia o conteúdo da teoria defendida.
Em todo caso, defende-se, aqui, que o silêncio administrativo constitui um fato
administrativo e, como tal, não pode ser revogado ou anulado, bem como não goza de
presunção de legitimidade (BANDEIRA DE MELLO; 2007, p. 365).
Porém, adverte-se: defender o silêncio administrativo como fato não retira a
importância do silêncio administrativo qualificado, mas, tão-somente, reconhece que os
efeitos jurídicos do silêncio administrativo, positivo ou negativo, não faz com que a
inatividade formal do Poder Público se transforme em ato administrativo, pois este não
pode advir do nada, de um não fazer, bem como carece de uma necessária
exteriorização, o que não ocorre com a inércia da Administração Pública.

3 ATO IMPLÍTICO E SILÊNCIO ADMINISTRATIVO

Para estabelecer uma maior precisão conceitual possível, bem como para evitar
possíveis confrontos semânticos em detrimento da clareza deste trabalho, deve-se
estabelecer uma distinção entre o ato implícito e o silêncio administrativo.

19
Como bem adverte Bandeira de Mello (2007, p. 383):
“A forma pode, eventualmente, não ser obrigatória, isto é, ocorrerá, por vezes, ausência de prescrição legal
sobre uma forma determinada, exigida para a prática do ato. Contudo, não se pode haver ato sem forma,
porquanto o Direito não se ocupa de pensamentos ou intenções enquanto não traduzidos exteriormente.
Ora, como a forma é o meio de exteriorização do ato, sem forma não pode haver ato”.
20
Considera, dentre outros, como ato administrativo: (a) JUSTEN FILHO; 2009, p. 281 e MAURER; 2006, p.
273-274 – ato por imputação legal; (b) PÉREZ; 2002, p. 97 – ato administrativo presumido; e (c)
GORDILLO; 2003, p. X-31.
10

Pois bem, o ato implícito, como ato administrativo que é, expressa uma
manifestação do Estado, não obstante implícita, mas decorrente de um ato expresso
anterior ou posterior que autoriza a sua compreensão, daí ele é tido, havido e
reconhecido como implícito.
No ato implícito há uma necessária correlação de dependência com o ato
anterior/posterior, que é necessariamente expresso, e que limita o seu sentido e alcance,
de maneira que sem a notoriedade do ato precedente/consequente não pode existir o ato
implícito, uma vez que não há nada a ser extraído ou dessumido por parte da atuação
estatal.
O silêncio administrativo, com já explicitado acima, não se ajusta à ideia de
expressa atuação da Administração Pública, já que inexiste silêncio administrativo
parcial, pois a manifestação pode ser omissiva, imprecisa ou incompleta em certos
pontos, mas será sempre uma manifestação; com vícios, mas, repita-se, uma
manifestação expressa.
Então, se um ato decorre de uma manifestação, anterior ou posterior, que é
expressa, não há falar em inatividade formal da Administração, logo, inexiste silêncio
administrativo21, como bem apregoa a precisa distinção na passagem abaixo (FARIA;
2002, p. 56):
[...] podemos afirmar que se entende por ato implícito a decisão
administrativa que se infere de uma outra decisão manifesta; e por
silêncio administrativo a inatividade formal da Administração que, após
transcurso de prazo legal, ou reconhecido como razoável, deixa de agir ou
se omite de decidir, quando deveria fazê-lo.
Assim sendo, a título de exemplificação, quando a Administração Pública, dentro de
um linear e esperado encadeamento de atos administrativos, decide expressamente pela
promoção de uma atividade em face de uma situação fática apresentada ou exaure uma
decisão por conta de uma simples demanda administrativa, todos os atos exigíveis e não
demonstráveis, contudo, necessários ao propósito firmado ou ultimado pela
Administração, serão necessariamente implícitos, independentemente da sua
regularidade, rectius validade22.
Dessarte, o ato administrativo que se destina à alienação um bem imóvel, sem
anteriormente desafetá-lo, presume, por evidente, a sua desafetação23 (FARIA; 2002, p.
59).

21
Em sentido diverso, colhe-se uma ligeira passagem (VITTA; 2000, p. 586):
“[...] O ato administrativo tácito e o ato administrativo implícito (em suma: o silêncio da Administração) não
são declarações; constituem fatos jurídicos, e, dessa forma, não estão submetidos ao regime próprio dos
atos administrativos. Não existem atos tácitos e implícitos, pois o conceito de ato pressupõe uma
declaração, uma manifestação do agente público, o que não ocorre com o fato jurídico-administrativo”.
Em face das prescrições anteriormente explicitadas neste trabalho, discorda-se, sem que isso revele
qualquer demérito ao excelente trabalho promovido pelo articulista, do entendimento assinalado, qual seja,
de que o ato implícito constitui um silêncio da Administração.
Nesse ponto, colhe-se uma precisa passagem doutrinária (MARTINS; 2008, p. 255, nota nº 149, itálico no
original):
“O chamado ato implícito não é fato jurídico, não é omissão, é um efeito implícito do ato administrativo.
Perceba-se: os atos implícitos não são fatos aos quais a norma imputa efeitos jurídicos, mas efeitos
decorrentes dos efeitos expressamente imputados pela norma à ocorrência de determinados fatos jurídicos”.
Mas, a citação não é indene de crítica, pois (a) se o ato implícito não é um fato jurídico, muito menos uma
omissão, o que se concorda plenamente, como poderá decorrer de efeitos jurídicos decorrentes de
“determinados fatos jurídicos”; e (b) naturalmente, deve-se explicitar que só podem decorrer de fatos
jurídicos em sentido amplo, de modo a comportar necessariamente os atos jurídicos administrativos, já que
todo ato implícito, conforme o entendimento defendido no trabalho, demanda a existência de um ato
administrativo expresso.
22
Já que a implicitude do ato não implica sua validez.
23
Corrobora, de certo modo, uma vez que não admite a forma tácita, porém não nega à implícita, o seguinte
11

No mesmo sentido, se a Administração Pública, a depender do empreendimento,


concede um alvará de funcionamento, sem manifestação anterior quanto ao alvará de
instalação, por certo, tem-se como implícito o ato que promoveu a instalação requerida.
Então, resumidamente, dois aspectos devem ser observados no ato implícito: (a) o
positivo, no que pressupõe a existência de um ato administrativo necessariamente
expresso e que pode ser anterior ou posterior ao ato que se quer dessumir; e (b) o
negativo, para que se tenha a regularidade do ato implícito, a inexistência de comando
legal que imponha à necessidade de que o ato posterior ou anterior ao expresso seja
também expresso, já que a ordem legal não pode se contentar com o implícito quando a
mesma impõe o explícito.

4 A TIPOLOGIA DO SILÊNCIO ADMINISTRATIVO

Para uma melhor compreensão do instituto, é sempre importante destacar a


classificação do silencio administrativo utilizada pela doutrina especializada 24.
A rigor, toda forma de classificação impõe uma pré-compreensão do objeto
classificado, logo, ela, além de consolidar as conclusões obtidas com as análises já
promovidas, também faz com que seja possível alçar pontos de partida para novas
considerações dos estudiosos, seja para contestá-la, seja para adotá-la.
Pois bem, o silêncio administrativo costuma ser dividido, no que concerne aos seus
efeitos, em positivo e negativo, sendo que cada divisão, por sua vez, comporta ainda
estratificações, assim sendo, tem-se o silencio administrativo positivo/negativo próprio,
condicionado e implícito.
Por outro prisma, no que se refere ao destinatário da decisão/manifestação do
Poder Público, tem-se o silêncio administrativo interno ou externo. Pode-se, ainda,
cogitar a figura do discutível silêncio administrativo inominado. Destarte, será explicitada
a tipologia do silêncio administrativo, consoante o entendimento da melhor doutrina,
tudo de forma a demonstrar os seus mais diversos matizes.

4.1 O SILÊNCIO POSITIVO

A expressão silêncio positivo já denuncia um aspecto prático bem evidente, a


saber, que carrega em si uma idéia de favorecimento, todavia, a extensão e os termos
desse benefício dependem sempre de expressa previsão legal.
Explica-se: todos os silêncios administrativos qualificados dependem de disposição
legal que os institua, logo, (a) que os identifique em face das situações fáticas
relacionadas à atuação administrativa, (b) bem como explicite os seus efeitos ou, ainda,
(c) exija uma previsão genérica de sua ocorrência e a delimitação, também genérica, dos
seus efeitos.
Então, o silêncio administrativo positivo se caracteriza pela ocorrência, ex lege, de
efeito favorável ao requerente/administrado em face da inércia da Administração
Pública25 decorrente da ausência de manifestação durante o prazo legal ou, na
inexistência deste, quando extrapola um prazo razoável para manifestação.
Mas, adverte-se, o silêncio positivo pode ocorrer em face de um trâmite ou
procedimento que, não necessariamente adstrito ao administrado ou à seara

julgado: BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, REsp 650728/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN,
SEGUNDA TURMA, julgado em 23/10/2007, DJe 02/12/2009.
24
Vide nota de rodapé nº 03.
25
Assim sendo, a mera inércia da Administração Pública não legitima, por si só, o silêncio positivo, nesse
sentido, vide: BRASIL, Superior Tribuna de Justiça, MS 4.416/DF, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE
BARROS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/04/1996, DJ 27/05/1996 p. 17798.
12

administrativa, não fora observado pela autoridade competente, como bem exemplifica a
seguinte passagem doutrinária (BRANDÃO; 2006, p. 5):
Observa-se, no entanto, que no processo legislativo, o silêncio do
Presidente da República, sobre projetos de lei, submetidos a sua
apreciação é interpretado como uma concordância, acarretando a sanção
tácita que transforma, após quinze dias, o projeto em lei.
O constituinte, na hipótese acima retratada, considerou conveniente
atribuir ao silêncio do Presidente da República o efeito positivo, com
significado de anuência. Trata-se de opção própria do constituinte
originário e que serviu para o silêncio do chefe do Poder Executivo não
paralisasse o processo legislativo.
Como o silêncio positivo impõe um efeito favorável ao administrado, por certo, a
sua ocorrência é excepcional e deve ser cercada de acurado estudo, uma vez que pode
representar insegurança jurídica, haja vista a possível inviabilidade normativa dos efeitos
concedidos no caso concreto.
Quer dizer, operando-se o silêncio positivo e toda a benesse dele decorrente, à
evidência, isso não retira a prerrogativa de autotutela administrativa da Administração
Pública. Portanto, a própria Administração Pública, após a perda do prazo para
manifestação, pode exarar uma decisão que se contrapõe aos efeitos prospectados ou
até mesmo gozados pelo administrado.
Ora, se o silêncio administrativo deixa indene o dever de manifestação do Poder
Público, por certo, não há como admitir que eventual efeito positivo do silêncio pudesse
refrear a atuação administrativa, mesmo quando esta se contraponha aos próprios
efeitos ex lege do silêncio administrativo qualificado, mormente quando este não é
condicionado às exigências legais em cada caso, por possuir efeitos materiais ou
processuais não vinculados à regularidade ou consistência do pedido administrativo, mas
à mera ocorrência da inatividade formal do Poder Público.
Ademais, sendo caso de autoexecutoriedade administrativa, o silêncio positivo pode
não só apenas não operar os seus efeitos a contento, como também causar um
desnecessário desgaste na relação existente entre Administração Pública e administrado.
Claro que o exercício, em qualquer caso, da autotutela administrativa deve guardar
o necessário respeito aos direitos e garantias fundamentais dos administrados, o que
inclui o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório, ex vi art. 5º, da CF/88.
Não obstante, o silêncio positivo pode representar um tratamento diferenciado em
face da mesma situação fática, uma vez que um administrado, que não obteve a
resposta no prazo legal, fará jus a um efeito fático-jurídico favorável; enquanto outro não
terá a mesma sorte se a manifestação tempestiva da Administração Pública for
desfavorável.
Todavia, tudo isso possui um efeito pedagógico importante, a saber, justamente
para evitar um tratamento diferenciado entre os administrados, em face de situações
fático-jurídicas iguais, que o Poder Público deve evitar a ocorrência da inatividade formal.
Por outro lado, possuindo o administrado, de fato, todos os extremos que a
situação fático-jurídica exige para a concessão do pedido administrativo, a ocorrência do
silêncio administrativo constitui uma importante ferramenta de defesa dos interesses dos
administrados, uma vez que imprime celeridade, com a resolução anômala, na
consecução da atividade administrativa pertinente.
O silêncio positivo, do ponto de vista tipológico, se classifica em (a) próprio; (b)
condicionado; e (c) implícito, como se passa a demonstrar a seguir.
13

4.1.1 PRÓPRIO

O silêncio administrativo positivo próprio é de fácil constatação, pois a disposição


legal se limitará a prevê: (a) a ocorrência da inércia administrativa em face de um dever
legal de prestar ou decidir; e (b) o efeito que tal inatividade administrativa acarretará no
caso concreto ou, conforme a primazia de tratamento dispensada em cada sistema
jurídico, uma previsão genérica quanto ao efeito decorrente da inatividade estatal.
Enfim, o silêncio é próprio porque o aspecto positivo dos seus efeitos é diretamente
identificado no comando legal, isto é, sem maiores exigências ou rodeios, quer dizer,
independente de qualquer providência ulterior do administrado para fazer operar os
efeitos do silêncio administrativo, salvo, à evidência, aguardar o transcurso do prazo
legal sem expressa manifestação da Administração Pública e empreender materialmente
os meios para gozar da benesse advinda do efeito positivo do silêncio administrativo.
Um bom exemplo de silêncio administrativo positivo próprio pode ser observado no
art. 12, § 1º, inciso II, da Lei nº 10.522/200026, com alterações decorrentes da Lei nº
11.941, de 27 de maio de 2009, na qual reza que o pedido de parcelamento de dívida
junto à Receita Federal do Brasil (RFB) será “considerado automaticamente deferido
quando decorrido o prazo de 90 (noventa) dias, contado da data do pedido de
parcelamento sem que a Fazenda Nacional tenha se pronunciado”.
Na hipótese, não há que perquirir quaisquer condicionamentos, mas apenas
aguardar o lapso temporal sem manifestação do Poder Público.

4.1.2 CONDICIONADO

O silêncio administrativo positivo condicionado, por sua vez, vai mais além quanto
aos extremos caracterizadores da sua ocorrência ou, melhor dizendo, para fazer operar
os seus benéficos efeitos na ordem jurídica positiva.
Em outros termos, se no silencio administrativo positivo próprio o administrado se
limita a aguardar, dentro de um prazo legal, uma expressa manifestação da
Administração Pública; por outro lado, no silêncio administrativo positivo condicionado o
administrado deve cumprir algumas exigências materiais por sua conta e risco, bem
como atender aos parâmetros definidos ulteriormente pela Administração Pública, sob
pena de não obter qualquer benefício direto com a injustificável inércia administrativa.
Quiçá, trata-se da forma mais perversa de silêncio da Administração Pública, pois, a
rigor, trata-se de uma condição resolutória de deferimento do requerimento
administrativo interposto. E o que é pior: tudo sem saber, em alguns casos, previamente
quais condições serão exigíveis em face dos procedimentos já realizados pelo
administrado.
Portanto, a inatividade formal, in casu, constitui-se num ato de desatada
ilegalidade ou mesmo, em alguns casos, arbitrariedade, bem como afronta o princípio da
segurança jurídica, na medida em que a instabilidade na relação entre administrado e
Administração Pública, por certo, acaba por ventilar a possibilidade de vários
desdobramentos administrativos e judiciais sobre o requerimento administrativo
promovido.
Ainda que se discuta a sua legalidade, mormente no que concerne ao aspecto
temporal das exigências levantadas, trata-se de procedimento muito comum em
licenciamento de obras, pois, não raras vezes, o Poder Público não estabelece uma
precisa definição dos procedimentos ou requisitos a serem cumpridos pelos
administrados, de forma que estes ficam a mercê de novas exigências, muitas das quais

26
Aqui, não se tem um silêncio administrativo positivo condicionado, pois, consoante os termos do art. 11,
caput, da Lei em cotejo, apenas a formalização do pedido de parcelamento é que é condicionada ao
pagamento da primeira prestação.
14

se tornam praticamente inviáveis em face da obra já avançada ou totalmente construída,


o que, certamente, pode ensejar renhidas discussões na seara administrativa e,
possivelmente, nas instâncias judiciais.
Logo, a concepção de silêncio administrativo condicionado deve ser evitada, haja
vista a ordinária vocação para gerar conflitos na relação entre a Administração Pública e
os administrados.

4.1.3 IMPLÍCITO

O silêncio administrativo positivo implícito exige uma atenção redobrada para


identificar a sua contextualização, até mesmo para distinguir do ato implícito, assim
sendo, deve-se gizar, primeiramente, dois pontos: (a) não há ato expresso anterior ou
posterior aos efeitos diretos decorrentes da inércia administrativa; e (b) a sua ocorrência
é deduzida da disposição legal aplicável à situação fática.
A título de exemplificação, tem-se a hipótese do lançamento por homologação
prevista no art. 150, § 4º, do Código Tributário Nacional, pois o contribuinte promoverá o
recolhimento que considerar pertinente e, a contar do fato imponível, ultrapassado o
prazo legal sem manifestação da Fazenda Pública, tem-se implicitamente a homologação
do lançamento realizado pelo contribuinte, rectius efeito positivo, independentemente de
qualquer atuação estatal, bem como a subsequente extinção do crédito tributário,
ressalvada a hipótese de dolo, fraude ou simulação (SADDY; 2009, p. 69).
No caso, como inexiste qualquer ato expresso da Administração Pública antes ou
depois do lançamento, considera-se implícita a homologação porque a disposição legal
impõe, a posteriori, a extinção do crédito tributário, ou seja, o efeito legal decorrente do
silêncio administrativo impõe o acolhimento implícito da atuação do contribuinte, rectius
a regularidade do lançamento.
Ademais, o silêncio administrativo poderá ensejar a concretização da decadência
que, na hipótese, se relaciona à impossibilidade de a Fazenda Pública rever os
procedimentos perpetrados pelo sujeito passivo da relação jurídica tributária.

4.2 O SILÊNCIO NEGATIVO

O silêncio administrativo negativo, ao contrário do positivo, se caracteriza pelo


indeferimento do petitório levantado pelo administrado, isto é, a inatividade formal do
Poder Público, por descumprir o prazo legal/regulamentar, implica a denegação do
requerimento promovido.
Considerando o sentido do silêncio negativo, que nega a pretensão do administrado
e abre as vias recursais possíveis, não é apressado afirmar que é a modalidade mais
corrente de silêncio administrativo, aliás, é destacadamente um silêncio administrativo
de efeitos processuais ou adjetivos, diversamente do silêncio positivo que se notabiliza
pelos efeitos materiais ou substantivos.
Assim sendo, “dos males o menor”, é preferível a negação do pedido por imposição
legal do que viver da incerteza da inatividade administrativa, até porque a denegação já
enseja as vias judiciais27, o que constitui algo positivo (FORTINI; ANNA; 2006, p. 7.394).

27
Aqui, é necessário um esclarecimento: como nem toda decisão do Poder Público é plenamente vinculada,
uma vez que pode ser relativamente vinculada, rectius discricionária, o pedido encetado na via judicial deve
obedecer a certos parâmetros: (1) tratando-se de ato administrativo a ser expedido no exercício de uma
competência discricionária, por certo, deve-se solicitar primeiramente uma manifestação coercitiva da
Administração Pública, negando ou concedendo o pedido, sob pena de aplicação de multa quando
inobservado o exíguo prazo judicial concedido; e (2) tratando-se de ato administrativo a ser expedido no
exercício de uma competência vinculada, por certo, o pedido pode ser requerido diretamente ao Poder
Judiciário. Ainda que se pregue o ativismo judicial, e se espera que sempre seja exercido de forma
responsável, não há como admitir a substituição do mérito do administrador pelo o do magistrado. Daí a
importância do instituto do silêncio administrativo, já que nem sempre a via judicial pode superar a
15

Logo, não se pode negar que o silêncio administrativo qualificado, quando existente,
tende, por opção política, a ser negativo ao invés de positivo.
E os motivos são diversos, e nem sempre nobres, quanto à preterição do silêncio
positivo em face do negativo:
(a) de ordem econômica, o indeferimento não faz com que, a priori, o administrado
exija uma prestação material da Administração Pública, o que implica a ausência de
dispêndios;
(b) de ordem procedimental, a denegação não cria expedientes novos, apenas os
regularmente previstos e, mesmo quando faz exsurgir uma nova sede de discussões, não
se pauta em exigências que demandem a tutela de direitos materialmente dispendiosos;
(c) de ordem temporal, ainda que das vias recursais administrativas possam
resultar em benefício concreto aos administrados, por certo, a Administração Pública
disporá de maior tempo para promover o requisitado ou mesmo simplesmente discutir a
pretensão arvorada, haja vista a inexistência na via administrativa, infelizmente, de
medidas cautelares efetivas contra a inatividade formal da Administração Pública;
(d) de ordem principiológica, o silêncio positivo pode comportar, se aplicado a todos
os casos de inatividade formal, benesses que afrontem o princípio da igualdade28, da
impessoalidade e até mesmo da legalidade, na medida em que a concessão ou
denegação de uma pretensão não se encontra jungida ao efetivo direito ou à atuação da
parte, mas, tão-somente, à inatividade formal do Poder Público. Ou seja, a concessão de
efeitos positivos não afasta o dever de autotutela da Administração Pública, logo, isso
tende a levantar possíveis conflitos entre o desejado pela ordem jurídica e o contemplado
pelo administrado beneficiado pela presunção legal, quer dizer, efeitos positivos da
inatividade formal do Poder Público; e
(e) de ordem sociológica, a proposição negativa não escolhe os
sujeitos/administrados, bem como faz com que a coletividade se insurja contra a
inatividade formal do Estado, rectius expediente de pressão, logo, o indeferimento põe
em xeque a atuação administrativa que tinha o dever de se manifestar no prazo legal ou
razoável, mas não fez; ao passo que a proposição positiva pode ter aplicação seletiva,
bem como pode empreender ares de satisfação com a inércia da Administração Pública,
haja vista os possíveis benefícios advindos até mesmo contra as diretrizes legais
relacionados ao requerimento administrativo.

inatividade formal do Poder Público, cria-se, ainda na via administrativa, uma nova sede de discussão sobre
a matéria, de modo a fomentar a manifestação da Administração Pública. Afinal, o Poder Judiciário constitui
a última instância na resolução dos conflitos sociais e, nem mesmo quando instada a tanto, resolve tudo;
ademais há outras sedes, institucionais ou não, que absorvem a tarefa de resolver as pendências
decorrentes da vida em sociedade. Nesse diapasão, colhe-se demorada exposição doutrinária (GALANTER;
1993, p. 67-68):
“Em numerosos casos é possível aos interessados entenderem-se entre si de maneira muito mais
satisfatória do que aquela que poderiam conseguir profissionais, obrigados a aplicar regras de carácter geral
a um conflito de que apenas têm um conhecimento limitado. Quando estão em causa desideratos e
situações que são de uma extrema variedade, apenas um pequeno número de elementos é que pode ser
tomado em consideração através de regras formais; os conflitos são desvirtuados quando pretendemos
englobá-los em categorias reconhecidas pelos juristas e esta circunstância faz duvidar que seja desejável
resolvê-los aplicando regras imperativas pré-estabelecidas”.
28
Nesse ponto, transcrevem-se as sempre precisas advertências de Bandeira de Mello (2008; p. 23, itálico no
original):
“[..] a) a lei não pode erigir um critério diferencial um traço tão específico que singularize no presente e
definitivamente, de modo absoluto, um sujeito a ser colhido pelo regime peculiar”;
“b) o traço diferencial adotado, necessariamente há de residir na pessoa, coisa ou situação a ser
discriminada; ou seja: elemento algum que não exista nelas mesmas poderá servir de base para assujeitá-
las a regimes diferentes”.
16

Destarte, a Administração Pública deve sempre decidir e fundamentar, quando


instada a tanto mediante o direito de petição dos administrados, todavia, caso não
cumpra tal dever, os fundamentos elencados acima prestigiam a ocorrência do silêncio
negativo, seja por pautar maior segurança nas relações jurídicas, seja, ainda, o que pode
ser odioso em certos caos, por representar maior comodidade ao Poder Público.
Passa-se, agora, à análise das modalidades de silêncio administrativo negativo,
quais sejam, (a) o próprio; (b) o condicionado; e (c) o implícito.

4.2.1 PRÓPRIO

O silêncio administrativo negativo próprio é de fácil constatação, uma vez que a


disposição legal é categórica: ocorrendo inatividade formal da Administração pública,
observado o prazo legal, tem-se a denegação ou o indeferimento do requerimento
apresentado pelo administrado.
Assim sendo, pode-se gizar que inexiste qualquer adversidade quanto à
consolidação dos seus efeitos, a saber, o uso das vias administrativas recursais ou
judiciais pertinentes, haja vista o emprego dado ao silêncio ocorrido, saber, o
indeferimento ex lege do requerimento apresentado ou interposto.
A título de exemplificação, têm-se as hipóteses do art. 8º, § único, da Lei nº
9.507/97 (Lei do Habeas Data), uma vez que o mero decurso do prazo, sem pertinente
decisão da Administração Pública, implica o indeferimento do pedido.

4.2.2 CONDICIONADO

Agora, tratando-se de silêncio administrativo negativo condicionado, à evidência,


impõem-se maiores considerações quanto a sua configuração, até porque ele é de difícil
ocorrência.
Vale ressaltar que o indeferimento, tendo em vista a inatividade formal da
Administração, ainda que não desejado, constitui um pressuposto para granjear outras
fases no processo administrativo, rectius recurso, bem como para demandar
judicialmente, rectius pretensão resistida, de sorte que, diante da inexistência de
manifestação expressa do Poder Público ou da ocorrência do silêncio positivo, o
administrado tem interesse na resolução ex lege da situação anômala criada pela
inatividade estatal, contudo, a disposição legal pode condicionar a ocorrência do
indeferimento a outros fatores, quer dizer, que não se exaure apenas com a inércia da
estatalidade, podendo exigir a ocorrência de elementos exteriores ao próprio silêncio da
Administração Pública.
Exemplificando: num requerimento para alteração de loteamento de solo urbano,
que demande atuação material da municipalidade, e tendo sido extrapolado o prazo legal
sem manifestação do Poder Público, a disposição legal pode mencionar que a inércia da
Administração só implica indeferimento se as circunstâncias apresentadas forem
incompatíveis com eventual e posterior posicionamento expresso do Poder Público ou
com atendimento, também expresso, do pedido pleiteado.
Assim sendo, (a) além da exigência temporal, a ausência de manifestação da
Administração Pública no prazo legal, (b) há também a exigência lógica, ausência de
elementos ou circunstâncias que impliquem a manifestação do Poder Público em
momento posterior.
Nesses casos, não é preciso muito esforço para perceber, o quão odiosa é a forma
de silêncio da Administração Pública, pois o texto legal acaba por postergar a situação de
incerteza ou insegurança jurídica, de maneira que a situação pode vir a desaguar na
temática, sempre discutível, da duração razoável do processo, sem falar nos gravosos
transtornos que a ausência de decisão causa aos administrados.
17

4.2.3 IMPLÍCITO

A rigor, pode soar contraditório falar em silêncio administrativo negativo implícito,


mormente quando se afirmou, no início do capítulo, que todo silêncio administrativo
qualificado demanda uma previsão legal que o institua, bem como esclareça os seus
efeitos.
Não obstante o acima mencionado, deve-se gizar que implícito é o efeito do
silêncio, este não pode ser implícito, simplesmente ocorre.
Assim sendo, quando o administrado não obtém uma manifestação expressa da
Administração Pública no prazo legal, ou num prazo razoável em face da situação
apresentada, e a disposição normativa não expressar nitidamente o indeferimento do
pedido, mas possibilitar o uso das vias recursas ou judiciais, por certo, tem-se como
implícito o indeferimento, ou seja, o efeito negativo do silêncio.

4.3 O SILÊNCIO INTERNO

O silêncio administrativo interno pode ser concebido sob duas variações, quais
sejam, (a) a ausência de manifestação ou decisão de um órgão controlador sobre um ato
praticado pelo órgão controlado; ou (b) a ausência de aquiescência ou reprovação de um
órgão sobre um ato praticado por outro órgão, como se observa com relação aos atos
compostos e complexos.
Numa contextualização mais ampla sobre a temática, pode-se mencionar que o
silêncio administrativo interno igualmente ocorre quando se tem apenas a figura de
servidores ao invés de órgãos da Administração Pública. Assim sendo, constitui também
silêncio administrativo interno (a) a ausência de manifestação ou decisão de um servidor
controlador sobre um ato praticado pelo servidor controlado; ou (b) a ausência de
aquiescência ou reprovação de um servidor sobre um ato praticado por outro servidor, o
que pode ocorrer nos casos em que são exigidas duas manifestações de vontades.
Veja-se que a classificação leva em conta, tão-somente, o destinatário da decisão
exigida pela ordem jurídica, que será sempre um órgão da Administração Pública. No
mais, isso implica dizer que o silêncio administrativo interno pode assumir formas
qualificadas, quer dizer, positivo ou negativo, bem como simplesmente inominada, quer
dizer, sem quaisquer efeitos decorrentes da inatividade estatal dos órgãos ou dos seus
agentes.

4.4 O SILÊNCIO EXTERNO

O silêncio administrativo externo, por sua vez, consiste na ausência de decisão ou


manifestação sobre o pedido ou requerimento do administrado por parte da
Administração Pública, ou seja, representa simplesmente uma forma genérica de silêncio
administrativo, que pode ser qualificado ou não pelos efeitos fático-jurídicos.
É, portanto, o silêncio administrativo por excelência, uma vez que revela a forma
mais comum da inatividade formal do Poder Público, na qual os destinatários da desejada
atuação estatal são os administrados e não órgãos ou servidores públicos.

4.5 O SILÊNCIO INOMINADO

Aqui, certamente, a questão ganha um contorno mais denso, pois se o silêncio não
é qualificado, positivo ou negativo, mas simplesmente silêncio da Administração Pública,
o que o distingue da simples inatividade da Administração Pública? A resposta não pode
ser outra: a existência de um dever formal de decidir/controlar/regulamentar.
Enquanto a inatividade administrativa em sentido estrito não representa
concretamente uma afronta a um dever legal, o silêncio administrativo inominado
18

constitui uma inobservância da lei e, mais que isso, acaba por perdurar uma situação de
insegurança jurídica, na medida em que a ausência de decisão não faz exsurgir a
concessão ou denegação do requerido, o que pode revelar uma concreta afronta ao
princípio da duração razoável do processo, ex vi art. 5º, inciso LXXVIII, da CF/88.
Ademais, como toda forma de inatividade formal da Administração Pública, constitui
uma refinada forma de ilegalidade, agravada pela inexistência de efeitos jurídicos
imediatos com a inércia perpetrada pelo Poder Público.

5 A FUNÇÃO POLÍTICA DO SILÊNCIO ADMINISTRATIVO

Por tudo que foi exposto, sem maior demora, tem-se que a teoria do silêncio
administrativo busca minorar os danos decorrentes da inatividade formal do Poder
Público, daí a sua inarredável função política, na medida em que prestigia, ainda que de
forma parcial na maioria das vezes, um benefício concreto ao administrado, como bem
ressalta o trecho a seguir (CUDOLÀ; 1996, p. 210):
Decimos que es parcial por cuanto intenta solucionar jurídicamente esta
conducta pasiva bien posibilitando el acceso del ciudadano a los tribunales
(silencio negativo), bien consolidando ciertas situaciones del particular
frente a reacciones tardías de la Administración pública (silencio positivo).
Como se pode perceber o silêncio administrativo não constitui uma via ortodoxa de
resolução dos conflitos, contudo, apresenta resultados satisfatórios se comparados com a
simples inatividade formal do Poder Público. Todavia, mais adiante, adverte o
doutrinador (CUDOLÀ, 1996; p. 211):
Tales ventajas se producen esencialmente en cuanto facilita el acceso a
los tribunales, produciendo em cambio mayores problemas cuando se
pretende conceder al particular lo solicitado por el mero transcurso del
tiempo. En este último se produce una permanente tensión entre interés
público e interés privado que no siempre queda bien resuelto con los
efectos estimatorios del silencio.
A tensão acima explicitada se deve aos efeitos materiais concretos decorrentes do
silêncio positivo, pois, como já explicado, tais efeitos tendem a gerar contraposições de
interesses, de modo a fomentar uma relação conflituosa entre a Administração Pública e
o administrado ao invés de solucionar as refregas. Em todo caso, positivo ou negativo, os
benefícios são maiores que os malefícios, na medida em que estabelecem critérios e
meios para contornar a inatividade formal do Poder Público.
Ademais, não se pode conceber a teoria do silêncio administrativo como estímulo à
inatividade formal do Estado; ao revés, trata-se de instituto destinado a promover
posições ou situações jurídicas que empreenda celeridade aos trâmites administrativos e
que, à evidência, não exime a Administração Pública do dever de decidir, ex vi arts. 48 e
49 da LGPAF.
Destarte, a teoria do silêncio administrativo encontra supedâneo nos princípios da
segurança jurídica e da duração razoável do processo, pois (a) tende a consolidar
situações ou posições jurídicas, mas quando o silêncio administrativo for inominado; e
(b) obtém uma maior celeridade para conclusão dos processos, haja vista os efeitos
anômalos decorrentes da inatividade formal por força de lei, no caso de silêncio
administrativo qualificado.
Vale destacar que, na perspectiva do administrado, por um lado, há uma relação de
confiança de que Administração Pública vá desenvolver suas atividades no prazo legal;
por outro, na hipótese de não cumprimento do dever legal, de que o silêncio
administrativo qualificado represente um instrumento relativamente satisfatório para
contornar a situação de incerteza gerada pela ausência de manifestação do Poder
Público.
19

7 O SILÊNCIO ADMINISTRATIVO NO DIREITO BRASILEIRO

O silêncio administrativo não teve a merecida importância na doutrina pátria, quiçá


pela inexistência de um contencioso administrativo pátrio, no qual, pela necessidade de
exarar com independência suas decisões, faria com que existisse um maior cuidado em
promovê-las no prazo legal ou regulamentar.
Em outros termos, num sistema de jurisdição única, que é o caso do Brasil, o
contencioso administrativo costuma não galgar a necessária processualidade, de sorte a
não fomentar o devido tratamento da inércia da Administração Pública, uma vez que a
pendência na seara administrativa rapidamente chega à via judicial, rectius art. 5º, inciso
XXXV, da CF/88, o que tem revestido certo descrédito à atuação administrativa de
resolução dos conflitos.
Felizmente, essa perspectiva vem se alterando, mormente após o advento da Carta
Política de 1988 e da LGPAF, uma vez que elas impuseram à processualidade
administrativa o mesmo rol de garantias dispensado ao processo judicial; logo, a
temática do silêncio da Administração não pode mais ser olvidada pela doutrina
administrativista pátria.

7.1 ASPECTOS HISTÓRICOS

Do ponto de vista histórico não há muito a salientar sobre o silêncio administrativo


na legislação pátria, até mesmo porque, como já afirmado, na ausência de um
contencioso administrativo29, que poderia fomentar a regulação do instituto, a temática

29 Nesse ponto, urge mencionar uma necessária advertência, na qual relativiza o acima mencionado, nestes
termos (MENDES, 2005, p. 130, itálico no original):
“Entende a doutrina que no Brasil o contencioso administrativo propriamente dito teria surgido a partir de
duas leis de 22 de dezembro de 1761 de iniciativa do Marquês de Pombal, que criaram o Conselho da
Fazenda. Ao Conselho da Fazenda foi confiada a „jurisdição contenciosa‟, cabendo-lhe conhecer as causas
relativas à dívida ativa da Fazenda Real. Posteriormente, outras jurisdições contenciosas foram sendo
outorgadas a diferentes órgãos da administração”. [...]
“O contencioso administrativo veio a ser totalmente abolido com a Constituição Federal de 1891. Esta, em
seu artigo 60, estabelecia que competia aos juízes ou tribunais federais, processar e julgar todas as causas
propostas contra „b) todas as causas propostas contra o Governo da União ou Fazenda Nacional, fundadas
em disposições da Constituição, leis e regulamentos do Poder Executivo, ou em contratos celebrados com o
mesmo Governo; c) as causas provenientes de compensações, reivindicações, indenização de prejuízos ou
quaisquer outras propostas, pelo Governo da União contra particulares ou vice-versa”.
A questão só veio à baila, mas sem êxito, com a “Constituição de 1969” que, no seu art. 111, assim tocava
a matéria:
“Art. 111. A lei poderá criar contencioso administrativo e atribuir-lhe competência para o julgamento das
causas mencionadas no artigo anterior (Artigo 153, § 4º)”.
Como a matéria nunca foi regulada, à evidência, o contencioso não passou de um vislumbre do Poder
“Constituinte” Reformador. Por fim, a temática voltou à tona com a EC 7/1977, mas, é certo, sem qualquer
efetiva materialidade quanto aos seus propósitos. Transcreve-se a Emenda no que se considera pertinente:
“Artigo único. Ficam incorporadas ao texto da Constituição Federal as disposições resultantes das emendas
aos artigos adiante indicados, bem assim incluídos, em seu Título V, os artigos 201 a 207 e suprimido o
parágrafo único do artigo 122”.
[...]
“Art. 203. Poderão ser criados contenciosos administrativos, federais e estaduais, sem poder jurisdicional,
para a decisão de questões fiscais e previdenciárias, inclusive relativas a acidentes do trabalho (Art. 153, §
4º)”.
“Art. 204. A lei poderá permitir que a parte vencida na instância administrativa (Artigos 111 e 203) requeira
diretamente ao Tribunal competente a revisão da decisão nela proferida”.
“Art. 205. As questões entre a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e respectivas autarquias,
empresas públicas e sociedades de economia mista, ou entre umas e outras, serão decididas pela
autoridade administrativa, na forma da lei, ressalvado ao acionista procedimento anulatório dessa decisão”.
[...]
20

se perdeu no tempo e, ainda hoje, sua ocorrência é bem dispersa no escarcéu de normas
do Direito Público brasileiro.
Em todo caso, discussões sobre o silêncio da Administração Pública sempre foi
ocorrente nos tribunais pátrios30, sem, contudo, divisar a importância do instituto do
silêncio administrativo, mas, tão-somente, para solucionar algum questionamento
relativo à inatividade formal, ou mesmo material, do Poder Público.
Assim sendo, aspectos históricos sobre o instituto não são encontrados nas raras
monografias31 obtidas sobre a matéria no Brasil, de forma que apenas se discute a
natureza e as possíveis relações do instituto com outras temáticas do Direito Público.
Como o instituto ainda não foi regulado de forma sistêmica no âmbito federal, mas
apenas encontrado de forma esparsa, em algumas leis federais, como será demonstrado
no próximo tópico, e, geralmente, sob a forma de silêncio administrativo negativo, é
natural que inexista uma esteira histórica relativa à inatividade formal da Administração
Pública.
Todavia, para fins de registro, no âmbito estadual já existe uma clara regulação do
instituto, como se pode observar na Lei nº 10.177, de 30 de dezembro de 1998, que
regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública do Estado de São
Paulo, precisamente, no art. 33 32, nestes termos:
Artigo 33 - O prazo máximo para decisão de requerimentos de qualquer
espécie apresentados à Administração será de 120 (cento e vinte) dias, se
outro não for legalmente estabelecido.
§ 1º - Ultrapassado o prazo sem decisão, o interessado poderá considerar
rejeitado o requerimento na esfera administrativa, salvo previsão legal ou
regulamentar em contrário.
§ 2º - Quando a complexidade da questão envolvida não permitir o
atendimento do prazo previsto neste artigo, a autoridade cientificará o
interessado das providências até então tomadas, sem prejuízo do disposto
no parágrafo anterior.
§ 3º - O disposto no § 1º deste artigo não desonera a autoridade do dever
de apreciar o requerimento.

Aqui, de fato, tem-se a regulação do instituto, na medida em que não se limita a


indicar prazo para a Administração Pública estadual se manifestar, mas, também,
consequências jurídicas imediatas em decorrência da inatividade do Poder Público, rectius

A rigor mesmo, apenas o art. 205 poderia ser entendido como contencioso administrativo, haja vista o
sistema fechado de resolução dos conflitos. A Constituição de 1988, como se sabe, não contempla a figura
do contencioso administrativo, ex vi art. 5º, inciso XXXV. O termo contencioso administrativo é, contudo,
equívoco! Claro que existem conflitos de interesses, bem como julgadores e tribunais na seara
administrativa, inclusive com o mesmo dever de observância e de aplicação do direito dispensado aos
magistrados, o que não existe é a exclusividade e definitividade para resolução de tais contendas, de modo
que melhor seria chamar de instância [ou sede] decisória administrativa para definição de
situações/posições jurídicas [ou de resolução de conflitos].
30 Vide: (a) BRASIL, Supremo Tribunal Federal, RE 115033, Relator: Min. Carlos Madeira. Segunda Turma.
Julgado em 05/02/1988, DJ 11-03-1988, pp 04749, Ementa Vol. 01493-04, pp 00790. In:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 18 mai. 2010; (b) BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº
16284/PR. Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros. Primeira Turma. Julgado em 16/12/1991, DJ
23/03/1992, p. 3447. In:<www.stj.jus.br>. Acesso em 29 mai. 2010.
31 As seguintes: (1) FARIA, Adriana Ancona de. Silêncio Administrativo. 2002. 176f. Dissertação (Mestrado).
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). São Paulo: 2002; e (2) MENDES, Fernando Marcelo.
Discricionariedade administrativa e os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da motivação no
controle jurisdicional do silêncio administrativo. 2005. 194f. Dissertação (Mestrado). Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP). São Paulo: 2005. Por fim, urge mencionar que não foram encontrados
livros tratando especificamente sobre a temática na literatura pátria.
32 Igual disposição, porém em sede recursal, é prevista no art. 50 da Lei em cotejo. Curiosamente renomado
administrativista pátrio trata a questão como “rejeição implícita do pedido” (FERRAZ, 2006, p. 297).
21

silêncio administrativo negativo. Infelizmente, inexiste semelhante disposição na Lei nº


9.784/99.

7.2 O SILÊNCIO ADMINISTRATIVO NA ORDEM JURÍDICA POSITIVA

Como já retratado no tópico anterior, tendo em vista a ausência de fórmula legal


genérica para a ocorrência do silêncio administrativo no Direito brasileiro, por certo, não
é comum encontrar dispositivo sobre o instituto, porém alguns exemplos podem ser
mencionados33, tais como:
(a) a concessão de licenças ou autorizações urbanísticas, que são ordinariamente
levadas a cabo pela municipalidade, rectius art. 30, incisos I e VIII, da CF/88, pode
representar uma clara manifestação do silêncio administrativo positivo condicionado,
consoante à legislação municipal vigente. Isto é, geralmente a lei municipal permite que:
se o pedido de aprovação de projeto ou de outorga da licença para construir/edificar, não
for devidamente analisado no prazo legal, a obra seja iniciada 34, contudo, o
empreendedor deverá responder posteriormente por eventuais adequações às normas de
“posturas municipais”;
(b) nos termos da Lei Geral de Telecomunicações (LGT), a prorrogação da
autorização de uso de radiofrequência depende de três requisitos, todos contidos no art.
167 da referida lei, quais sejam, (1) o pedido de prorrogação deve ser promovido no
mínimo de 04 (quatro) anos de antecedência em relação ao término da autorização
original; (2) o emprego racional e adequado da faixa de radiofrequência durante o
período de vigência da autorização concedida; (3) a inexistência de infrações reiteradas
nas atividades exercidas pela autorizatária; e (4) a desnecessidade da alteração de
destinação do uso de radiofrequência. O órgão regulador dispõe de 12 (doze) meses para
decidir o requerimento protocolado pela empresa privada. Não se manifestando no prazo
assinalado, por certo, tem-se a ocorrência da inatividade formal da Administração
Pública. Dando continuidade à diretriz normativa sobre a matéria, o Regulamento de Uso
do Espectro de Radiofrequências, Resolução da ANATEL nº 259, de 19 de abril de 2001,
apregoa o seguinte no seu art. 56, §§ 2º e 3º: (1) ultrapassado o prazo máximo de 12
(doze) meses, contado do protocolo do requerimento de prorrogação apresentado pela
empresa interessada, sem qualquer manifestação da ANATEL sobre o pedido; e (2) “a
prorrogação restará tacitamente aprovada, nas mesmas condições de operação
anteriormente autorizada desde que não contrarie a regulamentação vigente”. A rigor,
tem-se um silêncio administrativo positivo condicionado, haja vista a exigência de
compatibilidade da prorrogação com a regulamentação vigente. Em outras palavras, não
basta o mero decurso do tempo para operar os efeitos positivos do silêncio
administrativo, exige compatibilidade com a regulamentação vigente. A exigência parece
óbvia. De fato, mas, como já foi mencionado neste trabalho, defende-se que a ocorrência
do silêncio positivo próprio independe de comprovação dos parâmetros legais, dá-se com
mera inatividade formal do Poder Público, de sorte que os requisitos são ulteriormente
aferidos, o que não se tem aqui, já que a análise dos requisitos legais é contemporânea
ao próprio expediente legal que reconhece a prorrogação 35;

33
A maioria dos exemplos, quanto à referência normativa, foram extraídos do seguinte trabalho: SADDY,
André. Efeitos jurídicos do silêncio positivo no direito administrativo brasileiro. Revista Brasileira de Direito
Público (RBDP). Belo Horizonte: Fórum, ano 7, n. 25, abr./jun. 2009, p. 45-80.
34
Não se vai questionar, aqui, até porque demandaria uma exposição demorada, quais os possíveis efeitos da
autorização ou licença concedida, tendo em vista as particularidades materiais que cada edificação deve
comportar para atender à legislação de determinado Município. Para uma análise mais demorada no
assunto, consultar: PIRES, Luís Manuel Fonseca. Licenças urbanísticas e o silêncio administrativo: as tutelas
judiciais possíveis diante da omissão da Administração Pública. Fórum de Direito Urbano e Ambiental –
FDUA. Belo Horizonte, ano5, n. 28, jul/ago de 2006, p. 3.461-3.484.
35
Sobre a temática, consultar: SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacinto Arruda. Silêncio administrativo e
renovação de autorizações de uso de radiofrequência: o caso MMDS. Revista de Direito de Informática e
Telecomunicações - RDIT. Belo Horizonte. Ano 3, n. 4, jan/jun 2008, p. 09-24.
22

(c) o Decreto nº 61.244, de 28 de agosto de 1967, que regulamenta o Decreto-Lei


nº 288, de 28 de fevereiro de 1967, que altera as disposições da Lei nº 3.173, de 6 de
junho de 1957, e cria a Superintendência da Zona Franca de Manaus – SUFRAMA,
estabelece, precisamente no art. 11, uma hipótese de silêncio administrativo interno
positivo. Trata-se da isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de todas
as mercadorias industrializadas na Zona Franca de Manaus, “quer se destinem ao seu
consumo interno, quer a comercialização em qualquer ponto do território nacional”;
sendo que, para gozar de tal benesse, os projetos para produção, beneficiamento ou de
industrialização de mercadorias deve se submeter à aprovação da SUFRAMA que, por sua
vez, ouvirá o Ministério da Fazenda, haja vista o tributo federal em cotejo. Pois bem,
conforme o § 1º, do art. 11, do Decreto mencionado, a ausência de manifestação do
Ministério da Fazenda, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar do pedido de audiência,
quanto aos aspectos fiscais da isenção pretendida, implica aprovação tácita desse
Ministério;
(d) o art. 26, da Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, que dispõe sobre a política
energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo, institui o Conselho
Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo e dá outras providências,
elenca mais um caso de silêncio administrativo positivo próprio, uma vez que a
concessão para exploração e produção de petróleo e gás natural em determinada área,
rectius bloco, no caso de êxito, possibilita submeter à ANP os planos e projetos de
desenvolvimento e produção. A ANP, por sua vez, possui o prazo de 180 (cento e
oitenta) dias para emitir parecer sobre os projetos submetidos a sua aprovação. Assim,
inexistindo manifestação da Agência Reguladora no prazo mencionado, “os planos e
projetos considerar-se-ão automaticamente aprovados”;
(e) outra hipótese, já mencionada no item 5.1.1, é a prevista no art. 12, § 1º,
inciso II, da Lei nº 10.522/2000, com alterações decorrentes da Lei nº 11.941, de 27 de
maio de 2009, na qual dispõe que o pedido de parcelamento de dívida junto à Receita
Federal do Brasil (RFB) será “considerado automaticamente deferido quando decorrido o
prazo de 90 (noventa) dias, contado da data do pedido de parcelamento sem que a
Fazenda Nacional tenha se pronunciado”; e
(f) o art. 54, § 7º, da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, que transforma o
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em Autarquia, bem como dispõe
sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras
providências, revela uma clara disposição de silêncio administrativo positivo. Explica-se:
trata-se da ausência de deliberação do CADE, no prazo legal, sobre os “atos, sob
qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre
concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços”.
Isto é, o Plenário do CADE, após a devida instrução do processo promovida pela
Secretaria de Direito Econômico (SDE) e pela Secretaria de Acompanhamento Econômico
(SEAE), deverá, no prazo de prazo de 60 (sessenta) dias, aprovar ou não os atos
perpetrados pelo agente econômico, logo, caso não faça no prazo assinalado, os atos
serão considerados automaticamente aprovados.
Após essa ligeira exposição, não se pode negar que há, de fato, disposições
claras sobre silêncio administrativo na legislação pátria, contudo, inexiste qualquer
sistematicidade sobre a matéria no âmbito federal, muito menos uma regulação geral
sobre o instituto, o que torna o assunto extremamente casuístico, fazendo com que
ocorra insegurança jurídica nas relações travadas entre a Administração Pública e os
administrados, bem como persista uma dúvida quanto à utilidade do instituto, haja vista
possível divergência de tratamento em face de situações fáticas semelhantes.

8 CONCLUSÃO
23

Considerando os ligeiros propósitos36 do trabalho desenvolvido, concluímos que:


(a) a Administração Pública, não raras vezes, descumpre os prazos estabelecidos
na ordem jurídica para atender os requerimentos administrativos, controlar uma
atividade ou serviço e, ainda, regulamentar uma matéria. Em todos esses casos, tem-se
uma inatividade formal do Estado, o que constitui o silêncio administrativo;
(b) a inatividade formal da Administração Pública, por consistir no descumprimento
de um dever legal, constitui uma ilegalidade e, como tal, acarreta sérios danos na
relação entre o cidadão-administrado e o Estado-Administração Pública. Apesar de
espreitar uma ilegalidade do Poder Público, o silêncio administrativo, quando qualificado
positiva ou negativamente, revela uma perspectiva interessante, a saber, de promover
efeitos materiais ou processuais ao administrado em virtude da inércia dos órgãos
públicos;
(c) o silêncio administrativo qualificado, positivo ou negativo, se caracteriza pela
concessão de efeitos fático-jurídicos concretos e favoráveis ao administrado, que pode
ser de natureza meramente processual ou material, contudo, não se pode olvidar que, a
despeito do gozo de tais benefícios, se mantém indene o dever de decidir da
Administração Pública, bem como o dever-poder de autotutela administrativa;
(d) inexiste uma regulamentação do silêncio administrativo na Lei nº 9.874/99, de
sorte que o dever decidir e de motivar da Administração Pública, ex vi arts. 48 a 50 da
LGPAF, não encontram meios não repressivos37, ainda na instância administrativa, para
contornar a inatividade formal do Poder Público; e
(e) a ocorrência do silêncio administrativo na legislação pátria se dá de forma
assistemática ou casuística o que pode gerar, além de imprecisão quanto aos fins do
instituto, insegurança jurídica aos administrados.

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homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 03-15.

36
O tratamento do silêncio administrativo em face (a) de relações específicas com a LGPAF; (b) da prescrição
e da decadência; e (c) da responsabilidade patrimonial do Estado, por certo, serão abordados em artigos
próprios.
37
Claro que o direito de representação, ex vi art. 1º da Lei nº 4.898/65, não constitui o meio mais eficaz para
fazer mover a inatividade formal da Administração Pública, precipuamente porque somente se aplica aos
casos de abuso de autoridade.
24

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VITTA, Heraldo Garcia. O silêncio no direito administrativo. Boletim de Direito Administrativo


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