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Abril de 2007
1
Eng. Civil pela UFAL; Mestre pelo IPH/UFRGS; Doutorando do IPH/UFRGS
email: cfsouza@ppgiph.ufrgs.br
2
Enga. Civil pela FURG; Mestranda do IPH/UFRGS
email: lidiane.souza@ufrgs.br
3
Eng. Civil pela UFRGS; Mestre pelo IPH/UFRGS; Doutor pelo Imperial College, Londres
Professor Adjunto do IPH/UFRGS
email: joel@iph.ufrgs.br
IPH/UFRGS - Instituto de Pesquisas Hidráulicas / Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Av. Bento Gonçalves, 9500 - CEP 91501-970. Caixa Postal 15029 - Porto Alegre - RS – Brasil
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ..................................................................................................... 3
1. CONCEITOS BÁSICOS DE HIDROLOGIA ........................................................ 4
2. ÁGUA NO MEIO URBANO................................................................................. 8
2.1. Crescimento populacional e urbanização................................................ 9
2.2. Infra-estrutura de água no meio urbano ................................................ 11
3. GERENCIAMENTO DAS INUNDAÇÕES RIBEIRINHAS................................. 13
3.1. Previsão/Predição das inundações ........................................................ 13
3.1.1. Previsão de cheia.............................................................................. 13
3.1.2. Predição de cheia.............................................................................. 16
3.2. Medidas de controle................................................................................. 17
3.2.1. Medidas estruturais .......................................................................... 17
3.2.2. Medidas não-estruturais................................................................... 19
3.3. Estimativa econômica de prejuízos........................................................ 24
4. SISTEMAS DE DRENAGEM URBANA............................................................ 26
4.1. Evolução dos sistemas de drenagem urbana ....................................... 26
4.1.1. Sistemas higienistas......................................................................... 26
4.1.2. Métodos compensatórios................................................................. 27
4.1.3. Desenvolvimento urbano de baixo impacto ................................... 27
4.2. Medidas de controle................................................................................. 28
4.2.1. Na fonte.............................................................................................. 28
4.2.2. Na microdrenagem............................................................................ 32
4.2.3. Na macrodrenagem........................................................................... 33
4.3. Interfaces entre atividades urbanas e o sistema de drenagem............ 33
4.4. Impactos ambientais do sistema de drenagem urbana ........................ 34
4.5. Impactos na saúde da população ........................................................... 36
4.6. Aspectos institucionais ........................................................................... 37
4.6.1. Espaço geográfico de gerenciamento ............................................ 37
4.6.2. Legislação.......................................................................................... 38
4.6.3. Gestão................................................................................................ 40
5. PLANO DIRETOR DE DRENAGEM URBANA ................................................ 44
5.1. Objetivos e justificativas ......................................................................... 44
5.2. Princípios.................................................................................................. 44
5.3. Estrutura ................................................................................................... 45
5.3.1. Dados de entrada: informações necessárias ................................. 45
5.3.2. Fundamentos do PDDrU................................................................... 46
5.3.3. Desenvolvimento do PDDrU............................................................. 47
5.3.4. Produtos do PDDrU .......................................................................... 48
5.3.5. Programas ......................................................................................... 48
6. BIBLIOGRAFIA ................................................................................................ 50
APRESENTAÇÃO
Esta apostila faz parte do material didático elaborado para o curso de capacitação da Rede
Nacional de Capacitação e Extensão Tecnológica em Saneamento Ambiental (RECESA) -
Núcleo Regional Sul
Hidrologia é a ciência que trata da água na Terra, sua ocorrência, circulação, distribuição
espacial, suas propriedades físicas e químicas e sua relação com o ambiente, inclusive com
os seres vivos. A Hidrologia é o estudo da água na superfície terrestre, no solo e no sub-
solo. Assim a Hidrologia pode ser tanto uma ciência como um ramo da engenharia, que
apresenta muitos aspectos em comum com a meteorologia, geologia, geografia, agronomia,
engenharia ambiental e a ecologia, e utiliza como base os conhecimentos de hidráulica,
física e estatística.
A Hidrologia Aplicada está voltada para os diferentes problemas que envolvem a utilização
dos recursos hídricos, preservação do meio ambiente e ocupação da bacia.
Ciclo Hidrológico
O ciclo hidrológico é normalmente estudado com maior interesse na fase terrestre, onde o
elemento fundamental de análise é a bacia hidrográfica.
Figura 1. Ciclo Hidrológico. Extraída de United Nations World Water Development Report 2006.
Bacia hidrográfica
Uma bacia hidrográfica pode ser dividida em sub-bacias e cada uma das sub-bacias pode
ser considerada uma bacia hidrográfica.
Tempo de concentração
Tempo de concentração é o tempo idealizado de viagem que uma gota de chuva que
precipita no ponto mais remoto da bacia leva para atingir seu exutório.
onde:
P = probabilidade de excedência;
f = freqüência (f) de excedência
n = tamanho total da série analisada
De forma ilustrativa, o tempo de retorno de 10 anos significa que, em média, a cheia pode
se repetir a cada 10 anos ou em cada ano tem 10% de chance de ocorrer.
A outra probabilidade desejada é a seguinte: Qual a chance da cheia de 10 anos ocorrer nos
próximos 5 anos? Ou seja, deseja-se conhecer qual a probabilidade de ocorrência para um
período e não apenas para um ano qualquer. A equação para essa estimativa é a seguinte:
Pn = 1- (1- 1/T)n
O ciclo hidrológico natural é constituído por vários processos físicos, químicos e biológicos.
A presença do homem e sua concentração em comunidade produzem grandes alterações
neste ciclo, com impactos significativos (muitas vezes de forma irreversível) no próprio
homem e na natureza. Nos próximos itens serão explicitados os principais aspectos da água
em meio urbano.
Grande parte dos problemas destacados têm como origem os seguintes aspectos:
A maioria destes problemas é conseqüência de uma visão distorcida do controle por parte
da comunidade de engenharia que ainda prioriza a execução de obras de controle de águas.
O paradoxo posto está no incentivo à execução de obras em países em desenvolvimento,
enquanto os países desenvolvidos já abandonaram esta abordagem em virtude de sua
inviabilidade econômica.
2.1. Crescimento populacional e urbanização
A expansão urbana fica bem caracterizada ao se observar que sua população passou de
apenas 15% da população mundial em 1900 para mais da metade na virada do século.
Atualmente, a população urbana na Ásia e na África ainda não é significativa quando
comparada à sua população total, enquanto na América Latina, Europa e Estados Unidos a
população urbana supera 75%. No Brasil, esta proporção já está em 82% e, em alguns
estados como São Paulo, acima de 90%. A previsão é de que, em 2010, existirão cerca de
60 cidades acima de 5 milhões de habitantes, sendo a maioria em países em
desenvolvimento. A Tabela 1 apresenta as cidades mais populosas do mundo, enquanto a
Figura 4 mostra a distribuição espacial das grandes metrópoles pelo mundo.
No Brasil, o crescimento da população urbana foi acelerado nas últimas décadas (Tabela 2),
gerando grandes metrópoles na capital dos estados, formadas por um núcleo principal e
várias cidades circunvizinhas. Nos últimos anos, a tendência tem sido de redução do
crescimento populacional do país, principalmente na cidade núcleo da região metropolitana
(RM; O processo de urbanização observado nos países em desenvolvimento apresenta
grande concentração populacional em pequenas áreas com deficiências no sistema de
transporte, ausência de saneamento básico, poluição do ar e da água e um quadro
crescente de eventos extremos (inundações e secas). O conjunto destas condições
inadequadas prejudica a saúde e a qualidade de vida da população, amplifica impactos ao
meio ambiente e apresentam-se como principais limitações ao desenvolvimento. Para dar
dimensão da parcela da população que vive em favelas, em Caracas (Venezuela) e Nova
Deli (Índia) cerca de 50% e 20%, respectivamente, da população habita neste tipo de
moradia. Cabe salientar que além dos problemas comuns a áreas de grande densidade
populacional (falta de saneamento, entre outros), as favelas ocupam áreas de risco, como
áreas de grande declividade em morros ou áreas sujeitas a alagamentos.
Figura 4. Distribuição espacial das grandes metrópoles do mundo. Extraída de Tucci & Silveira (2001).
Tabela 2. Crescimento da população brasileira e sua urbanização.
• Mananciais de águas;
• Abastecimento de água;
O controle de inundações ribeirinhas consiste em evitar que a população seja atingida pelas
inundações naturais. Os rios nos períodos chuvosos extravasam seu leito menor e ocupam
o leito maior, dentro de um processo natural. Como isto ocorre de forma irregular ao longo
do tempo, a população tende a ocupar o leito maior, ficando sujeita ao impacto das
inundações.
Um vale de inundação (Figura 5) é definido principalmente por dois leitos: O leito menor, que
representa a seção de rio por onde as águas escoam na maior parte do tempo, e o leito
maior, por onde o rio escoa durante as inundações. O leito menor é claramente definido
pelas margens dos rios e o leito maior é delimitado pelo vale onde o rio meandra.
As inundações ocorrem quando as águas dos rios, riachos ou galerias pluviais saem do leito
menor de escoamento devido à falta de capacidade de transporte de um destes sistemas e
ocupa áreas utilizadas pela população para moradia, transporte (ruas, rodovias e passeios),
recreação, comércio, industria, e outras atividades humanas.
Quando a precipitação é intensa e o solo não tem capacidade de infiltrar, grande parte do
volume escoa para o sistema de drenagem, superando sua capacidade natural de
escoamento. O excesso do volume que não consegue ser drenado ocupa a várzea
inundando-a de acordo com a topografia das áreas próximas aos rios. Estes eventos
ocorrem de forma aleatória em função dos processos climáticos locais e regionais. Este tipo
de inundação é aqui denominado inundação ribeirinha.
A previsão dos níveis num rio pode ser realizada a curto ou em longo prazo.
A previsão de cheia em curto prazo ou em tempo real é a obtida com antecedência de
algumas horas ou até 14 dias. Ela permite estabelecer o nível e seu tempo de ocorrência
para a seção de um rio com antecedência que depende da previsão da precipitação e dos
deslocamentos da cheia na bacia. Este tipo de previsão é utilizado para alertar a população
ribeirinha e operadores de obras hidráulicas.
Para efetuar a previsão de cheia em curto prazo são necessários: sistemas de coleta e
transmissão de dados e metodologia de estimativa. Os sistemas são utilizados para
transmitir os dados de precipitação, nível e vazão, durante a ocorrência do evento. O
processo de estimativa é realizado através do uso de modelos matemáticos que
representam o comportamento das diferentes fases do ciclo hidrológico.
Complementarmente é necessário um Plano de Defesa Civil, quando a enchente atinge uma
área habitada, ou no caso de operação de reservatório um sistema de emergência e
operação.
No primeiro caso é necessário estimar a precipitação que cairá sobre a bacia através do uso
de equipamento como radar ou de sensoriamento remoto. A seguir, conhecida a
precipitação sobre a bacia, é possível estimar a vazão e o nível por modelo matemático que
simule a transformação de precipitação em vazão.
A previsão em curto prazo, com base em posto à montante da seção de interesse, depende
das características do rio, ou seja, da área controlada da bacia. Neste caso, o tempo de
antecedência é menor que os anteriores (Figura 6b).
(a) série observada de vazões: série de vazões medidas no local de interesse por pelo
menos 15 anos;
(c) com base na precipitação e uso de modelo precipitação – vazão: quando a série de
vazões reconhecidamente não é estacionária, pode-se lançar mão da série de
precipitações e a partir dela estimam-se as vazões através de um modelo de
transformação de precipitação em vazão.
Estas metodologias estimam o risco de inundação no local com base nos históricos
ocorridos e consideram que as séries históricas de vazões são:
Medidas extensivas
As medidas extensivas são aquelas que agem no contexto global da bacia, procurando
modificar as relações entre precipitação e vazão, como a alteração da cobertura vegetal do
solo, que reduz e retarda os picos de enchentes e controla a erosão da bacia.
Medidas extensivas
As medidas extensivas são aquelas que agem no contexto global da bacia, procurando
modificar as relações entre precipitação e vazão, como a alteração da cobertura vegetal do
solo, que reduz e retarda os picos de enchentes e controla a erosão da bacia.
As medidas intensivas são aquelas que agem numa escala menor, nos cursos d’água e
superfícies, e podem ser obras de (a) re-naturalização; (b) contenção, como diques e
pôlderes; (c) aumento da capacidade de descarga, como retificações, ampliações de seção
e corte de meandros de cursos d’água; (d) desvio do escoamento por canais e retardamento
e infiltração, como reservatórios, bacias de amortecimento e dispositivos de infiltração no
solo.
Diques ou polders: São muros laterais de terra ou concreto, inclinados ou retos, construídos
a uma certa distância das margens, que protegem as áreas ribeirinhas contra o
extravasamento. Os efeitos de redução da largura do escoamento confinando o fluxo são o
aumento do nível de água na seção para a mesma vazão, aumento da velocidade e erosão
das margens e da seção e redução do tempo de viagem da onda de cheia, agravando a
situação dos outros locais a jusante. O maior risco existente na construção de um dique é a
definição correta da enchente máxima provável, pois existirá sempre um risco de colapso,
quando os danos serão piores que a não existência do mesmo.
O dique permite proteção localizada para uma região ribeirinha. Deve-se evitar diques de
grandes alturas, pois existe sempre o risco de rompimento para uma enchente maior do que
a de projeto. No caso de rompimento, o impacto é maior do que se o mesmo não existisse.
Para a seção de um rio que escoa uma dada vazão, a cota resultante depende da área da
seção, da rugosidade, raio hidráulico e da declividade. Para reduzir a cota devido a uma
vazão pode-se atuar sobre as variáveis mencionadas. Para que a modificação seja efetiva é
necessário modificar estas condições para o trecho que atua hidraulicamente sobre a área
de interesse. Aprofundando o canal, a linha de água é rebaixada evitando inundação, mas
as obras poderão envolver um trecho muito extenso para ser efetiva, o que aumenta o custo.
A ampliação da seção de medição produz redução da declividade da linha de água e
redução de níveis para montante. Estas obras devem ser examinadas quanto à alteração
que podem provocar na energia do rio e na estabilidade do leito. Os trechos de montante e
jusante das obras podem sofrer sedimentação ou erosão de acordo com alteração
produzida.
Figura 7. Situação prévia e perspectiva da restauração do rio Cheonggyecheon (Seul, Coréia do Sul).
Extraída de www.streetsblog.org
É importante destacar que as medidas estruturais não são projetadas para dar uma
proteção completa. Isto exigiria a proteção contra a maior enchente possível, o que é
fisicamente e economicamente inviável na maioria das situações. Além disto, medidas
estruturais podem criar uma falsa sensação de segurança, permitindo a ampliação da
ocupação das áreas inundáveis, podendo futuramente resultar em danos significativos.
As medidas não-estruturais são aquelas em que os prejuízos são reduzidos pela melhor
convivência da população com as enchentes, por meio de medidas preventivas. As medidas
não-estruturais, em conjunto ou não com as estruturais, podem minimizar significativamente
os prejuízos com um custo menor. O custo de proteção de uma área inundável por medidas
estruturais, em geral, é superior ao de medidas não-estruturais.
Este sistema possui três fases distintas que são: prevenção, alerta e mitigação.
O alerta trata da fase de acompanhamento da ocorrência dos eventos chuvosos com base
no (a) nível de acompanhamento, isto é, nível a partir do qual existe um acompanhamento
da evolução da enchente, o alerta à Defesa Civil da eventualidade da chegada de uma
enchente e a previsão de níveis em tempo real; (b) nível de alerta, isto é, nível a partir do
qual as entidades prevêem o tempo em que será atingida a cota que pode produzir prejuízos
e que a Defesa Civil e administrações municipais passam a receber regularmente as
previsões para a cidade; (c) nível de emergência, isto é, nível no qual ocorrem prejuízos
materiais e humanos e a população passa a receber as informações de nível atual e previsto
com antecedência e o intervalo provável dos erros, obtidos dos modelos.
A fase de mitigação trata das ações que devem ser realizadas para diminuir o prejuízo da
população quando a inundação ocorre, como isolar ruas e áreas de risco, remoção da
população, animais e proteção de locais de interesse público.
O mapa de alerta é preparado com valores de cotas em cada esquina da área de risco. Com
base na cota absoluta das esquinas, deve-se transformar esse valor na cota referente a
régua. Isto significa que, quando um determinado valor de nível de água estiver ocorrendo
na régua, a população saberá quanto falta para inundar cada esquina. Isto auxilia a
convivência com a inundação durante a sua ocorrência.
Quando a declividade da linha de água ao longo da cidade é muito pequena e não existem
arroios significativos no perímetro urbano os ítens d, e e f são desnecessários. No caso das
obstruções, essas podem ser importantes se reduzirem significativamente a seção
transversal.
A seção de escoamento do rio pode ser dividida em três partes principais (Figura 9),
descritas a seguir.
Figura 9. Zoneamento de áreas inundáveis.
Zona com restrições (faixa 2 em cinza) - Esta é a área restante da superfície inundável que
deve ser regulamentada. Esta zona fica inundada, mas, devido às pequenas profundidades
e baixas velocidades, não contribui de forma significativa para a drenagem da enchente.
Esta zona pode ser subdividida em subáreas, mas essencialmente os seus usos podem ser:
(a) parques e atividades recreativas ou esportivas cuja manutenção, após cada cheia,
seja simples e de baixo custo. Normalmente uma simples limpeza a reporá em
condições de utilização, em curto espaço de tempo;
(c) habitação com mais de um piso, onde o piso superior ficará situado, no mínimo, no
nível do limite da enchente e estruturalmente protegida contra enchentes ;
(e) serviços básicos: linhas de transmissão, estradas e pontes, desde que corretamente
projetados.
Zona de baixo risco (faixa 3 em amarelo) - Esta zona possui pequena probabilidade de
ocorrência de inundações, sendo atingida em anos excepcionais por pequenas lâminas de
água e baixas velocidades. A definição dessa área é útil para informar a população sobre a
grandeza do risco a que está sujeita. Esta área não necessita regulamentação, quanto às
cheias.
Nesta área, delimitada por cheia de baixa freqüência, pode-se dispensar medidas individuais
de proteção para as habitações, mas orientar a população para a eventual possibilidade de
enchente e dos meios de proteger-se das perdas decorrentes, recomendando o uso de
obras com, pelo menos, dois pisos, onde o segundo pode ser usado nos períodos críticos.
Curva nível-prejuízo
Já no fim do século XIX, o Brasil vê surgir a grande figura do engenheiro Saturnino de Brito
que revolucionou o conceito higienista apresentando argumentos sólidos em favor do
sistema separador absoluto (redes de condutos separados para esgotos pluviais e cloacais),
adequando técnicas importadas de drenagem ao comportamento da precipitação em
regiões tropicais e inovando ao apresentar projeto - que infelizmente acabou não vigorando -
para a cidade de Belo Horizonte, o qual ordenava a configuração da cidade respeitando o
sistema natural de drenagem.
Na tentativa de sanar boa parte das deficiências apresentadas pelos sistemas higienistas,
métodos compensatórios de manejo de águas pluviais (também denominados Best
Management Practices, BMPs) passaram a ser adotados pelo mundo a partir da década de
70 - em algumas municipalidades brasileiras, como Porto Alegre e São Paulo, isto passou a
ocorrer na última década. Estas medidas buscam compensar efeitos da impermeabilização
de superfícies. O método constitui-se de planejamento em escala de bacia e aplicação de
dispositivos com finalidade de armazenamento e infiltração de águas pluviais como
detenções, retenções, banhados, pavimentos permeáveis, microrreservatórios, valos e
trincheiras de infiltração. Enfatiza-se, desta abordagem, a aplicação de dispositivos com
objetivos múltiplos, como a utilização de detenções para área de lazer/recreação em Porto
Alegre e pavimentos permeáveis que permitem a infiltração e tratamento de escoamento
pluvial enquanto desempenha sua função essencial de veiculação de automóveis.
• acirram demandas por espaço físico com outros setores de interesse da sociedade
(como recreação, transportes);
Cabe ressaltar que, mesmo em aplicações de LID, restrições locais como altura do
freático/leito rochoso, espaço físico, características do solo, podem levar à aplicação
combinada com práticas compensatórias ou mesmo higienistas, como detenções e condutos
forçados, respectivamente. Prioridade, no entanto, deve ser dada a dispositivos de LID por
sua característica integrada.
O gerenciamento da drenagem de águas pluviais pode ser realizado por medidas estruturais
(aplicação de estruturas físicas de controle) ou não-estruturais (normas, incentivos fiscais)
avaliadas freqüentemente em três escalas: na fonte, na microdrenagem ou na
macrodrenagem. Ao órgão público responsável pelo controle de drenagem, cabe a
ponderação quanto à seleção de capacitar e aplicar medidas difusas na fonte, melhor opção
numa ótica global de médio e longo-prazo quando há disponibilidade de tempo, ou de
empregar medidas estruturais na micro e na macrodrenagem, quando há urgência de
remediação de problemas. O revés observado em políticas de controle da drenagem se
encontra na predileção por obras hidráulicas, que, para o nível atual de conhecimento
popular e em virtude da pressão do setor industrial construtivo, onde há demanda por
trabalhos de maior porte (logo, maior lucro), aparenta ser a panacéia, embora não a seja.
4.2.1. Na fonte
• Bio-retenções. Bio-retenção (Figura 11) consiste em uma depressão rasa com solo
preparado para o plantio (ver descrição do item anterior) de uma diversidade de espécies,
sendo dimensionada para receber o escoamento de uma área pequena. Em bio-retenções,
usualmente em formato de célula ou de valo, plantas, solo e micróbios realizam processos
físicos, químicos e biológicos removendo poluentes e controlando águas pluviais. O
emprego de uma faixa de vegetação no entorno deste dispositivo é aconselhado para a
retenção de sedimentos. Drenos subjacentes para outros dispositivos são utilizados na
proximidade de infra-estrutura sensível (por exemplo, fundação não-impermeabilizada),
aplicação em áreas onde efluentes com alta carga de poluente é lançada (por exemplo,
postos de combustível) ou solo subjacente apresenta baixa taxa de infiltração ou lençol
freático alto;
Políticas locais podem ser trabalhadas como projeto-piloto, em escala de bairro ou sub-
bacia, por exemplo. Uma iniciativa interessante é o estímulo à reformulação massiva de
empreendimentos com implantação de dispositivos na fonte, como telhados verdes (Figura
15) em alguns condados americanos.
Figura 15. Washington, D.C. (E.U.A) pré(2002) e pós (2025) implementação de programa de instalação de
telhados verdes em 20% das edificações (mais de 900 m²). Crédito: Casey Trees Endowment Fund.
4.2.2. Na microdrenagem
Figura 17. Resíduo sólido urbano extraído de sistemas de drenagem (Austrália e Porto Alegre).
4.2.3. Na macrodrenagem
Limpeza urbana – lixo oriundo de deposição indevida por residentes e transeuntes, rejeitos
de jardinagem, limpeza e construções entope condutos e detenções que não foram
dimensionados considerando seu aporte. Inundações urbanas espalham lixo que seria
coletado, dificultando a operação do setor de limpeza urbana.
O desenvolvimento urbano tem produzido um ciclo de contaminação (Figura 18) que ocorre
em função de:
• Despejo de esgoto sanitário sem tratamento nos rios, contaminando-os por estes
possuírem capacidade limitada de diluição. Isto ocorre em razão da falta de
investimentos no sistema de esgotamento sanitário, que, quando existem,
apresentam baixa eficiência;
• Despejo de águas pluviais, que transportam grande quantidade de poluição orgânica
e de metais aos rios nos períodos chuvosos. Esta é uma das maiores fontes de
poluições difusa;
• Ocupação do solo urbano sem controle do seu impacto sobre o sistema hídrico.
Em conseqüência da falta de tratamento dos esgotos, a carga poluidora que aporta corpos
hídricos, como lagos artificiais, aumenta a probabilidade de eutrofização (riqueza em
nutrientes). Com a eutrofização, existe a tendência de produção de algas que (consomem
os nutrientes e) podem produzir toxinas que ficam solúveis na água e se acumulam no fundo
dos lagos, dos quais alguns peixes também se alimentam.
A contaminação dos aqüíferos urbanos também ocorre com freqüência, tendo como
principais fontes:
• Fossas sépticas, utilizadas em grande parte das cidades brasileiras como destino
final do esgoto. Esse sistema tende a contaminar a parte superior do aqüífero,
podendo comprometer o abastecimento de água urbana quando existe comunicação
entre diferentes camadas dos aqüíferos por meio de percolação e perfuração
inadequada dos poços artesianos;
• Rede de drenagem pluvial, por meio de perdas de volume no seu transporte, por
entupimento de trechos da rede que pressionam a água contaminada para fora do
sistema de condutos ou pelo direcionamento de efluentes de qualidade agressiva à
infiltração.
Alterações de quantidade de água que aportam corpos hídricos podem influenciar na
distribuição das espécies existentes no seu ecossistema. Isto se deve à adaptação das
espécies para as condições prévias à instalação das cidades. Com a alteração das
condições hídricas, espécies melhor adaptadas às novas condições apresentam aumento
populacional, enquanto outras melhor adaptadas às condições prévias tendem a ter sua
população diminuída.
Doenças com fonte na água (water borne diseases): dependem da água para sua
transmissão como cólera, salmonela, diarréia, leptospirose (desenvolvida durante as
inundações pela mistura da água à urina do rato), entre outras. A água age como veículo
passivo para o agente de infecção.
Muitas destas doenças estão relacionadas com a baixa cobertura de água tratada e
saneamento, como a diarréia e a cólera; outras estão relacionadas com a inundação, como
a leptospirose, malária e dengue. Na Tabela 5 são apresentadas a taxa de mortalidade
infantil e as doenças de veiculação hídrica no Brasil. Na Tabela 6 é apresentada a
proporção de cobertura de serviços de água e saneamento no Brasil de acordo com o grupo
de renda. Fica evidente nestas tabelas a pequena proporção de atendimento para a
população de menor renda. Na Tabela 7 são apresentados números totais de ocorrências
de algumas doenças de veiculação hídrica no Brasil.
Tabela 5. Mortalidade relacionada a doenças de veiculação hídrica no Brasil
Tabela 6. Proporção de cobertura de serviços por nível de renda no Brasil (%)
O gerenciamento de águas pluviais e seus impactos pode ser analisado dentro de dois
contextos espaciais diferentes, discutidos a seguir:
Gerenciamento estadual ou federal: este tipo de manejo é realizado por bacia hidrográfica
ou consórcio de cidades, buscando controlar os impactos de ações que extrapolam o limite
da cidade. Sua gestão é usualmente realizada via comitês e agências, assistidos por
conselhos estaduais e federais, por meio de padrões estabelecidos em legislação ambiental
e de recursos hídricos.
4.6.2. Legislação
As legislações que envolvem as águas urbanas estão relacionadas com: recursos hídricos,
uso do solo e licenciamento ambiental. A seguir é apresentada uma análise dentro do
cenário brasileiro onde existem os níveis: Federal, Estadual e Municipal (Figura 19).
Quanto aos Recursos Hídricos: A Constituição Federal define o domínio dos rios (estadual
ou federal) e a legislação de recursos hídricos em nível federal (Lei 9433/97, também
conhecida como lei das águas, que institui a política nacional e o sistema nacional de
gerenciamento de recursos hídricos) estabelece os princípios básicos da gestão através de
bacias hidrográficas. Na lei das águas são estabelecidos os instrumentos da política de
recursos hídricos, sendo eles:
(a) plano de recursos hídricos, consiste em planos diretores que visam a fundamentar e
orientar a implementação da Política;
(e) compensação a municípios, financeira ou de outro tipo, àqueles que tenham áreas
inundadas por reservatórios ou sujeitas a restrições de uso do solo com finalidade
de proteção de recursos hídricos, e;
Quanto a uso do solo: Na constituição Federal, artigo 30, é definido que o uso do solo é
municipal. Porém, os Estados e a União podem estabelecer normas para o disciplinamento
do uso do solo visando a proteção ambiental, controle da poluição, saúde pública e da
segurança. Desta forma, observa-se que no caso da drenagem urbana, que envolve o meio
ambiente e o controle da poluição a matéria é de competência concorrente entre Município,
Estado e Federação. A tendência é dos municípios introduzirem diretrizes de
macrozoneamento urbano nos Planos Diretores de Desenvolvimento Urbano, incentivados
pelos estados e obrigados pelo estatuto das cidades (Lei nº 10.257/2001, que estabelece
diretrizes gerais da política urbana) para cidades com mais de 20.000 habitantes.
4.6.3. Gestão
A gestão das ações dentro do ambiente urbano pode ser definida de acordo com a relação
de dependência da água através da bacia hidrográfica ou da jurisdição administrativa do
município, Estado ou nação. A tendência da gestão dos recursos hídricos tem sido realizada
através da bacia hidrográfica, no entanto a gestão do uso do solo é realizada pelo município
ou grupo de municípios numa região Metropolitana. A gestão pode ser realizada de acordo
com a definição do espaço geográfico externo e interno a cidade.
Os Planos de Recursos Hídricos ou planos das bacias hidrográfica têm sido desenvolvidos
para bacias grandes (>3.000 km²). Neste cenário existem várias cidades que interferem
umas nas outras transferindo impactos. O plano da bacia dificilmente poderá desenvolver
todas as medidas em cada cidade, mas deve estabelecer os condicionantes externos às
cidades como a qualidade de seus efluentes, as alterações de sua quantidade.
No primeiro caso, a solução passa pelo apoio estadual e federal através de escritórios
técnicos que apóiem as cidades de menor porte no desenvolvimento de suas ações de
planejamento e implementação. O segundo dependerá da transição e evolução do
desenvolvimento da gestão no país. O terceiro dependerá fundamentalmente do
desenvolvimento de um programa a nível federal e mesmo estadual com um fundo de
financiamento para viabilizar as ações.
O controle institucional das águas urbanas, que envolve pelo menos dois municípios, pode
ser realizado por meio de:
Portanto, quando forem desenvolvidos os Planos das Bacias que envolvam mais de um
município, deve-se buscar acordar ações conjuntas com estes municípios para se obter o
planejamento de toda a bacia.
Os mecanismos de indução básicos para este processo são: (a) institucional e (b)
econômico financeiros.
A legislação: Atualmente a legislação prevê a outorga para efluentes. Desta forma, poderiam
ser estabelecidos dois mecanismos básicos:
(a) definição de normas e critérios para outorga de efluentes que alterem a qualidade e
quantidade de águas provenientes de áreas urbanas;
• O comitê de bacia subsidiaria parte dos recursos para elaboração dos Planos;
• Criar um fundo econômico para financiar as ações do Plano previsto para as cidades.
O ressarcimento dos investimentos seriam através das taxas municipais específicas para
esgotamento sanitário, resíduo sólido e drenagem urbana, este último baseado na área
impermeável das propriedades. O Plano deveria induzir a transparência destes mecanismos
dentro do município visando a sustentabilidade de longo período do sistema de cobrança,
com a fiscalização adequada.
Tabela 10. Fases e critérios para a outorga de lançamento de efluentes. Extraída de Tucci (2005).
5. PLANO DIRETOR DE DRENAGEM URBANA
5.2. Princípios
2. O escoamento durante os eventos chuvosos não pode ser ampliado pela ocupação
da bacia, tanto num simples loteamento como nas obras de macrodrenagem
existentes no ambiente urbano. Isto se aplica tanto a um simples aterro urbano como
também se aplica à construção de pontes, rodovias e impermeabilização dos
espaços urbanos. O princípio é de que cada usuário urbano não deve ampliar a
cheio natural.
5.3. Estrutura
A estrutura do Plano Diretor de Drenagem Urbana pode ser vista na Figura 21. Os grandes
grupos são: dados de entrada, fundamentos, desenvolvimento, produtos e programas. Cada
uma destas etapas é explicada a seguir.
Cadastro Físico: Cadastro da rede pluvial, bacias hidrográficas, uso e tipo de solo das
bacias, entre outros dados físicos;
Objetivos: um PDDrU deve buscar: (i) planejar a distribuição da água no tempo e no espaço,
com base na tendência de ocupação urbana compatibilizando esse desenvolvimento e a
infra-estrutura para evitar prejuízos econômicos e ambientais; (ii) controlar a ocupação de
área de risco de inundação através de restrições em áreas de alto risco e (iii) convivência
com as enchentes nas áreas de baixo risco.
Para o controle da contaminação dos aqüíferos e o controle de material sólido deverão ser
criados programas de médio prazo visando a redução desta contaminação através de
medidas distribuídas pela cidade.
II. Cenário atual + PDDUA: Este cenário envolve a ocupação atual para as partes da bacia
onde o Plano foi superado na sua previsão, enquanto que utiliza-se a previsão do Plano
para as áreas em que este não foi superado.
III. Cenário de ocupação máxima: Este cenário envolve a ocupação máxima de acordo com o
que vem sendo observado em diferentes partes da cidade que se encontram neste estágio.
Este cenário representa a situação que ocorrerá se o disciplinamento do uso do solo não
for obedecido.
(b) identificação dos locais críticos, onde ocorrem inundações para o cenário e
riscos definidos;
São os elementos gerados pelo PDDrU. Os principais produtos são legislação e/ou
regulamentação que compõem as medidas não-estruturais; proposta de gestão da
drenagem urbana dentro da estrutura municipal de administração; mecanismo financeiro e
econômico para viabilizar as diferentes medidas; plano de controle das bacias hidrográficas
urbanas; Plano de Ações; e o Manual de Drenagem, o qual deve dar as bases do Plano e os
elementos necessários ao preparo dos projetos na cidade.
A experiência internacional de países como Austrália, Estados Unidos e Canadá mostra que
é possível a utilização de um manual nacional, com o objetivo de fornecer diretrizes para
elaboração de manuais locais, para cada município, bacia ou condado. Estes manuais
servem apenas de apoio ao projeto dos dispositivos para controle do escoamento, pois na
realidade são as normas estabelecidas em legislações locais que prescrevem quais
elementos devem ser observados no dimensionamento dos dispositivos.
5.3.5. Programas
• Programa de monitoramento
• Programa de Fiscalização;
• Programa de Educação:
- Educação à população.
6. BIBLIOGRAFIA
BRASIL. Lei nº 10.257 de 10 de julho de 2001: Estatuto das cidades – Estabelece diretrizes
gerais da política urbana.
BRASIL. Ministério das Cidades. Programa Drenagem Urbana Sustentável. Manual para
apresentação de propostas. 2006.
PORTO ALEGRE, 2000. Prefeitura Municipal. Secretaria de Planejamento Municipal.
PDDUA : Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Porto Alegre. Porto
Alegre, RS
SILVEIRA, A.L.L. da. Aspectos históricos da drenagem urbana no Brasil. In: Tucci, C.E.M.;
Goldenfum, J.A.; Depettris, C.A.; Pilar, J.V. (Orgs.) Hidrologia urbana na bacia do Prata.
Porto Alegre: ABRH; CAPES; SETCIP; UNNE; IPH/UFRGS, 2000, p.11-17
TUCCI, C.E.M. 1997. Plano Diretor de Drenagem Urbana: Princípios e Concepção. Revista
Brasileira de Recursos Hídricos. ABRH. Vol. 2, nº 2.
TUCCI, C.E.M. 2002. Gerenciamento da drenagem urbana. In: RBRH: Revista Brasileira de
Recursos Hídricos. Porto Alegre,RS Vol. 7, nº 1(2002 jan./mar.), p. 5-27.
TUCCI, C.E.M. 2005. Proposta do Plano Nacional de Águas Pluviais. Ministério das Cidades.
Brasília 120p.
TUCCI, C.E.M.; ORSINI, L.F. Águas urbanas no Brasil: cenário atual e desenvolvimento
sustentável. In: Brasil. Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. Gestão do território e
manejo integrado das águas urbanas. Brasília: Ministério das Cidades, 2005.
TUCCI, C.E.M. & SILVEIRA, A.L.L. da – Gerenciamento da drenagem urbana – Apostila IPH
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