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escreveu "O Mal-Estar na Civilização". Nesse texto, hoje canônico, analisa os efeitos
tanáticos do recalque instituído pelo pacto civilizatório sobre a vida social. É sua
reflexão mais pessimista sobre as chances de uma solução de compromisso feliz entre o
sujeito e a comunidade, mais pessimista ainda porque Freud, ao contrário de Rousseau,
não concebe a condição humana fora do laço social. Não existe "eu" sem o outro -e
ainda assim, "eu" o odeio. O termo "mal-estar" instituiu-se, na psicanálise, como
expressão desta tensão permanente entre "eu" e o outro.
O pessimismo freudiano e o malfadado acerto de suas intuições -no ano de sua morte,
1939, o Ocidente veria o início da Segunda Guerra e a emergência da intolerância
erigida em razão de Estado- deixaram às gerações de psicanalistas que se seguiram
como que um legado, uma tarefa por cumprir: a produção, a partir do discurso
psicanalítico, de alguma perspectiva mais feliz para a precária convivência entre os
homens.
No Brasil, nesta última década, os psicanalistas vêm sendo convocados -pela imprensa,
pela televisão, pela universidade- a formular, mais do que um prognóstico: uma
perspectiva ética. A velha repressão revela-se inadequada para domesticar o sujeito do
inconsciente; os imperativos morais costumam produzir exatamente o seu contrário. É
possível formular um novo código para reger a vida em sociedade que dê conta deste
sujeito que emergiu desde o relaxamento das condições repressivas nas últimas décadas
deste século? O sujeito organizado a partir de uma ordem social que privilegia o gozo e
abomina as interdições é ainda o mesmo sujeito do discurso psicanalítico?