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A Relação do Espírito Objetivo na Dimensão Histórica.

Leandro Januário Rodrigues de Santana (UFPE).

Orientador: Thiago Aquino


Palavras-chaves: Espírito Objetivo, Ciências do Espírito, compreensão,
Dimensão Histórica, Hermenêutica.

A presente comunicação tem por objetivo, explicitar o conceito de Espírito


Objetivo como essência do pensamento hermenêutico de Dilthey. Seu pensamento está
relacionado às três correntes de pensamento atuante no século XIX: o historicismo, a
hermenêutica e o positivismo. Nós não pretendemos aqui destrinchar de maneira
detalhada e extensiva cada uma dessas tendências, mas apenas pontuar de modo sucinto
a indicação da influência marcante deste conceito de Espírito Objetivo no núcleo no
processo de autodeterminação epistemológica das ciências do espírito ou humanas.
Como dizemos acima, Dilthey se situa na continuação da chamada Escola
Histórica, como rebento, fruto desta corrente romântica alemã, que ao colocar a questão
da legitimação das ciências humanas, queria asseverar a emancipação destas disciplinas.
Esse embate frente às ciências naturais gerou vários conflitos metodológicos, com estas
que já estavam consolidadas e respeitadas, arrogando-se como paradigma de toda
sabedoria com pretensões de cientificidade. Sabemos que não é verdade que as ciências
naturais queriam a regência ou tutela das humanidades para si, mas encontravam-se
mergulhadas em seus próprios problemas específicos, e chegavam a não reconhecer a
existência das disciplinas humanas que no século XIX, eram chamadas de Ciências do
Espírito, mas foram os filósofos por ironia que trouxeram a discussão da fundamentação
das disciplinas naturais para o âmbito das espirituais, tentando impor toda a
rigorosidade que estas possuíam.
Tais conflitos não se tornaram estéreis, mas pelo contrário trouxe contribuições
significativas para precisar e determinar o status epistemológico das ciências do
espírito. Os embates travados entre os dois paradigmas contribuíram para a elaboração
lógica de conceitos científicos, tais como espírito objetivo elaborado por Hegel e
abarcado por Dilthey para a construção da consciência ou dimensão histórica,
desenvolvida como força dinamizadora da realidade-histórica, em favor da
autodeterminação epistemológica das ciências do espírito. E esta força se deu a partir
das discussões e reflexões sobre os progressos deste espírito humano no decorre das
eras, mas também sobre o significado que a revolução francesa trouxe como

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consequência durante todo século (XIX), mudanças profundas na percepção de tempo,
que levou o homem a descobrir seu papel principal como produtor do mundo histórico.
Este mundo histórico articula-se duplamente com a manifestação exterior da vida
interna humana, com a possibilidade de sua compreensão e interpretação.
Contudo, ao diferenciar-se do espírito iluminista, este novo sentido histórico
recusava de modo veemente as abstrações construídas pelos intelectuais iluministas e
assevera-se como sentido novo, como forma de conhecimento da realidade concreta na
busca daquilo que é autentico e vivido, sob as formas desenvolvidas do Eu, da cultura, e
da descoberta do espírito presente em cada povo volksgeist. Nesta época se deu muito
importância às interpretações de expressões como ditas acima, espírito ou alma do povo,
a construção cultural do Estado, as formas biológicas da vida humana. Tais
caracterizações trás o dinamismo cultural, pois são geradas da ação de uma dimensão
histórica produzida pelo sujeito. O problema de demarcação epistemológica suscitado
entre as duas correntes constituíram o objeto de estudo das ciências do espírito tais
como: a formação do Estado, a política, a vida em sociedade, o direito, a ética, a
religião, as línguas, a arte, a educação, e acabaram por proporcionar um debate ad
infinitum que perdura até hoje. Sendo que neste momento a filosofia se abre para o
debate de questões sociais ou humanas, que foram negligenciadas pelo pensamento
clássico.
Dilthey toma parte de maneira ativa ao debate metodológico das ciências do
espírito. Em sua preocupação básica, entretanto, se colocaria a questão transcendental
daquilo que se chamou de crítica da razão histórica, sendo nesta crítica que permitiu a
Dilthey pôr lado a lado o problema da história e da filosofia, pelo menos de modo mais
distinto da colocação que a filosofia da história colocava, bastante em voga na época.
Dilthey ao tomar ciência do verdadeiro problema das ciências humanas, não enxergava
na consciência histórica da relatividade do sistema filosófico, a morada de um saber
instrumentalizado só pela razão, mas o toma como necessidade imperiosa a mesma
relatividade como seu objeto de estudo e reflexão.
Para Dilthey, o espírito objetivo é a reunião do formato dado pelos indivíduos ao
ligarem-se e reconhecer-se na comunidade, feitio que surge no mundo dos sentidos.
Neste feito o passado se encontra sempre presente, em marcas deixadas por gerações
anteriores, e que não podem ser relegadas ao esquecimento. Mesmo as obras de grandes
figuras do passado não perdem a ligação com o presente, ao contrário articula-se com o
conjunto de ideias produzidas no presente, com a vida interna experiênciadas de uma

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determinada época. O sujeito cognoscente é alimentado desde tenra idade, sempre pela
cultura a qual pertence. É nesse meio que passamos a compreender uns aos outros nas
nossas expressões. O espírito objetivo é compartilhado por todos na comunidade, ou
seja, é comum ao Eu e ao Outro.
Mas no mundo do espírito objetivo, existem manifestações da vida que entram
em cena no mundo sensível, estas são exteriores, captadas pelos sentidos. Elas surgem
vinda do mundo dos sentidos como expressões claras da vida interior, assim sendo
possível conhecer os eventos mentais. E estes eventos podem ser intencionais ou não
intencionais ambas tornam o mundo psicológico compreensível. E este tipo de
compreensão é diferente, pois são classificadas por Dilthey como sendo elementar ou
superior, conforme as manifestações da vida. Mas a pergunta é: Como são
demonstradas as formas elementares e superiores da compreensão nas manifestações da
vida objetiva?
Ao classificar as manifestações da vida em elementares e superiores Dilthey
também as classificam para facilitar as captações do mundo interno. A primeira
categorização é chamada de ideias, conceitos, juízos e construtos maiores de
pensamento, que tem por finalidade enunciar e validar o encadeamento, aquilo de que
algo é constituído de pensamento, ou seja, daquilo que pode ser compreendido
completamente, mas que nada denuncia da vida psicológica do sujeito que a expressa.
“O juízo é o mesmo naquele que o enuncia e naquele que o compreende...” (Dilthey,
2010, p. 185). 1
A segunda classificação é a das ações. Segundo Dilthey: “esta ação não enuncia
senão uma parte de nossa essência” (Dilthey, 2010, p. 186). Revelando apenas
objetivos e intenções parcialmente, sendo muda, pois a informação é exposta na própria
ação conclusiva. Com isto as ações não pretendem transmitir mensagem, mas assinalar
uma informação com propósito.
A terceira e última classe de manifestação é a expressão de vivência, também
aqui Dilthey a coloca como sendo uma classe importante por ela portar uma relação
intima com a vida da qual procede e a compreensão que esta discute. Dilthey ainda
afirma que: “A expressão pode conter mais da conexão psíquica do que toda e qualquer

1
A construção do mundo histórico nas ciências humanas/Wilhelm Dilthey; tradução
Marco Antônio Casanova. – São Paulo: Editora UNESP, 2010. 346p. (Clássicos
UNESP).
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introspecção permite conhecer” (Dilthey, 2010, p. 186). Isto é, são relações especiais
oriundas da vida singular que se manifesta e a compreensão apanha.
Portanto, as ciências humanas procuram compreender as manifestações vitais
tais como os conceitos, juízos e expressões de vivência, criadas pelos sujeitos na
perspectiva do espírito objetivo das sociedades e épocas. Nas duas primeiras
categorizações, a vida ordinária se impõe, mas não dissolve a manifestação singular e
estas pertencem à compreensão elementar; na terceira categorização, obtemos entrada
na vida singular, a compreensão desta é superior.
E aqui nós adentramos naquilo que Dilthey propõe para a compreensão das
manifestações da vida. Para cada categorização das expressões da vida há uma forma
elementar e superior da compreensão. A compreensão elementar se situa na praticidade
comunicativa entre pessoas que convivem, ou seja, no diálogo comum. Esta é direta,
imediata, intuitiva, para Dilthey: “A compreensão emerge inicialmente dos interesses da
vida prática. Aqui, as pessoas dependem do trânsito mútuo” (Dilthey, 2010, p. 187).
As pessoas precisam trocar mutuamente uns com os outros se tornando compreensíveis,
e nisto uma precisa saber o que o outro quer. Tornando assim o surgimento das formas
elementares da compreensão. Este diálogo prático presume-se que através das
expressões de vivência exteriores poderemos conhecer o processo do mundo
psicológico de outras pessoas que o outro externou. Esta conexão entre o sentido interno
e a expressão externa se inicia na fase mais tenra da vida humana.
A criança adquiriu no processo de vivência, como disse acima, já muito cedo os
códigos legados a sua comunidade, isto é, ela recebe um mundo organizado prévio, ela,
a criança aprende as relações familiares, econômicas, religiosas, sociais, políticas,
técnicas e profissionais etc. Muito antes dela mesma aprender a se comunicar, ela é
colocada dentro da vida comum, aprendendo a decifrar os códigos das expressões
comuns e neste mundo do espírito objetivo, o indivíduo não se perde. Ele compreende e
ao compreender reconhece na comunidade as expressões por ele vivenciadas, abarcadas
por seus símbolos, signos, sinais e linguagens compreendendo as expressões que
emergem das vivências de outros. Ele faz parte de um mundo de experiência
compartilhada. Dilthey nos diz: “Nosso si próprio recebe desde a primeira infância o
seu alimento desse mundo” (Dilthey, 2010, p. 189).
São o pertencimento de uma experiência compartilhada, ao se articular as
expressões da vida e compreensão, e nesta comunidade da experiência se produz a
unidade de expressão. Esta expressão se concretiza junto aos recursos colocados pela

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cultura a todos pertencentes à comunidade, mas a vida traz consigo mesma um
complexo rico de vidas individuais. Nisto o indivíduo toma a forma particular da
cultura, que ao apropriar-se dela, acaba por ressignificar.
Aqui se encontra o processo de aculturação,2 onde o indivíduo cresce e se
desenvolve dentro de um etos cultural da família a qual pertence junto a outros
membros. A aculturação de uma pessoa é o aprendizado, o aspecto particular do espírito
objetivo de sua época e local desse sujeito cognoscente. Esta conexão histórica é a base
essencial de toda a compreensão. Nossa aculturação se apresenta de modo tão completo
que não encontramos obstáculos para compreender o sentido interior expressado na
manifestação.
Dilthey se utiliza do conceito de Espírito Objetivo de Hegel, sem os momentos
dialéticos e teleológicos, para assinalar as formas elementares da compreensão das quais
uma comunidade existente de indivíduos se objetiva no mundo externo. O espírito
objetivo é o que abarca todas as conexões históricas assimiladas na aculturação
permitidas na compreensão elementar. O que Dilthey afirma é: “Nesse espírito objetivo,
o passado é um presente constantemente duradouro para nós” (Dilthey, 2010, p. 189).
Nesse caso o espírito objetivo será o meio da compreensão, pois este indica
simultaneamente as conexões instituídas entre as condições psicológicas e suas
expressões da experiência vigente em qualquer cultura particular. Assim, sujeitos
habitualmente captam mentalmente manifestações que se encontram no núcleo social
estabelecido, isto é, dentro do espírito objetivo. Com isto Dilthey nos quer dizer que:
“O espírito objetivo e a força do indivíduo determinam conjuntamente o mundo
espiritual. A história baseia-se na compreensão dos dois” (Dilthey, 2010, p. 194).
E aqui adentramos na forma superior da compreensão, entre as compreensões
elementares e superiores temos uma diferença de grau, mas não tão discrepante assim.
Pois a vida prática cobra juízos e avaliações sobre os indivíduos e quando isto lhe é
estranhos, passa-se para a compreensão superior. As formas superiores da compreensão
também são oriundas da expressão exterior que retorna para o mundo interior, nesta se
encontra uma distância ou discrepância entre as manifestações exterior e interna. A
compreensão superior é comparada por Dilthey como uma peça teatral, o drama
encenado pelos atores traz muito das vivências que são compartilhas por todos no meio

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O termo aqui é usado como acepção psicológica, como descrito no texto A Construção do Mundo
Histórico nas Ciências Humanas e não em sentido antropológico mais usual, negativo, de modificação de
uma cultura através de outra.

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social que a comunidade reside, pois nos meios sociais onde iletrados e cultos, podem
compartilhar junta a mesma experiência de encanto com a história narrada na peça
teatral. Aqui o compreender superior se orienta em conexão com a ação, pelas
características dos personagens, pelas interpretações de momentos que delimita a
guinada do destino. É nisto que se pode desfrutar a realidade plena da leitura da vida
apresentada. Dilthey também afirma: “É somente então que se realiza nele plenamente
um processo de compreensão e de revivência tal como o poeta procura provocar nele”
(Dilthey, 2010, p. 193).
Os espectadores mergulham na história da peça encenada, e consequentemente
nas intrigas que esta traz sem se perder dos nexos da ação, compreendendo cada gesto,
expressão e sinal emitidos das personagens em cena. Sem cogitar, a não ser quando esta
se mostra em uma história labiríntica, na criação feita pelo autor, atores e diretores. Este
espectador se deixa levar por aquilo que senti e vê indo mais além na construção do
todo. Ele o espectador, pode compreender o todo da história melhor do que os diretores,
atores e autores. Estes tomam a realidade em que se encontra a intriga e revive em seus
espíritos, e emoção do virtual no vivido, a realização vinda do espírito poético.
Tornando-se ele mesmo um coautor, codiretor e co-ator. Sendo um co-poeta, ele
consegue realizar uma compreensão superior, colocando junto, na estrutura total, as
expressões consecutivas e dispersas, compreendidas durante o processo de indução, que
partem das partes para o todo.
A compreensão superior tem por objeto expressões originais. Na elementar, a
expressão singular revela o espírito objetivo. Na superior, seu objeto é a singularidade.
A forma superior da compreensão parte do espírito objetivo, que abarca os indivíduos,
lhes mostrando a diferença que há nas individualidades.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DILTHEY, Wilhelm. A construção do mundo histórico nas ciências humanas.
Tradução Marco Antônio Casanova. – São Paulo: Editora UNESP 2010. 346p.
(clássicos UNESP).
_________. Introdução às ciências humanas: Tentativa de uma fundamentação
para o estudo da sociedade e da história. Tradução [e prefácio] Marco Antônio
Casanova. Rio de janeiro: Forense Universitário, 2010.

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REIS, José Carlos. Wilhelm Dilthey e a autonomia das ciências histórico-sociais.
Londrina: Eduel, 2003.
AMARAL, Maria Nazaré de Camargo Pacheco. Dilthey: um conceito de vida e uma
pedagogia. São Paulo: Perspectiva: Editora da Universidade de São Paulo, 1987.
(Coleção Estudos; 102).

SCHMIDT, Lawrence K. Hermenêutica. Tradução de Fábio Ribeiro. – Petrópolis, RJ :


Vozes, 2012. – (Série Pensamento Moderno).

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