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“A INTENÇÃO DA SEMENTE”

Hoje quero começar usando estas palavras que não são minhas:

“Se não houver frutos, valeu a beleza das flores. Se não houver flores, valeu a
sombra das folhas. Se não houver folhas, valeu a intenção da semente.”

Elas poderiam ter sido ditas por alguns ilustres pacifistas ou ganhadores do Prêmio
Nobel da Paz. Mas quem as proferiu foi o querido e saudoso cartunista brasileiro: o
Henfil. Hoje, entretanto, o mundo, estarrecido, prosta-se desconfiado das intenções das
“sementes” que aí estão, a germinar o ódio, a morte, o terror, o desamor, e a prometer
sempre mais, desgraças.

A humanidade está sendo empurrada para o precipício porque alguns homens,


cristãos ou não, já nem respeitam a cidade onde Cristo nasceu, e nem sequer, a
julgar pelo desenrolar das violências, o templo que marca o local onde o
nascimento de Jesus teria ocorrido.

Terrorismo, palavra muito em moda atualmente, usado por tanques, aviões,


mísseis, para combater o terrorismo dos homens-suicidas. Acabam todos
mergulhando na escuridão da insensatez, da insanidade sem justificativas,
impondo, uns aos outros, a sua vontade pelo uso sistemático do terror. Só há
inocentes entre a maioria das vítimas que sucumbem.

Esta roda- viva parece não encontrar obstáculos para a deter. Todos os esforços de
paz, desenvolvidos durante os dois mandatos do Presidente Clinton, acabaram por
esfumaçar-se no presente clima de beligerância que começou logo após os
atentados terroristas aos EUA em 11.09.2001.

Várias regiões, onde históricos conflitos estavam aparentemente pacificados, de


repente explodiram e ganharam força no rastro dos discursos e atitudes do
governo americano atual. A Europa, sua aliada, já se dá conta dos sérios riscos,
pois o que estava contido nas fronteiras do oriente médio, já começa a dar sinais de
se alastrar pelo mundo afora.

Na França, na Bélgica, na Alemanha, manifestantes, tanto pró Israel como pró


Palestina, já começam a disseminar o terror e a se degladiar em várias cidades. Em
outros continentes o mesmo está acontecendo.

Até nos EUA já ocorrem manifestações semelhantes. Alguns políticos e mesmo


autoridades do Pentágono preocupam-se não apenas com este desenrolar, mas
também com a tibieza do Sr. Bush em relação ao assunto. Ao se pronunciar ele
costuma morder e soprar, tanto para um lado como para o outro.

Não toma uma posição firme porque não deseja desagradar Israel, mas, ao mesmo
tempo, em que diz reconhecer que o Sr. Ariel Sharon teria o direito de defender
seu povo contra os atos terroristas de palestinos suicidas, percebe, porém critica
timidamente, os excessos que ele está cometendo contra todo um povo e não apenas
contra grupos terroristas.
Mais sensatez, equilíbrio e firmeza eu ouvi nas palavras do General Colin Powel
quando, num pronunciamento há poucos dias atrás, declarou: "Existe atividade
terrorista, nós a vemos diariamente. Mas o presidente Arafat é o chefe da Autoridade
Palestina, uma organização que nós ajudamos a criar. Acreditamos que há muito
mais que ele pode fazer e estamos pedindo que faça mais. E não serve ao nosso
propósito, neste momento, dar a ele o rótulo de terrorista". Estas palavras foram um
recado direto ao Sr. Ariel Sharon.

Na mesma fala, o general Powel conclamou o Sr. Sharon a refletir bem sobre as
conseqüências do cerco militar isolando completamente Arafat. Reconheceu também
que o líder palestino tem trabalhado, dentro do possível, no processo de paz. A imprensa
internacional deu ampla divulgação ao seu pronunciamento.

O Sr. Bush vem sofrendo críticas até de senadores republicanos, caso de Arlen Specter,
representante, no Senado, do estado da Pensilvânia. Alguns analistas políticos
americanos o criticam severamente pelo que chamam de “incoerência estratégica”,
conforme li na coluna do jornalista Argemiro Ferreira.

Baseavam-se essas críticas, na ênfase dada por Bush e alguns de seus assessores mais
diretos, visando a responsabilizar apenas o Sr. Arafat pelo aumento da violência e,
simultaneamente, dizendo que “entende” que Ariel Sharon simplesmente vem
exercendo o que chama de autodefesa de Israel.

De repente o Sr. Bush muda a direção de suas palavras, certamente pressionado por
outras autoridades americanas e por ventos que sopram da União Européia, receosos
com o desenrolar da violência. O Sr. Ariel Sharon ainda não se decidiu a obedecer às
determinações dos EUA e esses têm com ele uma tolerância que não estendem a outros.
Incentivaram-no, antes, a ir em frente nos seus ataques aos palestinos, agora parece estar
difícil segurá-lo.

A verdade maior é que se o Sr. Sharon se queixa da violência de terroristas


palestinos, presentemente, é certo que tudo ficará muito pior, fora de qualquer
controle, caso ele consiga, isolando Arafat a ponto de nem poder ter acesso a
medicamentos de que necessita para sua sobrevivência, levá-lo à morte. As
conseqüências são imprevisíveis. A violência que está na raiz dos conflitos entre
aqueles dois povos tenderá a se espalhar para muito além do Oriente Médio.

Numa arrogância plagiada na postura do presidente Bush, o Sr. Sharon recusou


pedido do embaixador norte-americano, Dan Kutzer. Este queria que o Sr.
Anthony Zinni, enviado dos EUA ao Oriente Médio, pudesse encontrar-se com
Arafat. Cedeu, dois dias depois, após forte pressão dos EUA.

Jornalistas estrangeiros têm sido ameaçados por armas e tanques e expulsos de


cidades palestinas por militares israelenses. Representantes da ONU foram
também impedidos de cumprir sua missão na região. Ambulâncias ficam
impossibilitadas de socorrer vítimas e/ou recolher corpos, na maioria das vezes.
Absurdo e desumano.

Esforçando-me para ser imparcial, mas não querendo parecer hipócrita, não
posso deixar de perguntar se essas não são atitudes de um líder com tendência ao
despotismo, à tirania, à opressão? E isso também não tem nada a ver com
terrorismo oficial? E os EUA não estão determinados a combater qualquer tipo de
terrorismo, onde ele estiver, e quem os desobedecer não estará contra eles?

No documento secreto, recentemente divulgado pelo jornal “Los Angeles Times”, o


governo americano se declara no direito de intervir, até com armas nucleares, num
eventual conflito entre a China e Taiwan, por exemplo. Não julgo que tenha esse
direito, absolutamente, mas não está superestimando uma disputa entre aqueles
dois países e subestimando a gravíssima situação do oriente médio?

Permitam-me transcrever partes de um texto de autoria do sociólogo Baruch


Kimmerling, integrante do movimento pacifista israelense, professor da
Universidade Hebréia. O texto foi publicado no diário de Jerusalém Kol Há´Ir. Eu
o li na coluna de Emir Sader, no nº 7, de “O Pasquim21”. Ele começa assim:

“Eu acuso Ariel Sharon de criar um processo em que ele não apenas intensifica os
massacres recíprocos, mas está instigando uma guerra regional e uma parcial ou quase
completa limpeza étnica de árabes na ‘Terra de Israel’. Eu acuso todos os ministros do
Partido Trabalhista nesse governo de cooperar na implementação da ‘visão’ fascista da
extrema direita de Israel.”

“Eu acuso a liderança palestina, e em primeira instância a Yasser Arafat, de uma


visão tão extremamente de curto prazo que se tornou colaboradora dos planos de
Sharon. Se há um segundo Naqba (Holocausto Palestino), esta liderança também
estará entre suas causas.” Mais adiante ele afirma: “Eu acuso todos os que vêem e
sabem tudo isso de não fazer nada para prevenir a catástrofe atual.”

Baruch termina seu texto dizendo: “E eu acuso a mim mesmo de saber de tudo isso,
por gritar pouco e freqüentemente por me manter demasiadamente calmo.” A íntegra
deste texto poderá ser lida na edição “on line” do jornal, pelo site
www.opasquim21.com.br na coluna de Emir Sader.

No dia 04.04.2002, fui com minha esposa à igreja de N. Sra. Da Paz, aqui em
Ipanema, assistir à missa das 17:30 hs. Após ler um trecho do Evangelho, o
conhecido padre Jorjão iniciou o seu sermão. A certa altura ele disse: “O
cristianismo convence não pela força das armas, mas pela das palavras. O
cristianismo conquista não pelo ódio, mas pelo amor.”

Mais adiante afirmou: “O cristianismo nasceu de uma vitória da vida.” Vida, este
dom, este tesouro, esta dádiva de natureza divina, que parece valer pouco para
alguns que andam a decidir sobre a vida e a morte, no mundo. Matam por
quaisquer motivos e causas e condenam o diálogo, o entendimento, ao mutismo.

Atiram nos frutos, pisam nas flores, eliminam a sombra das folhas, porque
menosprezam, porque não têm nenhum apreço pela intenção da semente: a vida.

Francisco Simões. (Abril/2002)

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