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Que forças culturais e ideológicas estão por trás do nascimento do

presidencialismo no Brasil?
Sabemos que a figura do Presidente da República como Chefe de Estado e Chefe
de Governo foi inserida em nosso país na Constituição de 1891, e que o Presidente da
República já exercia o poder de fato durante o Governo Provisório entre novembro de
1889 e o advento do primeiro texto constitucional republicano.
De fato, já na vigência desse governo provisório, o Presidente da República exerceu
a Chefia do Governo Provisório e, por esse meio, outorgou a Constituição dos Estados
Unidos do Brazil, texto que foi entregue à Assembleia Constituinte, instalada em 15 de
novembro de 1890.
Em outras palavras, o Presidente da nascente República gozou de amplos e
desprotegidos poderes, inclusive para impor um texto constitucional à Assembleia
Constituinte, texto este que a Assembleia se viu premida a votar logo, sem muitas
alterações.
Desse ponto de vista, aliás, é possível dizer que, nos primeiros anos da República
Velha, vigorou no Brasil uma Ditadura Soberana, na nomenclatura de Carl Schmitt: em
outras palavras, uma ditadura que, exercendo o poder soberano (o poder, portanto, de
decidir no Estado de Exceção), visa instaurar uma nova ordem, uma nova constituição, um
novo corpo político.
Assim, no bojo do nascimento da República brasileira, está forjado um sistema de
governo presidencial marcadamente autocrático - tanto é assim que o primeiro a exercer o
cargo, Deodoro da Fonseca, não demorou a dissolver o Congresso Nacional no primeiro
ano de seu governo, já no primeiro ano da vigência da constituição (Boris Fausto).
Em outras palavras, consolidou-se um modelo presidencial no Brasil autoritário. O
modo autoritário com que a Presidência da República foi exercida tem lastro não apenas
nas normas constitucionais da época - que de fato atribuíam ao Poder Executivo amplos
poderes – mas também na própria cultura política e ideológica formativa da República.
Tanto é assim que, com poucos meses de vigência da nova Constituição, após os primeiros
anos de Ditadura Soberana, o Presidente da República (Deodoro) a violou para exercer
poderes imperiais e fechar o Congresso Nacional.
Segundo José Murilo de Carvalho, em “A Formação das Almas: o imaginário de
República no Brasil”, foram três as ideologias que disputaram a formação da ideologia
republicana no Brasil: o positivismo sociocrático, o liberalismo clássico e o jacobinismo.
Diz José Murilo de Carvalho:
A elaboração de um imaginário é parte integrante da legitimação de qualquer
regime político. É por meio do imaginário que se podem atingir não só a cabeça
mas, de modo especial, o coração, isto é, as aspirações, os medos e as esperanças
de um povo. É nele que as sociedades definem suas identidades e objetivos,
definem seus inimigos, organizam seu passado, presente e futuro. O imaginário
social é constituído e se expressa por ideologias e utopias, sem dúvidas, mas
também - e é o que aqui me interessa - por símbolos, alegorias, rituais, mitos.
Símbolos e mitos podem, por seu caráter difuso, por sua leitura menos
codificada, tornar-se elementos poderosos de projeção de interesses, aspirações
e medos coletivos. Na medida em que tenham êxito em atingir o imaginário,
podem também plasmar visões de mundo e modelar condutas.

O positivismo, que larga e visivelmente foi a ideologia vitoriosa no estabelecimento


do mito de origem da República nascente, enraizou-se mais especialmente entre os militares
que, de formação técnica, se viram seduzidos pelos ideais científicos e progressistas do
positivismo; um de seus líderes, do ponto de vista ideológico, foi Benjamin Constant, mas
é preciso ressaltar que ele mesmo, como discípulo de Comte, era um pacifista favorável à
civilização das forças armadas.
O liberalismo republicano, por sua vez, era ideologia que encontrou guarida
especialmente entre as elites rurais, em especial a elite rural paulista. Em São Paulo, aliás,
existia um partido republicano desde 1873. Defendiam um modelo de república à
americana, contratualista e federalista. Um dos nomes intelectuais do grupo era o de
Alberto Sales.
Por fim, um grupo formado por profissionais liberais, estudantes e outros grupos
sociais da classe média urbana, especialmente presente na capital federal, se viu seduzida
por uma ideologia republicana radicalizada, o jacobinismo. Se os liberais brasileiros tinham
como modelo a Terceira República francesa, os jacobinos viam com bons olhos a Primeira
República francesa.
De que modo essas três ideologias se manifestaram? É preciso dissecar cada uma
delas para saber de que modo elas moldaram não apenas a institucionalidade brasileira, mas
também o imaginário político que deu sustentação a essa institucionalidade. Mais do que
isso, é parte do nosso entendimento que se produziu, nos estertores do Império, um ideário
político e intelectual formador da posterior institucionalidade republicana. A esse momento
de efervescência intelectual e política, localizado especialmente na década de 1870, Ângela
Alonso chama de “movimento reformista”.

Ângela Alonso: Ideias em Movimento


Introdução
Ângela Alonso deixa claro que seu intuito não é, como em Roberto Schwarz, se
valer de determinadas obras para entender certo contexto social e político. Se Schwarz
utiliza as obras machadianas para desvelar a lógica da sociedade escravista brasileira, a
intenção de Ângela é, no sentido contrário, a de “apreender o sentido que o contexto social
confere à produção intelectual do período”. (ALONSO, p. 35)
Ângela Alonso parte do pressuposto que há uma íntima ligação entre produção
intelectual e agência política, e que aquela não pode ser compreendida sem o estudo desta.
Divide a abordagem em três noções: estrutura de oportunidades políticas, comunidade de
experiência e repertório.
Oportunidades são, basicamente, a crise do Império.
Comunidade de experiência: são politicamente marginalizados
Repertório: conjunto de produções intelectuais e ações políticas coletivas do grupo
Movimento é chamado por Ângela Alonso de reformismo (1870)

Ângela Alonso:
Dissidências liberais: liberais republicanos e novos liberais.
Liberais estavam politicamente marginalizados, embora não socialmente
marginalizados.
LIBERAIS REPUBLICANOS
Do caldo político urbano do Rio, surgiu um grupo de profissionais liberais que se
aliaram aos liberais radicais para compor o Partido Republicano em 1870.
Profissionais de imprensa como Quintino Bocaiúva, Salvador de Mendonça,
Aristides Lobo, Francisco Cunha, Ferreira de Araújo, Lopes Trovão.
Saldanha Marinho, liberal que foi se radicalizando, colocou Quintino Bocaiúva e
Salvador de Mendonça na política.
Bocaiúva: inicia a carreira na Liga Progressista.
Salvador de Mendonça, Lopes Trovão, Bocaíuva, todos estudaram na Europa.
Salvador de Mendonça: federalismo norteamericano.
República aparecia como espaço de concretização do self-made-man norte
americano.
+ Conferências radicais de Saldanha Marinho e Cristiano Ottoni
“Tornados republicanos, os liberais radicais como Saldanha Marinho e Quintino
Bocaíuva continuaram a usara a palavra para designar agora a expressão mais ampla da
oposição a um regima aristocrático. Em seu nascedouro, portanto, o grupo combatia
igualmente as instituições essenciais – a monarquia, a centralização política e a
escravidão - e as formas de legitimação do regime – o indianismo e a religião de Estado.
Isto é, a lógica e a alma da obra Saquarema” - p. 109
Ala paulista: Martim Francisco
Ala mineira: Afonso Celso Jr., Felício dos Santos, Lúcio de Mendonça
Grupo que gravitava Saldanha Marinho foi aliciado pelo gabinete conservador.
Remanescentes ficaram em torno de Bocaiúva.
O grupo de Bocaiúva conseguiu adeptos entre os literatos arrebanhados por José do
Patrocínio; Pardal Mallet, Olavo Bilac, Raul Pompéia, Coelho Neto. Esse grupo dará a
espinha dorsal do parnasianismo e do jacobinismo, mas não necessariamente será
republicano (embora seja abolicionista) - p. 111
Os liberais republicanos são um grupo fronteiriço entre o establishment e a
marginalização

Os Novos Liberais
“Assim, a imprensa, os opúsculos, a poesia e a oratória eram parte do processo de
socialização da elite política, completando a assimilação do universo mental do Império
que os cursos de direito começavam. Os novos liberais passaram por todos estes
degraus, formando sociedades literárias, políticas e filosóficas, escrevendo poesia e se
batendo em polêmicas.” - p. 113
+ Maranhense Joaquim Serra, Pernambucano Joaquim Nabuco, baiano Rui Barbosa,
sergipano Barros Pimentel
André Rebouças, Rodolfo Dantas
Partido Liberal sobe ao poder em 1878
Associação independente do Partido Liberal: SBCE – Sociedade Brasileira contra a
Escravidão.
Maior preocupação do grupo não era a reforma eleitoral, mas as reformas econômicas e do
trabalho (fim da escravidão)
“A proximidade com o mundo da Corte, não obstante, explica o gênero de estratégia
política que adotaram. Na maior parte do tempo, seus métodos foram mais conciliadores
que radicais, recorrendo a conferências, publicações de opúsculos, jornais e propaganda
junto à elite política dentro do próprio parlamento. Em todas as suas associações
procuraram envolver lideranças políticas consolidadas de ambos os partidos. Queriam ser
uma espécie de nova Liga Progressista. O efeito do grupo pode ser aferido pelo burburinho
dos anos 1880 de quem comporiam o próximo ministério” - p. 119
Apostam no poder monárquico para levar a cabo suas reformas emancipacionistas.

___ As associações positivistas nas Faculdades Imperiais (p. 120)


Novo modo de pensar dos alunos – vindos, muitos deles, de novos estamentos sociais,
desde 1874.
Escola Superior Militar e Escola Superior Politécnica foram abertas aos estamentos
intermediários.
“Foi nas faculdades de direito, engenharia e militar que a situação de falta de perspectivas
individuais de carreira e o contexto de radicalização impulsionaram a constituição de vários
núcleos estudantis. A partir de meados dos anos 1870, formaram-se pequenos
agrupamentos com atividades intelectuais e políticas sobrepostas” - p. 124

Indicações:
A Construção da Ordem: a elite política imperial – JMC
Ortodoxia positivista – JMC [artigo]
André Rebouças e a construção do Brasil – Maria Alice Rezende de Carvalho [artigo]
Rui Barbosa e a razão clientelista – Maria Alice Rezende de Carvalho [artigo]
Ângela de Castro Gomes - “História, historiografia e cultura política no Brasil” [artigo]
República (na segunda metade do século XVIII - história) e Republicanismo (na segunda
metade do século XX – historiografia) - Modesto Florenzano [artigo]
Introdução à História - Marc Bloch
Michel de Certeau: A Escrita da História
Carlo Ginzburg: O fio e os rastros
Nação e Cidadania no Império, Organização de JMC
____ As Conferências Radicais do Rio de Janeiro: novo espaço de debate – JMC [artigo]
____ Panfletos vendidos como canela – Silvana Mota Barbosa [artigo]
Emília Viotti da Costa: Brasil: Historia, Textos e Contextos [texto sobre o movimento
republicano em Itu]
Positivismo: Vicente Licínio Cardoso; Bicaia de Lacerda(artigo); Angela Alonso (2
Artigos); Lincoln Penna (O Progresso da Ordem: encontrar); Aníbal Falcão.
Liberalismo: Emília Viotti, Maria Victoria Benevides; Eduardo Silva: as ideias
políticas de Quintino Bocaiúva. Silvio Romero, Alberto Salles
Jacobinismo: Os radicais da republica (Suely
Robles)
Sílvio Romero: Brasil não tinha espírito de iniciativa. Mesma de Alberto Salles

Dito isso: de que modo elas influenciaram o imaginário da presidência da república?


Indicação: soluções positivas para a política brasileira (Pereira Barreto)
Chave para leitura desses movimentos intelectuais: Ângela Alonso, “Ideias em
Movimento: a geração 1870 na crise do Brasil-Império”

Referências:
José Murilo de Carvalho, A formação das Almas
Emília Viotti da Costa, Da Monarquia à República: momentos decisivos
Suely Robles de Queiroz, Os Radicais da República
Ângela Alonso, Ideias em Movimento: a geração 1870 na crise do Brasil-Império

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