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III Simpósio Nacional de História Cultural (Florianópolis, 18 a 22 de setembro de 2006)

Regina Maria Rodrigues Behar

15 filhos: um documentário no rastro da ditadura


e suas possibilidades de uso didático

Professora adjunto do Depto de História e do Programa de Pós-Graduação em História da UFPB, campus João Pessoa. Mestre em
Historia pela Universidade de Brasília e doutora em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de
São Paulo, com a tese: Caçadores de Imagens: Cinema e Memória em Pernambuco, 2002.

o olho da história
ano 12, n. 9, dezembro de 2006
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O fato de os documentários não serem uma reprodução da realidade dá Ferro, em seus estudos a propósito das potencialidades férteis
a eles uma voz própria. Eles são a representação do mundo, e essa da relação cinema/história. Ferro considera, inclusive, uma das
representação significa uma visão singular do mundo. A voz do tarefas dos historiadores gerar fontes e arquivos imagéticos,
documentário é, portanto, o meio pelo qual esse ponto de vista ou essa registrando a voz dos agentes sociais “despossuidos”.1
perspectiva singular se dá a conhecer. (Bill Nichols, 2005, p.72) A partir da abertura temática e da ampliação das fontes,
na perspectiva da História Cultural, as possibilidades de traba-
O documentário sempre foi considerado um gênero lho com materiais produzidos pelo cinema, televisão e demais
cinematográfico “menor”, pois, comprometido com o “real”, o meios audiovisuais, se tornaram um desafio que os historiado-
documentário interessaria a especialistas e nunca ao público res não podem mais deixar de encarar, o que, efetivamente,
em geral para quem o cinema pertenceria à esfera do lazer e do implica num diálogo em fronteiras, com linguagens que fogem à
divertimento. Digamos que seja realmente assim. tradição do escrito, à tradição historiográfica. Além do mais, elas
Neste texto, não se pretende fazer uma defesa da legi- exigem conhecimentos de natureza técnica que tornem possí-
timidade do documentário como gênero cinematográfico e suas vel sua decodificação. No caso do cinema, a compreensão da
possibilidades criativas, mas uma reflexão em torno da impor- linguagem e suas diversas vertentes teóricas e dos gêneros
tância do documentário como registro da memória individual e cinematográficos e suas especificidades.2
coletiva e, desse modo, sua importância para as sociedades A proposta que encaminhamos volta-se para o cinema
contemporâneas, e discutir as potencialidades de utilização documental e, em sendo assim, partiremos para a discussão
desse tipo de material no ensino de história. A legitimidade e especifica do gênero, considerando o debate sobre a legitimi-
importância do gênero podem ser defendidas justamente pelos dade das fontes audiovisuais para o trabalho do historiador e do
motivos pelos quais é tido como secundário. professor de história questão já superada, em que pesem difi-
Sem dúvida, o documentário interessa aos historiado- culdades específicas e questionamentos a propósito da abor-
res, mas, tanto quanto as ficções, ao menos a partir da década dagem adequada desses materiais, tanto na pesquisa como no
de setenta, quando o cinema emergiu como possibilidade de ensino.3
interrogar a História do tempo presente, conforme defende Marc
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Antes de mais nada, como diálogo de fronteiras, se faz inaugurando uma estética ágil, associada ao movimento trêmulo
necessário discutir a singularidade do documentário no âmbito da câmera na mão.
das especificidades da linguagem cinematográfica, levando em No direct cinema, a perspectiva de não intervenção le-
conta que a reflexão sobre o cinema documental sempre foi vou, num momento de maior radicalização, à prática do cineasta
muito menor que o intenso debate a propósito do cinema ficcional como observador, com sua câmera ligada, a acompanhar os
e, desse modo, a teoria voltou-se mais para “o sentido da cria- acontecimentos, buscando excluir-se de qualquer intervenção,
ção no filme ficcional do que o sentido da descoberta no filme como uma “mosca na parede”. No caso do cinémà vérité, a pers-
documentário.” (GODOY, 2001, p. 15) pectiva era de revelar a própria verdade documental, expondo
Associado à busca do conhecimento, o documentário o compromisso do cineasta com o objeto e sua participação
pode mesmo não resistir às críticas pertinentes ao seu inevitá- ativa, através do recurso à entrevista, de tomadas diretas e im-
vel caráter parcial em relação às possibilidades de abarcar os provisações provocadas pelas situações filmadas. (GODOY,
temas dos quais se aproxima. Buscando legitimá-lo como forma 2001, p. 260-5)
de acesso ao conhecimento, surgiram movimentos que se con- Na verdade, a herança documental contemporânea é
trapunham à manipulação dos temas, forma usual de trabalho devedora desses dois modelos, sendo predominante a estéti-
dos documentaristas à moda de Robert Flaherty4. O debate a ca cinema direto, embora a suposta radicalidade da observa-
propósito do fazer documental conduziu o pensamento sobre ção esconda a verdadeira e inevitável manipulação das edições
este campo a posições críticas, tanto no âmbito da reflexão, e a própria escolha dos temas documentais, conforme avalia
como naquele da criação, propiciando o surgimento de duas Andrés di Tella:
tendências nos anos 60, o direct cinema, modelo americano, e A escolha de protagonistas para os documentários começou a ficar pare-
o a cinémà vérité , modelo francês, vinculado à proposta de cida com um casting, em que o que se procurava eram personalidades
intervenção de Jean Rouch. 5 extrovertidas que se comportavam espontaneamente diante de uma
Tanto o “cinema verdade” quanto o “cinema direto” foram câmera e atuavam por motus próprio, sem necessidade de serem
produto da revolução tecnológica que colocou no mercado, na dirigidas. No mínimo precisavam fazer de conta que a câmera não esta-
va ali. (TELLA, 2005, p. 75)
década de 60, equipamentos leves, portáteis e som direto,
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A idéia da não intervenção acabou por se tornar apenas produzem seus documentários a partir dessa perspectiva de
uma estética, eliminando, na prática, a essência do método: intervenção, que desmascara o pseudo naturalismo do filme
A ausência de entrevistas e a redução ou eliminação da voz em off documental, revelando que toda resposta pressupõe alguma
também os obrigaram a narrar com seqüências de imagens, na mesma indagação. Recorrendo às palavras de Coutinho podemos ter
linguagem dos filmes de ficção, armando na montagem situações dramá- uma dimensão da idéia de verdade para estes documentaristas:
ticas de ações e reações à base de planos e contraplanos que nem Mas o documentário, ao contrário do que os ingênuos pensam, e
sempre correspondiam estritamente à mesma situação real. Por isso, os grande parte do público pensa, não é a filmagem da verdade. Ad-
melhores filmes do cinema direto ficaram muito parecidos com as ficções,
mitindo-se que possa existir uma verdade, o que o documentário
apesar da declaração de fé documentária de seus criadores. (TELLA,
pode pressupor, nos seus melhores casos – e isso já foi dito por
2005, p. 75)
muita gente – é a verdade da filmagem. (COUTINHO, 1997, p.
167)
A essência metodológica do cinémà vérité é a da
Em nossa perspectiva esse tipo de abordagem é muito
explicitação, associada à expressão “mosca na sopa”, na qual o
adequado, principalmente no campo do ensino de história, pois
cineasta não nega seu envolvimento com o tema, explicita sua
rompe com a associação corrente entre documentário e “reali-
presença e sua intervenção e torna transparente a sua busca, as
dade”, tal qual uma chave para acesso ao passado. Tornando
suas questões. A atuação do cineasta na manipulação do tema,
possível trabalhar com documentários como se trabalha com
parte intrínseca do processo de edição, transparece na produ-
outros textos autorais é possível abordá-lo na posição de tese
ção do material e o documentarista assume, diante das câmeras,
e, como tal, discutir seus pressupostos e os argumentos que
sua atuação no filme: “Mais do que um estilo, portanto, o Cinema
sustentam suas afirmações.
Verdade inaugura uma nova ética dentro do documentário, marcada
A partir dessas considerações, buscaremos analisar,
pela noção de reflexividade.” (RAMOS, 2004, p. 83)
neste texto, as possibilidades do trabalho com documentário a
A tradição do documentário brasileiro, a partir dos anos
partir do vídeo de Marta Nehring e Maria Oliveira, cujo tema é a
60, é grande devedora dessa vertente. Importantes
repressão aos dissidentes políticos pelo regime ditatorial pós-
documentaristas como Eduardo Coutinho e Vladimir Carvalho

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64.6 Realizado em 1996, foi movido, em larga medida, pelo Numa rápida sinopse do documentário de vinte minu-
desejo de denunciar o arbítrio e o terror que marcaram aqueles tos, realizado quase totalmente em preto e branco (as poucas
anos, sendo parte de toda uma produção cinematográfica docu- imagens coloridas são de arquivo), podemos dizer que ele pra-
mental e ficcional sobre esse tema, que veio à tona durante o ticamente se resume à exposição de depoimentos recortados
processo de redemocratização no Brasil.7 Podemos indicar que e editados, privilegiando a dimensão da experiência dos filhos
parte da produção documental segue uma perspectiva seme- de ativistas políticos mortos pelo regime militar.
lhante àquela que moveu o projeto Brasil nunca mais, cuja preo- Num primeiro momento, o que chama à atenção na pro-
cupação com a dimensão de violação dos direitos humanos posta das realizadoras é o seu descompromisso com a
levou os pesquisadores a se debruçaram sobre centenas de reconstituição de fatos e seu simultâneo esforço em desvendar
processos políticos que resultaram na publicação da conhecida a história do período a partir da memória infantil dos filhos dos
síntese do Relatório Brasil Nunca Mais, qual seja, denunciar o militantes. Essa geração viveu a experiência da perda dos pais,
caráter violento da ditadura militar no Brasil, muitas vezes torturados e mortos pelo regime e seus depoimentos revelam
minimizado em comparação às ditaduras chilena e argentina .8 as marcas da perda na vida adulta. O viés de descompromisso
Seguindo a tipologia explicitada por Bill Nichols, 15 fi- com o documentário clássico, cuja ênfase recai na descrição de
lhos pode ser classificado como “documentário performático”, cuja datas, fatos e nomes, se revela na dificuldade de identificação
ênfase recai sobre a dimensão subjetiva das experiências, pro- imediata dos desaparecidos citados no filme, à exceção da-
pondo essa forma acesso ao conhecimento do mundo, num queles vinculados a sobrenomes muito conhecidos, como
movimento que pretende ir além do expositivo e factual.9 Herzog e Grabois, por exemplo.10
Para Nichols um tom autobiográfico compõe esses filmes, Optando por uma narrativa fragmentada, similar às remi-
que têm semelhança com a forma de diário do modo participativo. niscências da memória, o documentário é dividido em blocos
Os filmes performáticos dão ainda mais ênfase às características temáticos que organizam a edição do material e concentram a
subjetivas da experiência e da memória, que se afastam do relato análise que os jovens fazem dos diversos aspectos de suas
objetivo. (NICHOLS, 2005, p. 170) impressões daquele período em que estiveram em prisões ou

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exílios, da relação com seus pais, mães, tios e, posteriormente, político ao pessoal. A dimensão expressiva pode estar ancorada
com sua ausência. em indivíduos específicos, mas estende-se para abarcar uma for-
As entrevistas são reveladoras da diversidade das ex- ma de reação subjetiva social ou compartilhada. (NICHOLS, 2005,
periências vividas e da forma como cada um tentou lidar os acon- p. 171-2)
tecimentos trágicos do passado, o que se revela nas lembran- A memória revisitada compõe um mosaico heterogêneo
ças guardadas e narradas: desde o caso das irmãs Telma e que, ao mesmo tempo, desenha uma totalidade. Memória indi-
Denise Lucena, que recordam a execução sumária do pai, pre- vidual e memória coletiva no encontro de narrativas cuja princi-
senciada por elas, até o de Priscila Arantes, que só consegue pal marca é a tentativa de passar à limpo a história pessoal.
guardar as boas lembranças da infância, apagando o sofrimento Para o espectador, essas memórias evocam a história dos der-
da memória. Ao mesmo tempo em que se constituem num retra- rotados, desconhecida naquela ocasião, pela maior parte do
to da diversidade, o conjunto de depoimentos revela o drama povo, anestesiado pelos longos anos da ditadura e da censura
social coletivo que atingiu boa parcela do povo brasileiro, prin- aos meios de comunicação. E, através dessas histórias pesso-
cipalmente durante a década de 70. Ao mesmo tempo em que ais, torna-se possível vislumbrar o cotidiano recente e trágico
são vozes individuais que falam de dores particulares os depo- dos piores momentos da ditadura militar.
imentos formam, qual patchwoork, uma colcha de retalhos articu- Construtora da identidade individual e coletiva, a memó-
lados pela mesma guia, a dimensão das perdas. As perdas ria é, para David Lowental (1998), como experiência e como
pessoais transmutam-se em perda coletiva e social de um país consciência, fruto de uma vivência sempre pessoal, embora
que viveu a experiência do terror num “mundo (que) estava divi- possa ser identificada com o coletivo, a partir do confronto entre
dido entre o bem e o mal”, conforme discurso de André Herzog, as diversas perspectivas de memórias individuais. Para Maurice
um dos entrevistados. Halbwachs, é importante perceber como essas memórias indi-
Ainda recorrendo à tipologia de Bill Nichols os viduais dão suporte a uma memória coletiva, constituindo-se em
documentários performáticos tentam representar uma subjetivida- sua força de permanência, o que não significa que não sejam
de social que une o geral ao particular, o individual ao coletivo e o diferentes pontos de vista.11

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A relação memória/história é uma das questões que Os personagens do documentário 15 filhos lutam pela
povoa as preocupações dos historiadores. Durante muito tem- preservação de uma memória pessoal dolorosa, da qual não
po, como indica Jacques Le Goff, a História se constituiu a partir têm como escapar, pois estruturou (ou desestruturou) o cotidia-
de narrativas daqueles que viram e viveram os acontecimentos, no de uma geração de crianças pertencentes a um grupo de
das suas testemunhas. Depois, com o documento escrito e a identidade, os filhos de guerrilheiros mortos, de presos e “desa-
constituição dos arquivos, as fontes do historiador ganharam parecidos políticos” (eufemismo para denunciar o sumiço dos
autonomia frente às memórias diretas. A partir da segunda meta- corpos), com conseqüências permanentes na constituição de
de do século XX, a renovação dos estudos históricos colocou suas individualidades. Em torno dessa identidade coletiva ain-
na ordem do dia a problematização do documento escrito como da transparece a sua insistência para que a sociedade tome
fonte mais isenta e menos subjetiva que outros testemunhos.(LE conhecimento dessas memórias soterradas pelo medo da re-
GOFF, 1994) pressão e que, naquele momento, vem à tona, buscando, si-
Considerando as diferenças que fundamentam os con- multaneamente, um ajuste de contas com o passado individual
ceitos de história e memória, Le Goff, reconhece o importante e com a sociedade que deixou o golpe acontecer, como suge-
papel da memória coletiva no processo de constituição da his- re o discurso de Janaina Telles, no filme.
tória das sociedades contemporâneas: Dessa forma, os personagens parecem exigir que a
A evolução das sociedades na segunda metade do século XX clarifica a sociedade também incorpore como sua essa memória do ter-
importância do papel que a memória coletiva desempenha. Exorbitando ror, ainda que muitos não a tenham vivido e que outros tantos
a história como ciência e como culto público, ao mesmo tempo a montante não a desejem como legado, ela representaria a condição de
enquanto reservatório (móvel) da história, rico em arquivos e em docu- uma geração de sobreviventes que, simultaneamente à denun-
mentos/monumentos, e a aval, eco sonoro (e vivo) do trabalho histórico, cia, explicita a intenção de busca de reparação histórica, junta-
a memória coletiva faz parte das grandes questões das sociedades
mente com os corpos dos parentes assassinados.
desenvolvidas e das sociedades em vias de desenvolvimento, das clas-
São essas as imagens que o documentário 15 filhos
ses dominantes e das classes dominadas, lutando todas pelo poder ou
pela vida, pela sobrevivência e pela promoção. (LE GOFF, 1994, p.
expõe nos seus vinte minutos de rara tensão dramática, cujo
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suporte é justamente a dimensão performática de sua proposta, que saia de si mesmo, que se coloque do ponto de vista do grupo, que
com base nas narrativas dos depoentes e na expressão dos se possa ver como tal fato marca uma data, porque penetrou num círculo
rostos, clicados em closes ou em planos-detalhe que denotam das preocupações, dos interesses e das paixões nacionais. Mas, nesse
dor, susto, desencantamento ou revolta. momento o fato cessa de se confundir com uma impressão pessoal.
Memória é subjetividade, obviamente, como também Retomamos o contato com o esquema da história. (HALBWACHS, 1990,
p. 61)
alerta Le Goff, memória não é historia. Nesse sentido, é perti-
nente recorrer à posição de Alessandro Portelli que encara a
questão da subjetividade, inerente ao depoimento oral e à me- A leitura histórica de um documentário como 15 filhos,
mória, como um fator de enriquecimento das possibilidades de deve levar em conta, desse modo, dois filtros subjetivos, o da-
interpretação. Para além dos fatos, essa subjetividade aponta queles que narram suas memórias e o daqueles que realizam o
as possibilidades presentes na narração/interpretação que o filme, no caso, as duas realizadoras são, também, filhas de mi-
entrevistado traduz em sua fala/memória, tornando mais impor- litantes mortos. Elas têm sua presença no material documental
tante a interpretação que o fato.12 duplicada, pois, não só o realizam por trás das câmeras, como
Halbawchs, o teórico da memória coletiva, distingue ain- estão presentes com seus depoimentos, denunciando a parcia-
da três dimensões nessa discussão, remetendo para as noções lidade que em nenhum momento objetivam negar.
de “memória individual”, “memória coletiva” e “memória histórica”. O filme traça um panorama dos anos de chumbo subje-
O autor reconhece o limite da simples memória individual a pro- tivo e pessoal e, ainda assim, ou, por ser assim, como analisa
pósito de aspectos da vida pessoal em contraposição aos fatos Portelli, o documentário é especialmente revelador das arbitrari-
que foram vivenciadas a partir de uma dimensão coletiva e que edades ocorridas sob o regime ditatorial. Como especificidade,
passam, portanto, a integrar a memória histórica de modo que o filme registra para a história a voz de indivíduos, até então
antes de mais nada, devem ultrapassar o patamar da memória anônimos, diretamente atingidos pela repressão a partir de sua
individual: dimensão privada, cujo foco volta-se para a percepção das cri-
Para que, atrás da imagem, ele atinja a realidade histórica, será preciso anças submetidas a fatos traumáticos que cujo sentido não do-
minavam, e conduz o espectador a uma viagem através de suas

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evocações do passado, nas quais os parentes mortos ocupam marcante na memória coletiva nacional. O processo de abertura
lugares centrais, seja como heróis, seja como enigmas, seja tornou possível trazer à luz a história dos mortos e torturados.
como lacunas. A memória dos depoentes revela lembranças Pudemos assistir, então, filmes proibidos e não mais havia a
povoadas de sonhos de guerra, imagens de fugas, de medo necessidade de composições cifradas, permeadas de metáfo-
do desconhecido, de prisões ou de rostos deformados. O ras que buscavam burlar a censura para denunciar a violência
documentário, dessa maneira, acaba tendo um efeito de com- do regime. Quem viveu mais de perto a repressão sentia a ne-
preensão mais forte que muitos textos analíticos sobre o perío- cessidade premente de falar, testemunhar, fazer ouvir as vozes
do para os que não viveram aquela conjuntura. silenciadas, como a de Elizabeth Teixeira, no filme Cabra marca-
Na confluência entre memória e história é possível tra- do pra morrer, de Eduardo Coutinho, ou dos entrevistados do
balhar, a partir do filme, a reflexão sobre suas aproximações e filme aqui discutido. Os personagens reais do documentário 15
diferenças, atentando para a contribuição de uma na constitui- filhos, falando de suas impressões e perplexidades, relatando
ção da outra, uma vez que, como afirma Pierre Nora: “Na mistu- seus dramas individuais, expressam também o grande drama
ra, é a memória que dita e a história que escreve”. (NORA, 1983, nacional, a nossa miséria coletiva nos anos “de chumbo”.
p. 24) Esse material permite discutir a dimensão humana e coti- No âmbito do ensino podemos discutir os documentários
diana dos fatos históricos, porque as coisas acontecem com na mesma dimensão com que lidamos com filmes ficcionais,
pessoas de verdade, para além das estatísticas e das narrativas como produtos culturais cujo foco são acontecimentos ou situa-
dos historiadores profissionais presentes nos livros de história ções históricas. Lidar, portanto, com a dimensão dos
e em muitos documentários nos quais são convocados a fazer documentários como discursos sobre a história com a percep-
análises qualificadas por seu reconhecido saber acadêmico. ção de que estes ensejam a constituição de versões, requisi-
Para além das marcas individuais que resultaram do tando do espectador a leitura das interpretações que legitimam
desaparecimento dos pais para os entrevistados, as mortes sob sua abordagem do passado histórico.
o regime militar atingiram toda a sociedade brasileira, porque Na utilização desse tipo de “texto”, é adequado um ro-
são parte constitutiva de um período histórico extremamente teiro prévio e propositivo, que pode ser bastante útil na organi-

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zação das idéias a discutir, facilitando o trabalho dos alunos e filhos é necessário avaliar a opção pelo discurso direto dos per-
do professor no momento do debate sobre o filme. É necessá- sonagens, a completa ausência de voz em off e de análises de
rio que se dê algumas “pistas” de leitura, que orientem a análise especialistas; nenhuma referência a qualquer data; a opção por
sem, no entanto, tentar condicionar completamente o olhar dos fragmentar os depoimentos em blocos temáticos rompendo a
espectadores. continuidade dos discursos individuais e criando, pelo proces-
No que se refere à dimensão formal, associada à esfera so de edição, unidades temáticas. É fundamental discutir como
da linguagem cinematográfica se faz necessário, especialmen- essas opções estéticas e formais do documentário se articulam
te, atentar para opções de estilo e estética. Aspectos formais da com as potencialidades do filme no que se refere à discussão
utilização dos equipamentos, como ângulos de tomada, opções teórica proposta, a relação história/memória.13
de enquadramento, sequenciamento de planos, tipo de fotogra- É possível ainda trabalhar com os seguintes aspectos:
fia, uso de filtros, opções de intervenção nas imagens. Também 1- Análise da trilha sonora, especialmente da musica que
é fundamental a atenção quanto às estratégias narrativas como abre e encerra o documentário, chama-se Aos nossos filhos e é
uso de imagens de época, a utilização de testemunhas, de es- uma composição de Ivan Lins e Vitor Martins que expressa uma
pecialistas academicamente reconhecidos, de trilhas sonoras. mensagem dos pais mortos aos filhos: “Perdoem a cara amarra-
No caso específico deste documentário é necessário da/ perdoem a falta de abraço/ perdoem a falta de espaço / os
destacar: a fotografia em preto e branco; a ausência de imagens dias eram assim / perdoem por tantos perigos/ perdoem a falta
de arquivo, à exceção de uma cena de tanques na rua durante o de abrigo/ perdoem a falta de amigos/ os dias eram assim/ (...).”
golpe que derrubou o governo Allende no Chile, em 1973; a 2-Buscar diferenciar as experiências narradas pelos en-
opção de enquadramento utilizado pelas cineastas, carregado trevistados e suas diversas leituras sobre o passado e o pre-
da perspectiva de primeiro plano e closes e o significado des- sente e, depois, tentar identificar o(s) eixo(s) comum(ns) dos
sas escolhas no plano da linguagem cinematográfica para a lei- discursos e que não necessariamente estão definidos nos blo-
tura histórica. cos temáticos criados para estabelecer a unidade. Por exem-
No encaminhamento do conteúdo discutido no filme 15 plo: esquecimento, perspectivas, presente.

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3- Identificar as pessoas desaparecidas indicadas no fil- Tais reflexões ajudariam a situar o documentário no campo
me e, a partir de pesquisa em bibliografia disponível, buscar o da discussão histórica e debater suas especificidades na refe-
registro histórico a propósito desses personagens que expli- rência com outro gênero cinematográfico que dialoga com a área,
cam sua “presença” (na verdade uma presença que se constrói a chamada ficção histórica.
pela ausência) no filme. Um filme que se tornou bom exemplo para o debate é
4- Relacionar o documentário a leituras anteriores a ou- O que é isso companheiro?, de Bruno Barreto, que teve seu ro-
tros filmes ou informações de aulas sobre o tema estabelecen- teiro baseado no livro homônimo de Fernando Gabeira, no qual
do o diálogo entre as versões e buscando problematizar a rela- relata suas memórias do episódio envolvendo o seqüestro do
ção escrita/oralidade, opinião/argumento, aspectos da autoria, embaixador norte-americano, Charles Elbrick, em 1969, por dis-
que envolvem opções teóricas e abordagens específicas dos sidentes do regime militar.14 O filme suscitou um acalorado de-
temas históricos. bate por meio da imprensa e a publicação do livro Versões e
Ficções, com textos críticos à adaptação de Barreto.15
Um debate em níveis de ensino superior pode desen- Finalmente, para concluir a presente reflexão, conside-
cadear temas no campo da teoria da história e em parte já suge- ramos o documentário um importante material para o trabalho no
ridos ao longo deste texto, quais sejam, uma reflexão sobre a ensino de história, além de uma fonte fantástica, e cada vez
relação memória / história, objetividade / subjetividade do co- maior, para o estudo das sociedades contemporâneas. Encon-
nhecimento histórico, escrita/oralidade, individuo/ coletivo no tramos hoje, disponíveis para o trabalho em sala de aula,
processo histórico. E, ainda, considerando o campo específi- documentários como Nós que aqui estamos por nós esperamos,
co, discutir questões referentes à autoria no documentário e suas de Marcelo Marzagão, por exemplo, com grandes possibilida-
aproximações e diferenças em relação à autoria no texto escri- des de análise no estudo da nossa contemporaneidade.16 Tra-
to. Todas essas questões tornariam obrigatória a leitura de tex- tando dos avanços científicos e artísticos, Marzagão nos coloca
tos teóricos, previamente escolhidos, a propósito dos temas frente a uma viagem através de imagens do século da veloci-
indicados. dade em meio às mudanças e às guerras que o marcaram, numa

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das melhores sínteses produzidas pelo cinema documental so- FERRO, Marc. Cinema e História. Trad. Flávia Nascimento. Rio de
bre o século XX. O filme de Marzagão, que dedica a obra ao Janeiro: Paz e Terra, 1992.
historiador Eric Hobsbawm (1995) nos remete à Era dos Extre- GABEIRA, Fernando. O que é isso, companheiro? Rio de Janeiro:
mos fazendo-nos refletir sobre o papel dos “grandes persona- Codecri, 1979.
gens” que revolucionaram as artes e as ciências, mas, principal- GODOY, Hélio. Documentário, realidade e semiose: os sistemas
audiovisuais como fontes de conhecimento. São Paulo:
mente, sobre os “pequenos personagens” que viveram seu
Annablume, 2001.
cotidiano anônimo como agentes históricos tão importantes quan-
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Trad. Laurent Leon
to aqueles cuja referência nos remete à dimensão dos “grandes Schaffter. São Paulo: Vértice/Revista dos Tribunais, 1990.
personagens”. As imagens e o discurso de filmes como 15 fi- HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos. O breve século XX (1914-
lhos e Nós que aqui estamos por vós esperamos, carregam uma 1991). 2a. Ed. Trad. Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das
dimensão crítica que nos desconcertam frente à nossa busca Letras, 1995.
de uma certa objetividade histórica, pois humanizam a história LE GOFF, Jacques História e Memória. 3 ed. Trad. Bernardo Leitão.
dos livros, lhes dão rosto, e lhes conferem a medida da subje- Campinas: Editora da Unicamp, 1994.
tividade que faz a vida individual e coletiva, ajudando-nos a pen- LOWENTHAL, David. Como conhecemos o passado. Trad. Lúcia
sar, a partir de uma nova perspectiva, o lugar dos indivíduos na Haddad. In: Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós-
história. Graduados em História e do Depto. De História da Pontifícia Universi-
dade Católica de São Paulo, n. 17 (Dossiê Trabalhos da Memória),
Referências Bibliográficas: Nov. 1998, p. 63-201.
AUMONT, Jacques. A imagem. 2a. Edição. Trad. Estela dos Santos METZ, Christian. A Significação no Cinema. Trad. Jean Claude
Abreu e Claudio C. Santoro. Campinas: Papirus, 1995. Bernardet, Sao Paulo: Perspectiva, 1972.
COUTINHO, Eduardo. O cinema documentário e a escuta sensível da METZ, Christian. Linguagem e Cinema. Trad. Marilda Pereira. São
alteridade. In: Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós- Paulo, Perspectiva, 1971.
graduados em História e do Departamento de História da PUC-SP, n. NAPOLITANO, Marcos. Fontes audiovisuais: a História depois do pa-
15 (Dossiê Ética e História Oral), abril/1997, p.165-171. pel. In: PINSKY, Carla Bassanezi. Fontes históricas. São Paulo: Con-

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III Simpósio Nacional de História Cultural (Florianópolis, 18 a 22 de setembro de 2006)

texto, 2005. Filmografia citada:


NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. Trad. Mônica Saddy 15 filhos. Vídeo. Direção: Maria Oliveira e Marta Nehring, p & b, 20
Martins. Campinas: Papirus, 2005. min, 1996.
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Cabra marcado pra morrer. 35 mm. Direção: Eduardo Coutinho, p &
Trad. Yara Aun Khoury. Projeto História. Revista do Programa de b /color., 119 min., 1984.
Estudos Pós-Graduados em História e do Depto. de História da PUC- Pra frente Brasil. 35 mm. Direção: Roberto Farias, color, 104 min.,
SP, São Paulo, n. 10, 1983, p. 7-28. 1983.
PORTELLI, Alessandro. A Filosofia e os fatos. Narração, interpretação Jango. 35 mm. Direção: Silvio Tendler, p & b/ color., 117 min., 1984
e significado nas memórias e nas fontes orais. Trad. Ingeborg K. de Chega de saudade. Vídeo. Direção: Silvio Tendler, p & b/color., 38
Mendonça e Carlos Espejo Muriel. Tempo. (Dossiê Teoria e min., 1988
Metodologia) Rio de Janeiro: Relume Dumará, v. 1, n. 2, dez. 1996, p. O que é isso companheiro? 35 mm. Direção: Bruno Barreto, color.,
59-72. 105 min., 1997.
RAMOS, Fernão. Cinema verdade no Brasil. In: TEIXEIRA, Francisco Nós que aqui estamos por vós esperamos. Direção: Marcelo
Elinaldo (Org.). Documentário no Brasil. Tradição e Transforma- Marzagão. p& b/ color., 73 min, 1999.
ção. São Paulo, Summus, 2004
REIS FILHO, Daniel Aarão et.alli. Versões e ficções: O seqüestro da Notas
História. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1997. 1
A propósito da necessidade de comprometer o historiador com a
RELATÓRIO Brasil Nunca Mais. Petrópolis: Vozes, 1985. formulação de fontes documentais imagéticas, afirma Ferro em entre-
RENOV, Michael. Theorizing documentary. New York: Routledge, vista ao periódico francês Cahiers du Cinema, em 1975: “Em lugar de
1993. se contentar com a utilização de arquivos, ele [o historiador] deveria
antes de tudo criá-los e contribuir para a sua constituição: filmar, inter-
TELLA, Andrés di. O documentário e eu. In: MOURÃO, Maria Dora e
rogar aqueles que jamais têm direito à fala, que não podem dar seu
LABAKI, Amir (Orgs.). O cinema do real. São Paulo: Cosac Naify, 2005. testemunho.” FERRO, Marc. Cinema e História. Trad. Flávia Nasci-
XAVIER, Ismail (org). A experiência do cinema. Rio de Janeiro: Ed. mento. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p. 76.
Graal-Embrafilme, 1983.

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Uma vasta bibliografia pode ser indicada a propósito dos aspectos fontes de conhecimento. São Paulo: Annablume-Fapesp, 2001;
teóricos e pertinentes às especificidades da linguagem do cinema, a RENOV, Michael. Theorizing documentary. New York: Routledge, 1993.
exemplo de: METZ, Christian. Linguagem e Cinema. Trad. Marilda
Pereira. São Paulo, Perspectiva, 1971; METZ, Christian. A Significa- 6
15 Filhos. Vídeo. Direção: Marta Nehring e Maria Oliveira. Maria
ção no Cinema. Trad. Jean Claude Bernardet, São Paulo: Perspecti- Oliveira e Marta Nehring, p & b, 20 min, 1996.
va, 1972; AUMONT, Jacques. A imagem. 2a. Edição. Trad. Estela dos
Santos Abreu e Cláudio C. Santoro. Campinas: Papirus, 1995; XAVIER, 7
Entre as obras ficcionais que inauguraram a discussão sobre o perí-
Ismail (org). A experiência do cinema. Rio de Janeiro: Graal-Embrafilme, odo ditatorial nas telas cinematográficas podemos citar: Pra frente
1983. Brasil, de Roberto Farias, realizado em 1983. Entre os documentários
uma das referências obrigatórias são os dois filmes de Silvio Tendler,
3
Alguns desses problemas foram exemplarmente arrolados, por Mar- Jango, realizado em 1984 e Chega de saudade, de 1988 e Cabra
cos Napolitano em recente publicação a propósito dos audiovisuais. marcado pra morrer, de Eduardo Coutinho, de 1984.
NAPOLITANO, Marcos. Fontes audiovisuais: a História depois do pa-
pel. In:PINSKY, Carla Bassanezi. Fontes Históricas. São Paulo: Contex- 8
Relatório Brasil Nunca Mais. Petrópolis: Vozes, 1985.
to, 2005, p. 235-289.
9
Para Bill Nichols, a tipologia indicada resulta de modos de aborda-
4
Robert Flaherty, um dos pioneiros do gênero, ficou famoso por seu gem do material pelo documentarista. Simplificando as idéias do au-
conhecido documentário Nanook, of the North (1922), que trata do tor, poderíamos rapidamente caracterizar os tipos da seguinte forma:
cotidiano dos esquimós. As manipulações de Flaerthy, simulando situ- 1-o modo poético: nele as informações são prioritariamente abstratas
ações e induzindo encenações de Nanook, foram extremamente e baseadas nos elementos estéticos da linguagem específica; o modo
criticadas a partir dos anos 60 pelos defensores do cinema documen- expositivo: privilegia-se a informação usando uma estrutura narrativa
tal a partir de uma perspectiva não intervencionista. baseada na argumentação e na retórica; o modo observativo: busca
registrar a experiência de modo espontâneo, desencadeando o efeito
5
A propósito do tema pode-se consultar a discussão constante em de surpresa e improviso, de realidade; o modo participativo: baseia a
TEIXEIRA, Francisco Elinaldo (Org.). Documentário no Brasil. Tradi- abordagem chamada observação participativa e é bastante usado pelas
ção e Transformação. São Paulo, Summus, 2004; GODOY, Hélio. ciências sociais e estudos antropológicos; o modo reflexivo: busca
Documentário, realidade e semiose: Os sistemas audiovisuais com explicitar o processo de negociação intrínseco ao documentário, tor-

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nando-o foco de interesse para alem do tema; e o modo performático: 12


Se formos capazes, a subjetividade se revelará mais do que uma
coloca ênfase nos aspectos subjetivos do conhecimento sobre o tema interferência; será a maior riqueza, a maior contribuição cognitiva que
abordado para além dos aspectos objetivos, destacando a experiên- chega a nós das memórias e das fontes orais. PORTELLI, Alessandro.
cia e a complexidade de sua dimensão subjetiva. NICHOLS, Bill. Intro- A Filosofia e os fatos. Narração, interpretação e significado nas memó-
dução ao Documentário. Trad. Mônica Saddy Martins. Campinas: rias e nas fontes orais. Trad. Ingeborg K. de Mendonça e Carlos Espejo
Papirus, 2005, pp. 135-177. Muriel. Tempo. Dossiê Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro: Relume
Dumará, v. 1, n. 2, p. 64, dez. 1996.
10
Os quinze depoentes, identificados por meio de legendas, são os
seguintes: Joca Grabois, Priscila Arantes, Vladimir Gomes, Gregório 13
Marta Nehring e Maria Oliveira criaram os seguintes blocos
Gomes, Janaina Telles, Ernesto Carvalho, Marta Nehring, André Herzog, temáticos, orientados por uma entrada em legenda: clandestinos, in-
Chico Guariba, Telma Lucena, Denize Lucena, Edson Telles, Maria fância, tortura, visitas, no mundo, no Brasil, escola, pai, desapareci-
Oliveira, Tessa Lacerda, Rosana Momente. dos.
11
“No mais, se a memória coletiva tira sua força e sua duração do fato 14
GABEIRA, Fernando. O que é isso, companheiro? Rio de Janeiro:
de ter por suporte um conjunto de homens, não obstante eles são Codecri, 1979. A versão cinematográfica homônima O que é isso
indivíduos que se lembram enquanto membros do grupo. Dessa mas- Companheiro?, de Bruno Barreto, foi lançada em 1997.
sa de lembranças comuns, e que se apóiam uma sobre a outra, não
são as mesmas que aparecerão com mais intensidade para cada um 15
REIS FILHO, Daniel Aarão et.alli. Versões e Ficções: O seqüestro da
deles. Diríamos voluntariamente que cada memória individual é um História. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1997. Discutem a adap-
ponto de vista sobre a memória coletiva, que este ponto de vista muda tação cinematográfica, intelectuais de esquerda e militantes do perío-
conforme o lugar que ali eu ocupo e que este lugar mesmo muda do, entre eles: Helena Salem, Daniel Aarão Reis Filho, Paulo Moreira
segundo as relações que mantenho com outros meios.” HALBWACHS, Leite, Emir Sader, Franklin Martins, Renato Tapajós e outros.
Maurice. A memória coletiva. Trad. Laurent Leon Schaffter. São Paulo:
Vértice/Revista dos Tribunais, 1990, p. 51. 16
Nós que aqui estamos por vós esperamos. Direção: Marcelo
Marzagão. p& b/ color., 73 min, 1999.

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