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PONT IFÍC IA UN IVERSIDADE CAT ÓLICA DE SÃO PAULO

Programa de Estudos Pós-Graduados em História

Mauriney Eduardo Vilela

TEATRO AMADOR PAULISTA (1963-1975): ORGANIZAÇÃO


FEDERATIVA, FAZER TEATRAL E RESISTÊNCIA À DITADURA

DOUTORADO EM HISTÓRIA SOCIAL

São Paulo

2018
PONT IFÍC IA UN IVERSIDADE CAT ÓLICA DE SÃO PAULO
Programa de Estudos Pós-Graduados em História

Mauriney Eduardo Vilela

TEATRO AMADOR PAULISTA (1963-1975): ORGANIZAÇÃO


FEDERATIVA, FAZER TEATRAL E RESISTÊNCIA À DITADURA

DOUTORADO EM HISTÓRIA SOCIAL

Tese apresentada à Banca Examinadora da


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
para obtenção do título de Doutor em História
Social, sob a orientação da Profª. Doutora
Heloísa de Faria Cruz.

São Paulo

2018
Banca Examinadora

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________
Agradecimentos:

À professora doutora Heloísa de Faria Cruz, pela orientação deste trabalho.

À Clarice Ferreira de Ávila: graças a ela, inspiração e apoio nunca faltaram.

Aos professores doutores Denise Bernuzzi de Sant’Anna, Maria Antonieta Antonacci,


Estefania Knotz C. Fraga, Luiz Antonio Dias e Antonio Pedro Tota, ao me propiciarem as
condições para o aprofundamento dos estudos.

Ao idealizador do Museu do Teatro Amador Paulista (MTAP), prefeito Sidnei Franco da


Rocha, velho companheiro de palco; e aos amigos Reginaldo Emídio, Jô Ribeiro e José Reinaldo
Cardoso Júnior, que dão vida ao MTAP.

Aos pioneiros do Teatro Amador, começando pelo incansável Carlos Pinto, e se


estendendo a Ângelo Boniceli, Hamilton de Lima Neto, Humberto Sinibaldi, João Rocha, Roberto
Villani, Dirce Semensato, Hilda Breda, Ana Maria Médici.

Aos homens e mulheres de teatro: Osnival Búfalo, Guilherme Cruz Costa, Clovis Farinelli,
Amauri Alves, Otávio Penteado Soares, Getúlio Alho, Luís Barbano, José Manuel Costa Alves,
Fernando Cavalheri, Vicente Paulo de Arruda Camargo Filho, Rogério Bastos, Suely de Lazzari.

À jornalista Maíva Lilian Vilela, pela infinita paciência em fazer a revisão do texto da tese.

E a todos os integrantes do Programa de Estudos Pós-Graduados em História, da


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, por terem acreditado que um engenheiro
mecânico poderia se transformar em um doutor em História.
Dedico esta dissertação às
memórias de meu pai, Mauro Vilela, e de
Hamilton Figueiredo Saraiva. Esses velhos
revolucionários ensinaram que transformar
a sociedade é um sacerdócio e que o
sacerdócio se constrói sobre a base da
generosidade.
SUMÁRIO

Página
LISTA DE QUADROS/TABELAS/MAPA ..................................................................07
RESUMO..................................................................................................... 08
ABSTRACT.............................................................................................................. 09
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS....................................................................... 10
INTRODUÇÃO........................................................................................................ 13
CAPITULO I – O Teatro Amador Paulista: Da ação de agitadores culturais à
atuação da Comissão Estadual de Teatro............................................................ 25
I.1 A Comissão Estadual de Teatro........................................................................ 32
I.2 A atuação dos municípios, do governo federal, das empresas, das
entidades civis e das pessoas físicas, em relação ao Teatro Amador.................... 57
CAPÍTULO II – O Teatro Amador além do palco................................................... 64
II.1 Movimento federativo..................................................................................... 67
II.2 A COTAESP em movimento: as assembleias e congressos.............................. 78
CAPÍTULO III – Os festivais.................................................................................... 102
III.1 Os FETAESP da Comissão Estadual de Teatro (1963-1965) ............................ 103
III.2 Transição: os FETAESP das federações (1966 e 1967) ....................................112
III.3 Os FETAESP organizados pela COTAESP (1968-1975) .................................... 120
III.3.1 Palcos iluminados, em tempos escuros (1968-1972) ..................................128

III.3.2 Festivais sob asfixia (1973-1975) ................................................................ 141


CAPÍTULO IV- O espetáculo amador ................................................................... 157
IV.1 A estrutura das encenações amadoras...........................................................158
IV.2 Temas e Gêneros ........................................................................................... 176
IV.3 Dramaturgia ................................................................................................... 187
IV.4 Produção amadora e realidade social ........................................................... 191
CAPÍTULO V- A cena muda ................................................................................... 194
REFERÊNCIAS (Fontes e Bibliografia) ................................................................... 199
ANEXOS ................................................................................................................ 205
7

LISTA DE QUADROS/TABELAS/MAPA

Página
MAPA – Federações de Teatro Amador do Estado de São Paulo.......................... 73
Quadro 1 – Estrutura dos três primeiros FETAESP (DE 1963 A 1965) ...................104-5
Quadro 2 – Grupos premiados nos três primeiros FETAESP (DE 1963 A 1965) .... 108
Quadro 3 – Peças premiadas nos três primeiros FETAESP (DE 1963 A 1965) .......109
Quadro 4 – Estrutura do IV e do V FETAESP (1966 e 1967) .................................. 112-3
Quadro 5 – Origem dos grupos amadores que participaram das finais do IV e V
FETAESP ................................................................................................................ 116
Quadro 6 – Análise de repertório, na fase final do IV e V FETAESP ...................... 116-7
Quadro 7 – Estrutura dos FETAESP organizados pela COTAESP (1968-1975) ...... 120-1
Quadro 8 – Origem dos grupos amadores que participaram das finais dos
FETAESP entre 1968 e 1975 .................................................................................. 123
Quadro 9 – Peças que participaram das finais dos FETAESP entre 1968 e 1975,
quanto à autoria e repertório ............................................................................... 125
8

TEATRO AMADOR PAULISTA (1963-1975): ORGANIZAÇÃO


FEDERATIVA, FAZER TEATRAL E RESISTÊNCIA À DITADURA

RESUMO
A história do movimento federativo paulista de Teatro Amador é descrita e analisada,
no período entre 1963 e 1975. No âmbito descritivo, a partir da ação da Comissão Estadual de
Teatro (CET), acompanha-se a criação e desenvolvimento das federações de Teatro Amador e
da Confederação de Teatro Amador do Estado de São Paulo (COTAESP), além das assembleias,
congressos e festivais de Teatro Amador. No terreno da análise, busca-se compreender o que
fez pessoas (e grupos) com propostas tão diferentes agirem em conjunto, construindo
federações, organizando congressos, fazendo festivais e conquistando espaços físicos e
políticos, por um espaço de tempo de uma dúzia de anos. A análise também busca definir quem
fez teatro amador nesse período, suas motivações e objetivos, seus temas e linguagens. De
acordo com o que foi analisado, as encenações amadoras parecem ter imergindo na estrutura
de sentimentos de seu público e contribuído para avanços e transformações nas relações sociais,
mesmo enfrentando poderosa oposição de uma ditadura militar.

PALAVRAS-CHAVE: Teatro Amador, Comissão Estadual de Teatro,


Confederação de Teatro Amador do Estado de São Paulo, Congressos de Teatro
Amador, Festivais de Teatro Amador, estruturas de sentimento, ditadura.
9

PAULISTA AMATEUR THEATRE (1963-1975): FEDERATIVE


ORGANIZATION, THEATRICAL PRACTICE, AND RESISTANCE TO THE
DICTATORCHIP

ABSTRACT
The history of the State of São Paulo’s amateur theater federative movement is
described and analyzed in the period between 1963 and 1975. We will describe the action of the
State Board of Theatre (CET), and go together with the creation and development of amateur
theater federations and the Confederation of Amateur Theatre in the State of São Paulo
(COTAESP), in addition to the meetings, congresses, and festivals of Amateur Theatre. In the
analysis way, we seek to understand what made people (and groups) with such different
proposals become organized, building associations, organizing conferences, doing festivals, and
searching political and physical spaces, for a period of a dozen years. The analysis also seeks to
define who did amateur theatre during this period, their motivations and goals, their themes,
and languages. According to what was analyzed, the amateur performances seem to be
immersing in the feelings of your public and contributed to advancements and changes in social
relationships, even facing powerful opposition of a military dictatorship.

Keywords: Amateur Theatre, State Theatre Commission, Confederation of Amateur


Theatre in the State of São Paulo, congresses of Amateur Theatre, festivals of Amateur Theatre,
structures of feeling, dictatorship.
10

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS


CET - Comissão Estadual de Teatro

COTAESP - Confederação de Teatro Amador do Estado de São Paulo

D.O.E. - Diário Oficial do Estado (de São Paulo)

EAD - Escola de Arte Dramática

ECA - Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo

ECAD - Escritório Central de Arrecadação e Distribuição

FETAC - Federação de Teatro Amador do Centro do Estado de São Paulo (sede


em São Carlos)

FETAESP - Festival de Teatro Amador do Estado de São Paulo

FUNARTE - Fundação Nacional de Artes

GTA - Grupo de Teatro Amador de São Paulo

GTE - Grupo de Teatro Experimental

GUT - Grupo de Teatro Universitário

MTAP - Museu do Teatro Amador Paulista

PTB - Partido Trabalhista Brasileiro

SBAT - Sociedade Brasileira de Autores Teatrais

SESC - Serviço Social do Comércio

TBC - Teatro Brasileiro de Comédia

TECA - Teatro Experimental de Comédia de Araraquara

TEFFI - Teatro da Faculdade de Filosofia – Santos

TEMETAL - Teatro dos Metalúrgicos de Santos

TPE - Teatro Paulista do Estudante

TUCA - Teatro da Universidade Católica de São Paulo

UDN - União Democrática Nacional


11

UFSCar - Universidade Federal de São Carlos

UNE - União Nacional dos Estudantes

USP - Universidade de São Paulo


12

TEATRO AMADOR PAULISTA (1963-


1975): ORGANIZAÇÃO FEDERATIVA,
FAZER TEATRAL E RESISTÊNCIA À
DITADURA
13

Introdução
Do início da década de 1960 até a metade da década de 1970, o movimento teatral
amador paulista foi animado por um crescimento e por uma dinâmica inusitados. E um olhar
mais atento sobre esse período nos surpreenderá com a constatação de que propostas tão
diferentes se amalgamaram em um movimento federativo estadual que – segundo avaliações
dos próprios grupos teatrais – congregou, em seu momento de apogeu1, aproximadamente
metade de todos os grupos amadores com vida jurídica do planeta Terra. E que, no período de
1963 a 1975, realizou 70% das apresentações teatrais de todo o Brasil. Nesse período, mais de
15 mil pessoas faziam Teatro amador, filiados a mais de mil grupos no Estado. Mais de metade
desses grupos tinha vínculos federativos.

No Estado de São Paulo, o Teatro Amador sempre foi uma manifestação artístico-
cultural expressiva. Chegando ao limiar dos anos 1960, encontraremos grupos amadores em
todos os quadrantes do Estado de São Paulo2: nas jovens cidades do Pontal do Paranapanema3
, no Litoral Paulista4, Vale do Ribeira, Vale do Paraíba, Capital e Grande São Paulo; enfim, nas 20
regiões administrativas em que o Estado de São Paulo estava dividido à época. E não se trata,
aqui, de simples questão de números: para além da multiplicação dos espetáculos,
observaremos, também, inegável avanço qualitativo no trabalho teatral amador.

O que fez pessoas (e grupos) com propostas tão diferentes agirem em conjunto,
construindo federações, organizando congressos, fazendo festivais e conquistando espaços
físicos e políticos por um espaço de tempo de uma dúzia de anos?

Há uma explicação costumeira para essa questão, mas que talvez não seja suficiente
para dar conta da complexidade do processo: é a de se atribuir a dinâmica do movimento tão
somente a um punhado de homens e mulheres de teatro, que se iniciaram em palcos amadores
da década de 1940, e que nas décadas posteriores articularam-se na Comissão Estadual de
Teatro (CET). Esses homens e mulheres, em 1963, construíram um arcabouço institucional de
apoio à atividade amadora – adubada com recursos públicos – resultando em sucesso imediato.

1
Essas informações constam do caderno de teses do XIX Congresso de Teatro Amador do Estado
de São Paulo (São José dos Campos, maio de 1984), p.19.
2
COMISSÃO ESTADUAL DE TEATRO. Relatório 63/65. São Paulo: Secretaria de Estado dos
Negócios do Governo, s.d. pp 13 e14.
3
Presidente Prudente, que completa seu centenário em 2017, já possuía grupos teatrais
amadores. E o mesmo ocorria em Presidente Anastácio, Regente Feijó e Rancharia
4
De Guarujá, para o Sul. O Litoral Norte se engajará mais tarde ao movimento federativo.
14

Daí os grupos amadores se congregaram em federações regionais e passaram a produzir peças


com o objetivo de participar de festivais, em busca de reconhecimento e premiações.

Mas os acontecimentos desmentem uma gênese tão simples. Não se pode ignorar a
importância da atuação da CET, mas é preciso olhar para a dinâmica interna dos grupos
amadores e para o próprio papel do teatro no cenário político-cultural brasileiro do período.
Observe-se que em 1963, por exemplo, existiam muitos grupos com várias décadas de
existência; alguns deles – como o TECA (Teatro Experimental de Comédia de Araraquara) – até
participariam de festivais sem estabelecer vínculos duradouros com alguma federação; outros,
recusar-se-iam a adquirir vida jurídica e a participar do movimento federativo (como o Grupo de
Teatro da Escola Superior de Agronomia Luis de Queiroz, de Piracicaba). E esses grupos
amadores, que não estudaremos aqui, deixaram contribuições ao amadorismo fora do ambiente
construído pelos abnegados mecenas da CET.

O ambiente político também contribui para essa complexidade. Num dos Cadernos do
povo brasileiro, publicado em novembro de 1962, Franklin de Oliveira escreve5:

Nada mais dramático para um povo do que ver frustrada sua


Revolução Nacional. Toda revolução nacional malograda leva fatalmente
ao obscurantismo político.

O golpe militar de 1964 transformou em realidade a preocupação de Franklin Oliveira,


agredindo (e, em grande medida, calando) o vivo debate cultural do início da década de 1960,
que teve um de seus momentos de ouro no Centro Popular de Cultura, da UNE. Nesse contexto,
o movimento amador paulista constituiu-se em espaço de pensamento e ação de toda uma
geração que chegou à maioridade no período ditatorial. Aqui, o movimento amador
insubordina-se à norma tecnocrática segundo a qual6:

Não é qualquer um que pode dizer a qualquer outro, qualquer coisa


em qualquer lugar e em qualquer circunstância. (...) A eficácia do discurso
da competência como discurso do conhecimento depende da afirmação
tácita e da aceitação tácita da incompetência dos homens enquanto
sujeitos sociais e políticos.

5
A citação foi retirada de CHAUÍ, M. Cultura e democracia – o discurso competente e outras falas.
13ªed. São Paulo: Cortez, 2011. p.130.
6
Idem. pp 22 e 23
15

Sendo a voz dissonante ao discurso do conhecimento, a voz não hierarquizada, a voz do


não especialista, os amadores levam ao palco, nos anos de chumbo, um brado de revolta contra
o estado de coisas. Tentam, também, se enxergar no palco mostrando-se como moradores do
subúrbio, como operários, como migrantes. Os amadores buscam novas maneiras de expressar
rejuvenescendo clássicos, repensando musicais, testando novidades formais como o teatro
jornal ou como o teatro de rua adaptado ao ambiente dos centros urbanos7.

Em verdade, não tentaremos esgotar as explicações para a ocorrência de tão


significativo crescimento do movimento teatral amador paulista, entre 1963 e 1975. Tão pouco
iremos esmiuçar o dia a dia de dezenove federações de teatro e da confederação estadual. Mas
tentaremos responder algumas perguntas e fazer outras tantas para serem respondidas em
outras pesquisas: quem fez teatro amador, nesse período? Com quais motivações? Para quem?
Com quais objetivos? Quais foram os seus maiores obstáculos? E quais foram suas maiores
conquistas (voluntárias ou não)? Onde foram derrotados? Quais foram os seus aliados e
inimigos? Quais seus temas e linguagens? Como eram construídos os espetáculos? Quais foram
as disputas e tensões que atravessaram o movimento naquele período?

E a que estamos nos referindo, quando falamos em “Teatro Amador”?

O uso da expressão “Teatro Amador” costumeiramente carrega conotações que


obscurecem a natureza da atividade, pois ocorre a associação entre “amador” e “diletante” ou
o vínculo entre “amadorismo” e “auto realização”. Conotações ainda mais depreciativas quando
se define “amador” como algo tecnicamente inferior ou como uma atividade relativamente
descuidada, ou irresponsável, pois desvinculada da busca de acumulação econômica.

Não há dúvida que a execução de uma obra de arte dá, a quem a produz, uma dose de
autogratificação. Também é fora de dúvida que o amador realiza sua atividade teatral nos
momentos reservados ao seu próprio lazer, mas esses fatos – apesar de relevantes – são
insuficientes para definir a atividade teatral amadora.

O que particulariza o amadorismo é a sua independência – talvez a melhor palavra seja


desvinculação – em relação ao sistema econômico vigente; é o fato da atividade teatral não ter
fins de subsistência para seus criadores. É esta ausência de vínculos econômicos que dá as

7
Nesse sentido, encontramos aqui similitude entre a trajetória do movimento amador e o
percurso do Teatro Oficina, conforme apresentado por Rosângela Patriota (in A escrita da história do
teatro no Brasil. HISTÓRIA, SÃO PAULO, v.24, N.2, P.79-110, 2005)
16

características – vantajosas, algumas; gravosas, outras – que diferencia claramente Teatro


Amador de Teatro Profissional.

O desinteresse pela previsão de lucros dá ao amador grande liberdade na maneira de


produzir o espetáculo, na seleção de mensagens da obra e na seleção de estéticas da
apresentação da peça. Quanto aos profissionais, é muito provável que eles tenham que aceitar
alguns limitantes que tendem a moldar os seus trabalhos. Mesmos os grupos profissionais mais
ousados precisam se adequar a uma “média”: após apresentar uma proposta interessante de
trabalho – inovadora e insegura em relação aos resultados de bilheteria (o novo muitas vezes
choca e frustra a perspectiva de retorno financeiro) – esses grupos precisam apresentar
espetáculos de segura aceitação comercial. E o defeito de uma produção de sucesso garantido
é a redundância.

A redundância, que tortura os profissionais conscientes de sua arte, não persegue os


amadores: grupos amadores podem sempre optar por uma criação que ainda não foi testada
como forma de sucesso. Isso lhes dá uma margem de atuação muito mais ampla, que foi – em
grande medida – ocupada por um repertório que contempla textos clássicos, modernos, novas
técnicas de encenação e procedimentos experimentais no domínio do texto e do espetáculo,
procurando acrescentar, revolucionar ou, no mínimo, refletir sobre a arte do teatro. Nesse
sentido, o Teatro Amador é uma importante força propulsora da mudança e da atualização do
panorama teatral.

Lembremo-nos, também, que no período do Regime Militar havia brutal censura à


imprensa, às artes e às diversões públicas. No teatro, a censura foi insidiosa e onipresente. Nessa
situação, os grupos profissionais acabavam se autocensurando, porque uma peça censurada
(após várias semanas de ensaios e de produção cênica) poderia levar a companhia profissional
à falência... Como os grupos amadores não dependiam das apresentações para sobreviver, os
transtornos provocados pela censura eram graves, mas contornáveis. Por consequência,
cometimentos audaciosos ocorriam com mais frequência e a autocensura era menos paralisante
no Teatro Amador. Outro caminho seguido pelos amadores para se livrar das amarras da
censura, é a utilização das “criações coletivas”, arquitetadas pelas vanguardas internacionais e
exercitada pelos grupos amadores. Esse processo de trabalho (para ficarmos num exemplo) foi
adotado pelo TUCA – Teatro da Universidade Católica – que apresentou, em 1969, o espetáculo
Comala e, em 1970, O terceiro demônio.

Outro problema, martirizante para quem faz teatro, está na busca de parâmetros para
a realização da obra artística: quem quer que faça arte tende a eleger um tipo específico de
17

produção como algo, como um padrão, a ser seguido (ou negado). No caso do Teatro Amador,
muitos grupos procuravam no Teatro Profissional, em seus melhores momentos, o modelo a ser
seguido. Há, aqui, um paradoxo: a criação de um espetáculo teatral revela, simultaneamente, o
processo produtivo que o gerou. No Teatro Profissional, a divisão do trabalho (temos o diretor,
os atores, os técnicos, o produtor...) é o resultado de uma série de imposições econômicas
impostas por um sistema que se construiu e se tornou hegemônico dentro de um processo
histórico multissecular. Entre os amadores, a criação realizada pelo grupo, a possibilidade de se
auscultar uma estrutura de sentimentos (no sentido dado por Raymond Williams a esse termo)
em que o grupo está imerso e o comprometimento de todos os membros com toda a produção
do espetáculo pode se perder, engolfado em uma “linha de montagem” cênica.

Esse paradoxo é tão avassalador, tão extenso, que contaminará não apenas o dia a dia
dos grupos amadores e sua produção artística, mas também a concepção dos festivais de teatro
organizados a partir do movimento federativo e da Comissão Estadual de Teatro e o julgamento
das peças, tanto pelos especialistas como pelo público que assistiu aos espetáculos.
Contaminará a crítica jornalística. Contaminará até o presente estudo que, por se pautar pela
documentação produzida pelas instituições e imprensa da época, não conseguirá fugir (na maior
parte das vezes) a essa tirania do olhar hegemônico.

As atividades amadoras paulistas, consideradas sob o esquadro do movimento


federativo, atravessarão – no período que estudaremos – três momentos de evolução.

O primeiro momento, entre 1963 e 1965, estará sob tutela da Comissão Estadual de
Teatro: foi a época em que se criaram os festivais estaduais de Teatro Amador e se procedeu o
trabalho de dar vida jurídica a grande número de grupos de teatro.

O segundo momento, entre 1965 e 1967, é de transição: a orientação da CET ainda é


muito forte, mas centenas de grupos amadores – organizados em federações que se
multiplicaram pelo interior e litoral do Estado de São Paulo – ganham articulação e alguma
autonomia.

O terceiro momento (1968-1975) é a de protagonismo da Confederação de Teatro


Amador do Estado de São Paulo (COTAESP) que, representando os interesses dos amadores
congregados nas várias federações, gerencia os recursos públicos endereçados ao Teatro
Amador, vocaliza os seus interesses e dá materialidade a suas ações. É nesse terceiro momento
que se dá o grande embate entre o fazer teatral amador e os mecanismos de cerceamento à
prática artística e ao debate cultural, movidos por agentes e instituições da ditadura implantada
em 1964. Trata-se de um embate desigual: os amadores têm, como armas, sua organização
18

federativa, sua arte, sua disposição para apresentar e problematizar a realidade, e alguns
recursos públicos advindos de um pequeno escaninho da burocracia do Estado de São Paulo; os
agentes da ditadura dispunham de um gigantesco aparato repressivo, domínio sobre o ambiente
midiático, recursos econômicos abundantes, hegemonia sobre o aparelho de Estado, além de
uma couraça protetiva construída pelo ambiente ideológico planetário de Guerra-Fria. O que
surpreende é o fato dos amadores, congregados na COTAESP, terem feito o movimento
federativo crescer, e muito, até o ano de 1973. Só a partir desse ano, o enorme aparato ditatorial
provocará o estancamento desse fluxo artístico e organizativo.

A surpreendente vitalidade e dinamismo do movimento amador paulista, no entanto,


contrasta com o igualmente surpreendente lapso da memória cultural e acadêmica em relação
ao tema: os 15 mil participantes do movimento, as 19 federações de teatro, os mil espetáculos
teatrais anuais praticamente não frequentam os estudos sobre cultura a respeito desse período.
Para se ter uma ideia dessa invisibilidade: nas mil páginas da História do Teatro Brasileiro (2
volumes; direção de João Roberto Faria; São Paulo: Perspectiva/SESC-SP, 2012) e nas 400
páginas do Dicionário do Teatro Brasileiro (Coordenação de J. Guinsburg, João Roberto Faria e
Mariana Alves de Lima; São Paulo: Perspectiva/SESC-SP, 2009) não há uma única menção ao
movimento federativo paulista de Teatro Amador, nem aos seus festivais ou aos seus
espetáculos.

Estudar o Teatro Amador paulista é uma atividade quase solitária, portanto. E a solidão
é ainda maior, quando o foco é o período 1963-1975. De qualquer forma, alguns bons trabalhos
serviram de balizamento para meu estudo. Menciono, em primeiro lugar, o que ficou sob
coordenação de Roseli Figaro8: embora constituído por textos de pequena dimensão e quase
desconectados entre si (além de se referirem a um outro recorte temporal), observa-se a
preocupação em conhecer quais eram os públicos e de onde vinham (e o que pensavam) as
pessoas que subiam aos palcos para apresentar os espetáculos teatrais. Uma preocupação
exemplar.

Outro trabalho interessante é de Teresa Aguiar9. Embora seja uma espécie de memorial
da trajetória de alguns grupos teatrais, ele nos permite reconhecer onde encontraremos polos
artísticos teatrais amadores, no interior do Estado de São Paulo: São José do Rio Preto, Santos,

8
FIGARO, Roseli (coord.). Na cena paulista, o teatro amador. Circuito alternativo e popular de
cultura. (1927-1945). São Paulo: Fapesp/Ícone, 2008
9
AGUIAR, Teresa. O teatro no interior paulista: do TEC ao Rotunda, um ato de amor. TA Queiroz,
1992.
19

Campinas, Araraquara. E um alerta sobre a importância do Teatro Estudantil (que, conforme


veremos no decorrer desse estudo, é Teatro Amador), na composição da cena paulista.

Maria Eugênia R. Cruz10, ao estudar a Comissão Estadual de Teatro (CET), indicou o


quanto esse pequeno escaninho da burocracia da administração estadual se agigantou como
formulador de políticas públicas e fomentador das atividades teatrais.

Orleyd Faya11 e Heitor Saraiva12 escreveram seus trabalhos sob a orientação do Prof. Dr.
Hamilton Figueiredo Saraiva, que foi o primeiro presidente da COTAESP. Orleyd, apesar de
referenciar seus estudos entre os anos 1964-1985, dispendeu 75% do que escreveu em um
memorial que antecede o período que ela se propôs a analisar. Heitor Saraiva fez um trabalho
que avançou além do relato factual, mas seu foco era bem específico: estudou detidamente o
grupo teatral amador (Teatro Jambaí de Comédia) que foi dirigido pelo seu orientador de
mestrado. Apesar desses recortes temáticos, ambos os trabalhos são sustentados pela
orientação de um professor doutor que foi protagonista dos fatos apresentados em suas
respectivas dissertações e, indiretamente, apresentam algumas das preocupações e anseios das
lideranças amadoras do período em que meu trabalho se situa.

Esses trabalhos, no conjunto, fornecem uma base para pesquisa. Se nos deparamos com
memoriais, mais do que estudos analíticos, é porque esses pesquisadores (como, aliás, ocorreu
comigo) viram-se na contingência de encontrar e recuperar os fatos que ficaram submersos em
esquecimento. Nesse sentido, tais estudos ganham a grandeza do pioneirismo.

Alertado pelos trabalhos que me antecedem, no que concerne à escassez de fontes de


pesquisa, o primeiro grande esforço do estudo que se apresenta aqui foi o de obtê-las. Em linhas
gerais, apresento – aqui – as fontes que nortearam meu trabalho:

Quando iniciei meu estudo, imaginava focar o movimento federativo de Teatro Amador
paulista a partir da ação das diretorias das federações e das normativas produzidas nos
congressos. Isso me levou à busca das atas de reuniões e congressos realizados. Um problema
sério sobreveio: essas atas, na maior parte das vezes, não foram preservadas pelos amadores
de teatro, com as exceções do material da COTAESP e das federações de Santos, São Carlos, São
José do Rio Preto e Franca. Escapam do olvido, também, os documentos de alguns poucos

10
CRUZ, Maria Eugênia Rodrigues. Comissão estadual de teatro de São Paulo (1956- 1960)
Dissertação de Mestrado, ECA-USP. São Paulo, 2000.
11
FAYA, Orleyd Neves. Teatro paulista de amadores: 1964-1985. Dissertação de Mestrado, ECA-
USP. São Paulo, 2005.
12
SARAIVA, Heitor Júlio Barbosa. O teatro amador na cidade de São Paulo, 1965 a 1975: Teatro
Jambaí de Comédia, uma resistência. Dissertação de Mestrado, ECA-USP. São Paulo, 2005.
20

grupos teatrais amadores da Capital, do ABC e do litoral paulista. A busca por esse tipo de
documento, no caso das demais federações e da quase totalidade dos grupos teatrais amadores,
levaria à difícil e dispendiosa peregrinação por cartórios (cujos endereços – de resto – teriam
que ser descobertos) espalhados por todo o Estado de São Paulo.

Mas o estudo das atas que estavam ao meu alcance, logo mostrou que esse tipo de
busca não apresentaria retorno apreciável. Isso porque – em virtude de o Brasil estar imerso em
uma ditadura, nesse período – as atas evitam transcrever debates sobre questões que poderiam
comprometer os amadores diante dos órgãos repressivos. As atas quase sempre abordavam
questões administrativas, sem qualquer referência expressiva sobre ações culturais, conjuntura
política, projetos artísticos ou análises conceituais.

Desse modo, considerando que as informações das atas que estavam à disposição,
davam uma dimensão razoável de como os grupos funcionavam no dia a dia; de como os grupos,
federações e confederação encaminhavam a organização material de seus espetáculos e
festivais; de como organizavam os seus calendários de atividades; de como enfrentavam os
aparatos de repressão e censura; enfim, de como se davam os provimentos materiais para a
realização de espetáculos e para a manutenção das estruturas burocráticas, concluiu-se que a
busca nos cartórios provavelmente não traria informações importantes para o desenvolvimento
do tema.

Ainda no que concerne às fontes, temos a questão de como tratar de muitos


acontecimentos que não sobrevivem ao fechamento das cortinas de uma apresentação teatral,
fatos que teimam em não ser capturados por câmeras ou gravadores de som. E, mesmo que
algumas gravações ocasionalmente tenham sido realizadas, as inovações tecnológicas
contemporâneas levaram à digitalização de imagens e sons, o que implica na obsolescência de
todos os equipamentos que poderiam, eventualmente, reproduzir gravações de velhos
espetáculos teatrais amadores. Não foram encontradas quaisquer gravações de espetáculos
amadores. Parece que, mesmo que tenham sido feitas, foram descartadas quando não puderam
mais ser revisitadas por quem as possuía.

Restaram fotografias, algumas de qualidade. Elas poderão trazer mais luz sobre o
período, mas exigem um exame detalhado que demandará muito tempo. As fotos foram
recolhidas e direcionadas ao MTAP (Museu do Teatro Amador Paulista) à espera de novas
pesquisas. Algumas fotos estão em anexo, como mostruário do potencial desse material para
futuros estudos.
21

Outra fonte importante para o trabalho de pesquisa é constituída por recortes de jornal.
Foram coligidos aproximadamente dois mil recortes de publicações, de um universo de 50 mil
guardados pelos amadores de teatro, pela COTAESP e por meia dúzia de federações de teatro
amador. A quase totalidade dos 50 mil recortes foi direcionada ao MTAP, sediado em duas salas
do Teatro Municipal de Franca, e se encontra – hoje – acondicionada em caixas-arquivo. Uma
pequena parcela, desses recortes, encontra-se na Biblioteca Florestan Fernandes, da UFSCar,
mas o acesso a esse último material, infelizmente, acha-se severamente restrito. Em verdade,
os centros de pesquisa, com exceções raríssimas (o arquivo Miroel Silveira, da ECA-USP, talvez
seja exceção solitária), não se preocuparam em coligir documentos relativos ao Teatro Amador
paulista.

Os recortes versam sobre coberturas jornalísticas de peças teatrais, reuniões,


congressos e festivais amadores. Há, também, algumas entrevistas feitas com atores, diretores
e dirigentes das entidades amadoras. Completa o rol, algumas críticas teatrais e cobertura de
eventos que interferiam diretamente na produção amadora, ou na repressão à arte.

Ainda sobre os recortes, explica-se a ênfase no uso dos artigos de jornal por conta do
fato de que não se encontrou fonte alternativa para boa parte dos fatos elencados. Mas também
porque se esperava, nos relatos jornalísticos, a descrição e a repercussão dos eventos amadores
(até porque milhares de apresentações teatrais e os vários congressos e reuniões não poderiam
– simplesmente – ser ignorados pela imprensa escrita...). Mesmo que exista espaço para se
deplorar a visão hegemônica, encontrada nos jornais, de que o parâmetro do amadorismo tenha
que ser o teatro profissional, há que se constatar que os jornais produziram as dezenas de
milhares de notas, artigos e reportagens que ajudaram a embasar nosso estudo.

Seguindo com a apresentação das fontes aqui utilizadas, têm importância marcante as
publicações e relatórios produzidos pela Comissão Estadual de Teatro (CET), especialmente para
se compreender o processo de criação das federações de Teatro Amador, como se montou o
arcabouço institucional das entidades amadoras, como se organizaram os festivais amadores e
os mecanismos de subvenção teatral. Quando esse material se encontra sob a forma de livretos,
aparece discriminado nas referências elencadas ao final do nosso trabalho.

Esporadicamente foram usados, como fontes, os programas de festivais e de


apresentações teatrais. Além de discriminar os espetáculos e permitir que se tenha uma ideia
dos tamanhos de elencos amadores (na atuação, direção e técnica), esses programas
apresentam indicações valiosas sobre quem patrocinava as atividades teatrais.
22

Em raros momentos, esse trabalho apoiou-se em textos publicados sob a forma de


livros. Evidentemente estão citados nas referências, ao final dessas páginas. A quase inexistência
de literatura sobre o Teatro Amador, especificamente sobre o que aconteceu em São Paulo,
parece indicar que muita gente subestimou a importância do que acontecia na cena amadora,
dispensando-se do trabalho de conhecer essa realidade e de pensar sobre ela.

De qualquer forma, dentro dos parâmetros teóricos, é impossível sobrestimar a


influência da obra de Raymond Williams no que tange à sustentação analítica, especialmente na
utilização do conceito de “estruturas de sentimento” para se tentar compreender as
contribuições artísticas dos grupos amadores organizados no movimento federativo e os
vínculos entre os amadores e seu enorme público, no período abarcado por esse estudo.

As informações sobre a conjuntura artístico-cultural, tanto da “pré-história”, quanto


especificamente do período estudado, escoram-se – principalmente – nas publicações de Sábato
Magaldi, João Roberto Faria, Jacó Guinsburg, Augusto Boal, Fernando Peixoto, José Arrabal,
Mariângela Alves de Lima e Tânia Pacheco.

Uma importante referência bibliográfica é, digamos, subjetiva: um livro de Eric


Hobsbawm, chamado História Social do Jazz. Quando de sua leitura, no já longínquo ano de
1989, essa obra provocou-me o desejo de fazer algo semelhante em relação ao Teatro Amador.
Se há algum brilho narrativo, nas páginas que seguem, talvez isso se deva a um esboço estrutural
inicial que deriva da ideia de que a história do Teatro Amador possa ser algo mais do que uma
nota de rodapé na história social das artes paulistas no século XX. Um humilde sucedâneo do
que Hobsbawm realizou em relação ao Jazz.

Bem, esses fatos – coligidos nas fontes acima elencadas – já aconteceram. Não há como
observá-los diretamente. Por isso, como historiadores, precisamos analisar e interpretar os
traços materiais deixados pelos fatos; temos que descobrir os vestígios intelectuais que as ações
desses personagens deixaram em nossa sociedade. Estudo ainda mais difícil porque o principal
material produzido por amadores são os espetáculos teatrais, que se desvanecem assim que são
realizados.

E por que decidi fazer um estudo que, de antemão, considero tão difícil?

Na minha história pessoal, encontra-se parte da resposta: em 1972 eu era um pouco


sociável jovem enxadrista, que se preparava para se tornar engenheiro. Por conta de alguns
conhecimentos sobre eletricidade, fui convidado para ser iluminador do TEMA (Teatro
Estudantil Martim Afonso – São Vicente). Aceitei, meio por inércia, mas acabei me enturmando.
23

Em 1974, já como calouro da EESC-USP (Escola de Engenharia de São Carlos) participei da


confecção e apresentação do “show-engenharia”. E voltei a fazer teatro, aos fins de semana, em
São Vicente, a despeito da longa viagem de 300 km, entre São Carlos e o litoral. Foi no ambiente
do Teatro Amador, portanto, que eu interagia com meus contemporâneos e entrava em contato
com questões políticas, sociais e econômicas. Mais do que isso, foi graças ao Teatro Amador que
me tornei irmão dos que tinham ideias, etnia, religiões, escolhas sexuais, situação econômica
diferentes das minhas.

Certamente, foi o Teatro Amador que me fez historiador ao invés de engenheiro e me


levou a muitas decisões que transformaram as minhas maneiras de agir e de compreender os
fatos. E essas transformações aconteceram, também, com muitos dos meus amigos. De maneira
mais ou menos atenuada, presenciei algo de mudança em expectadores das minhas
apresentações de palco.

Quatro décadas se passaram. As vivências dentro do Teatro Amador já estão


sedimentadas, permitindo-me uma visita crítica à história do movimento federativo. Possuo
condições de trabalho, para o tema, que poucos teriam: sei onde estão os documentos que
podem servir de referência para o estudo, participei da conjuntura em que essa história se deu;
conheço os personagens que viveram os acontecimentos. Tenho, portanto, balizas que podem
me nortear.

E que caminho trilharemos? O primeiro capítulo de nossa caminhada equivale a uma


espécie de pré-história do movimento federativo de Teatro Amador: começa ainda nos anos
1940, quando jovens egressos das primeiras turmas da Universidade de São Paulo atrevem-se a
mudar o panorama teatral paulista e brasileiro por meio da criação de grupos teatrais amadores;
acompanharemos a chegada desses homens à vida adulta, já como jornalistas, críticos de arte e
administradores públicos, momento em que eles criam a Comissão Estadual de Teatro e se
tornam indutores de ações culturais planejadas ou fomentadas pelo governo estadual.
Traremos, também, para nossa pesquisa, de ações de incentivo ao Teatro Amador realizadas por
empresas, clubes, sindicatos, grêmios estudantis e igrejas.

No segundo capítulo, veremos como os amadores se organizam para realizar sua arte.
Começamos por conhecer as células básicas do movimento teatral amador, que são os grupos
de teatro; a seguir veremos como se constituíram as federações regionais e, a seguir, a
Confederação de Teatro Amador do Estado de São Paulo. Acompanharemos reuniões,
assembleias e congressos, em suas discussões e deliberações, dialogando com as diferentes
situações, espaços e práticas de Teatro Amador, no período.
24

No terceiro capítulo, cobriremos os Festivais de Teatro Amador do Estado de São Paulo,


entre 1963 e 1975, espaço privilegiado em que os fatores de planejamento, organização,
estrutura técnico-artística, concepções e perspectivas se fazem prática. No decorrer dessa
exposição, clarificam-se propostas, obstáculos, embates e resistências que indicam como o
movimento federativo chegou a suas conquistas e dilemas.

No quarto capítulo, analisaremos o espetáculo amador, conhecendo a estrutura das


encenações, temas e linguagens, dramaturgia, e nos aventuraremos a esquadrinhar (em um
diálogo instigante com os estudos culturais de Raymond Williams) as concepções e perspectivas
da obra artística amadora. Aqui – após conhecermos um pouco mais sobre atuação, autoria,
iluminação, cenografia e direção amadoras – teremos subsídios para encontrar o que o
movimento amador trouxe de inovações para o teatro e para a televisão. Mas não só isso: a
abertura para novas posturas de comportamento social também se descortinará como parte do
legado do Teatro Amador.

Finalmente, encontraremos uma nova cena cultural, na qual os amadores perdem parte
de sua força, momento em que chegaremos a algumas conclusões e a muitas perguntas novas.

Enfim, ao realizar esses estudos, duas outras perguntas me acompanharam: será que
vale a pena dar, a um trabalho sobre Teatro Amador, tema pouco encontrado em estudos
acadêmicos, tantas horas de reflexão? E exigir, ainda, a orientação tão instigante, solícita e
competente da Prof.ª Dr. ª Heloisa de Faria Cruz?

Federico Garcia Lorca13 respondeu-me:

O Teatro é um dos mais expressivos e úteis instrumentos para a


edificação de um país. É o barômetro que marca sua grandeza ou sua
decadência. Um teatro sensível e bem orientado em todos os seus aspectos,
da tragédia ao vaudeville, pode em poucos anos transformar a
sensibilidade de um povo; e um teatro desorganizado, sem asas para voar,
pode destruir e adormecer a uma nação inteira(...). Um povo que não ajuda
e não fomenta o seu teatro, se não está morto está moribundo.

13
In PEIXOTO, F. Teatro em questão. São Paulo: Hucitec, 1989. pp. 182-183.
25

CAPITULO I – O Teatro Amador Paulista: Da ação de


agitadores culturais à atuação da Comissão Estadual de Teatro.
Um relato analítico sobre o movimento federativo de Teatro Amador precisa, em seu
início, apresentar o ambiente, os agentes e as ferramentas que levaram à multiplicação das
atividades amadoras a tal ponto que a organização federativa acaba se fazendo como
decorrência inelutável.

É o que se fará nesse primeiro capítulo, que principia com a identificação dos
personagens e das instituições que emergem na cena cultural paulista a partir dos anos 1940 e
que se encontram na base da formação do movimento federativo do teatro amador nos anos
1960. E com a reflexão sobre a trajetória que esses atores assumiram. Nos anos 1940, destacam-
se os jovens egressos das primeiras turmas da Universidade de São Paulo, na criação de grupos
teatrais amadores e que nas décadas seguintes se destacariam como intelectuais importantes
na vida cultural do Estado e do país. O primeiro capítulo segue, na década seguinte, essas
mesmas pessoas, agora adultas e exercendo funções de jornalistas, críticos de arte e
administradores públicos, no momento em que criam a Comissão Estadual de Teatro (CET) e se
tornam indutores de ações culturais planejadas ou fomentadas pelo governo estadual. Nesse
processo, observar-se-á como a CET contribuirá grandemente para a conformação do
movimento federativo. Ainda nesse primeiro capítulo, abordar-se-á as ações de incentivo ao
Teatro Amador realizadas por empresas, clubes, sindicatos, grêmios estudantis e igrejas.

Comecemos, portanto, nossos estudos com a indicação de que os amadores – pioneiros


do amplo movimento que se desenvolve nas décadas de 1960 e 1970 – entram em cena na
década de 1940, articulados ao movimento geral da sociedade paulista, valorizada pela
industrialização e pela exportação de seus produtos agrícolas. Eles surgem como agitadores
culturais14 que confrontam o panorama teatral estagnado; desta agitação surgem, entre 1942 e
1948, o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) e a Escola de Arte Dramática (EAD).

Se procuramos um marco para a modernização do Teatro Amador paulista


provavelmente ele seria a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Universidade
de São Paulo, em 1934. Nessa faculdade, o professor de literatura francesa, Georges Raeders,

14
O termo “agitador cultural” é usado aqui com a mesma conotação usada por Juscelino
Kubitschek ao se referir a Pascoal Carlos Magno como “agitador cultural oficial”, encarregando-o de
dinamizar a cultura e buscar talentos artísticos em todos os recantos.
26

para ilustrar sua matéria, fundou um grupo teatral com alunos das primeiras turmas. Entre os
jovens estavam Antonio Cândido, Décio de Almeida Prado e Paulo Emílio Salles Gomes.

Ao saírem da faculdade, os rapazes estreitaram relações com um intelectual (Alfredo


Mesquita) um pouco mais velho. Alfredo Mesquita15 era apaixonado pelo teatro e já havia
encenado com – e escrito para – amadores, no Teatro Municipal. Foi sob o incentivo de Mesquita
que os jovens criaram a revista Clima16, marco intelectual de toda uma geração.

Os textos de Décio de Almeida Prado, referindo-se ao teatro daquele período,


apontavam para a impossibilidade de se reformar o teatro profissional existente. Ora, se o teatro
profissional parecia não ter conserto, o caminho seria montar grupos amadores para construir
um novo teatro: assim, Alfredo Mesquita funda, em 1942, o Grupo de Teatro Experimental
(GTE); no ano seguinte, Décio e Lourival Gomes Machado criam o Grupo Universitário de Teatro
(GUT).

A história do GTE, que se forma a partir da união de dois outros grupos amadores, é bem
interessante e merece um relato mais demorado. Alfredo Mesquita (em seu depoimento para
a FUNARTE, em 1972) relata que, no início da década de 1940 era dono da Livraria Jaraguá17,
ponto de encontro de intelectuais e de jovens da sociedade paulista. Em princípios de 1942,
Mesquita recrutou – entre os moços da elite – um pequeno grupo, e com eles realizou uma
montagem amadora realizada na língua francesa, com um texto de Alfred Musset. Outro grupo
amador (English Players18), cujos membros também frequentavam a Livraria Jaraguá, decidiu
por unir-se ao grupo dirigido por Mesquita. Da fusão desses dois grupos, surge o GTE (Grupo de
Teatro Experimental), que atuará em São Paulo até 1948.

A curiosa união de um grupo amador francófono com outro grupo amador anglófilo deu-
se com o objetivo de “levantar o nível do teatro brasileiro, fazer um teatro-cultura e educar o
público para a aceitação de peças fora do âmbito das possibilidades do teatro profissional da

15
Alfredo Mesquita (1907/1986) estudou teatro, na França, com Louis Jouvet. Foi fundador e,
por um tempo, mantenedor da EAD – Escola de Arte Dramática. Diretor de teatro, autor e dramaturgo.
16
Revista acadêmica da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, publicada entre maio
de 1941 a novembro de 1944. Reuniu pessoas que iriam marcar a intelectualidade brasileira: Paulo Emílio
Salles Gomes, Décio de Almeida Prado, Antonio Cândido, Rui Coelho, Gilda de Mello e Souza e Lourival
Gomes Machado. Foi inicialmente financiada por Alfredo Mesquita. Teve 16 números publicados
17
“Situada na Rua Marconi, na época a rua dos grandes costureiros” (cf. HECKER, H. H. Alfredo
Mesquita, Teatro e crítica na São Paulo de 1940 a 1960. Dissertação de Mestrado. São Paulo: UNESP,
2009. p. 42).
18
Os English Players eram liderados por Irene “pussy” Smallbones, filha do Cônsul da Inglaterra,
em São Paulo. Apresentavam, em inglês, peças de Bernard Shaw. E doavam a renda das apresentações
para a Cruz Vermelha.
27

época”19. Em busca desse objetivo, o Grupo de Teatro Experimental construiu um repertório


que mesclava clássicos (Aristófanes, Molière, Shakespeare) e jovens autores brasileiros (Carlos
Lacerda, Abílio Pereira de Almeida). Depreende-se, portanto, que o conceito de cultura –
adotado pelo GTE - associa-se à erudição, refinamento técnico e artístico, bons costumes,
etiqueta e comportamentos de elite. E que o público deveria, paternalmente, ser adestrado
(pelo GTE) para consumir essa “cultura elevada”.

A última peça encenada pelo grupo (em 1948), com direção de Alfredo Mesquita, foi À
Margem da Vida, de Tennessee Willians. Revelou-se, nessa oportunidade, o talento de Nydia
Lícia. A seguir, Mesquita deixaria o GTE para participar da criação da Escola de Arte Dramática
de São Paulo.

Passemos ao Grupo Universitário de teatro (GUT), criado por Décio de Almeida Prado e
Lourival Gomes Machado. O grupo veio ao mundo em 02 de julho de 1943 segundo uma
entrevista que Décio concedeu ao jornal Diário da Noite20. Ao jornal, Décio apresentou
claramente os vínculos entre o GUT, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade
de São Paulo e o Estado Novo, pois o Grupo Universitário de Teatro foi criado “para auxiliar os
Fundos Universitários de Pesquisa para a Defesa Nacional (...) auxiliando a propaganda dos
Fundos e contribuindo financeiramente para essa instituição”. Em relação à filosofia de trabalho
do GUT, ele buscará realizar um teatro “ao mesmo tempo cultural e popular, isto é, que possa
agradar qualquer plateia, mantendo – entretanto – o nível indispensável a uma organização
universitária” e que – na escolha do repertório – a proposta era a de “representar somente
autores de língua portuguesa, brasileiros de preferência (...) lançando, ainda, novos autores,
contribuindo dessa maneira para o crescimento e a melhoria do teatro brasileiro atual”.

As repercussões do trabalho do grupo amador vinculado à USP podem ser avaliadas


nesse comentário de Oswald de Andrade21:

Os chato-boys estão de parabéns. Eles acharam o seu refúgio


brilhante, a sua paixão vocacional talvez. É o teatro. Funcionários tristes da
sociologia, quem havia de esperar desses parceiros dum cômodo sete-e-
meio do documento aquela justeza grandiosa que souberam imprimir ao
Auto da Barca de Gil Vicente, levado à cena em nosso teatro principal? [...]

19
MESQUITA, Alfredo et al. Depoimentos II. Rio de Janeiro: MEC/DAC/FUNARTE/SNT, 1977. p.25-
26.
20
Entrevista ao Diário da Noite, 02/07/1943. Fonte: arquivo Waldemar Wey. Retiraram-se, dessa
entrevista, os textos entre aspas deste parágrafo.
21
ANDRADE, Oswald. Ponta de lança. São Paulo: Globo, 1991, p.86.
28

Os senhores Décio de Almeida Prado, Lourival Gomes Machado e Clóvis


Graciano, secundados pela pequena troupe universitária, ficaram credores
de nossa admiração por terem realizado diante do público um dos melhores
espetáculos que São Paulo já viu.

Seguindo com o relato que nos leva ao surgimento da Federação Paulista de Teatro
Amador, chegamos ao ano de 1948, quando surge Teatro Brasileiro de Comédia, que se constrói
alicerçado na experiência teatral do GUT e do GTE, além do investimento feito pelo industrial
Franco Zampari.

Conforme informação de historiadores do teatro22, após assistir embevecido aos


espetáculos dos amadores cariocas (entre os quais, Hamlet, protagonizado por Sérgio Cardoso),
o industrial buscou o apoio de Hélio Pereira Queiroz (integrante do GTE) para encontrar um local
para se construir um teatro. Encontraram um sobrado na Rua Major Diogo que, após uma
reforma realizada no tempo recorde de três meses, disponibilizava 18 camarins, duas salas de
ensaios, almoxarifado (de objetos de cena e de guarda-roupa), sala para leitura, carpintaria.
Tudo isso complementando um luxuoso teatro para 365 lugares.

Uma rápida análise nos leva à conclusão de que esse investimento todo seria demasiado
para o movimento amador que, certamente, não teria como preencher a pauta de um teatro.
Para fazer funcionar a sua casa de espetáculos, Zampari criou (com a cotização de mais de 200
pessoas da alta sociedade paulista) a Sociedade Brasileira de Comédia, empresa que surgiu para
administrar o teatro.

Franco Zampari queria que os amadores se apresentassem todas as noites e contava


com um certo retorno de bilheteria. Afinal, sua mentalidade de industrial não conseguiria
conviver com a ideia de que um investimento pudesse gerar prejuízos... Resultado: em 08 de
junho de 1949, o TBC inaugura sua fase profissional, apresentando uma peça dirigida pelo
italiano Adolfo Celi.

Com a profissionalização dos integrantes do GUT e do GTE, no Teatro Brasileiro de


Comédia, o movimento amador paulista ficou alguns anos em posição coadjuvante. Isso não
significa mediocridade, nem inoperância, até porque o grupo amador Teatro Lotte Sievers23

22
As referências a Zampari, que aqui se seguem, foram extraídas de FERNANDES, N. Os grupos
amadores, in Faria, J. R. (direção) História do Teatro Brasileiro. São Paulo: SESC/Perspectiva, 2013. p.75.
23
TEATRO Lotte Sievers. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo:
Itaú Cultural, 2017. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/instituicao405464/teatro-
lotte-sievers>. Acesso em: 19 de Mai. 2017. Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7
29

(criado em 1951), por exemplo, apresenta peças de autores como Hauptmann, Sternhein,
Schnitzler e Griphius (tudo sob a proteção de sua rica fundadora e patronesse).

O Teatro Amador volta ao proscênio em 1955, com o Teatro Paulista do Estudante (TPE),
num momento em que o Brasil vivia sob crise política, que se avultou após o suicídio de Getúlio
Vargas. A carta-testamento trouxe – para o dia a dia de todos os cidadãos – questões como a do
nacionalismo e a da espoliação a que (de acordo com a ótica da carta-testamento) as pessoas
humildes eram submetidas. Havia confronto político: de um lado, os “entreguistas” da UDN e
uma oficialidade militar anticomunista; de outro, os “nacionalistas” do PTB, lideranças sindicais
e militância comunista. É nesse ambiente que, sob a liderança de Ruggero Jacobbi, o TPE (Teatro
Popular do Estudante) se propõe a fazer um teatro amador popular, professando a ideologia
marxista, dentro de um certo tempero nacionalista, contrapondo-se ao elitismo dos grupos
amadores surgidos na década anterior. As preocupações formais e a emulação com o “novo”
teatro ocidental, evidentes na ação dos grupos amadores que formaram o TBC, deixam de ser
fundamentais para Ruggero Jacobbi, que apresenta suas propostas da seguinte forma24:

Embora muitos, levados por interesses outros, teimem em negar


uma tradição cultural aos brasileiros, ela existe. Possuímos uma cultura
nossa e necessitamos incrementá-la. O teatro amador não pode se furtar a
essa missão. Deve partir dos responsáveis por esse teatro uma verdadeira
campanha de incentivo, de incremento e de defesa de nossa cultura.
Embora o nível cultural de nosso povo seja na verdade baixo, nosso povo
representa o Brasil escondido, nas mais variadas regiões. Nosso povo
acalenta lendas, nosso povo é artista, nosso povo é poeta.

Embora Ruggero Jacobbi continue usando termos como “nível cultural baixo”, já se
observa, em sua proposta, uma abertura para reconhecer cultura como "todo aquele complexo
que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros
hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro da sociedade"25. É o que se
depreende quando se reconhece no povo arte e poesia. Observa-se que, em geral, o fazer teatral
dos grupos amadores que se estruturam nos anos posteriores ao surgimento do TPE, estará bem
mais próximo das propostas de Jacobbi do que das propostas do GUT e do GTE.

24
Apud. VARGAS, Maria Thereza. Teatro amador em São Paulo, in Revista Dionysios. Rio de
Janeiro, MEC/SNT, nº15, dez.1967. p.35.
25
LARAIA, Roque de Barros. Cultura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. p.17
30

No ano seguinte (1956), o TPE (que contava com membros como Gianfrancesco
Guarnieri e Oduvaldo Vianna Filho26) se funde ao Teatro de Arena (dirigido por José Renato e
Augusto Boal27), iniciando – dentro de um contexto de maior politização da cultura em geral, e
do Teatro Amador, em particular – um capítulo importante da história do teatro brasileiro.

Mas não eram apenas os jovens formados em universidades europeias e estadunidenses


que se preocupavam com as inovações formais do teatro e com uma maior participação no
debate político. A esse grupo unem-se professores e mestres-escolas bem-intencionados que
montavam grupos teatrais em estabelecimentos de ensino, públicos e privados; jornalistas,
advogados, profissionais liberais em geral, que leram as edições estrangeiras dos teatrólogos
Jerzy Grotowski, Bertold Brecht ou Konstantin Stanislavsky; e apreciadores de uma nova
literatura teatral, produzida por O’Neill, Tennessee Willians, Faulkner, Beckett, Ionesco,
Duerrenmatt, Lorca. Todos encontraram, no amadorismo, a chave que abriu o caminho para a
contemporaneidade teatral. Assim surgiram vários grupos “experimentais” e “universitários”,
entre 1957 e 1966 como, por exemplo, o Grupo de Teatro da Engenharia São Carlos (GTESC);
Teatro Universitário da Faculdade de Filosofia de Franca; Teatro Acadêmico Alexandre de
Gusmão (Santos); Teatro da Universidade Católica (TUCA – São Paulo); e o TEFFI (Teatro da
Faculdade de Filosofia – Santos) que, em artigo do jornal Cidades de Santos28, assim foi
apresentado:

O TEFFI – Teatro da Faculdade de Filosofia – vai voltar. Em 1966,


depois da montagem da peça A Falecida, de Nelson Rodrigues, o grupo
parou. Naquela ocasião, faziam parte do TEFFI moças e rapazes que hoje
estão na Escola de Arte Dramática em São Paulo e que constituem uma das
melhores turmas que já passaram pela escola. Era o grupo formado por
Jandira Martinez, Ney Latorraca, Carlos Alberto Soffredini, Eliana Rocha29.

Voltemos ao final da década de 1940. Grupos amadores, como o GUT e o GTE, na busca
de um novo teatro, vão além da busca de novas linguagens e de novos temas, sabedores da

26
Gianfrancesco Guarnieri (Eles não usam black-tie; Gimba; A semente; Arena conta Zumbi;
Arena conta Tiradentes; Botequim; Um grito parado no ar) e Oduvaldo Vianna Filho (A mais-valia vai
acabar, seu Edgar; Chapetuba Futebol Clube; Allegro desbum; Corpo a corpo; e Rasga coração) tornar-se-
ão dois dos maiores autores teatrais brasileiros de todos os tempos.
27
Renato José Pécora, o José Renato, foi um grande diretor teatral, responsável por várias
montagens das peças de Oduvaldo Vianna Filho; Augusto Boal, diretor, autor teatral e ensaísta, acabará
se tornando uma das grandes figuras do teatro contemporâneo internacional.
28
Edição de 31 de julho de 1969.
29
Jandira Martinez, Ney Latorraca e Eliana Rocha acabaram construindo sólida carreira
profissional no Teatro, Televisão e Cinema. Carlos Alberto Soffredini (1939-2001) foi pesquisador, autor,
dramaturgo e diretor que passou a ficar mais conhecido com trabalhos para a televisão brasileira.
31

necessidade de uma política cultural que fomente e consolide a revolução (iniciada com a
montagem do Auto da Barca, em 1943) que ocorre nos palcos paulistanos.

E, para que se reivindique uma política cultural que atenda às demandas dos amadores,
não basta que se multipliquem os espetáculos; é necessário, também, que a coletividade seja
informada sobre a existência desses espetáculos e de uma nova realidade teatral. Aqui, a
militância de Décio de Almeida Prado30 foi marcante, difundindo o trabalho dos grupos
amadores pela imprensa paulistana.

A notoriedade adquirida pelos amadores graças aos artigos jornalísticos foi um fator,
talvez importante, para que a Prefeitura de São Paulo decida nomear uma comissão (em janeiro
de 1948) “para estudar e fornecer sugestões atinentes ao teatro em São Paulo” com um
subgrupo específico para o Teatro Amador. Participaram das reuniões os grupos amadores GTE,
GUT, Artistas Amadores31, Teatro Universitário do Centro Acadêmico Horácio Berlinck32 e o
Corpo Cênico Bancário33, que propuseram seis sugestões para fomentar suas atividades:
subvenções em dinheiro; seguro contra prejuízos; regulamentação para o uso dos teatros
municipais pelos grupos amadores; festival de teatro amador; concurso de peças teatrais; e uma
escola de teatro34.

Parece que encontramos, aqui, as primeiras ideias e diretivas que nortearão, não só a
criação, mas inclusive o espírito da ação da Comissão Estadual de Teatro, que surgirá uma
década depois e que terá enorme importância para a articulação e crescimento do movimento
federativo.

Já mencionamos que, nesse período, a ideia de um teatro popular (entendido, nesse


momento, como aquele teatro que vai buscar públicos fora dos bairros nobres da cidade de São
Paulo) atrai muitos dos jovens artistas, que acabam contestando a hegemonia do TBC. E em
1956, com a proposta de fazer um teatro fora do ambiente frequentado pela elite, o pessoal do
TPE (onde pontificavam Gianfrancesco Guarnieri e Oduvaldo Vianna Filho), Teatro de Arena (de
José Renato e Augusto Boal) e Teatro Oficina (do jovem araraquarense José Celso Martinez

30
Indique-se que ao tornar-se crítico teatral de O Estado de São Paulo, em 1946, Décio continua
ativo participante do movimento de teatro amador, abrindo espaço em sua coluna para divulgar seus
espetáculos.
31
A Sociedade de Artistas Amadores (ou Amateur’s Society) apresentava espetáculos sempre em
língua inglesa. Era formado por funcionários de firmas inglesas instaladas em São Paulo.
32
Da Faculdade de Ciências econômicas da Fundação Getúlio Vargas, fundado em 1945 sob a
liderança de Osmar Rodrigues Cruz.
33
Grupo amador do sindicato dos bancários que, sintomaticamente, encenava O pão duro,
comédia de Amaral Gurgel, neste ano de 1948.
34
Palcos e Circos. Jornal O Estado de São Paulo. Edição de 18/01/1948.
32

Corrêa, que estava cursando direito na Faculdade do Largo de São Francisco-USP) unem-se no
chamado Grupo de Teatro Amador de São Paulo (GTA). Essa é a base onde se constrói a primeira
federação de amadores do estado de São Paulo, que receberá o nome de Federação Paulista de
Amadores Teatrais. O GTA também realiza o 1º Festival Paulista de Teatro Amador.

É também em 1956 que surge a Comissão Estadual de Teatro (CET) pelo decreto nº
26.348, assinado pelo então governador Jânio Quadros. A CET terá ação importante e crescente
como órgão formulador e executor da política cultural estadual em relação ao ambiente teatral
paulista, por toda a década seguinte.

I.1 A Comissão Estadual de Teatro


No acompanhamento das concepções e ações da CET destacam-se dois momentos
importantes: seu período inicial, em que a Comissão se constituiu, organizou-se
administrativamente e esquadrinhou a realidade do fazer teatral paulista (por meio de um
questionário enviado às prefeituras paulistas); e uma segunda fase, em que se formula e se
implementa o Plano Estadual de Teatro (no bojo do qual se dá início à organização das
federações amadoras de teatro). A fase inicial vai de 1956 até 1962; a segunda fase vai de 1963
até o final da década de 1960. Com a conjunção de vários acontecimentos nefastos para a
Comissão Estadual de Teatro, no ocaso dos anos 60 (que vão da chegada de Abreu Sodré ao
governo do Estado, por eleição indireta, passando pelo Ato Institucional nº5 e culminando com
a morte de Cacilda Becker – que exerceu o mandato de presidente da CET até poucos meses
antes do seu falecimento), a Comissão perde força (até deixa de existir por alguns meses),
perdendo seu protagonismo na formulação de políticas para o teatro paulista.

A história da Comissão Estadual de Teatro (CET) começa com o decreto (nº 26.348) de
sua criação, em 31 de agosto de 195635. Em seu preâmbulo, informa-se que o governador Jânio
Quadros considerou – ao produzir este decreto – demanda específica realizada pela Associação
Paulista de Críticos Teatrais (que, até por necessidades profissionais, acabava reverberando os
interesses da Companhias Teatrais). A CET surge como um órgão de atribuições consultivas.
Como não existia uma Secretaria de Estadual de Cultura, a CET estaria afeita “ao Gabinete do
Secretário de Estado dos Negócios de Governo”36. Sua constituição é de sete membros, sendo

35
Para situar temporalmente os fatos relativos a CET, entre os anos de 1956 e 1960, vali-me do
competente trabalho de CRUZ, Maria Eugênia Rodrigues. Comissão estadual de teatro de São Paulo (1956-
1960) Dissertação de Mestrado, ECA-USP. São Paulo, 2000
36
Artigo 1º - Decreto 26.348/1956. Estado de São Paulo.
33

quatro (incluindo-se o presidente) de livre nomeação do Governador; os três outros indicados


pela Associação Paulista de Críticos Teatrais.37

A competência da CET, de acordo com o Decreto, além do aconselhamento referente às


questões de teatro, de apresentar sugestões de estímulo ao teatro paulista e de elaborar o seu
regimento interno, deveria “opinar sobre os pedidos de auxílio formulados pelas companhias
teatrais de São Paulo”. No Artigo 9º, informa-se que “quando o Governo estabelecer um
montante anual para auxílios ao teatro, a Comissão expedirá edital convocando os interessados
para se habilitarem, fixando as exigências a serem cumpridas e marcando prazo para a entrada
dos requerimentos no Protocolo da Secretaria de Governo”. Como os demais artigos do Decreto
normatizam o funcionamento da secretaria da CET (constituída por funcionários públicos
estaduais) e a criação dos estatutos do órgão, evidencia-se que a criação da CET se realizou para
legalizar repasses de recursos do executivo estadual para as companhias teatrais. Outros
interesses, se existiam nesse momento inicial, parecem pouco importantes para quem redigiu o
Decreto.

Mas para a Associação Paulista de Críticos Teatrais (que demandou o Decreto), para os
produtores teatrais, e para os artistas, a CET poderia se tornar a ponta de lança dos interesses e
ansiedades do mundo teatral paulista. Essa percepção levou a uma articulação para se compor
os quadros da Comissão e, nesse espírito, foram designados pela Associação Paulista de Críticos
Teatrais, os seguintes membros38: Décio de Almeida Prado, Matos Pacheco e Hermilo Borba
Filho. Alguns dias depois, os membros designados pelo Governo39 são nomeados: Francisco Luiz
de Almeida Salles, Nino Nello, Clóvis Garcia e Miroel Silveira. Muitos desses nomes eram
altamente conceituados na comunidade teatral, o que certamente daria, à Comissão, condições
de avançar muito além do que o decreto de sua criação parecia indicar. Nos primeiros meses
da CET, ocorreram algumas substituições: as mais marcantes foram a que propiciou a chegada
de Sábato Magaldi à Comissão (indicado pela Associação Paulista de Críticos de Arte40) e a
entrada do representante do movimento amador, João Ernesto Coelho Netto (presidente da
Federação Paulista de Amadores Teatrais)41, ocupando uma das vagas reservadas às nomeações
do governo estadual42.

37
Artigo 2º - Decreto 26.348/1956. Estado de São Paulo.
38
Diário Oficial do Estado (D.O.E.) 02/09/1956 p.01.
39
D.O.E. 12/09/1956 p.02.
40
D.O.E. 25/01/1958 p.07.
41
D.O.E. 16/02/1957 p.08.
42
Façamos uma rápida apresentação dos primeiros integrantes da CET:
34

A Comissão Estadual de Teatro tomou posse em cerimônia realizada no Gabinete do


Governador do estado de São Paulo, às 16 horas do dia 24 de setembro de 1956. Nas pautas das
primeiras reuniões estaria a produção de um regimento interno, que foi publicado no D.O.E. de
23 de novembro de 1956, sob a forma de portaria (nº49/1956).

O Regimento Interno é bem enxuto, com 14 artigos. O mais extenso deles, tratando das
competências da CET, merece ser integralmente reproduzido43:

Artigo 2º - Compete à Comissão Estadual de Teatro:

a. manifestar-se sobre questões referentes a teatro que lhe sejam propostas


pelo Governo do Estado;
b. apresentar sugestões tendentes ao estímulo e desenvolvimento do teatro no
Estado;
c. opinar sobre os pedidos de auxílios formulados pelas companhias teatrais de
São Paulo;

• Décio de Almeida Prado: (1917-2000) foi um professor universitário e um dos mais


importantes críticos de teatro. Autor de inúmeros ensaios de interpretação da história do teatro
brasileiro, entre os quais o seminal O teatro brasileiro moderno;
• Matos Pacheco: jornalista que dedicou sua vida profissional à crítica teatral. Foi
substituído por Sábato Magaldi.
• Hermilo Borba Filho: (1917 —1976) esse pernambucano foi advogado, escritor, crítico
literário, jornalista, dramaturgo, diretor, teatrólogo e tradutor;
• Francisco Luiz de Almeida Salles: (1908 – 1996) conhecido carinhosamente como
“presidente”, além de presidir a CET, foi presidente da Cinemateca Brasileira (por 50 anos!) e presidente
da Sociedade Amigos do Museu de Arte Moderna;
• Nino Nello: ator humorístico que iniciou carreira no teatro pré-modernista, em 1921.
Seu maior sucesso foi Filho de sapateiro, sapateiro deve ser (1942). Em 1956 enfrentava problemas de
visão. Morreria muito pobre, recolhido à Casa do Ator;
• Clóvis Garcia: (1921 – 2012) nascido em Taquaritinga (SP), advogado, fundador do Grupo
de Teatro Amador, GTA, em 1950 e, posteriormente, da Federação Paulista de Amadores Teatrais. Entre
1951 e 1958, assinou uma coluna de crítica teatral na revista O Cruzeiro. Em 1955, ajudou a fundar a
revista Teatro Brasileiro, para a qual também escreveu. Dedicando-se ao teatro infantil, assinou uma
coluna especializada, entre 1972 e 1986, no jornal O Estado de S. Paulo e, entre 1980 e 1990, junto ao
Jornal da Tarde, atividade que lhe rendeu prestígio e premiações na área. Professor da ECA-USP;
• Miroel Silveira: (1914 – 1988) santista, advogado e importante diretor teatral,
principalmente na década de 1950, tendo participado do surgimento do grupo Os Comediantes, dirigiu
espetáculos com Bibi Ferreira e outros tantos artistas de na cena nacional. Foi contista, teatrólogo,
tradutor, ensaísta e autor de livros para crianças. Um dos grandes renovadores do teatro brasileiro
moderno;
• Sábato Magaldi: (1927 - 2016) mineiro de Belo horizonte, advogado, crítico teatral,
teatrólogo, jornalista, professor, ensaísta, professor e historiador. Escreveu uma quinzena de livros sobre
teatro.
• João Ernesto Coelho Netto: (1926) engenheiro e publicitário, foi presidente da
Associação Paulista de Críticos Teatrais. Representou os amadores, na CET. Acabou se tornando censor
teatral (“bonzinho”, na opinião de muitos artistas...), durante a Ditadura Militar.
43
D.O.E. 23/11/1956
35

d. emitir parecer sobre os pedidos de empréstimos dirigidos ao Banco do Estado


de São Paulo, nos termos estabelecidos pelo acordo com essa entidade;
e. estabelecer as normas para a concessão de verbas orçamentárias de auxílio ao
teatro, expedindo edital de convocação aos interessados, marcando prazo e
condições de habilitação a esse auxílio.
Em suma, o Regimento Interno confirma a expectativa do Decreto nº 26.348: a criação
da CET se realizou para legalizar repasses de recursos do executivo estadual para as companhias
teatrais. Mas há uma questão interessante a ser levantada: as qualificações, competências e
habilidades culturais, o prestígio intelectual de que gozavam os membros da CET, não parecem
indicar que esse colegiado poderia fazer bem mais do que simplesmente legalizar repasses de
recursos públicos para algumas companhias privadas de produção teatral?

Num primeiro momento, a Comissão Estadual de Teatro parecia ser apenas mais um
órgão burocrático: em suas primeiras reuniões, preocupou-se em garantir a concessão de
empréstimos do Banco do Estado de São Paulo às empresas teatrais do Estado44.

Mas, nas reuniões seguintes, ainda em 1956, a CET decidiu-se por fazer um
dimensionamento de qual era a situação do fazer teatral paulista. O objetivo seria a maturação
de um Plano Estadual de Teatro:

Para tanto, (a CET) procedeu à elaboração de um formulário ou


questionário, cujos claros, depois de preenchidos pelos municípios,
permitiriam uma visão geral daquela situação. Enviados, pois, esses
questionários, às Prefeituras Municipais, começaram, em breve, a ser
devolvidos. Os dados registrados nos 160 (cento e sessenta) questionários
que voltaram preenchidos a esta Comissão (número de teatros e cinemas,
bem como de auditórios que podem ser utilizados para espetáculos
teatrais; dimensões dos respectivos palcos; número de conjuntos
profissionais e amadores existentes em cada município) constituem os
elementos primários do referido Plano Estadual de Teatro.45

44
A partir desse ponto, as referências, salvo indicação em contrário, serão retiradas de um
caderno produzido pela Comissão Estadual de Teatro, a mando da Secretaria de Estado dos Negócios do
Governo. Seu título é Comissão Estadual de Teatro – textos legais e regulamentares. Possui 50 páginas, é
de 1958 e foi impresso pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. Essa primeira referência situa-se na
p.09.
45
Comissão Estadual de Teatro – textos legais e regulamentares, p.13.
36

Como se vê, o colegiado da CET não demorou para demonstrar que seria bem mais do
que uma instituição criada para simplesmente legalizar repasses de recursos públicos a algumas
companhias privadas de produção teatral. Esses 160 questionários respondidos lançam luz para
além das prováveis tournées de companhias profissionais: trarão indicação da existência de
espaços que podem ser usados por amadores ou eventuais espetáculos alternativos; de onde
há total carência de locais para apresentações teatrais; de onde pode existir movimento teatral
regional. Certamente, os questionários serviriam como ferramenta para a articulação de uma
política teatral e de formação de públicos. Como consequência, os membros da CET criaram, no
momento em que tomaram posse dos 160 questionários respondidos, uma subcomissão para
estudar as informações coligidas, com o objetivo de produzir um anteprojeto de Plano Estadual
de Teatro.

Muitos grupos amadores perceberam, imediatamente, que a CET se construía como um


espaço de formulação das políticas públicas para o teatro. E que era necessário que os amadores
pressionassem para ocupar uma cadeira dentro da Comissão. Isso provavelmente explica o fato
de que, no começo de 195746, a Comissão Estadual de Teatro passe a possuir oito membros,
abrigando – desde então – um representante para o teatro amador.

Entre as ações da Comissão Estadual de Teatro, neste ano de 1957, podemos ressaltar:

 o enfrentamento da escassez de locais para a apresentação de espetáculos


teatrais utilizando-se próprios estaduais47;
 produção de novo questionário, transformado em “Circular da CET aos 435
municípios do Estado”. Estas informações muito provavelmente subsidiarão a
produção do Plano Estadual de Estímulo ao Teatro, que foi gestado no decorrer
do ano de 1957 e apresentado ao Governador do Estado, em janeiro do ano
seguinte;
 distribuição de verbas de apoio aos grupos profissionais;
 incentivo ao teatro universitário; e
 criação de prêmios aos artistas de teatro.

46
Por meio do Decreto nº 27.486, de 25 de fevereiro.
47
Eis a origem do Decreto Nº 29.993, de 26 de outubro de 1957, autorizando a cessão, para
representações teatrais, de próprios do estado, ocupados por estabelecimentos de ensino sob
responsabilidade da Secretaria da Educação.
37

Das intensas atividades do ano de 1957, a que mais exigiu tempo de trabalho da CET foi
a elaboração de um Plano Estadual de Estímulo ao Teatro (além da necessária garantia
orçamentária), que seria apresentado em 1958.

A CET dedicou o ano de 1958 a implementar o Plano Estadual de Estímulo ao Teatro,


que é estabelecido pelo Decreto Nº 30.755, de 27 de janeiro. No Decreto, estabelecem-se
(certamente com base nos questionários que a CET enviou para as prefeituras, em 1957...) “19
zonas para efeito de execução do Plano, sendo cada zona encabeçada por uma cidade-sede,
escolhida por sua importância como centro econômico e teatral”48. As cidades escolhidas foram:
Capital, Santos, Campinas, São José dos Campos, Taubaté, Sorocaba, Botucatu, Bauru,
Presidente Prudente, Lins, Garça, São Carlos, Araraquara, Piracicaba, São João da Boa Vista,
Ribeirão Preto, Barretos, Rio Preto e Santa Cruz do Rio Pardo.

E é com base nos dados auferidos pelos questionários de 1957, que a CET realiza as
seguintes ações, em 1958:

 criação de linhas de financiamento, pela Caixa Econômica Estadual, para a


construção de casas de espetáculos. Desde que os terrenos fossem doados pelas
prefeituras, tanto entidades particulares como órgãos municipais poderiam
aventurar-se à edificação de recintos teatrais;
 realização de conferências e a organização de cursos de monitores (ações que
potencialmente contribuiriam para a disseminação do Teatro Amador). A CET
viabiliza essas atividades, com muito sucesso, mas apenas na Capital do Estado
(no caso das Conferências49) e em poucas cidades do estado (no caso dos cursos
de monitores) 50;
 publicação da Revista da Federação Paulista de Amadores Teatrais; e
 apoio ao Festival da Federação Paulista de Amadores Teatrais.
É incontestável o esforço da CET em fomentar o teatro amador nessas ações. Mesmo
que os recursos destinados aos amadores tenham sido de pouca monta, a ideia de se fazer seis
minifestivais, no interior do estado (Santos, Campinas, Araraquara, Sorocaba, São José dos
Campos e Botucatu), para que estas localidades fossem representadas no Festival da Federação

48
Decreto Nº 30.755 (27/01/1958). Artigo 3º.
49
Conferências de Introdução ao Teatro foram realizadas em Escolas Normais e em Ginásios
Oficiais de cinco bairros paulistanos: Vila Mariana, Pinheiros, Lapa, Ipiranga e Santana.
50
Comissão Estadual de Teatro – textos legais e regulamentares, p.31. Os cursos de monitores
teatrais tinham “por principal objetivo formar elementos aptos a organizar, orientar e dirigir grupos
amadores dentro de um princípio geral, que tenha em vista a importância do teatro, principalmente os
seus aspectos artístico e cultural”.
38

Paulista de Amadores Teatrais, serviu de embrião para os futuros Festivais de Teatro Amador do
Estado de São Paulo.

Sábato Magaldi, exprimindo o pensamento da Comissão Estadual de Teatro, da qual era


membro, produziu um interessante artigo jornalístico51, em que justifica o Plano Estadual de
Estímulo ao Teatro com as seguintes palavras:

Teria sido muito mais simples distribuir as verbas entre os elencos e


entidades existentes e reservar uma pequena parcela para as iniciativas de
cunho especial. Preferiram, então, os membros da CET, o ônus das tarefas
incômodas, aquelas que não admitem transferir a outrem a
responsabilidade pelos resultados mas representam o compromisso de
realizar conscientemente um programa. A CET fugiu ao esquema comum
dos órgãos burocráticos, movimentados apenas por estímulo exterior, para
tornar-se um núcleo dinâmico, promovendo os trabalhos de interesse do
teatro. E tudo com despesa mínima, já que seus membros prestam
graciosamente sua colaboração e a secretaria executiva terá um número
mínimo de funcionários.

Em relação ao Teatro Amador, que nos interessa mais de perto, Sábato Magaldi diz,
nesse artigo, o seguinte:

Entre as medidas que visam alcançar resultados no futuro,


assinalam-se ainda as de amparo ao teatro amador. Não será demais
repetir que as bases do teatro profissional de melhor nível artístico foram
lançadas entre nós pelos grupos amadores, e mostra-se sempre oportuno,
assim, incentivar seu trabalho pioneiro, liberto das injunções comerciais.
Por meio da dotação de verbas apreciáveis para as atividades amadoras, a
Federação poderá desenvolver seu programa, superintender a realização de
Festivais no Interior e na Capital, reunindo o desta última os conjuntos
vitoriosos em certames regionais, bem como serão beneficiados
diretamente os grupos que melhores programas se dispuserem a cumprir.
Dessa forma, as cidades do Interior receberão o estímulo para desenvolver

51
MAGALDI, S. Justificação de um plano. Suplemento Literário de “O Estado de São Paulo”,
03/05/1958.
39

seus movimentos próprios enquanto as companhias da Capital não tiverem


condições para visita-las.

A leitura do artigo de Sábato Magaldi, que também representava a visão da CET52, leva
a algumas considerações:

Quando afirma que “A CET fugiu ao esquema comum dos órgãos burocráticos,
movimentados apenas por estímulo exterior, para tornar-se um núcleo dinâmico”, Sábato
Magaldi parece indicar que uma visão de mundo iluminista norteava o trabalho da Comissão.
Esta decidiu extrapolar a costumeira ação de órgãos burocráticos, para “visar a um teatro
cultural, popular, brasileiro e de raízes fundas no tempo”. Para chegar a seus objetivos
“preferiram então, os membros da CET, o ônus das tarefas incômodas, aquelas que não admitem
transferir a outrem a responsabilidade pelos resultados, mas representam o compromisso de
realizar conscientemente um programa”.

Poderíamos, então, concluir que os primeiros passos da CET objetivamente foram de


fomento ao Teatro Amador, apesar de supô-lo como espaço subordinado a um projeto de
fortalecimento do Teatro Profissional no território do Estado de São Paulo.

Após seus primeiros anos, de atividades quase frenéticas, a Comissão Estadual de Teatro
entra em um período que poderíamos chamar de letárgico. No máximo, as ações dos anos
anteriores foram mantidas, com a exceção do trabalho conjunto com a Escola de Arte Dramática,
que evoluiu. Seria injusto debitar essa letargia a uma redução do ritmo de trabalho ou da
empolgação dos membros da Comissão.

Talvez também seja injusto afirmar que os interesses pessoais de Carvalho Pinto como
governador do estado (cujo mandato coincide exatamente com esses anos de letargia) tenham
determinado esta estagnação: afinal, apesar de ser de um partido considerado muito
conservador (União Democrática Nacional – UDN), Carvalho Pinto tinha posições reformistas e
estava assessorado por muitos secretários progressistas (como certamente era o caso do seu
mais próximo auxiliar, Plínio de Arruda Sampaio - um dos mais respeitados intelectuais de
esquerda católica e também um do mais árduos defensores da Teologia da Libertação entre o
laicato). Além disso, Carvalho Pinto foi o primeiro governador a estabelecer um planejamento
orçamentário dos vários setores da administração pública e criou a Universidade de Campinas,
a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e a Faculdade de Medicina

52
“A sua justificativa do Plano Estadual de Estímulo ao Teatro exprime o pensamento da CET e
os pressupostos que nortearam os seus integrantes ao elaborar o Plano”. In Comissão Estadual de Teatro
– textos legais e regulamentares, p.50.
40

de Botucatu, posteriormente incorporada à UNESP. Tudo isso parecia indicar que se poderia
encontrar, no gabinete do governador, ambiente favorável para a ação cultural.

Mas não foi o que aconteceu: se a alocação de recursos para a Comissão Estadual de
Teatro for um parâmetro razoável de aferição, constatamos que houve um congelamento do
valor nominal. Nessa época, a inflação anual beirava os 50%, o que implica numa severa
diminuição de investimento na atividade teatral por parte do governo do estado.

Não se pode debitar esse interregno letárgico à crise política nacional (eleição da Jânio
e posterior renúncia ao cargo de Presidente da República; crise parlamentarista) ou à mudança
de foco do movimento artístico (CPC da UNE; teatro de rua; grupo Opinião), pois esses fatos
persistiam (até com maior força...) em 1963, quando a CET retoma seu protagonismo no
panorama teatral paulista.

Neste ano de 1963, Adhemar Pereira de Barros volta ao governo do Estado de São Paulo,
após derrotar Jânio Quadros, graças à votação nas pequenas cidades. Atento ao resultado das
urnas, Adhemar não governa olhando apenas para a Grande São Paulo. Dentro da lógica de
harmonizar o crescimento da capital e do interior, o governo estadual inicia a construção das
grandes Hidroelétricas de Jupiá e de Ilha Solteira, e amplia a rede rodoviária. No que concerne
às atividades teatrais, veremos que essa busca de harmonia no crescimento cultural significará
estímulo ao teatro em todas as regiões administrativas.

Como nessa época não havia Secretaria de Cultura, estando a Comissão Estadual de
Teatro (criada sete anos antes) vinculada à Secretaria de Estado dos Negócios do Governo, as
linhas gerais do incentivo ao teatro ficaram nas mãos do Deputado Juvenal Rodrigues de
Moraes53, então Secretário de Governo. O deputado Juvenal recompõe a Comissão Estadual de
Teatro, delegando-lhe as ações objetivas que levariam ao incentivo ao fazer teatral (incentivo
que a Comissão sempre tentou realizar; só não avançou mais em sua execução por falta de
recursos materiais e orçamentários, entre os anos de 1959 e 1962).

A nova comissão tomou posse no dia 16 de maio de 1963. O presidente escolhido foi
Nagib Elchmer (professor das Faculdades Metropolitanas Unidas e que assumiu várias funções
burocráticas na Secretaria da Educação, durante sua vida profissional), e a vice-presidência
coube a Benjamin Cattan (representando o Sindicato dos Atores, foi personagem importante na
implantação da TV brasileira, atuando como ator e diretor do Teatro de Vanguarda – na TV Tupi

53
Foi deputado estadual por quatro vezes consecutivas, a partir de 1956. Militou no Partido
Social-Democrata (PSD), Partido Social-Progressista (PSP) e na Aliança Renovadora Nacional (ARENA).
41

– e no Teatro Dois, da TV Cultura). Três membros da CET (também estipulados pelo decreto nº
26.348/1956, que criou o Conselho) foram indicados pela Associação Paulista de Críticos
Teatrais. Para preencher os demais cargos, o Secretário de Governo ouviu algumas entidades
que ele considerava relevantes54.

A composição da Comissão revela a virtual falta de voz dos que trabalham no teatro
(atores, técnicos de cena); Benjamin Cattan, que foi designado como representante do sindicato
dos atores, na época trabalhava como produtor teatral, na TV: estava, portanto, “do outro lado
do balcão”. Além disso, os que faziam teatro de rua (ou outras formas de teatro que poderíamos
chamar de ‘não-estabelecido’) não tinham qualquer representação nessa Comissão.

Não é excessivo concluir que a estruturação da nova Comissão Estadual de Teatro deu-
se sob o discernimento exclusivo do senhor Secretário de Governo55. A sorrateira inclusão de
nomes, ilustres e ‘inquestionáveis’, retirados de organismos de classe, esmaece, mas não
esconde essa tendência à imposição autocrática.

Mas há o outro lado da moeda: entre os nomes ilustres e ‘inquestionáveis’, encontram-


se pessoas compromissadas com as lutas dos homens de teatro, possuidoras de sensibilidade
social e com visão de mundo bem definida. Assim, seria simplório concluir-se que a Comissão
Estadual de Teatro estaria destinada a agir de maneira conservadora, burocrática e submissa.
Para se evitar reducionismos, enfim, o melhor é procurar pela filosofia da Comissão (e por suas

54
Os demais membros estavam assim distribuídos:
• Representantes da Associação de Críticos Teatrais: Maria José de Carvalho (poeta
concretista, tradutora de clássicos em seis línguas, autoridade em dicção e estilo, atriz, cantora e diretora
teatral, ativista em movimentos de renovação cultural, foi professora da Escola de Arte Dramática), Pedro
Antônio de Oliveira Ribeiro Netto (diplomado em letras e em ciências jurídicas e sociais pela Faculdade
do Largo de São Francisco, promotor público, juiz, adido cultural do Itamarati, membro e presidente da
Academia Paulista de Letras, jornalista, crítico literário, escritor, poeta e tradutor) e Horário de Andrade;
• Representante da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais: Manoel de O. Proença Filho
(Funcionário da SBAT);
• Representante do Teatro Amador: Dr. Evaristo Ribeiro (engenheiro civil que construiu o
Teatro Ruth Escobar e assistente de direção no Teatro Brasileiro de Comédia – TBC);
• Representante do setor infanto-juvenil: Dina Lisboa (Enedina Lisboa foi professora do
então ensino primário e atriz de cinema, teatro e TV);
• Representantes dos empresários: Sandro Polloni (fundou o Teatro Popular de Arte e a
Companhia Maria Della Costa) e João Rios.
Ocorreu uma alteração durante a vigência dessa constituição da Comissão: Dina Lisboa demitiu-
se, sendo substituída por Tatiana Belinky (nascida na Rússia, escreveu mais de 250 livros para o público
infanto-juvenil).
55
Carlos Pinto (que se tornaria presidente da Confederação de Teatro Amador do Estado de São
Paulo – COTAESP) reafirmou que as escolhas do Secretário de Governo foram pessoais, convocando
pessoas que eram desconhecidas de boa parte da comunidade teatral. E exemplificou de maneira hilária:
contou – em conversa com o autor dessa tese – que só conheceu Dina Lisboa (representante do Teatro
Infantil, na CET), alguns anos depois, quando Hamilton Saraiva (vice-presidente da COTAESP) a indicou
como a intérprete de “Dona Neusa”, no filme Betão Ronca Ferro, de Mazzaropi.
42

propostas de ação) a partir da análise do relatório minucioso, produzido pela própria CET, sobre
suas atividades no período 1963/1965. Análise esta, que nos permitirá encontrar tanto as
propostas e ações da Comissão, no período, como também indicará parte do contexto em que
os amadores irão ampliar sua atuação e sua organização no ambiente teatral paulista.

Já na Introdução do Relatório, encontramos dados para reflexão: informa-se, ali, que o


planejamento – que se constrói para a ação da Comissão – preocupa-se com a “solução de
problemas de infraestrutura56”.

Quais seriam essas dificuldades? O Relatório da Comissão elenca uma dezena delas57. E
o que claramente se observa, nos dez grandes problemas eleitos para serem enfrentados pela
Comissão Estadual de Teatro, são as preocupações em formar públicos e de defender os
interesses dos empresários teatrais. Mas não se pode dizer que o Teatro Amador tenha sido
esquecido: são mencionadas as necessidades de publicação de livros sobre teatro; de
construção de casas de espetáculos; de amparo aos grupos amadores; e de introdução do teatro
nas escolas.

Logo após a introdução ao Relatório, a Comissão emitiu um esclarecimento a respeito


da filosofia que embasou seu Plano de Trabalho. Segundo a Comissão, sua filosofia é a do
“desenvolvimento”, assim definido:58

Este desenvolvimento que se pretende atingir, partindo da solução


dos problemas de infraestrutura, coloca o poder público como participante

56
A partir desse ponto, as referências entre aspas, salvo indicação em contrário, serão retiradas
de um caderno produzido pela Comissão Estadual de Teatro e impresso a mando da Secretaria de Estado
dos Negócios do Governo. Seu título é Relatório 63/65 – Comissão Estadual de Teatro (e que, a partir
daqui, será chamado simplesmente de Relatório). Possui 75 páginas e não tem indicação da data em que
foi publicado. Essa primeira referência situa-se na p.01.
57
São elas, conforme descritas nas pp. 01 e 02 do Relatório:
a. O condicionamento das atividades das companhias profissionais com suas crises cíclicas,
com graves reflexos nas suas condições econômico-financeiras;
b. A demasiada centralização das atividades teatrais na Capital do Estado;
c. A falta de casas de espetáculos;
d. O completo desamparo, quer artístico, quer financeiro, a que foram relegados os conjuntos
amadores;
e. Os problemas decorrentes da falta de cursos de Arte Dramática;
f. As condições de trabalho dos atores, técnicos e cenotécnicos e a consequente
regulamentação da profissão;
g. A falta de publicações adequadas, quer de textos, quer de livros técnicos;
h. O distanciamento do teatro nas atividades extraescolares – introdução do teatro nas escolas
primárias e secundárias;
i. O descrédito existente em todas as áreas, com relação à participação dos poderes públicos
na solução desses problemas;
j. A completa falta de visão dos poderes públicos na solução dos mesmos problemas.
58
Idem, p.02.
43

e como orientador, nunca como censor ou coator, possibilitando às forças


da criação condições ideais para um trabalho efetivo.

A Comissão explicita, a seguir, sua certeza de que aquilo que ela entende ser “o
movimento cultural” seria incapaz de auferir os recursos materiais necessários para evoluir. A
barreira, representada pelos recursos materiais, só poderia ser vencida graças à tutela do poder
público. Nas palavras da Comissão:59

Ora, para que o movimento cultural rompa essas barreiras, torna-se


mister que o poder público aja no sentido de solucionar os problemas de
infraestrutura, na criação de condições adequadas que possam absorver
com sucesso o poder criador daqueles que têm suas vistas voltadas para as
criações culturais e artísticas...

Cumpre observar que filosofia de desenvolvimento, apresentada no Relatório, não é


algo que se espera ver implementada por uma comissão. Ação executiva não é característica de
comissões. Mas, se observarmos o que faziam Getúlio Vargas, Jânio Quadros e o próprio
Adhemar de Barros, no que tange à criação das mais variadas comissões, há que se perceber
que essas estruturas se voltam muito mais para ações executivas do que para o simples
aconselhamento. De certa forma, a criação de comissões de notáveis é uma ação de legitimação
realizada pelo governante: tenta dar ares de consenso social a diretrizes produzidas por quem
se considera à frente da sociedade. Como já se disse acima: a criação da Comissão Estadual de
Teatro esmaece, mas não esconde, a imposição de quem detém o Poder Executivo.

A própria CET alardeia essa auto atribuição de funções executivas:60

Esta fundamentação do Plano da CET transforma o órgão


consultivo em órgão executivo, na medida em que se processa a ação
dinâmica do planejamento, criando e executando todas as formas de
participação do poder público na ação do desenvolvimento.

Ainda nas páginas iniciais, que justificam o planejamento realizado pela Comissão (e
claro, os resultados da ação planejada), há um audacioso cometimento: o de discutir qual seria
a função do teatro.

59
Ibidem, p.03.
60
Relatório, op. Cit., p.03
44

A dicotomia formulada pela Comissão, ao discutir a função do teatro, é assim


apresentada:61

Cabe nesta altura da fundamentação do Plano, colocar o problema


da função do teatro, sob os seguintes aspectos: deve ser considerado como
um instrumento de diversão ou como instrumento de formação cultural?

A Comissão conclui que o teatro é cultura:62

Optando pela visão cultural do teatro, a Comissão assume


responsabilidade das mais complexas: tem que levar o poder público a
participar efetivamente na consecução dos objetivos da opção, para que o
teatro brasileiro e, portanto, o paulista não fique adstrito a concessões,
tanto na sua categoria artística, como no seu valor cultural, concessões
essas compreensivelmente aceitas pela deficiência do amparo que lhes é
concedido pelos órgãos públicos responsáveis que, em regra, têm
considerado o teatro como elemento de formação cultural discutível, e sem
possibilidade alguma de reação diante da “agressão” dos outros
instrumentos de comunicação social.

Eis aqui um discurso que busca justificar um poder público protecionista,


intervencionista, elitista, que se antecipa à sociedade, e que abre caminhos no terreno cultural
em favor dos interesses maiores da coletividade. Mas, aqui, pode-se encontrar uma coisa mais:
uma justificativa para se passar dinheiro público para um pequeno grupo de empresários
teatrais que63 “a serviço de uma honesta formação cultural da população e especialmente das
camadas menos favorecidas do povo brasileiro” precisarão de uma ajuda do erário público para
se manterem financeiramente solventes, na competição selvagem que lhes é imposta pela
indústria cultural...

De fato, o capítulo I do Relatório, tratando das companhias profissionais de teatro,


mostra que muito do dinheiro público, movimentado pela Comissão, acabou sendo canalizado
para o teatro profissional. No ano de 1963, foram 2/3 do total (não se pense aqui, em valores
elevados: com a verba total da CET, nesse ano, poder-se-ia comprar seis “Fuscas” zero-

61
Ib., p.03
62
Ib., p.03
63
ib. p.03
45

quilômetro...64). Em linhas gerais, observa-se que a totalidade dos gastos com o teatro
profissional, em 1963, se realizou por meio de simples distribuição de recursos entre os grupos,
sem qualquer vínculo com os tais “fundamentos do Plano da CET”.

Nos anos seguintes, a distribuição de recursos para o teatro profissional acabaria se


concentrando em um número bem pequeno de grupos teatrais65.

Observe-se que a CET conseguiu fazer com que os recursos reservados ao Teatro
Profissional subissem de Cr$13,3 milhões (em 1963), para Cr$100 milhões (em 1966). Mas, pela
análise do Relatório, parece razoável inferir que a CET não fez muito mais do que legalizar
repasses para os grupos profissionais de teatro. Esta inferência ganhará mais probabilidade de
traduzir a realidade dos fatos, se as demais ações da CET (em relação ao Teatro Amador, Teatro
Estudantil, Teatro Infanto-Juvenil e a construção de Teatros Municipais) buscarem
preferencialmente a construção de novos públicos e espaços para o Teatro Profissional.

Na introdução do capítulo II, sobre Teatro Amador, o Relatório afirma que, para “o
desenvolvimento integral do Plano” é importante estruturar o Teatro Amador, “dotando-o de
uma organização racional”, que possibilitaria “à Comissão Estadual de Teatro, pela
descentralização, atender ao maior número possível de grupos em todo o Estado de São Paulo”.

O termo “estruturar”, na afirmação acima, indica que – na visão dos membros da


comissão, apresentada no Relatório – o movimento de Teatro Amador estava desestruturado e
que, em nenhum momento anterior essa estruturação existia (pois aí o termo seria
“reestruturação”).

Há outro termo que igualmente merece atenção: “organização racional”. Uma


possibilidade de compreensão do motivo que levou à aplicação dessas palavras, pode ser que
seria necessário oficializar documentalmente os grupos amadores, para que pudessem receber
subvenções governamentais. E não só: criar-se-iam (como o Relatório indica logo a seguir)

64
Informação retirada do site http://www.flatout.com.br/quanto-custavam-os-carros-de-
ontem-em-dinheiro-de-hoje/, em 09/08/2016.
65
Isso por conta da criação de um “REGULAMENTO PARA A PARTICIPAÇÃO DA COMISSÃO
ESTADUAL DE TEATRO NAS REALIZAÇÕES TEATRAIS DAS COMPANHIAS PROFISSIONAIS” que é
apresentada sob a forma de “Apêndice 1”, nas pp. 45-48 do Relatório. Ao diferenciar companhias
profissionais em “estáveis” e “itinerantes”, a CET exclui os itinerantes (não possuem local permanente de
trabalho; não possuem elenco permanente; grupos recém-criados) da participação de convênios. Os
grupos que, enfim, receberam recursos foram: Empresa José Dias Barcelos; Cia. Cacilda Becker; Cia. Nydia
Lícia; TBC; Teatro Maria Della Costa; Maurice Vaneau; Teatro de Arena; Teatro de Oficina; Teatro Ruth
Escobar; Teatro Nacional Popular; Teatro da Cidade; Teatro de Esquina; Teatro Aliança Francesa.
46

Federações de Teatro regionais que agregariam os grupos teatrais amadores, o que poderia lhes
dar orientações administrativas, apoio logístico e de equipamentos.

Ainda nessa introdução ao Capítulo II, lemos:

Até o presente, os grupos amadores foram relegados a um plano


secundário, sem que se lhes desse o real valor e, o que é mais grave, sem
que fossem colocados a serviço da cultura teatral e da popularização dos
espetáculos.

Há, aqui (da mesma forma que ocorreu no Plano Estadual de Estímulo ao Teatro, de
1958, conforme observado páginas acima), indícios de que uma das preocupações fundamentais
da CET seria a de fazer – do Teatro Amador – uma ferramenta para a popularização dos
espetáculos teatrais.

O Relatório da CET ainda indica a necessidade de enquadrar os grupos amadores numa


“organização que lhes dê os conhecimentos técnicos, artísticos e culturais necessários para o
desenvolvimento de seu trabalho”66. Eis uma frase que parece subestimar, ou simplesmente
desconsiderar, as experiências artístico-culturais dos grupos amadores então existentes. Ou, no
mínimo, exclui a possibilidade de troca de experiências, aproveitando construtivamente a
vivência que os grupos amadores angariaram em seu trabalho artístico. É como se o GTE, GUT,
grupos amadores santistas ou campineiros nunca tivessem existido.

Mas passemos às linhas de ação, apresentadas no Relatório, em relação aos amadores.


A primeira ação seria a de organizar federações regionais em todo o estado. Uma relação de
vinte cidades-sede (e suas respectivas cidades subordinadas) é apresentada nas páginas 12, 13
e 14. Num primeiro olhar, parece que foi utilizado o mapa de regiões administrativas do estado
de São Paulo. E, provavelmente, foi isso o que aconteceu. Mas há alguns senões: há cidades-
sede que são menores (populacional e economicamente) que cidades que lhe são subordinadas
(Rio Claro/Limeira; Taubaté/São José dos Campos); cidades-sede muito próximas uma da outra
(São Carlos/Araraquara); ou, ainda, cidades subordinadas que ficariam melhor sob orientação
de outra cidade-sede (é o que acontece, por exemplo, com Descalvado, que no início do século
XX tinha mais vínculos com Rio Claro, mas que em 1960 orbitava em torno de São Carlos). Esses
senões nos levam à suposição de que a CET levou em consideração realidades culturais locais, o
que relativiza a primeira impressão de que simplesmente se desconsiderou experiências
artístico-culturais dos grupos amadores então existentes.

66
Ib. p.12.
47

Pode-se também imaginar que os senões apontados tenham origem em algum tipo de
demanda político-partidária. Mas isso não é muito provável em relação a Descalvado ou a Garça
(que acabará sediando uma federação).

Ao final, quinze federações acabaram sendo fundadas. Nove federações foram batizadas
com nomes que designam sua localização na malha ferroviária paulista (Federação de Teatro
Amador da Alta Mogiana, da Média Paulista, etc.), o que era algo muito comum no início dos
anos 1960. Em linhas gerais, serão estas quinze federações o palco da ação do movimento
federativo nos anos que se seguirão.

A segunda ação do Plano seria a de organizar “cooperativas de financiamento aos grupos


amadores, vinculadas às federações, com capital inicial fornecido pela Comissão Estadual de
Teatro e pelos grupos associados”. Eis uma proposta de muito difícil execução: subentende que
grupos amadores teriam recursos em caixa, organização contábil, documentação em dia,
capacidade de aceitar que recursos - que eram próprios - fossem usados na montagem de peças
de outros grupos. Ainda mais: que as federações – que acabaram de ser criadas – teriam
capacidade gerencial e legitimidade para manipular esses recursos. E que a CET conseguiria
implantar o sistema e fiscalizar seu andamento. Isso tudo seria muito difícil de vingar. Logo a
seguir, na página 16 desse relatório, informa-se que a CET pediria ajuda para a Secretaria de
Agricultura, na implantação das tais cooperativas. Enfim, essa ideia não saiu do papel.

Outra proposta, do Plano, em relação aos grupos amadores era a de organização de


cursos de técnica teatral e de interpretação. Não era uma proposta inexequível, como as de
cooperativas, mas as dificuldades de implementação eram bastante elevadas. De qualquer
forma, cabe observar que esta ação, além de muito provavelmente ter sido imaginada como
contribuição para trazer qualidade para os grupos amadores, serviria para remunerar
profissionais de teatro em períodos de pré-temporada. Os dispêndios com essas atividades
foram relativamente elevados, ultrapassando a casa de Cr$10 milhões, no decorrer dos três anos
abrangidos por esse Relatório.

Também se propôs a edição e distribuição de impressos aos grupos de textos teatrais.


Essa atividade foi implementada com sucesso. As pesquisas indicam que os livros, revistas de
teatro e demais publicações (financiadas, produzidas, ou simplesmente compradas pela CET
para posterior distribuição) chegaram a todos os pontos do estado de São Paulo. Ainda hoje,
muitas dessas publicações da década de 1960 e 1970 podem ser encontradas nas bibliotecas de
federações teatrais remanescentes ou de grupos amadores mais longevos. E é uma interessante
48

questão buscar compreender quais os critérios que nortearam a escolha dos títulos distribuídos
pela CET. Algo a ser estudado no futuro.

No entanto, a proposta que se transformou na inequivocamente mais bem-sucedida


ação da CET (especialmente no que concerne à visibilidade midiática) em relação ao Teatro
Amador foi a de lançamento das bases do Festival de Teatro Amador do Estado de São Paulo,
estabelecendo o regulamento e se responsabilizando pelo pagamento das atividades, pela
divulgação institucional, pela escolha do júri e pela premiação. No regulamento para a
organização dos festivais estabeleceu-se que – a partir do primeiro festival – a cidade sede, do
festival seguinte, seria escolhida (pelos próprios amadores) em Congresso realizado ao final do
festival anterior, o que certamente dá atratividade aos Congressos ao mesmo tempo em que
induz estes conclaves a discussões mais administrativas do que políticas.

Do texto de conclusão do Relatório sobre as ações da CET, em relação ao Teatro Amador,


extraímos dois trechos, ambos situados à página 20 do Relatório, correspondendo a mais de
metade do que foi escrito nesse item:

Pelos quadros demonstrativos das verbas aplicadas, pode-se


aquilatar os efeitos que o Plano está conseguindo na área do Teatro
Amador de São Paulo, Capital e Interior. Tirando-os da inércia em que se
encontravam, a CET conseguiu coloca-los em todo o Estado, a serviço dos
seus objetivos primordiais, ou seja, participantes ativos da popularização do
teatro e fatores decisivos para a constante renovação dos quadros
artísticos.

Estamos certos que a continuidade deste trabalho poderá levar o


teatro paulista a um processo de renovação autêntico, não só estimulando
o aparecimento de novos valores, como já tem acontecido, mas também o
contínuo trabalho desses Grupos efetuará a preparação das plateias para
serem absorvidas com o deslocamento das Companhias Profissionais de
Teatro para o interior do Estado.

Como esses trechos são autoexplicativos em relação ao interesse de instrumentalização


dos amadores, pela CET, cabe verificar se os amadores acabariam encontrando seu próprio
caminho, após a criação das federações e dos festivais. Ou se trilharam, obedientemente, a rota
proposta pela CET. Verificação que realizaremos no decorrer desse trabalho.
49

Aqui observamos que, embora a quase totalidade dos grupos de teatro infanto-juvenil
e de teatro universitário fossem objetivamente amadores, a Comissão Estadual de Teatro
decidiu-se por dedicar capítulos especiais a esses grupos. Assim, o capítulo III, do Relatório, trata
do teatro infanto-juvenil, que ficou sob a orientação, num primeiro momento, da atriz Dina
Lisboa. Em 1964, o teatro infanto-juvenil, dentro da CET, passa para o comando da dramaturga
Tatiana Belinky.

O Relatório indica que Dina Lisboa preocupou-se em chamar para o diálogo, os vários
Grupos interessados em teatro infanto-juvenil (incluindo-se, aqui, os amadores que – repetimos
– são a quase totalidade dos grupos dessa modalidade). É muito provável que esse debate (o
Relatório não se refere diretamente ao que foi debatido) tenha dado relevo a dois problemas
gigantescos, que limitam fortemente o teatro infanto-juvenil brasileiro: a falta de “um adequado
preparo pedagógico”67 e técnico, no que se refere ao teatro infantil; a quase inexistência de uma
dramaturgia brasileira para o teatro da juventude.

Tatiana Belinky, sucedendo Dina Lisboa, liderou o enfrentamento da CET para cobrir as
enormes lacunas que relegavam o teatro infanto-juvenil à insignificância. Embora o Relatório
detenha-se, quase exclusivamente, a descrever os três festivais de Teatro Infantil68 e a ação da
CET para o desenvolvimento do “Teatro Escolar”69, foi a criação da Revista Teatro da Juventude
(tratada de relance, no Relatório) que marcou a atuação da CET na área do teatro infanto-juvenil.

Nas palavras de Júlio Carrara70, em seu blog,

Tatiana Belinky realizou um velho sonho: o de criar um Caderno de


Teatro Escolar, estudantil e amador, nos moldes de publicações
semelhantes em países da Europa e Estados Unidos, com 10 a 12 textos
teatrais por edição, divididos em setores, segundo as séries escolares e
também para universitários e amadores em geral. Foi assim que nasceu a
Revista Teatro da Juventude.

67
Ib. p.21
68
Estes festivais foram realizados com a compra de alguns espetáculos profissionais. Foram
apresentados em São Paulo (I Festival – out. /nov. 1963), São José do Rio Preto (nov. /dez. 1964) e
Araçatuba (jul. /ag. 1965), com dispêndio total de Cr$9,5 milhões
69
O “Teatro Escolar” foi subdividido em “Infantil” (para o “pré-primário” e “primário”) – grosso
modo, dos 06 aos 11 anos de idade; e “Juvenil” (para o “Ginasial” e “Colegial”) – grosso modo, dos 12 aos
18 anos, com uso de textos distribuídos pela CET (Revista da CET), orientação técnico-artística (com
monitores e diretores da CET) e incentivo a criação de aulas de teatro e de grupos teatrais nas escolas.
70
http://juliocarrara.blogspot.com.br/2012/09/10-anos-sem-revista-teatro-da-juventude.html,
acessado em 10/03/2016.
50

Seu primeiro exemplar foi lançado em 1965. De 1965 a 1972 (ano


em que sua publicação foi interrompida), saíram 43 edições71.

Os reflexos da revista Teatro da Juventude, sobre o fazer teatral amador, foram


marcantes: pode-se dizer que a grande maioria dos textos infanto-juvenis encenados, pelos
amadores, no início dos anos 1970, foram tirados dessa publicação.

Ainda sobre o teatro infanto-juvenil, o Relatório indica a contratação de diretores


teatrais que trabalhariam nos Ginásios Vocacionais do Estado de São Paulo. A CET investiu Cr$8
milhões (no ano de 1965) nessa experiência. Infelizmente, os ginásios vocacionais (criados em
1961, na Capital e nas cidades de Americana, Batatais, Rio Claro, Barretos e São Caetano do Sul)
foram descaracterizados a partir de 1968, com a vigência do AI-5. Muitos dos professores (e até
alunos) acabaram presos, taxados de subversivos. Estas sementes (a contratação de diretores
teatrais para as escolas) foram plantadas, mas as plantas foram ceifadas antes de frutificar.

Referindo-se ao Teatro Universitário, dimensão da experiência teatral que a Comissão


fez questão de individualizar, separando-o do Teatro Amador em geral, este Relatório informa
que a CET realizou o I Congresso Paulista de Teatro Universitário.

O Congresso (14 e 15 de março de 1965) produziu uma “declaração de princípios do I


Congresso Paulista de Teatro Universitário”, que – sendo bem concisa – é integralmente
reproduzida no Relatório (páginas 25-26). Dois trechos dessa “declaração de princípios”
merecem destaque:

Sua formação universitária confere-lhe uma condição cultural mais


ampla, ultrapassando as possibilidades de realização dos demais grupos
amadores72.

71
A revista Teatro da Juventude reapareceria em 1995 e teria mais 45 edições, desaparecendo
em dezembro de 2002. Além dos textos teatrais (aproximadamente uma dúzia por edição),
criteriosamente divididos por faixas etárias, havia artigos sobre dramaturgia, direção, iluminação,
cenografia, figurino, sonoplastia, interpretação (escritos por grandes nomes do teatro como Hamilton
Saraiva, Luis Alberto de Abreu, Enio Gonçalves, Eva Wilma) além de sugestões de leituras e seção de
cartas.
72
“... ultrapassando as possibilidades de realização dos demais grupos amadores”: eis o Teatro
Universitário reconhecendo que é Teatro Amador!
51

Sua visão cultural mais ampla possibilita a montagem de


espetáculos de alto nível, escolhidos com as finalidades de formação de
plateias e integração das mesmas no fenômeno cultural do teatro.

Pode-se perceber uma visão elitista ou, pelo menos, uma visão que tendia a destacar o
teatro universitário como espaço privilegiado do fazer amador. Indique-se que, pela análise das
múltiplas experiências, essa premissa (a de que a condição cultural mais ampla ultrapassa as
possibilidades de realização dos demais grupos amadores) não resiste à observação de que
grupos amadores da década de 1940 e 1950, construídos fora da comunidade acadêmica,
produziram uma massa de espetáculos de qualidade média superior a que os universitários
produziram em qualquer tempo. Em suma, sem que se diga que os não-universitários amadores
trabalham de maneira superior, parece ser sensato aceitar que a vida universitária não leva,
necessariamente, à produção de espetáculos de melhor qualidade.

De qualquer forma, a CET apostou no Teatro Universitário: dispendeu Cr$55,3 milhões73


na soma dos anos de 1965 e 1966. O maior êxito deu-se com a fundação do TUCA (Teatro
Universitário da Católica) e a encenação de Morte e Vida Severina, peça assistida por mais de
20.000 pessoas. Na sede do TUCA também ocorreram, à época, cursos de Alberto D’Aversa e
Eugênio Kusnet, com grande afluência de participantes.

Infelizmente, tal qual aconteceu com o trabalho nos Ginásios Vocacionais, a repressão
política produzida pela ditadura militar impediu a realização de fomento, por parte das
instâncias públicas, ao “Teatro Universitário”74.

No mais, o Relatório 1963/1965 apresenta, como seria de se esperar, uma grande série
de atividades que, por não se direcionarem ao Teatro Amador, ficam fora do foco do presente
trabalho. De qualquer forma, apresentaremos algumas ações que acabaram, de alguma
maneira, tendo reflexos sobre as atividades teatrais amadoras.

É o caso do Prêmio Governador do Estado (criado em 1952 e regulamentado em 1957).


A CET encarregava-se da escolha dos premiados, nas áreas de melhor “espetáculo”, “autor”,

73
Para se ter um parâmetro de valor, com esse dinheiro seria possível comprar duas dúzias de
“fuscas” zero-quilômetro.
74
Observamos que, mesmo ferido pela intensa repressão, no período 1969-1975, o Teatro
Universitário resistiu. Usando como exemplo o próprio TUCA: “entre 1969 e 1974, o espaço voltou-se à
apresentação de trabalhos de artistas de alto nível, que contribuíram para a educação e para a abertura
de novos caminhos no campo artístico. Espetáculos musicais e teatrais expressivos fizeram parte da
programação do Teatro, levando ao palco artistas como Elis Regina, Caetano Veloso, Chico Buarque de
Holanda, Vinícius de Moraes, Gianfrancesco Guarnieri e Fernanda Montenegro, que em muitas ocasiões
enfrentaram a censura”. (http://www.teatrotuca.com.br/historia.html#, visitado em 17/08/2017)
52

“diretor”, “atriz”, “ator”, “coadjuvante feminino”, “coadjuvante masculino”, “cenógrafo”,


“figurinista”, “cenotécnico”. Também eram atribuídos prêmios a amadores. Pelo regulamento
de 1957, os prêmios para amadores deveriam ser oferecidos todos os anos, e para as áreas de
“espetáculo”, “diretor”, “atriz”, “ator”, “cenotécnico” e “figurinista”. Mas acabaram sendo
distribuídos, com o passar dos anos, apenas eventualmente e só para atores e atrizes. No
período 1963-1965, o Prêmio Governador do Estado era muito respeitado75.

Ainda em relação a premiações, a CET criou, em 1964, uma específica para textos de
teatro infantil (Prêmio Narizinho). Diante do relativo sucesso dessa premiação, a CET decidiu
criar (a partir de 1966) os prêmios “Pedro Malazarte” e “Emília”, para textos redigidos por
crianças, que foram abandonados logo a seguir.

No que se refere a cursos, encontramos uma breve descrição das cidades que receberam
os cursos teatrais e das pessoas que os ministraram. Ressalte-se a menção de que a Associação
Paulista de Críticos Teatrais colaborou nos ciclos de conferências.

O Relatório também informa que, para enfrentar a enorme carência de textos no teatro
brasileiro, a CET decidiu estimular a edição de livros teatrais, comprando 500 exemplares de
cada edição, para distribuí-los aos grupos amadores. No campo da publicação, a CET iniciou a
tradução completa das obras de Shakespeare.

Passando ao tema da descentralização das apresentações teatrais dos grupos


profissionais (Capítulo X do Relatório, página 34), a CET considerou que não atingiu seu objetivo
por conta de duas dificuldades: a falta de casas de espetáculos, no interior, e o alto custo de
manutenção das Companhias Teatrais, quando em trânsito.

Visando enfrentar a falta de casas de espetáculos no interior do estado, a CET inseriu,


em seu Plano, a formação de convênios com as prefeituras para a construção de teatros. Para
enfrentar a questão dos custos, decidiu-se dividir as responsabilidades entre o estado e os
municípios beneficiados. Nove cidades realizaram convênios e a CET dispendeu Cr$125 milhões
no triênio 1963-5. São Carlos foi a única cidade que levou a cabo a construção antes da
confecção do Relatório, mas as demais cidades também conseguiriam finalizar suas casas de
espetáculos, nos anos seguintes.

75
Na década de 1980 interrompeu-se a atribuição dos prêmios e o retorno da láurea só se deu
em 2010. Hoje em dia, o Prêmio Governador é, infelizmente, pouco mais do que uma sombra de seu
período áureo.
53

Ainda pensando em reduzir a carência de casas de espetáculos no interior do estado, a


CET realizou estudos preliminares para a criação de um “teatro móvel”. Esse projeto não foi
adiante.

A seguir, no capítulo XII que fecha o relatório temos o demonstrativo das verbas
utilizadas nos exercícios de 1963/1966. De novo, a concisão extrema torna as informações
inespecíficas.

Mas há um dado surpreendente: o total geral (1963-1966) de Verba Orçamentária foi


de Cr$269.600.000,00 – o que, para os padrões brasileiros, é um elevado dispêndio público com
a atividade teatral – e o da Verba Extraordinária é de Cr$566.000.000,00. Isso implica em uma
capacidade de articulação e pressão políticas impressionantes, pois a maioria das instituições,
em qualquer tempo da história da administração pública brasileira, precisa lutar para garantir
que a verba orçamentária seja realmente destinada ao seu fim. Aqui temos uma Comissão que
conseguiu mais do que triplicar os recursos destinados a ela. Um feito admirável, que
certamente merece ser analisado para se compreender como foi realizado.

De fato, surpreende que a CET, criada provavelmente para legalizar repasses de recursos
do executivo estadual para as companhias teatrais, tenha realizado muito mais do que isso, nos
anos 1963-1965. Sua estruturação, realizada sob o discernimento aparentemente exclusivo do
Secretário de Governo, acabou fecundada pela inclusão dos nomes ilustres, retirados dos
organismos de classe do mundo teatral paulista. Talvez sejam esses “nomes ilustres”, em grande
medida, pessoas comprometidas com as lutas dos homens de teatro; pessoas possuidoras de
sensibilidade social e com visão de mundo bem definida.

Pois bem, a suposição inicial de que a CET surgiu para legalizar repasses do Executivo
Estadual para as companhias teatrais não foi desmentida no decorrer do estudo aqui realizado.
Mas também é verdade que esta suposição parece insuficiente para dar conta de circunscrever
todas as ações realizadas pela CET e que foram elencadas nesse Relatório. Há uma tal gama de
circunstâncias e de atores, nesse processo, que qualquer manobra para os englobar em uma
matriz analítica seria fadada ao fracasso.

O teatro paulista, em sua complexidade – com grupos amadores, grupos profissionais,


grupos cooperativos; com produções voltadas para a infância, para os clássicos, para as
comédias, para o teatro de tese; com grupos que usam linguagem tradicional, que usam
linguagem contemporânea, que usam linguagem experimental; grupos que buscam os públicos
da elite, grupos que fazem teatro para as periferias – reagirá ao plano da CET de maneira
multifacetada. Mas o fará de maneira positiva, o que deu legitimidade a essa Comissão
54

estruturada a partir de uma decisão de governo, mas que soube trazer, para seus quadros,
intelectuais compromissados com o fazer teatral e dotados de sensibilidade.

Assim, a transformação dos grupos amadores em núcleos de debate, mesmo nos


municípios pequenos; o trabalho teatral realizado por grupos profissionais como o Oficina; a
ação articulada pelos congressos amadores; o fortalecimento de alguns grupos de teatro
universitário; a disseminação de informações técnicas (providas pelas publicações realizadas ou
distribuídas pela CET) que levou ao fortalecimento do teatro de rua; a dinamização da vida
cultural induzida pela criação de teatros municipais; a cobertura da imprensa em relação às
atividades teatrais; a multiplicação de grupos teatrais em escolas de ensino secundário, são
algumas das realidades factuais que precisam ser esquadrinhadas para que se tenha uma ideia
mais razoável a respeito do que resultou do Plano criado pela CET, que ensejou a produção do
Relatório aqui estudado e de toda uma gama de acontecimentos que deu nova fisionomia ao
teatro paulista, na metade dos anos 1960.

Por conclusão, esse estudo do Relatório 63/65 da Comissão Estadual de Teatro é o início
do mergulho sobre uma realidade desafiadora e interessante: a do Teatro Amador da metade e
do final dos anos 1960. E pode ser a base inicial de muitos outros trabalhos e estudos.

Olhemos, também, para os anos que se seguem ao Relatório 63/65: Laudo Natel assume
o governo estadual, no dia 06 de junho de 1966, após o governador Adhemar de Barros ter sido
cassado pelo governo militar instaurado em 1964. Natel fica no governo por aproximadamente
oito meses. É substituído por Roberto de Abreu Sodré, eleito indiretamente para o quadriênio
1967-1971. Laudo Natel voltará ao governo, no quadriênio seguinte (1971-1975), também
escolhido indiretamente pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

Sem o respaldo das urnas, a figura do governador do estado se apequena politicamente:


ele se torna pouco mais do que um despachante de ordens que emanam do Palácio do Planalto,
ocupado por militares. Não há mais políticas estaduais para a área cultural e nem para qualquer
outra. Tudo agora depende de diretrizes produzidas em Brasília.

E isso ocorreu também com as estruturas administrativas relacionadas à cultura: no


início do governo de Abreu Sodré, a exemplo do que ocorreu em outros estados, cria-se a
Secretaria de Cultura, Esportes e Turismo. A palavra cultura, aqui, está em primeiro lugar apenas
por determinação alfabética, uma vez que os titulares dessa pasta vão se mostrar muito mais
afeitos às lides esportivas. A Comissão Estadual de Teatro, por conta dessa alteração
administrativa, deixa de estar vinculada à Secretaria de Negócios do Governo (cujo titular era –
55

em verdade – o braço direito do Governador), para ser uma comissão pouco importante dentro
de uma Secretaria de orçamento inexpressivo.

A CET, apesar de continuar contando com representantes muito respeitados no meio


teatral (os nomes de Cacilda Becker e Lélia Abramo76 são indicativos da qualidade dos
conselheiros), nada pode fazer além de lutar para evitar que os recursos de manutenção das
ações iniciadas em anos anteriores desapareçam. E isso foi feito pelos integrantes da CET com
tenacidade, foco, liderança e capacidade de superação.

A partir de 1967, no que tange ao Teatro Amador, os recursos para congressos e festivais
precisariam ser reivindicados pelo movimento federativo. Essas reivindicações teriam que ser
respaldadas pelas atividades teatrais realizadas; pela interação com administradores municipais
e deputados estaduais; pela conquista de apoio da burocracia da Secretaria de Cultura Esportes
e Turismo; pelo apoio dos meios de comunicação dos municípios e do estado de São Paulo.

E não só: a busca de recursos teria que incluir o garimpo de apoio empresarial, o
mecenato, a busca de espaços de apresentação em clubes recreativos e instituições religiosas.
Em suma: a sustentação econômica do movimento federativo de teatro amador foi uma tarefa
muito árdua, que pesou sobre os ombros dos jovens dirigentes das entidades federativas. Tarefa
que foi cumprida, de uma forma ou de outra, até 1975.

De qualquer forma, mesmo enfraquecida, a CET ainda foi protagonista de momentos


memoráveis de defesa do teatro paulista, em geral, e do Teatro Amador, em particular, no
período que estudamos.

Um desses momentos inicia-se em 04 de março de 1968, quando Cacilda Becker assume


a direção da Comissão Estadual de Teatro. A grande atriz chega à presidência da CET para liderar
o enfrentamento à censura e a repressão policial de um Regime que estava se consolidando
como claramente ditatorial. E esse enfrentamento legitimou-a como líder da classe teatral
brasileira.

Em sua gestão na CET (que, afinal, era um órgão burocrático estadual de dimensões
minúsculas), cercou-se de colaboradores como José Celso Martinez, Plínio Marcos, Augusto
Boal, Ruth Escobar e Renato Consorte, ampliando incrivelmente a importância política da
Comissão. Cacilda Becker trabalhou incansavelmente. Cercada pelos mais expressivos nomes do

76
Cacilda Becker Yáconis (1921-1969) encenou 68 peças teatrais e é considerada a “rainha do
teatro brasileiro”. Lélia Abramo (1911-2004) participou de 27 telenovelas, catorze filmes e 23 peças de
teatro; foi atriz, sindicalista e militante política trotskista.
56

teatro paulista – tanto na área de direção, como autoria, atuação e produção – transformou a
CET num formidável órgão de pressão por recursos para a área cultural, e no grande baluarte
pela liberdade de expressão e criação artística. Foi Cacilda que garantiu o justo suprimento de
verbas para o VI FETAESP (Festival de Teatro Amador do Estado de São Paulo), ocorrido em
outubro de 1968. Claro que sua atuação desassombrada provocou retaliações: contra ela se
levantaram insinuações de que cometia desvios de recursos para fins pessoais. Cacilda Becker
entregou o cargo em 25 de fevereiro de 1969, dele saindo maltratada e magoada, vítima de
infundados questionamentos éticos. Esses fatos certamente contribuíram para o stress
emocional e físico que culminaram no derrame cerebral que sofreu em 06 de maio de 1969 e
em sua morte, 38 dias depois.

Outro momento memorável foi protagonizado por mais uma mulher extremamente
corajosa e correta: Nydia Lícia. Em 1973, Nydia, que era produtora teatral, enfrentou – e venceu
– pressões violentíssimas ao destinar recursos ao movimento amador paulista. Graças a ela, o
XI FETAESP foi realizado com dignidade.

Mas a realidade é que a CET perdeu força. Por conta disso, muitos dos recursos estaduais
que se destinaram à cultura acabavam sendo amealhados fora da Secretaria de Cultura Esportes
e Turismo. E essa destinação se obtinha por meio de negociação política e, às vezes, pelo alvitre
de quem tinha acesso ao tesouro estadual. Por exemplo, o Festival de Inverno de Campos do
Jordão, de tantas glórias, foi idealizado em 1970, pelo então secretário estadual da Fazenda, Luis
Arrobas Martins, sem qualquer palpite ou participação da Secretaria de Cultura Esportes e
Turismo.

A Comissão Estadual de Teatro, enfim, seguiu de importância fundamental como ponto


de resistência aos descaminhos do autoritarismo e da censura. Mas a sua capacidade de
formulação de políticas para o teatro viu-se drasticamente reduzida a partir do início do governo
de Abreu Sodré, em 1967. E essa situação, infelizmente para os artistas teatrais em geral, e para
os amadores em particular, perdurará nos anos seguintes.

I.2 A atuação dos municípios, do governo federal, das empresas, das


entidades civis e das pessoas físicas, em relação ao Teatro Amador.
Além da CET, como formuladora e como órgão de implementação de políticas culturais
em relação ao teatro profissional e amador, encontramos outros atores (privados ou
governamentais) importantes que participaram dos acontecimentos relativos ao Teatro Amador
paulista, no período de 1963 a 1975, que estamos estudando. Destacam-se os municípios, o
apoio financeiro das empresas locais e dos familiares dos artistas (por mecenato ou – o que é
57

mais provável – por solidariedade), as entidades da sociedade civil (como sindicatos, grêmios
estudantis e igrejas) e entidades empresariais (como o SESC). Também merece menção a
omissão do Governo Federal, no que tange a esse apoio.

No que diz respeito à atuação das cidades paulistas, vimos que, em 1957, a Comissão
Estadual de Teatro enviou um questionário aos 435 municípios então existentes no estado,
solicitando dados sobre existência de cinemas, teatros, auditórios particulares e sobre
companhias e grupos teatrais. Parece evidente que isso foi feito para dar subsídios a um plano
de fomento às atividades teatrais, com eventual aporte de recursos provenientes do governo
estadual. Mesmo assim, 200 municípios nem sequer responderam ao questionário, o que nos
dá uma indicação da diminuta preocupação, dessas administrações, em relação ao tema.

Em sua preocupação de fomentar a atividade teatral, amadora ou profissional, no


interior do Estado, a CET mostrou-se muito interessada em identificar e promover os recintos
que poderiam abrigar encenações teatrais. E os espaços que, naquele momento, podiam ser
usados para apresentações teatrais – constatou-se graças ao questionário – eram pouquíssimos.
E o que é pior: iam se reduzindo a um número ainda menor, com o passar do tempo, pois muitas
edificações levantadas no período áureo do café estavam se transformando em ruínas
(indicando o pouco investimento direcionado às atividades culturais e de preservação de
patrimônio). Aqui forma-se um círculo vicioso: poucos moradores do interior do estado
assistiam a peças teatrais; teatro é um hábito cultural suscetível de cultivo; praticamente não
havia locais em condições de receber apresentações teatrais; cada vez menos moradores
assistiam a peças teatrais...

Resulta que os administradores municipais (ou os vereadores) não se sentiam


pressionados em relação ao apoio às atividades teatrais. Por consequência, os municípios só
agiriam por reflexo, quando pressionados pelos amadores organizados em federações.

De qualquer forma, durante o período estudado, pudemos identificar alguns casos em


que – mesmo que demandando processos muito demorados – a ação e pressão da CET (com o
apoio firme e decisivo dos grupos amadores) levaram à construção de aproximadamente uma
dezena de teatros municipais no interior do Estado.

O convênio entre a prefeitura de São Carlos e a Comissão Estadual de Teatro, para a


construção do teatro municipal, é um caso exemplar. Nesta cidade, o prefeito Alderico Vieira
Perdigão, ao final de seu mandato, em 1963, sentiu-se frustrado por não ter dado andamento
às obras do teatro municipal: os vereadores eram contrários aos gastos com esse tipo de
edificação; alguns setores da sociedade local achavam que a obra estava situada em local não
58

condizente com o status de um teatro municipal. Logo a seguir, a Comissão Estadual de Teatro
interessou-se em fazer um convênio com o novo prefeito, Antonio Adolfo Lobbe, visando
concluir a obra, o que incluía recursos para esse fim.

Qual foi a reação do prefeito Lobbe?77

Apesar do interesse manifestado pela CET, o Prefeito Antonio


Adolfo Lobbe não demonstrou nenhum empenho para a conclusão da obra,
relegando-a ao abandono, como ficou evidente ao término do seu
mandato, inclusive usando suas dependências para ali instalar uma “fábrica
de manilhas e tubos”, o que prejudicou sensivelmente sua estrutura.

Névio Dias, de cujo livro tirei a citação acima, conclui logo a seguir: “Somente a partir da
criação da FETAC, em 1965, e com o apoio da CET é que as obras têm prosseguimento”.

E o prefeito já era outro: o Sr. Antônio Massei...

Cenas muito parecidas ocorreram em praticamente todas as cidades alcançadas pelas


federações de teatro amador. Ou seja, se não houvesse pressão dos amadores de teatro
organizados, nada aconteceria em favor da arte teatral.

Foi muito rara a conjugação dos esforços, da CET e do movimento federativo, com
prefeitos interessados em desenvolver ações culturais – vinculadas ao teatro – em suas cidades.
Nessas ocasiões, os resultados eram muito animadores, seja pela construção de teatros
municipais, seja pela organização dos futuros festivais da COTAESP (Confederação de Teatro
Amador do Estado de São Paulo) nesses municípios. Ou ainda pela inserção dessas cidades nos
roteiros dos grupos profissionais78 que excursionassem pelo interior do estado.

Mais raro ainda, foi encontrar cidades onde o Poder Executivo produziu política
autônoma de fomento ao teatro. Nosso estudo só encontrou evidência disso, no período em
estudo (1963-1975) nas cidades de São Bernardo do Campo e de São José do Rio Preto (esta
última, a partir de 1970).

Encerrando as considerações sobre as relações do movimento federativo com o poder


municipal, consigna-se que em poucas cidades (Santos e Ribeirão Preto), o caminho encontrado
pelos amadores na difícil luta para serem ouvidos pelo executivo municipal foi o de apresentar

77
DIAS, N. Memória 1965-1970: o teatro amador no contexto cultural de São Carlos. São Carlos:
ICACESP, 2009. pp. 107-108
78
O Teatro Oficina costumeiramente realizava turnês pelos teatros do interior. E foi a Companhia
de Cacilda Becker que inaugurou o Teatro Municipal de São Carlos, encenando Esperando Godot.
59

lideranças que disputariam acentos nos Conselhos Municipais de Cultura (que, diga-se de
passagem, também eram muito raros). Essa providência rendeu muitas discussões, mas poucos
resultados.

Passando dos municípios para a instância federal – para concluir nossa análise sobre as
relações das instituições públicas com o Teatro Amador – a constatação constrangedora é a de
que não há nada de positivo a registrar. O fato é que não houve qualquer movimentação dos
governos Jânio e Jango, no que concerne ao Teatro Amador, e talvez isso seja verdadeiro
também em vários outros setores culturais. Implantada a ditadura militar, os parcos recursos
despendidos em cultura irão para as instituições criadas e dominadas pelo aparelho de Estado,
como o Instituto Nacional do Cinema, Instituto Nacional do Livro ou para a Campanha de Defesa
do Folclore. E para instituições herdadas do governo Vargas e revitalizadas no interesse do novo
regime, como o Serviço Nacional do Teatro e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional. No que se refere ao Teatro Amador, no período que estamos estudando, nenhuma
ação de efetivo apoio foi concretizada por organismos do Governo Federal. E, em breve,
veremos o que foi feito pelo Governo Central contra o movimento federativo paulista,
especialmente ao analisarmos a questão da censura cultural e repressão aos movimentos
populares.

Entrando na esfera da sociedade civil, observa-se que muitas das atividades dos grupos
amadores tiveram, como financiadores, grupos empresariais locais. As empresas respondiam
aos apelos dos amadores de forma quase informal, a maioria das vezes via contatos pessoais e
familiares, sem maior organicidade publicitária. Nestes moldes, empresários e entidades civis
diversas – num ambiente político e econômico desafiador – deram contribuições positivas.

No que tange ao fomento das atividades teatrais amadoras, as empresas realizaram um


mecenato com características que poderíamos definir como renascentistas (ou seja, além de
divulgarem suas atividades econômicas para o público que assistia a peças amadoras, buscavam
facilidades em conseguir créditos e angariar respeitabilidade aos seus afazeres), enquanto
clubes recreativos e igrejas realizaram um mecenato que poderíamos chamar de estatal (ou seja,
decidiram-se a agir como Mecenas – conselheiro do Imperador Augusto – apoiando artistas e
intelectuais para melhorar sua imagem institucional).

Para conquistar recursos para se apresentar, os amadores, desde os anos 1960,


buscavam por apoios e patrocínios nos restaurantes próximos aos locais de apresentação das
peças, além dos clubes recreativos e cinemas que precisavam dinamizar a frequência em seus
60

recintos. Também procuravam por patrocínios nos jornais e emissoras de rádio, que estavam
em demanda por assinantes e ouvintes qualificados.

Olhando por esse aspecto, talvez seja incorreto qualificar a maior parte dos empresários
que patrocinavam as atividades culturais amadoras como “mecenas”. Mas desclassificá-los
também não seria justo: muitas peças acabavam censuradas, acarretando a perda de todos os
recursos utilizados para produzi-las ou divulgá-las. E também precisamos lembrar que apoiar
atividades de “contestação ao regime” poderia render grandes dores de cabeça aos que as
patrocinaram.

A constatação objetiva é a de que quase todos os mecenas do movimento federativo de


teatro amador paulista obtinham algum retorno econômico de sua contribuição. Também se
constata que a grande maioria desses empresários colaborava no momento da divulgação das
atividades teatrais amadoras, seja através de inserções radiofônicas ou jornalísticas, seja pela
impressão de convites, ingressos, programas das peças, cartazes e faixas (raras, no período
estudado). Em muitas oportunidades, esse material se fazia acompanhar de logotipo e anúncios
da empresa colaboradora.

No caso das empresas jornalísticas, o apoio na divulgação era “mais desinteressado”,


embora seja verdadeiro que tal divulgação – principalmente nas cidades menores – implicava
em perceptível ampliação do público leitor, no período dos eventos (especialmente quando se
tratava dos festivais amadores).

Restaurantes e hotéis costumeiramente trocavam espaços de anúncios nos impressos


por refeições e alojamento dos elencos. Muitas dessas empresas acabaram por articular, junto
com as federações amadoras, convênios com prefeituras municipais: essas administrações
municipais pagavam as refeições e estadias em algumas ocasiões.

Registram-se, também, alguns casos de empresários que colaboraram na confecção de


cenários, figurinos e na compra de equipamentos elétricos e de som. Cediam ou emprestavam
móveis, doavam peças de tecidos ou até material de maquiagem. Quase nunca esses
empresários exigiam qualquer contrapartida comercial: eram poucos, mas eram muito queridos
no meio amador.

E, justiça seja feita, os principais mecenas dos grupos teatrais eram os familiares e
amigos dos que subiam ao palco. Não há como aquilatar em que grandeza foram essas
colaborações, nem se tem como fazer comparação entre o que foi doado pelos amigos e
familiares e o que veio da ação de mecenato empresarial. Mas se pode afirmar seguramente
61

que as colaborações dos amigos e familiares dos amadores foram superiores as dos empresários
estabelecidos.

Completamos o rol de apoiadores do movimento de teatro amador, relatando a


inestimável colaboração de clubes recreativos, sindicatos, grêmios estudantis e igrejas.

Imagina-se aqui, que os clubes recreativos cediam espaços e sócios para as atividades
amadoras, sem maiores considerações políticas, culturais e sociológicas, preocupando-se
exclusivamente em servir os seus respectivos públicos com lazer saudável e dando opções para
uma vida social mais dinâmica. E que os sindicatos, grêmios estudantis e igrejas davam apoio ao
movimento amador dentro de uma lógica de proselitismo.

Lembremo-nos, no entanto, da fase histórica atravessada pelo país: em pleno período


ditatorial, o proselitismo – de qualquer espécie – estava fora da lei. O debate político (e até as
posturas existenciais não ortodoxas) era considerado crime. Mas a necessidade de se debater
não morreu. A necessidade de se mobilizar diante da realidade do país acabou por eleger a arte
teatral como aglutinadora de setores mais dispostos – por sensibilidade e por conhecimento –
a afirmar ideias proibidas e de reagir contra a repressão. Os sindicatos, grêmios estudantis e
igrejas, objetivamente impedidos de fazer proselitismo, abriram espaço para que o teatro se
agigantasse como ferramenta de resistência. Os próprios clubes recreativos, talvez atendendo
intuitivamente aos sentimentos de seus associados, deram apoio firme a esse teatro de
resistência democrática.

Apoio firme que se demonstra, por exemplo, em um comentário da articulista Rosinha


Mastrângelo, no jornal O Diário (Santos, 01/08/1965):

O Clube Atlético Santista está construindo em sua sede social, uma


sala especialmente adaptada para ensaios do seu Grupo de Teatro,
devendo ser posta à disposição dos demais grupos amadores da cidade.

Isso representa bastante, convenhamos.

E o Clube Atlético Santista não era exceção: nas cidades do ABC, em Franca, São José do
Rio Preto, Sorocaba, Piracicaba e Rio Claro (e, com muita frequência, em cidades menores), os
clubes recreativos eram provedores importantes (e, às vezes, exclusivos) de espaços para o fazer
teatral.

Merecem menção muitos sindicatos que, sob violenta repressão e – portanto – vendo-
se impossibilitados de realizar diretamente o debate de ideias e projetos, encontraram, no
62

teatro amador, uma ferramenta para discussão e resistência. Alguns dos grupos organizados a
partir dos sindicatos chegaram a realizar espetáculos de alta qualidade (como aconteceu com o
TEMETAL – Teatro dos Metalúrgicos de Santos), e quase todos trouxeram contribuições
importantes para o fazer teatral amador. Foi o que aconteceu com os grupos dos metalúrgicos
do ABC (dos quais o Grupo Forja é um herdeiro legítimo), com o grupo dos bancários de São
Paulo, com grupos dos sindicatos calçadistas de Franca, e com o grupo dos ferroviários de Rio
Claro.

Os grêmios estudantis são fundamentais para a construção do poderoso movimento


federativo de teatro amador paulista. Em determinados momentos, os grupos teatrais
estudantis eram mais de metade dos filiados nas federações de teatro. Alguns se notabilizaram
pela qualidade de suas apresentações (como o TUCA – Teatro da Universidade Católica, o TEFFI
– da Faculdade de Filosofia da Universidade Católica de Santos, ou o GTEESC – da Escola de
Engenharia São Carlos, da USP), e quase todos contribuíram para a multiplicação de encenações,
de participação e de público.

No que tange às igrejas, observa-se não só a abertura dos salões paroquiais da Igreja
Católica (importantes em Santos, no Vale do Paraíba e em Franca) aos grupos amadores, como
– também – os espaços dos grupos protestantes (é o caso, por exemplo – dos luteranos, em Rio
Claro), dos xintoístas (em Marília e Bastos) e dos umbandistas (em todo o litoral paulista). As
igrejas Católica e Presbiteriana, como já se intui a partir do que foi relatado logo acima, também
incentivaram a multiplicação de grupos teatrais amadores nos estabelecimentos de ensino sob
sua inspiração.

No que se refere às instituições patronais, o Sesc79 se notabiliza pela sua constante e


pioneira atuação em relação ao Teatro Amador. De acordo com um folder sem numeração de
páginas, nem indicação de autoria de texto, distribuído pelo Sesc-Vila Nova em outubro de 1968
e compilado por Névio Dias, o Sesc, no estado de São Paulo, inicia suas atividades de teatro
amador em junho de 1954 quando80:

(...) resolveu em boa hora o Setor de Diversões do SESC – Serviço


Social do Comércio, organizar um Grupo Permanente de Teatro, entre os

79
Criado em 13 de setembro de 1946, pelo Decreto-Lei n° 9.853, assinado pelo Presidente Eurico
Gaspar Dutra, o Serviço Social do Comércio (Sesc) é uma instituição brasileira privada, mantida pelos
empresários do comércio de bens, serviços e turismo, com atuação em todo âmbito nacional, voltada
prioritariamente para o bem-estar social dos seus empregados e familiares, mas aberto à comunidade em
geral. Atua nas áreas da Educação, Saúde, Lazer, Cultura e Assistência.
80
DIAS, N. Memória 1965-1970: o teatro amador no contexto cultural de São Carlos. São Carlos:
ICACESP, 2009. pp. 109-110
63

comerciários. (...) Não havia, entretanto, qualquer estratégia bem definida


em relação à atividade teatral do SESC e, de acordo com os padrões de
serviço social da época, quase tudo o que se fazia tinha uma característica
marcadamente assistencialista. Tratava-se de proporcionar “diversão”, não
excluída a cultura, aos comerciários, assim como se proporciona hoje a
cesta básica a trabalhadores de pequeno salário.

É só no começo da década de 1960 que os técnicos do Sesc foram convocados para


planejar uma atuação cultural orientada pelos conceitos de promoção humana e social e de
desenvolvimento comunitário. A partir desse momento, multiplicam-se, nas unidades do Sesc,
os grupos de teatro amador.

A nova orientação acabará por transformar o próprio layout das unidades do Sesc: nos
primeiros momentos, alguns equipamentos foram distribuídos para as unidades da instituição,
ocorrendo a adaptação das quadras esportivas para a apresentação de espetáculos; mais tarde,
em praticamente todas as cidades, construíram-se novas dependências e as unidades do Sesc
ganharam as características atuais onde se equilibram os espaços para as atividades esportivas
e culturais.

Voltemos à década de 1960: no ano de 1965 são apresentados os primeiros espetáculos


produzidos pelos amadores do Sesc. Os membros dos grupos eram, quase sempre, alunos dos
cursos profissionalizantes ministrados nas dependências da instituição; os diretores dos grupos
eram, quase sempre os professores do Sesc; a audiência, os pais, familiares e amigos dos
membros dos grupos amadores (raramente passavam de 100 pessoas...). Mas, apesar da
modéstia de recursos e de pretensões, alguns espetáculos eram surpreendentemente bons, no
que se refere ao domínio das técnicas de apresentação teatral.

À medida em que se aproximava a data de inauguração do Teatro Anchieta (1967), as


expectativas em relação aos grupos amadores do Sesc se ampliavam e os recursos para
estruturá-los eram mais abundantes. No final de 1966, já existiam quase 20 grupos amadores
funcionando nas unidades do Sesc. Metade deles estava vinculada ao movimento federativo de
Teatro Amador81.

81
A partir daí o Sesc sempre dará apoio ao teatro amador, seja cedendo espaço para
apresentações, seja organizando e patrocinando turnês e festivais. Ator importante, o Sesc segue
promovendo a apresentação de grupos teatrais amadores e, nos dias de hoje, patrocina (e organiza)
eventos da importância do Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto, o Festival Nacional
de Presidente Prudente e o MIRADA – Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos.
64

Capítulo II – O Teatro Amador além do palco


Nas décadas de 1960 e 1970, encontramos um número impressionante de grupos
amadores paulistas em atuação. No ano de 1972, para ficarmos num exemplo, as 19 federações
então atuantes possuíam em torno de 500 grupos a elas filiados82.

Os grupos amadores, além de numerosos, eram estruturalmente heterogêneos: alguns


eram abrigo para mais de meia centena de praticantes (o Teatro Estudantil Vicente de Carvalho
– Santos, o Teatro Jambaí de Comédia – São Paulo, Grupo Cênico Regina Pacis – São Bernardo
do Campo e vários grupos formados dentro de unidades do SESC foram, em vários momentos,
exemplos dessa realidade); outros, mal chegavam a meia dezena de integrantes (isso era comum
em pequenas cidades ou em grupos com propostas específicas, como o Teatro do Clube Atlético
Santista que, em 1971, montou um grupo de veteranos do Teatro Amador).

No que tange aos espaços de atuação ou às articulações institucionais, também


encontramos heterogeneidade: havia grupos que orbitavam em torno de um professor de língua
portuguesa (ou de artes, ou de qualquer outra matéria...) de escolas de cidades pequenas e
médias83; havia grupos incentivados, ou até formados, por padres ou pastores das mais variadas
confissões religiosas (em salões paroquiais, seminários, templos ou terreiros)84; encontramos
grupos teatrais em clubes recreativos85, em sindicatos de trabalhadores86, em sociedades
amigos de bairro87, em centros acadêmicos88 e nas dependências de grandes universidades89.
Por fim, também encontramos grupos que se organizavam a partir do desejo de se expressar
por meio do teatro, independentemente de qualquer outro vínculo, gravitando frequentemente
em torno de algum abnegado amante do Teatro Amador90.

82
Teatro amador dá início a congresso. O Estado de São Paulo. Edição de 24/03/1973.
83
Pequena Organização de Teatro Estudantil (Presidente Prudente); Teatro do Estudante de
Barretos; Grêmio Teatral Leopoldo Fróes (Garça); Teatro Amador Luiz Gama (Franca) são exemplos de
grupos teatrais nascidos em recintos escolares.
84
Por exemplo: Grupo de Teatro do Convento de Santa Clara (Taubaté); Grupo Teatral Alan
Kardec (Santos); Seminário Josefino N. S. de Guadalupe (Ourinhos)
85
Por exemplo: Teatro Amador Italo-Brasileiro (Piracicaba), Teatro Experimental União
Recreativo (Sorocaba).
86
Por exemplo: TEMETAL – Teatro dos Metalúrgicos (Santos); Teatro do Ferroviário (Rio Claro);
Grupo de Teatro Amador “Os Servidores” (Campinas)
87
Por exemplo: Grupo Artístico Municipal de Amadores (São João da Boa Vista)
88
Por exemplo: Grupo de Teatro da Engenharia São Carlos (GTESC); Teatro Universitário da
Faculdade de Filosofia de Franca; Teatro Acadêmico Alexandre de Gusmão (Santos).
89
Por exemplo: Teatro da Universidade Católica (TUCA – São Paulo).
90
Por exemplo: Grupo Artes (Sorocaba, em torno do sr. Roberto Gil); Teatro Experimental
Sorocabano (em torno do sr. Afonso Gentil); Grupo Amadores de Teatro (Marília, em torno do sr. João
Rocha); Teatro Estudantil Rio Preto (em torno do, agora Prof. Dr., José Eduardo Vendramini).
65

Alguns, entre essas centenas de grupos, não conseguiram ultrapassar a barreira da


primeira apresentação teatral; outros marcaram época, por sua criatividade e pela qualidade de
seu trabalho (como aconteceu, por exemplo, com o Teatro Oficina ou com o TUCA – Teatro da
Universidade Católica).

Por consequência, caracterizar esses grupos amadores buscando algum tipo de síntese
conceitual, comportamental ou de objetivos seria algo impraticável, além de provavelmente
equivocado. O que os reúne, objetivamente, é o fato de se assumirem como grupos de Teatro
Amador. Mesmo que se reconheça uma realidade socioeconômica (com seus desdobramentos
políticos, comportamentais, artísticos, culturais) formadora do cenário em que esses diversos
grupos amadores existiam, as trilhas seguidas por eles, dentro desse ambiente, foram várias.

Alguns grupos amadores, no período que estudamos, entre 1963 e 1975, formam-se a
partir de personagens que imaginavam encontrar – nessas ribaltas – os atalhos que os levariam
para o teatro profissional, para as telas de cinema ou para a televisão. Jovens que sonhavam
com o estrelato, com uma vida profissional a ser construída nos meios de comunicação de
massa, com os holofotes e as atenções dos grandes públicos voltados para suas atuações
televisivas ou cinematográficas. Eles imaginavam que poderiam construir suas carreiras a partir
do instrumental que o teatro amador lhes oferecia. Intuíam que a mídia, que eles almejavam
conquistar, precisava – ao mesmo tempo – utilizar-se de formas que já eram sucesso
comprovado e trazer, de tempos em tempos, novidades para o público91.

Eram amadores que evitavam tomar posição em debates políticos, sociais ou


ideológicos: queriam se tornar artífices (ou aplicados técnicos) do setor de diversões públicas
que, na visão cáustica de Adorno, aliena a sociedade92:

Divertir-se significa estar de acordo. A diversão é possível apenas


enquanto se isola e se afasta a totalidade do processo social, enquanto se
renuncia absurdamente desde o início à pretensão inelutável de toda obra,
mesmo da mais insignificante, a de, em sua limitação, refletir o todo.
Divertir-se significa que não devemos pensar, que devemos esquecer a dor,
mesmo onde ela se mostra. Na base do divertimento planta-se a
impotência. É, de fato, fuga, mas não – como pretende – fuga da realidade

91
Este tipo de intuição encontra contraponto na teoria cultural de Raymond Williams em que,
usando a metáfora da “escada rolante” (começa no popular e ascende à elite), se desenvolve o conceito
de emergente cultural. (WILLIAMS, 1979. pp 126-129)
92
ADORNO, T. Indústria Cultural e Sociedade. São Paulo. Paz e Terra. 2004, p.41.
66

perversa, mas sim do último grão de resistência que a realidade ainda pode
haver deixado. A libertação prometida pelo entretenimento é a do
pensamento como negação.

Estes amadores, que estavam “de passagem” pelo movimento, eventualmente


construíram seus próprios grupos. Mas eram encontrados, com muita frequência, nos grupos
que buscavam realizar apresentações tecnicamente apuradas. Eram encontrados, inclusive, nos
grupos com vocação de resistência político-social. Chegavam a ser questionados e até
hostilizados, mas mantinham-se frequentando esses elencos enquanto esperavam por uma
posição no teatro profissional (ou na mídia de massas) ou até sentirem que aproveitaram tudo
o que o grupo podia lhes ensinar.

Foi o que recomendou, por exemplo, um jovem, numa reportagem do jornal Cidade de
Santos93:

Carlos Silveira, um jovem que fez teatro amador durante 7 anos em


Santos e que participou do elenco de “Marat/Sade” (...) aconselha a quem
quer fazer carreira para sair da “província”, pois acha que, aqui não há
condições.

Claro está que os amadores despreocupados em tomar posição política, social ou


ideológica são importantes. Mas há grupos amadores engajados em relação à cultura e à política
do país: esses grupos (Brecht assim diria, com nossa concordância...) são fundamentais. Os
grupos engajados formam a faceta mais dinâmica do movimento, graças à estabilidade de suas
práticas internas que redunda em estilo e técnicas definidas, e com o discernimento de quais
são seu público, projeto e repertório.

Engajamento que se vê no Grupo TUCA. De acordo com Antonio Mercado, seu primeiro
diretor superintendente, o Grupo TUCA “nasce no momento em que do fundo do poço brota
uma coisa improvável e temerária que deu certo”94. Que se vê, também (e ainda no ambiente
estudantil), no Grupo de Teatro da Escola de Engenharia de São Carlos (GTEESC) que se
aprofunda, com coerência e competência, no universo teatral de Bertold Brecht.

Ainda no âmbito estudantil, mas no ensino médio, encontramos o Teatro Estudantil


Vicente de Carvalho que, na crítica de costumes, acabou por trazer à cena questões de minorias

93
Edição de 19 de janeiro de 1968. O título do artigo é “Sair da Província, solução de Carlos para
fazer teatro”.
94
Revista Porandubas, entrevistas Morte e vida Severina. PUC, 1985.
67

raciais, de outsiders, do feminismo, e que multiplicou grupos de Teatro Amador, em Santos e


em todo interior do Estado de São Paulo, por conta do apuro técnico e do desprendimento de
seus membros em universalizar os seus conhecimentos teatrais.

O Grupo Jambaí de Comédia, sediado em São Paulo, avançou no terreno do teatro


autoral, sob a liderança de um ex-guarda-civil, que se tornaria professor doutor na Escola de
Comunicação e Artes da USP (Hamilton Saraiva). Alguns dos textos apresentados pelo Jambaí
conseguiram ir além do chamado “teatro de resistência”, com suas parábolas e alegorias,
caminhando para a crítica política e a análise contundente da realidade de desigualdade social,
vivida pelo Brasil.

Entre os grupos amadores vinculados aos sindicatos, merece menção especial o Teatro
dos Metalúrgicos de Santos (TEMETAL) que, em muitos momentos serviu de câmara de eco e
fórum de debates dos “cosipanos”95 e dos petroleiros do litoral paulista. Muitos grupos
amadores vinculados a sindicatos (como o “Forja”, de São Bernardo do Campo), irão – nas
décadas seguintes – seguir sendas abertas, pelo TEMETAL, nos “anos de chumbo”.

Não por acaso, muitas das lideranças do movimento federativo – que estudaremos a
seguir – originaram-se desses grupos engajados.

II.1 Movimento federativo


Com muitas ideias na cabeça e pouco dinheiro nos bolsos, os grupos amadores sentiam
a necessidade de buscar apoio nas comunidades em que viviam; precisavam se fazer representar
nos órgãos públicos municipais, para ter mais recursos financeiros e técnicos; tinham que
procurar comerciantes e industriais interessados em fazer propaganda ou mecenato. Além do
que havia, entre os grupos amadores, a vontade de trabalhar conjuntamente e de aprender com
os seus iguais. Essas necessidades obrigavam os amadores a serem receptivos a qualquer ação
que os levassem a unir esforços em favor de suas demandas e interesses.

Isso explica porque o movimento federativo no interior e no litoral de São Paulo (mesmo
que não tenha nascido espontaneamente) recebeu a adesão entusiástica dos grupos amadores,
tornando-se vigoroso e representativo. No período que estamos estudando, entre 1963 e 1975,
nada menos do que 19 federações (incluindo-se aqui a federação paulistana) permaneceram
atuantes.

95
Ou seja, funcionários da Companhia Siderúrgica Paulista – COSIPA.
68

O paradigma do movimento federativo, do interior e do litoral, foi o processo de criação


e a dinâmica de atuação da federação de teatro amador da capital paulista. Essa federação
surgiu num ambiente construído por uma imprensa96 que repercutia favoravelmente o trabalho
dos grupos amadores e como um dos frutos da ação da Comissão Municipal de Teatro. E, claro,
surgiu como consequência da multiplicação de grupos amadores nas escolas, nas universidades,
nas entidades sindicais e nos clubes recreativos.

De maneira similar ao que fez a Comissão Municipal de Teatro na cidade de São Paulo,
foi a partir da ação da Comissão Estadual de Teatro que as federações se multiplicaram no início
da década de 1960, espalhando-se por todas as regiões do Estado de São Paulo. Serão 19
federações, ao todo, que dinamizarão o cotidiano do Teatro Amador paulista. Esses fatos
indicam que a ação de criação das federações no interior do estado é o resultado da conjugação
de um trabalho e de uma filosofia que se construiu em um quarto de século de movimento
amador.

As federações, criadas a partir de 1963, surgiram de diretrizes da CET e se construíram


num processo que praticamente não variou em suas linhas gerais: membros da CET contataram
amadores que realizavam atividades teatrais em várias cidades interioranas, munindo-os com
minutas de atas e instruções precisas de como oficializar as entidades. A seguir, esses amadores
reuniam os grupos teatrais de suas cidades e regiões, mostrando as vantagens da criação do
movimento federativo e da vida jurídica dos grupos teatrais, que lhes permitiria receber
recursos públicos.

Exemplificando como se deu a criação das federações, acompanhamos os processos no


centro do estado de São Paulo (FETAC-São Carlos) e no litoral paulista (FESTA-Santos).

Começamos por São Carlos, onde fica explícita a ação de articulação, realizada pela
Comissão Estadual de Teatro, no sentido de congregar os grupos amadores locais no processo
criação da federação da região.

De acordo com o relato que Névio Dias97 fez sobre o processo de criação da federação
de São Carlos (FETAC – Federação de Teatro Amador do Centro do Estado de São Paulo), o então
presidente da Comissão Estadual de Teatro, Nagib Elchmer, buscou contato com o grupo de

96
Por conta do trabalho de Décio de Almeida Prado, em seu Caderno Cultural, o jornal O Estado
de São Paulo foi o grande divulgador das atividades do Teatro Amador paulistano, a partir da década de
1940. O jornal A Tribuna, de Santos, por meio do trabalho da articulista Patrícia Galvão, a Pagu, fez o
mesmo, na década de 1950.
97
DIAS, N. Memória 1965-1970: o teatro amador no contexto cultural de São Carlos. São Carlos:
ICACESP, 2009. p.121.
69

teatro amador do SESC-São Carlos, provavelmente no final do ano de 1964. Logo a seguir, Névio
foi a São Paulo, onde visitou a CET, recebendo as instruções de como criar uma Federação de
Teatro Amador.

Retornando a São Carlos, Névio fez “um levantamento sobre a existência de equipes
amadoras que pudessem dar maior consistência à formação de uma entidade desse porte”98.
Numa indicação de como o movimento amador gozava de vitalidade, ele encontrou, em sua
cidade, os grupos GTEESC (Grupo de Teatro da Escola de Engenharia de São Carlos-USP); Os
Jograis (do Instituto de Educação Dr. Álvaro Guião); Equipe Teatral São Sebastião; Paus de Arara
(Grupo do SESC-São Carlos); Grupo de Teatro Dom Bosco (Seminário Menor de São Carlos); e
encontrou também o ator Vicente Camargo que, depois de participar do Teatro do Estudante
(em São Paulo), passou a atuar individualmente apresentando o monólogo As mãos de Eurídice,
de Pedro Bloch.

Visitando as cidades vizinhas, Névio Dias contatou – em Araraquara – os seguintes


grupos: Os Diletantes (dirigido por Ana Maria Martinez Corrêa); Teatro Universitário de
Araraquara (TUA); Teatro do Colégio (TECO – dirigido por Luiz Antônio Martinez Corrêa); e o
Teatro de Araraquara (TEARA – dirigido por Ariovaldo dos Santos). Mais tarde, uniram-se à
FETAC o Teatro Experimental de Comédia de Araraquara (TECA – dirigido por Wallace Leal
Valentin Rodrigues) e Os Abstratos (dirigido por Paulo Cortez). Em Descalvado, foi contatado o
Grupo Teatral dos Trabalhadores (dirigido pelo jornalista Mário Fila).

Ainda de acordo com esse relato, feitos os primeiros contatos, o passo seguinte foi o de
reunir os grupos amadores e a chamada “elite cultural”99 para criar a federação e para levar
adiante as obras de construção do Teatro Municipal, que se achavam paralisadas. As três
primeiras reuniões, convocadas por Névio Dias, para dar início ao trabalho federativo, foram
desanimadoras: a única presença (além do próprio Névio) foi a da jornalista Laines Paulillo.

Mas a insistência de Névio Dias acaba recompensada: no dia 28 de julho de 1965, na


sede do CAASO100, ocorre a fundação da Federação de Teatro Amador do Centro do Estado de

98
Idem.
99
Névio Dias em nenhum momento deixou mais explícito o que ele considerava como “elite
cultural”. Mas, em sua correspondência (sob a guarda de sua viúva, Senhora Isa Oliani) encontraram-se
convites para jornalistas (como Laines Paulillo), diretores do Centro Acadêmico Armando de Salles
Oliveira, professores da rede pública estadual (como Dagoberto Rebucci) e escritores (como a poetisa
Vaní Genovez). Não houve como avançar na pesquisa, uma vez que essa correspondência não está
catalogada ou organizada por data.
100
Centro Acadêmico Armando de Salles Oliveira, situado à Av. Dr. Carlos Botelho, 1465 (São
Carlos)
70

São Paulo (FETAC) que, conforme registro do jornal A Folha101 (em manchete de primeira
página), iria “pugnar pelo desenvolvimento e estudo das matérias relativas ao teatro...”. E segue
o texto noticioso, em que se copia ipsis literis o artigo 3º, do capítulo I (que trata da Federação
e seus fins), da minuta do estatuto de Federação de Teatro Amador, oferecido pela CET102.

A FETAC abrangia inicialmente as cidades de Araraquara, Brotas, Descalvado, Porto


Ferreira e Ribeirão Bonito, com sede em São Carlos. Seu primeiro presidente, como seria de se
esperar, foi Névio Dias.

Assim que foi criada, a FETAC buscou consolidar o movimento federativo, incentivando
a criação de novos grupos na região e realizando cursos. Mas é provável que sua ação mais
efetiva (e certamente mais audaciosa) foi a de buscar uma sede para a entidade, instalando-se
nas dependências semiconstruídas do Teatro Municipal. Acompanharemos a ocupação, pela
FETAC, do Teatro Municipal, uma vez que essa ação diz muito sobre as estratégias – dos
amadores e de suas federações – na defesa da arte teatral e do movimento amador.

No final de 1965, quando a FETAC elegeu o Teatro Municipal como sua sede, o hall do
prédio estava sem portas (o mesmo acontecia com a plateia e com as áreas onde se situariam a
cabine de som e a secretaria) e as paredes não estavam rebocadas. As instalações sanitárias
inexistiam. O piso da plateia era de terra; as “poltronas” eram bancos de tábuas sobre tijolos.

A primeira melhoria foi o empréstimo de poltronas de madeira, fornecidas pela Rádio


São Carlos, que acabara de desativar o seu auditório, que se situava a cinco quarteirões de
distância103. E como era quase impossível manter essas poltronas sobre terra, a prefeitura viu-
se na obrigação de cimentar o piso da plateia. A estratégia da FETAC mostrava-se eficiente: as
atividades teatrais obrigavam a prefeitura a dar continuidade à construção do teatro municipal;
de outro lado, a CET enviava recursos para a Prefeitura do Município realizar a construção,
exigindo contrapartida, em igual valor. E as obras ganharam algum impulso.

Seguindo com essa inteligente forma de pressão, a FETAC decidiu “abrir as portas” do
Teatro Municipal (que na verdade ainda não existiam...), realizando inúmeras atividades
artísticas: Show Engenharia (a primeira apresentação dentro do teatro); Balé Professora Dilma
de Lima (com coreografia de Marcos Calligaris); Orquestra Sinfônica Estadual; Festival Juca de

101
“Fundada em São Carlos uma federação de teatro amador”, A Folha, ano IV, nº398, 30 de julho
de 1965.
102
Relatório 63/65 Comissão Estadual de Teatro, p. 49.
103
Rua 15 de novembro, no local em que situa, atualmente, a EMBRAPA. O Teatro Municipal
situa-se na Rua 07 de setembro, esquina com Rua José Bonifácio.
71

Oliveira. Para coroar, a magnífica apresentação da peça Os pequenos burgueses (de Máximo
Gorki, sob a direção de José Celso Martinez Corrêa) com o Teatro Oficina.

Essas apresentações, em um teatro semiconstruído, foram heroicas: um encerado


diminuiu a distância entre o palco e o urdimento, reduzindo a “fuga de som”, na apresentação
da Orquestra; o sistema de iluminação, construído pelos amadores, consistia em uma caixa de
madeira com chaves que acionavam os “panelões”; a primeira cortina foi confeccionada com
juta comprada na cidade de Jaú, costurada por amadoras, levantadas na vertical com um
contrapeso (que consistia em latas cheias com pedras) acionado por cordas. Atores, como Juca
de Oliveira, pernoitavam em repúblicas estudantis. As refeições eram doadas pelos restaurantes
Bambu, Maneco e Gruta Azul, situados nas imediações do teatro.

O interesse do público pelas apresentações constrangeu o prefeito Antonio Massei, que


não teve outro remédio senão concluir as obras, com auxílio da CET. Assim, a FETAC – formada
por funcionários públicos (como Névio Dias, que trabalhava na USP), professores do município
(como Dagoberto Rebucci), estudantes da Faculdade de Engenharia (como Jurandir Dias
Garçoni) – foi a ponta de lança da coletividade são-carlense para a ampliação dos espaços
culturais do município.

Para aprofundar nosso entendimento de como surgiram as federações regionais de


teatro amador, vejamos como nasceu a Federação Santista de Teatro Amador (FESTA), também
fundada em 1965, na antiga sede do então quase centenário Clube XV (o mais antigo clube social
do país, fundado em 1869), situada na Av. Presidente Wilson, esquina da Rua Marcilio Dias. O
prédio que viu surgir a FESTA é, hoje, uma das agências da Caixa Econômica Federal.

Sob a coordenação do senhor João Rios, membro da Comissão Estadual de Teatro, então
presidida por Nagib Elchmer, foi feita a reunião em que se criou a entidade. Os estatutos
aprovados eram transcrição literal da minuta produzida pela Comissão Estadual de Teatro.

Os amadores que participaram dessa primeira assembleia já eram conhecidos por sua
atuação artística nos clubes, sindicatos e escolas de Santos104. Até porque o movimento amador
santista beneficiou-se, nos anos anteriores, do despontar da carreira de Cacilda Becker (que,

104
Cabe, aqui, uma lista de pessoas que fizeram Teatro Amador em Santos, por essa época, e que
se tornaram profissionais: Serafim Gonzalez, Clovis Bueno, Ney Latorraca, Jonas Melo, Neide Veneziano,
Jandira Martini, João Albano, Cleide Eunice, Maria Tereza Alves, Lizete Negreiros, Juarez Gomes, Marco
Antonio Rodrigues, Dagoberto Feliz, Renata Zanetta, Eliana Rocha, Carlos Alberto Soffredini, Paulo Lara,
Oscar Magrini, Nuno Leal Maia, Margarida Rey, Bete Mendes, Domingos Fuschini e Luiz Thomas.
72

embora nascida em Pirassununga, iniciou sua vida teatral em Santos), da agitação cultural de
Patrícia Galvão (Pagu) e do mecenato de Paschoal Carlos Magno.

Naquele momento, frise-se, não existiam teatros públicos em condições de


funcionamento, na cidade. Mas havia um número razoável de palcos, nos cinemas e clubes. E
muitos grupos amadores. Por isso, não foi difícil constituir uma diretoria para a jovem entidade.
Na presidência, o escolhido foi Oscar Von Pfhul. Nos principais cargos executivos: Emanuel Leon
(Vice-Presidente); Carlos Pinto (tesoureiro); Jandira Martini (secretaria). Nos demais cargos e no
conselho, algumas figuras que se tornaram personalidades artísticas de brilho nacional, como
Nei Latorraca, Neide Veneziano e José Greghi Filho. A assembleia de fundação da FESTA foi
presenciada por dezenas de amadores105, muitos dos quais mantiveram-se na ribalta por muitas
e muitas peças teatrais, como – por exemplo – Wilson Geraldo, Walter Rodrigues, Silvio Roupa,
Cida Celestino e Antonio Faraco.

Na plenária de fundação ficou acertada a participação da região de Santos no III Festival


Estadual de Teatro Amador, cuja final seria realizada em Ribeirão Preto. Uma eliminatória
realizou-se entre 27 de setembro e 02 de outubro de 1965, em que se escolheu a peça que
representaria a Baixada Santista: “As desgraças de uma criança”, montada pelo Grupo Teatral
São José, da cidade de Cubatão. E assim a Baixada Santista se integrou ao movimento federativo
estadual.

As enormes semelhanças entre os processos de criação da FESTA e da FETAC


prosseguem, dentro de um cenário de luta, sem tréguas, por espaços de atuação. Como
aconteceu com a FETAC, a FESTA – assim que foi criada – buscou consolidar o movimento
federativo, incentivando a criação de novos grupos na região e realizando cursos. E também
como ocorreu com a FETAC, a FESTA irá fazer enorme campanha para a construção de um Teatro
Municipal. Como, em Santos, os teatros públicos estavam em ruínas (teatros Coliseu e Guarany),
a campanha foi pela construção de um novo Teatro Municipal.

As ferramentas utilizadas foram a da mobilização política e a da manifestação de


grandes personalidades do teatro brasileiro, como o agitador cultural Paschoal Carlos Magno e
a grande atriz Cacilda Becker. A luta se coroou de êxito 15 anos depois, com a inauguração do
Teatro Brás Cubas ocorrendo em 10 de março de 1979.

105
Como os amadores presentes não eram, oficialmente, representantes de seus grupos teatrais,
foi possível identificar apenas, nessa Assembleia de Fundação, amadores dos grupos “Iniciativa” (São
Vicente), “Teatro São José” (Cubatão), “Grupo de Teatro do Clube XV”, “Grupo de Teatro do Clube Atlético
Santista” e “TEMETAL”.
73

Assim, a partir de 1965, o movimento federativo cresceu e se espalhou por todo o


Estado. Dezenove federações, apresentadas no mapa a seguir, funcionaram regularmente.
Estas federações eram bastante desiguais em seu tamanho. A de Garça tinha 05 grupos teatrais
amadores; São Carlos, em torno de 20; Santos, mais de 30; São Paulo, mais de centena.

MAPA: Federações de Teatro Amador do Estado de São Paulo

LEGENDA:
Nº Nome da Federação Cidade-sede
01 Federação de Teatro Amador da Alta Araraquarense São José do Rio Preto
02 Federação de Teatro Amador da Média Mogiana São José do Rio Pardo
03 Federação de Teatro Amador da Alta Mogiana Sertãozinho
04 Federação de Teatro Amador da Alta Sorocabana Presidente Prudente
05 Federação de Teatro Amador do Centro do Estado São Carlos
06 Federação de Teatro Amador da Média Paulista Rio Claro
07 Federação de Teatro Amador da Alta Paulista Marília
08 Federação Garcense de Teatro Amador Garça
09 Federação de Teatro Amador da Baixa Sorocabana Sorocaba
10 Federação de Teatro Amador da Média Sorocabana Botucatu
11 Federação Bauruense de Teatro Amador Bauru
12 Federação Campineira de Teatro Amador Campinas
13 Federação de Teatro Amador do Nordeste Paulista Franca
14 Federação de Teatro Amador do Vale do Paraíba Taubaté
15 Federação Andreense de Teatro Amador Santo André
16 Federação de Teatro Amador do Vale do Rio Grande Barretos
17 Federação de Teatro Amador da Média Noroeste Lins
74

18 Federação Paulistana de Teatro Amador Capital


19 Federação Santista de Teatro Amador Santos

O movimento cresceu; os desafios também se multiplicaram. Os quadros diretivos das


federações precisavam participar de assembleias e congressos. Precisavam, também, de
disponibilidade para se encontrar com os grupos de teatro e para conduzir a administração e a
política no dia a dia do movimento federativo.

Assim, um dos problemas principais do movimento era o de falta de quadros diretivos.


A manutenção de documentação burocrática para ter direito a recursos públicos e a árdua luta
para conquistar esses recursos certamente assustavam; a quantidade de tempo necessária para
se desincumbir dessas atividades, também era um impedimento respeitável. As pressões eram
grandes a ponto de provocar um desabafo do presidente da Federação Santista de Teatro
Amador (Carlos Pinto, que na época organizava uma eliminatória do VII FETAESP, com 18 grupos
concorrentes), em entrevista a O Estado de São Paulo106:

Fazer teatro é uma aventura e aqueles que se dispõe a realiza-la se


arriscam a sofrer danos morais e econômicos.

O movimento federativo também encontrou problemas ao lidar com a estrutura interna


de alguns grupos amadores. Muitas vezes, porque os membros desses grupos queriam fazer
teatro sem se preocupar com a papelada burocrática, que lhes permitia ter vida jurídica e
condições de receber apoio dos órgãos públicos. Outras vezes, porque o diretor do grupo teatral
decidia, autoritariamente, o repertório e como deveria ser montada a peça. Por consequência,
pretextando coordenar os trabalhos do grupo, esse tipo de diretor coibia o processo de
discussão e de crescimento do coletivo, além de sinalizar demandas particulares no lugar do que
deveria ser de interesse geral. Essa situação foi apresentada, de maneira rude, mas precisa, em
um Congresso da COTAESP107:

Em muitos casos, um diretor metido a cacique considerava-se


porta-voz dos interesses de todos os membros e fazia pleitos que não
correspondiam aos interesses da comunidade. (...) Resulta que muitas
atividades programadas pela federação não eram úteis para os amadores,
que acabavam se afastando da entidade. (...) Nem sempre as federações
pesquisavam quais eram as principais necessidades e desejos dos grupos

106
É aventura fazer teatro em Santos. Jornal O Estado de São Paulo. Edição de 13/07/1969.
107
XIX Congresso de Teatro amador do Estado de São Paulo. s/d. pp35 e 38.
75

teatrais. E a organização de atividades e calendários nem sempre era


realizada com a participação dos membros dos grupos amadores da cidade.

Outra dificuldade recorrente surgia no trato do “calendário de atividades”: as


federações precisavam ter, na confecção desse calendário, uma ferramenta fundamental para
fortalecer os grupos, harmonizá-los, incentivá-los. Nesse sentido, o diretor de programação –
em cada uma das federações – precisava ser um artista do trabalho conjunto, um amigo dos
amadores, um coordenador de esforços. Não era comum que isso ocorresse108, o que levava a
consequências desastrosas: desperdício de energia, por duplicação de atividades; espetáculos
chocando-se em datas coincidentes; eventos e cursos ocorrendo em datas que eram
impraticáveis para boa parte da comunidade amadora da região; e – talvez o pior de tudo –
pouca coesão nos momentos de reivindicação diante das instituições públicas e privadas.

Na relação entre as federações e as comunidades em que se inseriam, sobrelevam-se os


seguintes desafios: representar os amadores nas instâncias e órgãos públicos municipais;
conhecer e instrumentalizar os professores de educação artística e língua portuguesa; procurar
comerciantes e industriais que queiram fazer propaganda (ou aliviar o imposto de renda)
apoiando atividades culturais. E mais: participar das datas cívicas e apoiar as campanhas que
congregavam a comunidade; ocupar espaços, na sociedade e na imprensa. Alguns desafios
foram vencidos; muitos nem sequer foram enfrentados.

A regularidade, no funcionamento das federações, não era a regra. Algumas gestões


conseguiram atingir as metas a que se propuseram; mas quando ocorria mudança de diretoria,
quase sempre essa regularidade se perdia. Essa descontinuidade também era fator de dispersão
e consequente enfraquecimento do movimento federativo.

Outro problema sério era o de comunicação. Muitos amadores não estavam cientes do
que estava acontecendo (seja no parâmetro cultural, teatral ou federativo) em sua cidade e
região. E quando surgia um problema mais complicado (por exemplo, censura a uma peça teatral
ou desativação de um espaço cênico), nem sempre as lideranças do movimento federativo eram
informadas em tempo de reagir com eficiência.

No que se refere às características socioeconômicas, os dirigentes das federações não


se diferenciavam muito dos amadores que eles representavam: estudantes, professores,

108
A exiguidade de quadros diretivos levava as federações a privilegiar a ocupação dos cargos de
Presidente, Secretário e Tesoureiro, deixando os cargos “culturais” em segundo plano. Isso garantiria o
funcionamento mínimo da estrutura administrativa (que ficaria com os amadores mais preparados ou
cônscios de suas responsabilidades). Como consequência, os cargos culturais – como o de diretor de
programação – nem sempre eram preenchidos com proficiência.
76

funcionários públicos, bancários, donas de casa e comerciários eram mais de 80% dos amadores
e eram mais de 80% dos seus dirigentes. Os operários eram relativamente expressivos na
Federação de Teatro Amador do Nordeste Paulista (FETANP – Franca) e na Federação Santista
de Teatro Amador (FESTA).

Diante de tantos problemas e desafios, a consolidação das federações, nos mais variados
recantos do Estado de São Paulo, teria necessidade de um polo aglutinador e centralizador.
Nesse sentido, o surgimento da Confederação de Teatro Amador do Estado de São Paulo
(COTAESP) seria, ao mesmo tempo, uma consequência lógica e um marco importante no
processo de estruturação do movimento federativo.

Embora a Comissão Estadual de Teatro, ao estabelecer os parâmetros que redundaram


na estruturação do movimento federativo de Teatro Amador (no Relatório 63/65, já examinado
em nosso estudo), não tenha previsto a criação de uma Confederação Estadual, deve ter
aplaudido a iniciativa dos amadores, ao menos por três motivos: em primeiro lugar, para
gerenciar os recursos e organizar o Festival Estadual de Teatro Amador, que ocorria todos os
anos; além disso, para dar legitimidade e funcionalidade à cadeira de teatro amador que fora
criada na própria Comissão Estadual de Teatro; por último, para centralizar e construir uma
escala de prioridades para as demandas do movimento teatral amador, surgidas nas várias
federações espalhadas pelo estado. Não por acaso, são essas três considerações que servem de
preâmbulo na ata em que se aprovaram os estatutos da nova entidade, datados de 28 de janeiro
de 1968.

A assembleia de fundação da COTAESP ocorreu no dia 05 de novembro de 1967. Quem


a organizou foi o representante dos amadores na CET, o senhor Hamilton Figueiredo Saraiva e a
data escolhida é emblemática (Dia Universal do Teatro Amador). De acordo com as assinaturas
em Ata109, estavam reunidos representantes de quatorze federações110.

Constituiu-se, nessa primeira assembleia, uma diretoria provisória formada por Névio
Dias (funcionário público de São Carlos – presidente), Hamilton Figueiredo Saraiva (sargento da

109
Essa Ata está reproduzida no ANEXO 2.
110
Federação Paulista de Teatro Amador (da capital); Federação do Centro do Estado de São
Paulo (com sede em São Carlos); Federação Santista de Teatro Amador (Santos); Federação de Teatro
Amador da Alta Sorocabana (Presidente Prudente); Federação de Teatro Amador da Baixa Sorocabana
(Sorocaba); Federação Garcense de Teatro Amador (Garça); Federação Andreense de Teatro Amador
(Santo André); Federação Bauruense de Teatro Amador (Bauru); Federação de Teatro Amador do Vale do
Paraíba (São José dos Campos); Federação de Teatro Amador da Média Sorocabana (Botucatu); Federação
de Teatro Amador da Alta Araraquarense (São José do Rio Preto); Federação de Teatro Amador da Alta
Mogiana (Ribeirão Preto); Federação de Teatro Amador do Nordeste Paulista (Franca) e Federação
Campineira de Teatro Amador (Campinas).
77

polícia civil, de São Paulo) e Carlos Pinto (petroleiro e jornalista, de Santos). Optou-se pela
diretoria provisória por dois motivos: nem todas as federações já existentes foram efetivamente
contatadas para participar da reunião; e não existiam estatutos que pudessem regulamentar a
eleição. Além de fazer os estatutos da Confederação, a diretoria provisória foi encarregada de
organizar eleições, para a diretoria permanente, na segunda quinzena de janeiro de 1968.

Os estatutos produzidos assemelhavam-se muito aos que a CET criara para servir de
parâmetro para as federações e foram referendados sem maiores problemas. A assembleia para
votar os membros do Conselho Superior, Diretoria e Conselho Fiscal111 realizou-se em 28 de
janeiro de 1968. Treze federações estavam diretamente representadas e Hamilton Figueiredo
Saraiva assinou a ata na qualidade de representante dos amadores na CET. Carlos Pinto, de
Santos, foi eleito presidente da COTAESP.

Como se pode constatar, a COTAESP surgiu – em grande medida – para mediar as


relações entre a CET e as federações de teatro. Para articular as federações com a CET. Mas
adquiriu, imediatamente, características de articulação política entre as federações. A COTAESP
prestava vários serviços para as federações112, mas procurou se tornar, em poucos meses, a
instância em que se pensava, de maneira autônoma, o movimento federativo de teatro.

Entre os serviços disponibilizados pela COTAESP para as federações e os realizados para


a própria manutenção do dia a dia da entidade, devem ser ressaltados os serviços de secretaria,
onde se cuidavam dos procedimentos referentes à manutenção da vida jurídica das entidades
federadas. A COTAESP também mantinha uma ponte entre os grupos amadores e a SBAT
(Sociedade Brasileira de Autores Teatrais), resolvendo dúvidas e demandas dos grupos
amadores do estado, relativos ao direito autoral. Por fim, a COTAESP ajudava nas questões
relativas à censura (que infernizou o fazer teatral brasileiro por quase duas décadas): seja para
o encaminhamento burocrático para a obtenção do atestado liberatório; seja para fazer frente
aos frequentes abusos inerentes à atividade censória.

Aqui é importante ressaltar que, para além dos serviços, a COTAESP era fundamental
porque prestava apoio político às federações, ajudando-as a pleitear locais de ensaio ou

111
A Ata de eleição da primeira diretoria da COTAESP está reproduzida no ANEXO 2
112
De qualquer forma, ao constituir uma diretoria executiva e um conselho superior, além de ter
uma cadeira na CET (Comissão Estadual de Teatro) representando o movimento teatral amador, a
COTAESP acabava por ampliar a carência de quadros diretivos das federações, embora – formalmente –
os diretores e conselheiros da COTAESP não abandonassem suas funções nas federações. Mas a realidade
era a de que a enorme quantidade de tarefas administrativas estaduais acabava por reduzir o tempo
dispendido com os problemas locais ou com a vivência teatral, nos grupos amadores; em alguns casos,
ambas as coisas.
78

encaminhando projetos junto às prefeituras municipais. E lhes dava o fundamental amparo


econômico, intermediando os recursos provindos principalmente do governo estadual (através
da CET ou das secretarias).

Se há o entendimento de que federações e COTAESP existem como ferramentas para


que se estabeleçam condições para a produção teatral amadora, certamente essas instituições
precisam se estruturar, internamente, por intermédio de assembleias (locais, setoriais, regionais
ou administrativas) e congressos gerais, onde os amadores estabelecem suas prioridades e
linhas de ação. São nas assembleias e congressos que se verbalizam as demandas dos amadores
de teatro; são nas assembleias e congressos que se organizam os festivais de teatro, que se
direcionam os recursos para o fazer teatral, que se estabelecem as necessidades técnicas a
serem atendidas por cursos ou por compra de material elétrico a ser usado nos teatros. Nas
assembleias e congressos, a explicitação das diversidades de concepções e opiniões existentes
entre os amadores apresentam-se como elementos indispensáveis para o crescimento e
evolução do movimento federativo (e é claro que, se existem diversidades de concepções e
opiniões, é nas assembleias que ocorrem disputas e negociações onde se forjam as diretrizes do
movimento). As assembleias agem como órgão fiscalizador do gerenciamento dos recursos das
entidades, além de, claro, serem nas assembleias e congressos que ocorrem os processos
eleitorais de escolha das diretorias.

II.2 A COTAESP em movimento: as assembleias e congressos.


As assembleias norteavam o dia a dia das federações e confederação113, enquanto os
Congressos da COTAESP eram construídos com um caráter de formulação estratégica e de
posicionamento político.

113
Transcrevemos aqui os assuntos de alçada das assembleias, de acordo com o art.40 dos
estatutos das várias federações:
§1º - Os assuntos a seguir indicados são da alçada específica da Assembleia Geral Ordinária:
a) Exame do relatório anual da Diretoria;
b) Exame e aprovação de contas e do balanço geral do exercício vencido;
c) Aprovação do orçamento anual;
d) Eleição dos membros da Diretoria e do Conselho Fiscal;
e) Elaboração do parecer a ser enviado à CET.
§2º - Os assuntos a seguir indicados são da alçada específica da Assembleia Geral Extraordinária
mediante convocação prévia e explícita:
a) Modificações estatutárias;
b) Autorização para movimentar bens patrimoniais;
c) Criação e alteração de contribuições;
d) Revogação do mandato de qualquer membro da Diretoria por atuação contrária aos
interesses da Federação;
e) Eleição de substitutos para cargos eventuais vagos da Diretoria e do Conselho Fiscal;
f) Deliberar sobre quaisquer outros assuntos de interesse da Federação.
79

A pesquisa indica que as assembleias, realizadas pelas federações, eram pouco atrativas
para os amadores, exatamente porque lidavam com o cotidiano administrativo. E o número de
participantes, de um modo geral, era bem pequeno.

Observando os estatutos das federações, encontramos parte importante dos motivos


para essa rarefação de participantes. De acordo com essas disposições estatutárias, haveria tão
somente uma Assembleia Ordinária anual; nessas Assembleias, cada grupo amador era
representado por um só delegado (não havia a possibilidade de participação individual); muitas
dessas Assembleias deliberavam com quórum rarefeito (às vezes, só dez pessoas); por último,
as Assembleias não se posicionavam (nem normatizavam) sobre questões do fazer teatral.

No final das contas, os estatutos das federações foram construídos para que as
entidades tivessem os atributos legais necessários para legalizar as dotações da Comissão
Estadual de Teatro, direcionadas para as atividades que a CET considerava pertinentes (Festivais,
cursos, distribuição de livros...). Conclui-se que a surpresa seria se os amadores se sentissem
atraídos por essas reuniões...

Por isso, tentando evitar a rarefação da frequência às assembleias, algumas federações


(as sediadas em Santos, São Carlos, Franca e Rio Preto, com determinação; as sediadas em
Sorocaba, Marília e Campinas, esporadicamente) agiram no sentido de trazer o fazer teatral (e
a própria conjuntura social) para dentro das assembleias. Nesse intento, foram ajudadas pela
COTAESP que, dentro de sua preocupação em pensar o movimento federativo de teatro amador,
passou a exigir teses produzidas pelas federações, para serem apresentadas em seus
congressos.

A COTAESP também exigia que essas teses fossem debatidas nas assembleias das
federações, ao mesmo tempo em que os delegados ao congresso estadual seriam escolhidos.
Ao garantir transporte e estadia para os congressos, a COTAESP lança mão de uma dinâmica que
se mostrou eficiente (tanto no aspecto de atratividade, como – o que era sem dúvida mais
importante – no de desenvolvimento de discussões e na tirada de posições) no movimento
amador daquele período. As assembleias em que se confeccionavam as teses dos congressos
acabaram, por conta disso, recebendo frequência maior do que as realizadas para eleições e
prestações de contas. Em alguns casos, federações modificaram suas programações de modo a

Art. 45 – (...) §1 – A Assembleia Geral Extraordinária só poderá deliberar sobre o assunto


expressamente indicado na convocação.
80

fazer com que as assembleias eleitorais coincidissem com as que preparavam as teses para
congressos...

Passemos aos congressos, que a COTAESP realizava anualmente. Eles se realizavam em


duas etapas, num processo que buscava envolver o maior número possível de participantes.
Muito provavelmente, essa busca indica a pretensão da entidade estadual em fomentar a
participação das bases (grupos teatrais e seus membros), nas instâncias de direção política e
administrativas do movimento federativo. Além do que a representatividade da COTAESP,
perante os órgãos governamentais e instituições do Teatro Profissional, dependia diretamente
da mobilização do enorme contingente, de amadores, existente no Estado de São Paulo.

A primeira etapa do Congresso da COTAESP, descentralizada, ocorria nas cidades-sede


das federações. Nessa primeira etapa, os participantes confeccionavam teses que seriam
debatidas e, eventualmente, aprovadas na segunda etapa114.

As federações, ao realizar seus minicongressos, faziam um relatório dessa atividade,


onde constavam – além dos nomes dos delegados escolhidos para a segunda etapa – as teses
elaboradas e que seriam apresentadas no congresso estadual. Esses relatórios, dos
minicongressos, são rica fonte para o conhecimento de como interagiam os grupos amadores
com o movimento federativo. E nos dão, também, fundamentos para mensurar a dinâmica das
bases de sustentação desse movimento.

A segunda etapa ocorria em uma sede federativa escolhida no congresso do ano


anterior, e se prolongava por três ou quatro dias. Participavam representantes (em número
paritário) de cada uma das federações vinculadas a COTAESP. Só esses representantes tinham
direito a voto. Nas cidades fora da jurisdição de alguma federação, podiam ser credenciados
representantes (normalmente duas pessoas), que teriam direito a voz – mas não poderiam
votar. Após a criação da CONFENATA115 (Confederação Nacional de Teatro Amador), as

114
No ano de 1984 (portanto, depois do período que estamos estudando) ocorreu uma mudança:
a diretoria da COTAESP elaborou uma proposta em teses para ser discutida nos minicongressos da
primeira fase, sem prejuízo da possibilidade de produção de teses por parte das federações.
115
A FENATA (Federação Nacional de Teatro Amador, depois CONFENATA) foi criada a partir de
diretivas do presidente do Serviço Nacional do Teatro (SNT), Orlando Miranda, numa reunião realizada
nos dias 02 e 03 de novembro de 1974. Em discurso perante os participantes dessa reunião, Orlando
Miranda informa que as reivindicações dos grupos amadores, daquele momento em diante, só seriam
atendidas, pelo Governo Federal, por intermédio da FENATA. E só seriam reconhecidos e apoiados os
festivais estaduais e regionais coordenados pela entidade nacional de amadores, o que indica que os
festivais da COTAESP só receberiam apoio se abdicassem da coordenação em favor da FENATA. Por
consequência, nem um centavo federal foi encaminhado aos Festivais de Teatro Amador do Estado de
São Paulo.
No final das contas, A FENATA (e depois a CONFENATA – Confederação Nacional de Teatro
Amador) recebeu muito mais do que deu à COTAESP. E isso, desde os primeiros momentos: para receber
81

federações estaduais de teatro amador também poderiam enviar representantes que também
teriam direito a voz.

O congresso estadual conseguia mobilizar boa parte da comunidade anfitriã. De um


modo geral, todos os congressistas (o número variou entre 40 e 90 pessoas, mas aconteceu
congresso com três centenas de assistentes) tinham garantidos alojamento e alimentação
gratuitos. A Comissão Estadual de Teatro destinava recursos (algo em torno de ¼ ou 1/3 do
necessário) que eram complementados pelas prefeituras anfitriãs.

Os congressos, como se observa, eram estruturalmente muito bem organizados. E, além


de serem sempre os catalizadores da articulação federativa e fórum dos debates sobre o fazer
teatral, em boa parte do período que estudamos, as restrições advindas da conjuntura política
(os anos de chumbo do regime militar) faziam dos congressos manifestações coletivas de
resistência às pressões constantes contra a produção teatral amadora, transformando-os em
grito de rebeldia (e até de vida, de sobrevivência). Nesse momento histórico, os congressos eram
momentos de união, de troca de informações, de alento mútuo.

A análise das atas e das teses congressuais apontam para dois momentos distintos, no
que tange às questões debatidas. Num primeiro momento, nos anos de 1965 e 1966116 e sob
orientação direta da Comissão Estadual de Teatro, a prioridade era a organização do movimento
federativo: seja para instrumentalizar as federações em seu processo de implantação; seja para
dar maior organicidade aos festivais estaduais; seja para dar visibilidade institucional e pública
ao trabalho federativo. Nesse primeiro momento ainda ressoavam, nos Congressos Amadores,
os debates mobilizadores do início da década de 1960, como os advindos do Teatro de Arena e
do Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE).

No segundo momento (de 1968 a 1975), agora sob organização da COTAESP, a


prioridade era a de resistir à censura e a uma insidiosa manobra de asfixia econômica (cujas
ferramentas eram as exigências da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais – SBAT, a redução
drástica da autonomia da Comissão Estadual de Teatro – CET e da consequente rivalidade dos
profissionais de teatro em relação aos recursos públicos) que poderiam comprometer a própria

os primeiros recursos do Serviço Nacional de Teatro, a FENATA, que ainda não tinha vida jurídica, teve
que pedir que o dinheiro fosse enviado para a COTAESP, que o redirecionou para a entidade nacional.
116
Observe-se que não houve Congresso em 1967. Mas não se pode imaginar que estamos diante
de uma “lacuna”, uma vez que entre o II e o III Congresso, ocorreu um interregno de 13 meses. Parece
mais sensato supor que o movimento federativo encontrou mais vantagens (tanto do ponto de vista
organizativo, como também no incremento do comparecimento de delegados) em fazer seus Congressos
nos meses iniciais de cada ano.
82

existência do movimento federativo amador. Essa luta pela sobrevivência obscureceu as


questões relativas ao fazer teatral.

Nos últimos anos do segundo momento (1973-1975), soma-se – ainda – a necessidade


de, literalmente, reconstruir a produção teatral amadora que havia sido torpedeada pela
censura, pela repressão e pelo processo de asfixia econômica ocorridos no decorrer dos “anos
de chumbo” de ditadura militar. Na busca de textos teatrais que pudessem ser encenados com
proveito pelos amadores e que interessassem ao público, os Congressos dos últimos anos do
segundo momento concentraram-se na conjuntura a ser enfrentada, restando muito pouco de
pensamento de estratégias e objetivos de longo prazo.

Olhando um pouco à frente do período que estudamos, o panorama que se entrevê, no


período de crise do autoritarismo, é de dispersão em relação a objetivos, e de desníveis brutais
nos projetos e atividades das federações. Eis aí, um dos frutos amargos de anos de censura e de
obscurantismo promovidos pela ditadura militar. Enquanto, nos “anos de chumbo” havia – ao
menos – a necessidade de ação coletiva de resistência ao arbítrio, no final dos anos 1970 as
federações tinham ações e aspirações tão desarticuladas que faziam com que os congressos
acabassem aprovando apenas calendários teatrais e planos de trabalho, sem organicidade para
a realização de debates mobilizadores, nos terrenos cultural e político. Essa ausência de foco
parece indicar que a ação da censura (e, claro, da repressão direta aos grupos amadores e seus
integrantes), ao longo de mais de uma década, demoliu qualquer possibilidade de construção
de projetos culturais minimamente articulados. Inviabilizou até o surgimento de movimentos
culturais, pois nesse período (se olharmos para um plano cultural mais geral) não se enxergam
movimentos além da Tropicália, que – apesar de criativa e exuberante – foi uma andorinha
solitária, incapaz de trazer o verão...

A falta de projetos, para o movimento amador como um todo, tornou os congressos


modorrentos117. E provavelmente contribuiu para a extinção deles, na segunda metade da
década de 1980.

117
Essa modorra ocorreu também nos congressos brasileiros de teatro amador. No caderno de
teses do XIX Congresso da COTAESP (1984, p.42), observa-se o seguinte comentário a respeito do III
Congresso Brasileiro de Teatro Amador, ocorrido poucos meses antes: “... se você procurar realmente
pelas resoluções do Congresso, irá encontra-las entre as páginas 27 a 36. São dez páginas (escritas em
tipos bem grandes...) para as resoluções, contra doze páginas de endereços e quatro com os mapas das
regionais da CONFENATA. (...) Lemos, na pág. 27: ‘ (considerando que) a falta de dados disponíveis sobre
as condições concretas da produção do teatro amador brasileiro, somada a impossibilidade que dispomos
para um tempo maior de discussão, esta comissão (nº1) não pode chegar a um maior aprofundamento do
relacionamento daquela produção com o fazer teatral’”.
83

No que se refere à dinâmica interna dos congressos, observa-se que funcionavam em


torno do debate das teses, tanto na primeira etapa de trabalhos (nos minicongressos) quanto
na fase final. Em sua redação, as propostas precisavam, necessariamente, vir acompanhadas de
suas respectivas justificativas. Nos minicongressos não ocorriam votação de propostas e todas
acabavam enviadas para a segunda etapa, podendo uma mesma federação enviar propostas
conflitantes sobre o mesmo ponto.

Na segunda etapa de trabalhos, as propostas eram lidas em plenárias setoriais e


discutidas. Podiam ser aprovadas (no todo, ou em parte), reprovadas (no todo, ou em parte) ou
reprovadas com substitutivo. A seguir, as propostas aprovadas eram sistematizadas e passavam
por uma redação final. Por último, eram levadas para a plenária geral para serem referendadas
ou não (mas muito raramente ocorria rejeição nesta fase).

Na plenária final ocorria, também, a eleição da nova diretoria da COTAESP. Na maioria


das vezes organizava-se chapa única118, que era votada por aclamação. Esse fato estava
associado ao desenrolar do debate das teses, quando uma intensa negociação forjava a
produção da chapa que acabava vitoriosa. E também porque – no decorrer do ano –
praticamente só os membros da diretoria da COTAESP visitavam as federações, tendo condições
de se fazerem conhecidos e de realizar proselitismo.

Iniciando a história dos congressos estaduais, acompanhemos o I Congresso Estadual de


Teatro (ocorrido em março, ou abril, de 1965). O I Congresso (e o II Congresso, também) foi
patrocinado e sediado pela Comissão Estadual de Teatro. Os relatos de amadores
contemporâneos ao evento parecem confirmar a hipótese de que esse congresso foi mais um
ato burocrático do que uma ação coletiva e tinha, como objetivo principal, divulgar a ação da
Comissão Estadual de Teatro que, naquele momento, objetivava criar as federações regionais
de amadores.

118
Só ocorreu uma alteração importante na composição da diretoria da COTAESP, no início dos
anos 1980. Mesmo nessa oportunidade, uma única chapa foi apresentada para escrutínio dos delegados.
É oportuno observar que a escolha da próxima sede para a realização do FETAESP (Festival de Teatro
Amador do Estado de São Paulo) ocorria com muito mais vívida competição; não raro, com vários
postulantes.
Ainda sobre a questão das eleições com chapa única: um fator reduzia a possibilidade de
representação realmente democrática. Este fator é a falta de proporcionalidade na representação dos
congressos. Havia federação que congregava mais de 100 grupos amadores; havia federação que possuía
05 grupos amadores. Ambas mandavam para os congressos, o mesmo número de delegados. Como havia,
no mínimo, 17 federações ativas, as diretorias já constituídas da COTAESP chegavam ao congresso com
possibilidades infinitamente maiores de se manter no comando.
84

O II Congresso Estadual de Teatro, ocorrido em 26 e 27 de novembro de 1966 (ainda


antes do surgimento da Confederação de Teatro Amador do Estado de São Paulo), foi melhor
documentado. Além da competente ata, que foi distribuída às federações regionais de teatro
amador, o evento mereceu uma série de quatro alentados artigos no jornal O Diário, de Santos,
publicados nos dias 29 e 30 de novembro de 1966 e nos dias 01 e 02 de dezembro. O autor
desses artigos, Carlos Pinto, participou do encontro na qualidade de representante da Federação
Santista de Teatro Amador (FESTA). E fez uma resenha pormenorizada do que foi deliberado.

Na seção de abertura, em que estiveram presentes Nagib Elchmer (presidente da CET),


Tatiana Belinky, Divina Sales, João Rios e Sandro Polônio119, os amadores foram divididos em
cinco comissões, que...120

...discutiram os seguintes problemas: 1ª Comissão – Federações:


organização, objetivos, jurisdição de áreas, forma de atuação, dificuldades
financeiras e organização de grupos regionais. 2ª Comissão – Cursos e
bolsas de estudo. 3ª Comissão – Festivais e sua organização. 4ª Comissão –
Distribuição e avaliação de textos. 5ª Comissão – Problemas do teatro
infanto-juvenil.

Carlos Pinto caracterizou o espírito deste II Congresso como sendo de mudanças,


especialmente no que se refere à necessidade de suplantar as perspectivas de pessoas que,
agindo e vivendo dentro do ambiente artístico, não conseguiram evoluir em sua visão do que
seja Teatro Amador.

Num terreno mais objetivo, reformulou-se a Festival Estadual de Teatro Amador que,
até aquele momento, era integralmente produzido pela Comissão Estadual de Teatro. Além
disso, as deliberações do II Congresso apontaram para o futuro protagonismo das federações na
organização do movimento amador paulista.

E esse protagonismo das federações não iria se corporificar sem que houvesse tensões
em relação à Comissão Estadual de Teatro. Uma dessas tensões referia-se à avaliação sobre
quais seriam os textos e autores a serem encenados, pelos amadores, nos festivais. Pela norma

119
Todos, na época, eram membros da CET. Tatiana Belinky foi autora de mais de 250 títulos de
literatura infanto-juvenil. Traduziu grandes autores russos, como Anton Tchekhov e Leon Tolstoi. Fez a
adaptação de clássicos da literatura, entre eles, “Alice no País das Maravilhas”. Divina Sales foi atriz.
Sandro Polônio, ator e produtor teatral, foi o fundador da Companhia Maria Della Costa. João Rios era
produtor teatral.
120
PINTO, Carlos. II Congresso Estadual de Teatro – I. Santos: Jornal O Diário, edição de
29/11/1966.
85

até então vigente, a CET produzia anualmente uma lista de autores e peças que poderiam ser
encenados pelos grupos teatrais amadores e se obstinava em manter essa listagem. Os
amadores decidiram se recusar a este tipo de tutela. Como nem um dos lados estava disposto a
ceder, foi encontrada uma solução de compromisso: argumentando a necessidade de incentivar
o aparecimento de novos dramaturgos, os grupos que desejassem encenar autores que não
constavam na tal lista, deveriam enviar uma cópia do texto para a CET, para aprovar (ou não) a
apresentação. Parece que o compromisso foi respeitado, pois não foi encontrado – no material
que serve de base ao nosso trabalho – nenhum caso de rejeição da CET a qualquer texto
encaminhado pelos amadores, para posterior encenação...

Quanto aos textos encaminhados pelos amadores, observa-se que muitos deles eram os
textos encenados recentemente pelo Teatro Oficina; outros faziam parte do repertório dos
grupos do CPC da UNE no início dos anos 1960.

E alguns dos textos enviados para a CET eram de autoria dos próprios amadores. Talvez
aqui residisse a grande tensão (mas que nunca resultou em confronto): o que a CET considerava
ser a grande razão de sua existência como fomentadora da atividade teatral era o entendimento
de que o teatro é “um instrumento de formação cultural do povo121” e que o fomento era para
“encenações de textos que podem ser considerados importantes122”; enquanto os grupos
amadores queriam, de um modo geral, retratar e pensar como eles (amadores) e seu público
vivem. A CET provavelmente torcia para que se apresentassem “clássicos” teatrais, enquanto os
amadores buscavam textos ligados à história de seus vizinhos do bairro, que iam assistir a suas
encenações.

Por fim, registre-se que se fez, nesse congresso (como de resto, em todas as atas dos
demais congressos), o pedido de que as federações regionais mantivessem ao menos um grupo
de teatro infantil.

Desloquemos nosso olhar, agora, para o segundo momento (1968 -1975), em que a
COTAESP – ao dirigir o movimento amador a partir da articulação entre as federações –
personifica o amadurecimento do movimento federativo. Este momento também é marcado
pela resistência do movimento amador à censura, à asfixia econômica e à repressão causadas
pela vigência do AI-5, e pelo enfrentamento a ações de grupos políticos e do aparato repressivo
que – acobertados pelo estado de exceção – agiam para desarticular o movimento amador.
Registre-se que, nesses oito anos, ocorreram oito Congressos indicando que, mesmo diante de

121
COMISSÃO ESTADUAL DE TEATRO. s/d p. 03
122
Id. p.06
86

grandes obstáculos, tais como a desarticulação temporária da CET, a censura e a repressão


política – além de enfrentar gigantescas dificuldades em vários momentos – o movimento
federativo logrou manter-se organizado e atuante até a metade dos anos 1970.

O III Congresso do Teatro Amador do Estado de São Paulo, ocorrido nos dias 27 e 28 de
janeiro de 1968, no Centro Social dos Guardas Civis da cidade de São Paulo, viu nascer a
Confederação de Teatro Amador do Estado de São Paulo.

Articulada nas coxias do V FETAESP (Festival de Teatro Amador do Estado de São Paulo),
realizado em Presidente Prudente no final de 1967, como se discutirá no próximo capítulo, a
COTAESP assumirá importância crescente nos rumos do movimento. Nessas conversas de
bastidores, o pessoal que se forjou em palcos estudantis e sindicais, teve protagonismo. Fora do
ambiente amador, foram importantes, também, as colaborações do então prefeito de
Presidente Prudente, sr. Watal Ishibashi (“Japa”, do MDB e possivelmente vinculado ao proscrito
PCB) e do ator profissional, Tarcísio Meira.

Entre os estudantes, é expressiva – na criação da COTAESP – a participação dos


secundaristas, especialmente os da cidade de Santos. Em linhas gerais, o Centro de Estudantes
de Santos123 compartilhava a tese de que os intelectuais tinham a responsabilidade social,
agindo “sobre a cultura presente procurando transformá-la, estendê-la, aprofundá-la124”.
Muitos dos jovens secundaristas, que participariam da COTAESP e da FESTA, foram
apresentados à arte teatral pelos professores, especialmente os de língua portuguesa. Havia, no
SINPRO-Santos125, nesse período, grande número de professores que deram bases técnicas,
teóricas e de participação política aos alunos que faziam teatro, como fez – por exemplo – o
professor Paulo Jordão, que foi figura importante do Teatro Estudantil Vicente de Carvalho.

Em São Paulo, São Carlos e Campinas, são os alunos das universidades que têm
protagonismo nos palcos amadores. No caso de São Paulo e de Campinas, os palcos são
ocupados por alunos que cursam as áreas de humanidades, com destaque para os jovens das
Universidades Católicas; em São Carlos, o Centro Acadêmico Armando de Salles Oliveira, da
escola de engenharia, assumiu a realização das atividades culturais que os cursos tecnológicos

123
O Centro dos Estudantes de Santos foi fundado por estudantes de ginásio em 8 de janeiro de
1932, e é a terceira entidade geral estudantil mais antiga da América Latina. Durante a ditadura militar
sua sede foi tomada pela União e doada à Universidade Federal de São Carlos.
124
GULLAR, Ferreira. Cultura posta em questão, vanguarda e subdesenvolvimento: ensaios sobre
arte. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002. p. 21.
125
Originário da Associação dos Professores de Santos (22/09/1940), o Sindicato dos Professores
de Santos teve várias diretorias em que participavam militantes do Partido Comunista Brasileiro, a
começar de um de seus fundadores, João Taibo Cadoniga.
87

não realizavam. Talvez porque encontrassem apoio nas instituições em que estudavam, os
alunos das Universidades Católicas acabaram não participando do movimento federativo
amador; os jovens de São Carlos, ao contrário, foram fundamentais na estruturação da FETAC e
importantes para o nascimento da COTAESP.

Em São José do Rio Preto e Marília, jovens aparentemente ávidos de ter, em suas
cidades, atividades culturais costumeiras na capital – da qual estavam distantes quatrocentos
quilômetros – participam do processo de criação da COTAESP. É o caso de Humberto Sinibaldi
Neto (que criaria, mais tarde, o Festival de Teatro de Rio Preto) e Oswaldo Mendes Júnior (que
se tornaria, anos depois, editor do jornal Última Hora e do Folhetim).

São egressos de instituições sindicais os que certamente tiveram papel decisivo na


gênese da COTAESP, enquanto transcorria a final do V FETAESP. O mais ativo é Carlos Pinto,
santista nascido no Bairro Chinês126 e sindicalizado entre os petroleiros; ele se tornaria
presidente da COTAESP poucos meses após sua fundação e ficaria no cargo por quinze anos.
Outra figura importante é Hamilton Figueiredo Saraiva, da Associação dos Integrantes da Guarda
Civil de São Paulo: seria o primeiro secretário geral da nova entidade. Celina Lourdes Alves
Neves, de uma família militante no sindicato dos ferroviários de Bauru, estaria também na
primeira diretoria. Outra figura acostumada ao dia a dia sindical que participa da gênese da
COTAESP é o bancário João Rocha (de Marília).

Os demais pioneiros da COTAESP são jovens de famílias de origens humildes: o advogado


Hamilton Lima Neto (de Ribeirão Preto), o radialista Sidnei Franco da Rocha (de Franca),
Paschoalino Assumpção (São Bernardo do Campo); Névio Dias (São Carlos); Paulo Sergio Fabrício
Ribeiro (Ribeirão Preto); Ângelo Bonicelli (São Carlos). De origem mais afluente, só Luiz Mauricio
Sandoval (Presidente Prudente).

Por ter sido o momento de criação da COTAESP, esta reunião acabou autointitulada
como I Congresso de Teatro Amador do Estado de São Paulo127. Inicia-se o período em que os
congressos são organizados de maneira autônoma pelo movimento federativo, sem maiores
interferências de instâncias governamentais.

126
O Bairro Chinês, onde moravam muitos dos trabalhadores do cais do porto, era um baluarte
da militância do Partido Comunista Brasileiro. No início da década de 1970, por determinação do Regime
Militar, foi demolido para dar lugar às avenidas de acesso ao porto e ao centro de Santos.
127
O curioso é que esse batismo não interferiu na numeração dos congressos seguintes (ou seja,
o Congresso de 1969 seria o IV Congresso e assim sucessivamente...).
88

Não obstante, representantes das instâncias governamentais compareceram ao III


Congresso. O jornal O Estado de São Paulo registrou128 as presenças do Secretário de Turismo,
deputado Orlando Zancaner, e do presidente da CET, Décio de Almeida Prado.

O Congresso de 1968 seria marcado também pelas críticas dos amadores à ação (ou à
falta dela) das prefeituras municipais, na área de cultura. O presidente da Federação de Santos129
”fez várias críticas à assessoria cultural da prefeitura daquela cidade, classificando-a de
incompetente para assuntos de cultura”.

Por fim, uma constatação desconcertante: não há qualquer referência à criação (ou
qualquer debate sobre o assunto) da Confederação Estadual de Teatro Amador – COTAESP. E a
entidade aglutinadora do movimento federativo surgira – com amplo apoio das federações de
Teatro Amador – dois meses antes...

O IV Congresso de Teatro Amador do Estado, que ocorreu em 25 e 26 de janeiro de 1969,


deveria marcar o protagonismo da COTAESP. Tinha tudo para ser assim: a cidade escolhida foi
São Carlos, sede jurídica da COTAESP e os amadores ficaram alojados no bucólico e luxuoso
Hotel Estância Suíça. Mas o clima estava tenso, uma vez que o Brasil estava (há menos de dois
meses) sob o tacão do Ato Institucional nº5. Esse IV Congresso é típico de uma conjuntura em
que o medo paralisa politicamente o movimento federativo. Instala-se uma temporada de “caça
às bruxas”, captado por uma reportagem do Jornal Cidade de Santos, uma quinzena de dias
antes do início do Congresso130:

Trinta e seis congressistas, além de representantes do governo de


São Paulo e da Guanabara, deverão participar das assembleias que, entre
outros assuntos, vai tratar da reformulação total do teatro amador e pedir
o afastamento de elementos que prejudicam os trabalhos que as entidades
teatrais amadoras realizam.

De qualquer forma, as atas desse Congresso acabaram não trazendo qualquer


modificação importante na estrutura do movimento federativo, nem tratou de expurgos de
amadores.

O V Congresso (dias 14 e 15 de fevereiro de 1970) também não trouxe grandes


novidades ou emoções. Tudo indica que, nos chamados “anos de chumbo”, os amadores

128
Teatro amador faz congresso. O Estado de São Paulo (28/01/1968)
129
Idem.
130
Congresso no interior. Jornal Cidade de Santos, 11/01/1969.
89

concentraram suas energias nos palcos e nos festivais, relegando, em alguns Congressos, as
questões estratégicas, em favor de arranjos puramente administrativos. O prédio antigo do
SESC-Santos (Avenida Conselheiro Nébias, 313) sediou o Congresso. O evento recebeu cobertura
do jornal paulistano Última Hora131:

Os amadores discutem os seus problemas e planejam o trabalho


para todo o ano, inclusive a respeito da realização do Festival e das
subvenções que receberão da CET para suas atividades.

Outra cobertura, mais detalhada, foi a do Estadão132:

Aprovaram-se 15 teses de interesse do movimento amador. Uma


delas visa à popularização do teatro, sugerindo-se a cobrança de ingressos
com 50% do desconto do preço do cinema133. Os saldos seriam revertidos
para um fundo da Confederação, destinado a custear despesas de outras
Federações menos favorecidas. Outra tese visou a solicitar à SBAT
uniformidade na cobrança dos direitos autorais: 10% da renda bruta e 10%
do salário mínimo regional, quando o espetáculo for beneficente ou
gratuito.

Prossegue o relato jornalístico sobre o V Congresso134:

Foi amplamente debatido o problema da formação de comissões


julgadoras, combinando-se a indicação de 5 membros pelas Federações
amadoras, para o julgamento das provas semifinais e finais. Sugeriu-se a
continuidade de cursos patrocinados pela Comissão Estadual de Teatro. E se
resolveu enviar ofício ao Governo do Estado, solicitando a liberação de
verbas devidas às Federações, bem como o incremento da construção de
casas de espetáculos no Interior, com ou sem convênios com as Prefeituras.

131
Amadores em Santos. Última Hora (São Paulo, capital), 14/02/1970, p.40.
132
Santos reuniu 50 amadores teatrais. O Estado de São Paulo (São Paulo, capital), 17/02/1970.
133
O repórter engana-se: a grande maioria dos espetáculos amadores eram gratuitos, até então.
Neste Congresso argumentou-se que os espetáculos deveriam ter um custo para quem os assistissem. Até
para que as apresentações fossem mais valorizadas pelo público. Como muitos delegados considerassem
que seus grupos não queriam cobrar ingressos, a solução de compromisso foi a de reverter esses recursos
para as Federações que tivessem maiores dificuldades financeiras.
134
Idem.
90

O que se depreende dessas teses é que o movimento federativo se posiciona com


grande autonomia em relação à CET, seja procurando alguma interlocução direta com o Governo
Estadual, seja escolhendo uma parte dos jurados para os festivais de teatro.

Observa-se, também, uma certa reserva em relação à capacidade (ou ao interesse) de


ação das Prefeituras em favor das atividades cênicas.

Entre as 15 teses aprovadas nesse Congresso, uma não foi divulgada pela imprensa. E –
a bem da verdade – não foi divulgada nem entre os amadores, como também não foi
implementada pela direção da COTAESP. Apresentada pela Federação de Teatro Amador do
Centro do Estado (FETAC – São Carlos), sob o título de Teatro para operários, dizia135:

Visando uma perfeita popularização do teatro, propomos que os


amadores devem apresentar espetáculos aos operários, sob o patrocínio
das Federações a que estiverem filiados.

Estamos diante de uma proposta que deveria provocar um debate interessante. Mas
não há um único documento que relate qualquer discussão sobre esta tese. Mesmo as poucas
linhas em que Teatro para operários foi apresentada desapareceram de cena, exceto por uma
cópia xerográfica guardada nos arquivos pessoais de um velho amador são-carlense. Tudo indica
que o ambiente de medo, em que o país estava imerso, sufocou tanto a discussão como a
iniciativa.

Ao passar para o período de organização do VI Congresso de Teatro Amador do Estado,


nove meses depois, observa-se que a COTAESP terá que se adaptar a uma nova realidade: o
governo estadual extingue momentaneamente a CET (que voltaria a existir, esvaziada, dois anos
depois), transferindo as questões teatrais do âmbito da poderosa Secretaria de Negócios do
Governo para a modesta (e recém-criada) Secretaria de Cultura, Esportes e Turismo. Os recursos
limitados da nova Secretaria, terão que ser disputados com as festividades e congressos
patrocinados pelo pessoal do turismo e com a turma dos esportes. Numa época de autoritarismo
político e de ufanismo esportivo por conta do tricampeonato mundial de futebol, a perspectiva
de sucesso das reivindicações culturais se reduz. O Governo do Estado (na época, exercido por
um ex-dirigente do São Paulo Futebol Clube) tenta obscurecer a dura realidade da

135
Cópia dessa tese está no ANEXO 5.
91

subalternização das demandas culturais, sob o manto de um discurso grandiloquente, como se


depreende da leitura de uma reportagem do jornal A Tribuna136:

O Governo do Estado poderá construir e administrar teatros em


convênios com as prefeituras, de acordo com decreto assinado pelo
governador Laudo Natel. O decreto mantém como certames oficiais do
Governo do Estado, anualmente, sob a responsabilidade da Secretaria de
Cultura, Esportes e Turismo, as seguintes promoções: Congresso de Teatro
Amador do Estado e Festival de Teatro Amador do Estado. Além destes,
ainda segundo o decreto, poderá a Secretaria criar outros certames
amadores de teatro, municipais, regionais ou nacionais (...)

Os Congressos e Festivais, que nasceram como dádivas da CET, tornam-se


“responsabilidade” da Secretaria de Cultura, Esportes e Turismo. Nessa mesma reportagem,
assinala-se outra demonstração da mudança de foco do governo estadual em relação às
atividades culturais: a ênfase no movimento federativo de Teatro Amador é substituída pelo
incentivo à competição individual. Assim, criam-se vários prêmios “Governador do Estado” para
a área de Teatro Amador, que serão conferidos aos ganhadores do FETAESP. Portanto, aos
artistas escolhidos no certame organizado pelos amadores federados137.

Sob o aparente prestígio conferido aos amadores esconde-se o insidioso estímulo ao uso
do movimento federativo como degrau para o Teatro Profissional (e para ganhos financeiros
individuais). É provável que esses prêmios tenham induzido grupos amadores a assumirem a
mesma configuração produtiva de espetáculos teatrais observada na maioria dos grupos
profissionais. O mesmo ocorrerá no que concerne à escolha dos textos a serem encenados:
aqueles textos com maior probabilidade de sucesso. Só que dentro de uma lógica perversa:
entende-se como sucesso, aquilo que agrada aos possíveis membros da comissão julgadora dos
Festivais de Teatro Amador do Estado de São Paulo (FETAESP), e não o que interessa ao público
que costumeiramente assistia a peças amadoras. Com reflexos, ao nosso ver, negativos, que
serão vistos quando discutirmos os festivais, em próximo capítulo de nosso estudo.

136
Governo regulamenta festivais amadores (sucursal de São Paulo). Jornal A Tribuna (Santos),
18/11/1971.
137
Idem. “Foram oficialmente instituídos os seguintes prêmios: “Governador do Estado”, para o
grupo classificado em primeiro lugar na final do Festival Estadual de Teatro Amador, “Secretaria de
Cultura, Esportes e Turismo”, para o segundo colocado, e “Conselho Estadual de Cultura” para o terceiro
classificado no mesmo certame. O prêmio “Governador do Estado”, de caráter individual, premiará os
melhores: ator, atriz, coadjuvantes (masculino e feminino), cenógrafo, figurinista e iluminador
classificados na final do Festival Estadual de Teatro Amador.”
92

O VI Congresso de Teatro Amador, sob essa nova estrutura estadual para a cultura,
aconteceu nas dependências da Faculdade de Engenharia de Barretos, nos dias 27 e 28 de
fevereiro de 1971. A imprensa local cobriu atentamente o evento. Um semanário barretense fez
um bom resumo do VI Congresso, que contou, também, com a presença das Delegacias de
Cultura, implantadas em todas as regiões do estado138:

O Congresso transcorreu num ambiente de acalorados debates,


mas dentro do maior respeito que é a ética dos amantes do teatro amador.
Nada menos de 18 teses foram discutidas, todas em prol das melhorias de
condições dos amadores teatrais que, distribuídas a cinco equipes, foram
levadas a plenário (...)

Em verdade, não se registra alguma tese especialmente importante. De novo, os


debates se restringiram a questões administrativas, não se tocando na questão do esvaziamento
da CET. Entre os poucos temas tratados, a única ação que alcançou apoio unânime foi a denúncia
do esbulho que representantes da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT) realizavam
contra os grupos amadores, não respeitando a cobrança de “taxa mínima”, acertada entre a
COTAESP e a SBAT. Essa denúncia transformou-se em ofício dirigido à SBAT, com cópia a “Sua
Excelência, o Presidente da República Emílio Garrastazu Médici139”. Na plenária final, também
foi decidido140

(...) pelo Congresso o envio de um ofício ao Governador Abreu Sodré


de votos de aplausos pela aprovação do decreto que institui a
obrigatoriedade do ensino teatral nos Colégios de Ensino do Estado de São
Paulo. Esse decreto é obra do trabalho resultante do vitorioso III Congresso
de Teatro Amador, realizado em 1968.

Se nós nos lembrarmos de que o III Congresso ocorreu quando a COTAESP acabara de
completar dois meses de existência, teremos que reconhecer que a obrigatoriedade do ensino
teatral era mais resultante de um projeto cultural governamental, do que de um pleito do
movimento federativo amador.

O VII Congresso de Teatro Amador, ainda dentro dos “anos de chumbo”, ocorreu em
fevereiro de 1972, na cidade de Rio Claro. Embora persistisse o claustrofóbico ambiente

138
NETTO, Nel. VI Congresso de Teatro Amador do Estado de São Paulo. Jornal A Semana
(Barretos, SP) 07/03/1971, p.01 e p.06
139
Idem.
140
Ib.
93

ditatorial, construído pela edição do AI-5, o movimento federativo de Teatro Amador já se anima
em apresentar propostas de fazer teatral. Junto com essas propostas, esboçam-se discussões
sobre o que apresentar nos palcos e sobre quais públicos atingir. Nada que levasse o Teatro
Amador muito além da resistência ao arbítrio.

Um ponto de tensão permanente, no movimento federativo, marcou este Congresso: as


“pequenas federações” protestaram em relação a uma situação considerada de favorecimento
dos interesses das “grandes federações”. Ou, dito de outra forma: o interior do Estado de São
Paulo insubordinou-se à hegemonia da Capital e do Litoral.

A primeira queixa foi quanto à localização espacial das assembleias de diretoria da


COTAESP. Santos e São Paulo sediavam a grande maioria delas, o que onerava muito os
participantes do interior do estado. Por isso, propôs-se que as reuniões ocorressem na sede
formal da COTAESP, localizada em São Carlos (centro geográfico do estado de São Paulo). De
fato, a partir desse Congresso, várias assembleias e reuniões tiveram São Carlos como sede. Essa
modificação geográfica pode parecer apenas motivada pela economia de recursos, mas também
deve ser observado que a repressão política era mais intensa na Capital e em Santos: os ares de
São Carlos, nesse aspecto, eram mais leves...

As “pequenas federações” também tinham queixas contra São Carlos e Rio Preto: os
festivais nacionais de Teatro Amador, promovidos pelas respectivas prefeituras municipais, de
acordo com a visão dessas pequenas federações, não deveriam receber auxílio da COTAESP,
como estava ocorrendo. Recomendava-se que esses recursos deveriam ser carreados para a
compra de material técnico para as “federações e cidades com menores condições financeiras”.
Aqui o debate ficou muito amargo, e praticamente sem possibilidade de acordo: o que
acontecia, na verdade, é que a Comissão Estadual de Teatro estava impedida de passar auxílio
ao Teatro Amador, sem intermediação da COTAESP e que o dinheiro entregue aos festivais, no
final das contas, era da CET, e não da COTAESP.

Ainda com relação aos festivais promovidos pelos municípios, uma proposta de tese,
apresentada por Franca, mostra a existência de sérios problemas de infraestrutura, nesses
eventos. Mostra, também, que o movimento federativo considerava que a COTAESP deveria
tomar – para si – o controle sobre os festivais municipais141:

I- Considerando que os Festivais de Teatro Amador promovidos pelas


Federações de Teatro, ao que tudo indica não são supervisionados por ninguém; II-

141
FETANP, ofício-circular da presidência, dezembro de 1971. p.02
94

Considerando que muitas cidades realizam esta promoção, sem mínimas condições,
fazendo com que as vantagens que normalmente ofereceriam esses Festivais,
ganhem um aspecto contrário prejudicando, principalmente, o bom relacionamento
entre os elementos do teatro: PROPOMOS que para a realização de Festivais
Regionais, Estaduais e Nacionais haja uma autorização anterior da Confederação que
fiscalizará “in loco” as condições dos Teatros oferecidos, dos alojamentos, etc., a fim
de que muitos amadores não sejam abandonados à própria sorte (...)

Mais uma vez, as discussões não chegaram a um consenso pois é evidente que a
COTAESP não teria como interferir em alguns festivais produzidos a partir de regulamentação
municipal, aprovada pela respectiva Câmara de Vereadores.

No que concerne ao fazer teatral, o VII Congresso acolheu muitas teses preocupadas
com questões de infraestrutura e de preparo técnico, sob a forma de proposta de construção
de acervo bibliográfico (que poderia – de acordo com uma tese de Franca – ser constituído por
cópias mimeografadas), pedidos de refletores e caixas de luz, moções pela construção de teatros
municipais e cursos com profissionais contratados pela Secretaria de Cultura Esportes e Turismo.

Embora os riscos de problemas com a censura e com a repressão ainda fossem


evidentes, os congressos que ocorreram entre 1973 e 1975 expressavam, também, preocupação
com a qualidade das apresentações teatrais. Os três congressos deste período, realizados
respectivamente em Santos, Franca e Sorocaba, sinalizam modificações na dinâmica do
movimento.

O amadurecimento da COTAESP, enquanto estrutura administrativa, reflete-se na


qualidade das teses que balizarão as ações do movimento federativo no decorrer de 1973 e dos
anos seguintes. Também amadurece a percepção da grande importância do Festival Estadual de
Teatro Amador para a estabilidade do sistema federativo criado a partir das normativas da
Comissão Estadual de Teatro. Fatos que foram, de certa forma, captados e divulgados pela
cobertura jornalística142:

As alterações propostas para o Festival Estadual, que deverão


ocorrer esse ano, se sancionadas pela CET, são estas: o festival passa a
compreender apenas três sedes para a fase semifinal (no ano passado eram
cinco) com três grupos escolhidos em cada uma, contemplando nove
espetáculos na final. O décimo (número estipulado por decreto estadual),

142
8º Congresso de Teatro Amador. Jornal Cidade de Santos, em 29/03/1973
95

será o vencedor da fase eliminatória realizada na cidade sede da final. A


tese que propunha o mesmo júri para as três semifinais foi rejeitada pelo
plenário, para evitar “a uniformização dos critérios de julgamento”. Ainda
quanto a júri, ficou aprovado que a partir de 1973, os membros das
comissões julgadoras para todas as fases serão indicados pelo Conselho
Estadual de Cultura, através de seu Departamento de Promoções, ficando
para os amadores o direito de veto.

O VIII Congresso Estadual de Teatro Amador ocorreu mais uma vez em Santos143, nos
dias 24 e 25 de março de 1973. O certame recebeu cobertura de jornais de todo o estado144. O
Congresso debateu 26 teses e recebeu quase uma centena de amadores145 das 18 Federações
estaduais (embora só 36 delegados votassem), o maior comparecimento até então. Há, aqui,
um paradoxo: enquanto o número de participantes era recorde, a COTAESP, nessa época,
contabilizava pouco mais do que 400 grupos teatrais inscritos nas Federações, o que significava
uma queda no número de grupos federados, se compararmos com anos anteriores.

Nas conversas que precederam o início dos trabalhos, imperava o descontentamento


em relação às administrações municipais.

É bom ressaltar que os festivais patrocinados por prefeituras municipais, que se


multiplicaram no final da década de 1960, já começam a escassear em 1973. Surgidos como
parte da contrapartida municipal aos investimentos estaduais para a construção de recintos
teatrais, alguns desses festivais chegaram a ter grande importância artística. Só o Festival de Rio
Preto, entretanto, resistiu às mudanças de administrações municipais. O grande Festival
Nacional de Teatro Amador de São Carlos deixa de existir nesse momento e não mais será
reeditado. Os departamentos municipais de cultura, quase sempre vinculados às Secretarias de
Educação, chegaram a apoiar atividades teatrais na década de 1960. Mas a chegada das redes

143
E, mais uma vez, no velho SESC da Avenida Conselheiro Nébias, 313
144
Congresso Amador. Jornal Cidade de Santos, em 27/02/1973; 8º Congresso Amador.8º
Congresso de Teatro Amador. Jornal Cidade de Santos, em 29/03/1973; Jornal Correio de Barretos, em
26/04/1973; FETAC e COTAESP com o Secretário de Cultura. Jornal A Folha de São Carlos, em 31/03/1973;
Congresso. Jornal O Diário (São Carlos), em 30/03/1973; Congresso Estadual de Teatro. Diário de Notícias
(Ribeirão Preto), em 24/03/1973; Teatro Amador dá início a congresso. Jornal O Estado de São Paulo (São
Paulo, capital), em 24/03/1973; Será aberto hoje o 8ºCongresso de Teatro Amador. Jornal A Tribuna
(Santos), em 24/03/1973, entre outras publicações.
145
Conforme livro de presença do Congresso. Aproximadamente 30 amadores eram de Santos.
96

nacionais de TV, com uso de satélites de comunicação, reduziu o público teatral e – por
consequência – o interesse dos vereadores e prefeitos em relação a essa questão.

Em artigo d’O Estadão, Carlos Pinto (e o próprio jornal...) não perdem a oportunidade
para denunciar – e ridicularizar – a existência de censura prévia146:

(...) “essas dificuldades (...) têm as características de motivar, ao


invés de desanimar, os 400 grupos do interior (que) vêm montando um bom
número de peças. Basta notar que a censura não tem pessoal suficiente
para examinar as peças do interior”.

Pela primeira vez, nos Congressos, estão ausentes (embora mandassem representantes)
o Secretário de Turismo e o Presidente da Comissão Estadual de Teatro (CET – que voltou a
existir).

Independentemente do não comparecimento do Presidente da CET ao VIII Congresso


de Teatro amador do Estado, observa-se que a influência da entidade governamental sobre o
movimento amador é, ainda, grande. Mas, de maneira elegante, tal influência está sendo
mitigada: embora o jornal Cidade de Santos coloque condicionantes (“se sancionadas pela
CET”...), a verdade é que a regulamentação do festival foi definida em Congresso, restando à
Comissão Estadual de Teatro seguir bancando (ou não) o certame. E quanto à redução do
número de semifinais do FETAESP, fica a indagação: isso foi motivado por exiguidade de recursos
para a atividade, por falta de apoio das administrações municipais, ou redução (do número ou
da qualidade) de espetáculos amadores? Ou pela soma de todos esses fatores?

Às motivações que acabaram de ser elencadas para explicar a diminuição do número de


semifinais do FETAESP, podemos incluir outro fator insidioso: a censura impiedosa promovida
pelo Regime Militar.

A tese de número oito, também sobre o Festival, teve sua


aprovação na íntegra: “no impedimento de qualquer grupo classificado
para as fases semifinais ou final do certame, seu lugar ficará vago, não
sendo ocupado por qualquer outro concorrente”147

O VIII Congresso decidiu alterar a premiação do FETAESP. A partir do XI Festival, todos


os grupos (que precisam pagar seus deslocamentos até a sede) finalistas serão automaticamente

146
Teatro Amador dá início a congresso. Jornal O Estado de São Paulo (São Paulo, capital), em
24/03/1973
147
Idem.
97

premiados. Haverá uma gradação do 1º ao 4º prêmio e um valor base para os demais. Ao evitar
que os participantes da final do FETAESP, entre 5º e 10º lugar, fiquem sem premiação, tenta-se
reduzir a competitividade exacerbada que trouxe muitos inconvenientes em festivais de anos
anteriores.

Completando a descrição do que foi aprovado no VIII Congresso148:

Ainda entre as teses aprovadas estão: a subdivisão da COTAESP em


quatro divisões regionais, cujos diretores deverão solucionar os problemas
imediatos que surgirem; a campanha pela sede própria das federações; as
declarações de “Utilidade Pública”, nos municípios; a criação de “quadros
de colaboradores” que poderiam ajudar a “diminuir” os problemas
financeiros das federações e a obrigatoriedade de programações culturais
em paralelo com as apresentações da fase final dos festivais. No congresso
ficou também aprovada a criação da Federação de Teatro Amador de
Lorena.

A ideia de subdivisão regional da COTAESP esbarrará no problema da exiguidade de


quadros dirigentes para o movimento federativo e não frutificará. A busca de “utilidade pública”
e de “quadro de colaboradores” é indicativo de que o movimento federativo quer evitar a
dependência econômica em relação à CET, diversificando as fontes de captação de recursos. Por
último, as programações culturais, nas finais dos festivais, levam à saudável convivência com
outras artes, abrindo espaço para novas descobertas formais e, também, para a ação conjunta.
Observaremos mais adiante, ao estudar os festivais, que a programação paralela terá dança,
corais e fotografia no ambiente teatral. Em suma, o corpo em cena. Intuitivamente ou não (é
uma possibilidade a ser investigada) os amadores assumem o corpo como ente político. O corpo
é político: não é um fato cultural; é um feito cultural.

O IX Congresso Estadual de Teatro Amador ocorreu em Franca149 nos dias 22, 23 e 24 de


março de 1974. A cobertura jornalística desse evento ganhou projeção nacional. O Jornal do
Brasil150 repercute mensagem ao Ministro da Justiça, em que se protesta contra a censura ao
teatro e às artes em geral.

148
Ib.
149
Nas dependências da Câmara Municipal de Franca, na Faculdade de Direito de Franca e no
Hotel Cacique.
150
Congresso amador paulista. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil, em 16/04/1974.
98

No relato dos jornalistas, entre as razões da presença de amadores de outros estados,


no Congresso de Franca, estavam151

Verificar “in loco” e “de visu”, a engrenagem do amadorismo


paulista, que segundo informações do representante do nosso estado, “é
uma organização sem favor nenhum, exemplaríssima em todos os sentidos
e, pois, digna, quer de observação e de acurado estudo, quer sobretudo, de
imitação, guardadas, evidentemente, em cada caso, as peculiaridades
regionais (...e) finalmente estudar com a COTAESP, a viabilidade de criação
de um Organismo Nacional que congregue os grupos amadores de todo o
País”.

Também no jornal Província do Pará repercutiu o protesto contra a ação da Censura


Federal, que se aprovou no IX Congresso.

Em relação à participação de delegações de outros estados, um semanário paulistano


fez a seguinte descrição152

Outro ponto a destacar, foi a participação do amador Cláudio


Barradas, do Teatro Universitário do Pará, que junto com Vital Santos, do
Grupo de Cultura Teatral de Caruaru, PE, e Almério Belém, do Grupo
Experimental “Os Atores”, da Guanabara, fizeram vibrantes exposições
sobre o histórico e atualidade do teatro amador em seus estados.

Um jornal de São Carlos ressaltou o que se discutiria no IX Congresso153:

(...) serão debatidas, ao todo, 32 teses, que abordarão os vários


aspectos do movimento amador paulista. As teses versam sobre problemas
administrativos das Federações de Teatro Amador; reformulações do
Festival Estadual de Teatro; bolsas de estudo, direitos autorais; censura;
construção de teatros; problemas ligados a aspectos disciplinares e
organizacionais. Serão escolhidas também as cidades que sediarão as fases
semifinais e a fase final do Festival Amador, bem como a cidade sede do
próximo Congresso a realizar-se em 1975.

151
Pará esteve presente no IX encontro de teatro. Belém: Província do Pará, em 09/04/1974.
152
Em torno de um congresso. São Paulo: Super News, de 20 a 27/04/1974.
153
9º Congresso de Teatro Amador. São Carlos: A Folha, em 17/03/1974.
99

Chegamos finalmente ao X Congresso de Teatro amador do Estado de São Paulo, que


ocorreu em Sorocaba, entre os dias 21 e 23 de março de 1975. Alguns jornais, um mês antes,
divulgaram o encontro, provavelmente com base em um release enviado pela Secretaria de
Cultura, Esporte e Turismo do Estado154. No jornal Cidade de Santos, de 26 de fevereiro de 1975,
encontramos muito mais os feitos da Secretaria, do que informes sobre os preparativos do
Congresso155:

Quase 800 apresentações de Teatro Amador e Teatro Universitário


foram patrocinadas no ano passado pela Secretaria de Cultura, Esporte e
Turismo do Estado. (...) Além de patrocinara realização do XIII Festival e do
IX Congresso de Teatro Amador, a Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo
do Estado concedeu 13 bolsas de estudos de 4 mil cruzeiros cada, em
prêmios individuais.

De qualquer forma, sobre o Congresso propriamente dito, consta que156:

Mais de 50 teses enviadas pelas Federações de Teatro Amador do


Estado serão examinadas por 60 congressistas. Na parte cultural serão
realizadas apresentações de O Diário de Anne Frank e A Cantora Careca.
Participarão ainda representantes do teatro amador de Brasília, Alagoas e
Paraná, que falarão sobre a situação deste tipo de espetáculo em suas
regiões.

A cidade de Sorocaba preparou-se para receber o X Congresso, com uma


reivindicação157:

Começa hoje oficialmente, o X Congresso Estadual de Teatro


Amador, com uma sessão solene de abertura que será realizada na Câmara
Municipal e que contará com a presença de Orlando Miranda, diretor do
Serviço Nacional de Teatro a quem o prefeito Armando Panúnzio entregará
um memorial solicitando a elaboração, por parte do MEC, de um
anteprojeto para a construção do Teatro Municipal da cidade.

154
Cf. se vê (por exemplo) em X Congresso de Teatro Amador. Jornal Cidade de Santos, em
26/02/1975 e Dia 21 começa X Congresso de Teatro Amador em SP. Santos: A Tribuna, em 04/03/1975.
155
X Congresso de Teatro Amador. Jornal Cidade de Santos, em 26/02/1975
156
Idem.
157
Este Congresso pode dar a Sorocaba o seu Teatro Municipal. Sorocaba: Cruzeiro do Sul, edição
de 22/03/1975.
100

No dia seguinte, a decepção veio estampada em manchete de primeira página: Miranda


não veio e Sorocaba ficou sem pedir projeto do teatro 158.

As deliberações do X Congresso foram de cunho administrativo. Tudo muito correto e,


talvez, um tanto burocrático também. Discutiu-se cachês para as comissões julgadoras do
Festival Estadual de Teatro Amador, pediu-se isenção de taxas e emolumentos cobrados pelo
poder público, quando da ocorrência dos Festivais Estaduais. Em relação ao fazer teatral,
deplorou-se a verdadeira invasão de diretores profissionais nos grupos federados, em busca de
projeção graças à participação em festivais amadores.

Feita a exposição geral do que foram os dez Congressos que ocorreram no período que
estudamos, é tempo de se realizar mais algumas considerações sobre eles.

É notável como, nesses dez Congressos, inexiste documentação sobre debates ou teses
que versem sobre questões de conjuntura política. Também são extremamente escassas as
teses que, mesmo vicariamente, apresentem concepções sobre o que é Teatro Amador ou
propostas articuladas sobre o fazer teatral. Mesmo o enfrentamento dos problemas imediatos
provocados pela dura realidade de se fazer cultura sob ditadura (como a censura às peças,
prisões arbitrárias e violência física), ocorre sem se discutirem as causas das ações repressivas.

Evidencia-se que os cuidados para não se discutirem as questões apontadas acima


contribuíram, muito, para evitar que o aparato repressivo da ditadura militar destruísse o
movimento federativo de Teatro Amador, como o fez com um sem-número de movimentos e
instituições artístico-culturais, no período de tempo em que focamos nosso estudo. Mas é de se
perguntar se esta abstenção de posicionamento e a consequente burocratização dos Congressos
acabaram por inviabilizar um reposicionamento do movimento federativo, no momento
histórico seguinte, em que o Brasil viveria seu processo de transição política rumo à
redemocratização. Talvez esses Congressos tenham encontrado maneiras apropriadas para
defender os interesses do movimento federativo num ambiente de resistência à ditadura, mas
não conseguiriam materializar as ações necessárias para acompanhar a movimentação da
sociedade brasileira rumo à superação do regime militar.

Há que se ressaltar, também, a quase ausência de discussões sobre propostas de


trabalho, ou de concepções, sobre Teatro Amador. Isso é muito mais difícil de se explicar do que
a despolitização dos Congressos. Até porque muitos dos protagonistas do movimento federativo

158
Miranda não veio e Sorocaba ficou sem pedir projeto do teatro. Sorocaba: Cruzeiro do Sul,
edição de 23/03/1975.
101

tinham larga bagagem cultural formal, além de décadas de vida teatral. Alguns, como Hamilton
Saraiva, saíram do movimento federativo diretamente para cátedras da ECA-USP; outros, como
Carlos Pinto, tornaram-se Secretários de Cultura; há até, como aconteceu com Sidnei Rocha, os
que se tornaram prefeitos de grandes cidades. Não foi por falta de “teóricos”, que o movimento
federativo caminhou sem “teoria”; nem por falta de massa crítica, pois estamos diante de um
movimento que chegou a congregar 15 mil pessoas, em mais de mil grupos teatrais, por anos a
fio...

Isso nos leva a considerar que alguma coisa inerente ao movimento federativo amador
estava fazendo com que ele começasse a perder força, no exato momento em que a sociedade
civil brasileira saia da letargia. E não parece que isso ocorreu por incúria dos dirigentes amadores
ou por falta de participação nos Congressos. Ao contrário, uma rápida inspeção sobre atas e
coberturas jornalísticas dos Congressos seguintes aponta para o aumento da participação
numérica dos amadores e do grau de organização da Secretaria e da Infraestrutura desses
Congressos. Por exemplo, olhando para a frente – para adiante do período que estamos
estudando – observa-se que no XIX Congresso, de 28 de abril a 1º de maio de 1984, em São José
dos Campos, a participação foi de aproximadamente 300 amadores. Uma centena de teses foi
impressa em um caderno de 80 páginas, com arte de capa. E, independentemente do debate
sobre concepções sobre Teatro Amador e de discussões sobre teatro popular (que efetivamente
ocorreram no XIX Congresso...) a COTAESP implodiu no ano seguinte, saindo definitivamente de
cena.

Enfim, os Congressos foram um fator importante para o “boom” do Teatro Amador, nos
anos 1960. Mas nossos estudos parecem indicar que não foram fundamentais para esse
crescimento. Da mesma forma, os indícios são de que as causas, para a constrangedora atrofia
do movimento federativo no início dos anos 1980, também não estão na ação administrativa
articulada a partir desses Congressos.

A complexidade do movimento federativo obriga-nos a olhar para outras de suas


facetas. E a relacioná-las.
102

CAPÍTULO III – Os festivais


Os festivais estaduais de Teatro Amador, que ocorriam anualmente, foram momentos
privilegiados do movimento que estamos estudando. No período da pesquisa, entre 1963 e
1975, ocorreram 13 festivais que explicitam as características da produção do Teatro Amador
dessa época. E que dão uma visão geral da diversidade de propostas e concepções dos grupos
amadores; de repertórios; de desafios enfrentados por diretores e atores para se formarem e
amadurecerem suas atividades artísticas; além das articulações, evoluções e obstáculos
enfrentados pelo movimento. Nos palcos, apresentar-se-ão peças que seguem paradigmas
profissionais e espetáculos que buscam aprofundar uma linguagem específica para o
amadorismo; encontraremos o teatro de resistência política, produções teatrais umbilicalmente
ligadas às vivências de seu público e até algumas encenações que testam os mais improváveis
limites do experimentalismo formal.

Observe-se que o primeiro festival estadual amador ocorre dois anos antes do primeiro
congresso de amadores. É indicação forte da importância dos festivais para a estruturação inicial
das federações. Igualmente digno de atenção é o fato de que a primeira ação concatenada das
várias federações, que surgem no ano de 1965, foi a de selecionar, em fase regional, os finalistas
do III FETAESP (Festival de Teatro Amador do Estado de São Paulo). E que a própria COTAESP foi
gestada no V FETAESP, em Presidente Prudente, no mês de outubro de 1967. Não menos
importante: constata-se que os festivais coroam as atividades de organização realizadas pela
COTAESP e são a vitrine da vitalidade e da articulação do movimento teatral amador paulista.

É necessário, também, reconhecer que acompanhar prospectivamente o amplo leque


de apresentações teatrais amadoras, com a ocorrência, muito provável de pelo menos cinco mil
apresentações teatrais, no Estado de São Paulo, somente no ano de 1969 – imagine-se o que foi
apresentado em todo o período de 1963 a 1975 – seria um cometimento muito superior às
forças de um só pesquisador. Por isso, os festivais estaduais de Teatro Amador servem, então,
como síntese dessa produção e como um corpo para nosso estudo. Mesmo assim, o número de
peças, que concorreram nesses certames, é gigantesco: mais de 1500 peças, nos treze festivais
que ocorreram nesse período. Concentrando-nos nos espetáculos que chegaram às finais,
teremos 150 trabalhos. Foram eles – de um modo geral – que serviram, aqui, como base para
as análises da estrutura das encenações amadoras, dos temas e linguagens utilizados, enfim, da
dramaturgia que foi aos palcos nos espetáculos amadores. Para além da documentação dos
próprios festivais, dialogamos também com a repercussão desses eventos na imprensa,
ressaltando a crítica teatral que se pronuncia por meio dos jornais.
103

Em grande medida, o nosso estudo sobre o “boom” do Teatro Amador paulista tem,
nesses festivais, conhecidos pela sigla FETAESP, o seu balizador maior. Merecem uma descrição
mais detida, uma vez que geraram muitas perguntas sobre nosso tema. Como descrições
pormenorizadas tendem a ser enfadonhas, proceder-se-á uma divisão por momentos. E esses
momentos serão definidos pelo comando organizativo dos festivais: Comissão Estadual de
Teatro; transição; COTAESP. No primeiro momento (1963-1965), portanto, estão os festivais
produzidos pela Comissão Estadual de Teatro, nos anos que antecedem ao surgimento das
federações de Teatro Amador. No segundo momento (1966-1967), temos os festivais que
antecedem ao surgimento da COTAESP – Confederação de Teatro Amador do Estado de São
Paulo. O terceiro momento (1968-1975) é o dos festivais organizados pela COTAESP.

III.1 Os FETAESP da Comissão Estadual de Teatro (1963-1965)


Visando conquistar novos públicos e renovar os quadros artísticos para o Teatro
Profissional, a Comissão Estadual de Teatro criou, organizou e patrocinou os três primeiros
festivais de Teatro Amador do estado de São Paulo. Campinas foi a cidade-sede da final de 1963;
Botucatu sediou a final de 1964; e Ribeirão Preto, a de 1965.

Para a CET, o trabalho de estruturar e fomentar o Teatro Amador, no Estado de São


Paulo, tendo os festivais como ferramenta fundamental, foi árduo. Para viabilizar os festivais,
mostrou-se necessário prospectar os grupos teatrais amadores em atividade, buscar parcerias
com lideranças locais do teatro amador e garantir a estrutura física necessária para a realização
dos certames. Embora tenha conquistado a parceria, até entusiasmada, dos grupos amadores,
a CET assumiu o papel predominante na condução da dinâmica dos festivais e do
acompanhamento e avaliação do trabalho realizado, uma vez que os amadores não tinham
vivência na organização de grandes eventos, nem – com a exceção dos grupos paulistanos –
histórico associativo.

Em linhas gerais, a CET planejou e realizou tanto a fase eliminatória como final dos três
primeiros festivais; definiu os regulamentos, garantiu a infraestrutura dos grupos, os espaços de
encenação, o júri das finais e a divulgação dos certames aos públicos locais.

Na fase eliminatória, uma tarefa importante, que era a constituição de comissões


julgadoras competentes e com legitimidade para escolher os vencedores, foi deixada para os
próprios grupos amadores competidores159. Em alguns casos, a construção do corpo de jurados

159
Na primeira fase, em todos os festivais, os jurados eram definidos pelas federações. E as
federações escolhiam, preferencialmente, profissionais de mídia: isso abria a possibilidade de uma maior
divulgação para o evento. E havia, entre os três ou cinco membros do júri, uma pessoa com vida teatral:
104

ocorreu com a ajuda das secretarias de educação ou de departamentos e comissões de cultura


dos municípios.

Para melhor visualizar a estrutura e evolução desses primeiros festivais, organizou-se o


quadro abaixo.

FESTIVAL/ANO CIDADES Nº DE Nº DE CONSTITUIÇÃO PÚBLICO


(cidade sede PARTICIPANTES160 PEÇAS NA PEÇAS DO JURI DA ESTIMADO
da final) (total) PRIMEIRA NA FINAL NA FINAL
FASE FASE (TOTAL)
FINAL
Campinas, Rio Claro, Divina Salles da
Araraquara, Batatais, Silva
Santos, Santo André, São
Caetano do Sul, São
Cecília Carneiro
Bernardo do Campo,
I FETAESP/1963 45 11 6.500
Descalvado, Bauru, Garça,
(Campinas) Marília, Gália, Botucatu, Antonio
Avaré, Sertãozinho, Ribeirão Ghigonetto
Preto e Caconde (18)
Bertha Zemmel161
São José do Rio Preto,
Votuporanga, Catanduva,
Piracicaba, Osvaldo Cruz, Bertha
Taubaté, Zemmel
Pindamonhangaba,
Guaratinguetá, Campinas,
Rio Claro, Araraquara, Divina Salles
Lorena, Batatais, Santos, da Silva
II FETAESP/1964 São Vicente, Santo André, 9.600
(Botucatu) São Caetano do Sul, São
72 17
Bernardo do Campo, José Greghi
Jaboticabal, Barretos, Filho162
Bauru, Garça, Marília, São
Paulo, Botucatu, Ipauçu,
Ribeirão Preto, Brodósqui e João Rios
Avaré. (29)
Presidente Prudente, São
Carlos, Araçatuba,
Penápolis, São João da Boa
Vista, Mococa, São José do
Rio Pardo, São José do Rio
Juracy
Preto, Catan-duva,
Araraquara, Ribeirão Preto, Camargo
Batatais, Franca,
III FETAESP/1965 Sertãozinho, Rio Claro,
(Ribeirão Preto) Araras, Cordeirópolis,
123 20 16.850
Descalvado, Santos, Tatiana
Cubatão, São Vicente, Santo Belinky
André, São Caetano do Sul,

ela acabava sendo o principal fiador do equilíbrio nas escolhas. No que concerne aos júris das semifinais
(que ocorrerão a partir de 1967) e das finais, eles eram definidos pela Comissão Estadual de Teatro.
160
A lista, das cidades participantes dos três primeiros FETAESP, encontra-se no Relatório 63/65
– Comissão Estadual de Teatro. pp. 16 - 18.
161
Bertha Zemmel está com 83 anos; é atriz, tradutora e diretora teatral, com várias incursões
na TV e no cinema. Em relação à Divina Salles da Silva apenas consta que era funcionária da CET. Cecília
Carneiro foi atriz do TBC e do Teatro Maria Della Costa, entre 1956 e 1962. Antonio Ghigonetto (1930-
2010) foi diretor teatral, ator, educador, produtor e dramaturgo.
162
José Greghi Filho (1937-2001) era ator, diretor e dramaturgo santista. Esteve no grupo de
pessoas que fundaria a Federação Santista de Teatro Amador (FESTA), no ano seguinte (1965) a este II
FETAESP.
105

São Bernardo do Campo,


Taubaté, Lorena, São Bento
do Sapucaí, Bauru, Garça,
Marília, Osvaldo Cruz, Divina Salles
Botucatu, Sorocaba,
Indaiatuba, Piracicaba,
Brodósqui e São Paulo. (37)
Quadro 1 – Estrutura dos três primeiros FETAESP (DE 1963 A 1965)

As informações apresentadas no Quadro 1 indicam que o sucesso alcançado pelos


festivais amadores foi imediato. No intervalo entre a primeira e a terceira edição, o número de
cidades participantes duplicou, difundindo-se o certame por praticamente todos os quadrantes
do Estado de São Paulo. O número de grupos amadores participantes quase triplicou.

Mas também se observa que a seleção de finalistas, nos dois primeiros festivais, não foi
especialmente competitiva163. A disputa cresce no III FETAESP, não só pela existência de 123
peças competidoras para 20 espetáculos na fase seguinte, como também pelo fato de existirem
37 cidades participando com grupos teatrais, o que leva à existência de eliminatórias onde
cidades diferentes concorrem por uma mesma vaga, na final em Ribeirão Preto. O III Festival
impressiona pelo seu gigantismo: a apresentação de mais de uma centena de grupos, na fase
eliminatória, certamente implicou em problemas de logística e infraestrutura, além de provável
achatamento da qualidade geral das apresentações, independentemente dos critérios para
aferi-la. Isso nos leva à suposição de que a Comissão Estadual de Teatro apostou nesse
gigantismo para consolidar o movimento federativo, que surgiu por indução do Plano de
Desenvolvimento do Teatro Paulista de 1963.

Explicar por que as cidades de Campinas e Ribeirão Preto foram escolhidas para sediar
a fase final do I FETAESP, é fácil: além de terem as maiores populações do interior do Estado de
São Paulo, as duas cidades tinham disponíveis bons teatros. Campinas tinha o Teatro Municipal
Carlos Gomes164, um belíssimo prédio neoclássico com 1.300 lugares; Ribeirão Preto possuía o
estupendo Teatro Pedro II165.

163
No I FETAESP, mesmo a proporção de 4 peças inscritas para cada uma que chega à final é
enganosa: alguns grupos não conseguiram objetivamente se apresentar; outros apresentaram peças de
Teatro Infantil e acabaram não sendo considerados para a escolha das finalistas. No II FETAESP, a
proporção de quatro inscritos para um finalista, na verdade, até caiu um pouco na maior parte das
cidades, pois agora temos a inclusão da capital paulista e de São José do Rio Preto, onde já existiam muitos
grupos teatrais amadores.
164
Que acabou demolido, em circunstâncias obscuras, dois anos depois.
165
Esta casa de espetáculos foi inaugurada em 1930. Entre os anos 1950 e 1970, o subsolo do
teatro foi transformado em salão de bailes de carnaval. Fora do período carnavalesco, era transformado
em sala de jogos. O local ficou conhecido como “Caverna do Diabo”. Arrendado por uma companhia
exibidora de filmes, o prédio passou por uma reforma que o descaracterizou. Sofreu um incêndio, em
1980. Foi restaurado em 1996. Abriga 2.000 espectadores.
106

Entender por que Botucatu sediou a final do II FETAESP, já não é tão simples: Botucatu
não era uma cidade grande166, e o Teatro Armando Joel Nelli167,apesar de ter uma plateia
espaçosa, era tecnicamente insatisfatório. Por que, então, Botucatu foi a sede da final, e não –
por exemplo – São José do Rio Preto?

A resposta provavelmente está no fato de que a construção do prédio foi um


cometimento particular, com apoio comunitário. A Comissão Estadual de Teatro certamente
estava interessada em incentivar ações semelhantes em outras cidades, mostrando que levaria
eventos grandiosos, pagos pelo Governo Estadual, para coletividades que construíssem – por
sua própria conta – casas de espetáculos.

No que se refere ao público, cabe observar que a Comissão Estadual de Teatro atingiu,
nos três festivais, o seu objetivo de construção de plateias para os espetáculos teatrais. O êxito
é evidente no ano de 1965, quando se alcança quase 17 mil espectadores, há que se concluir,
da classe média da “Califórnia Brasileira”. Aquela classe média que, no período que antecede a
hegemonia da televisão, costumava ir ao cinema. Mesmo levando-se em consideração de que
muitos espectadores assistiram a duas ou mais peças, o número de assistentes foi muito alto.

Se a frequência de público, nas finais desses três primeiros FETAESP, atingiu as


expectativas da Comissão Estadual de Teatro, o mesmo não se pode dizer das eliminatórias
locais, principalmente porque não havia grande disputa entre os espetáculos amadores. Só em
Santos, Santo André, Sorocaba, Ribeirão Preto e Campinas ocorreram eliminatórias mais
competitivas. Mesmo assim, a frequência de público – nessas cidades – foi baixa, pois as peças
já haviam sido apresentadas anteriormente, pelos grupos amadores, às suas respectivas
comunidades.

Mas não se pense que onde não houve competição real, também não havia atividade
amadora de qualidade: Barretos, Garça e Araraquara possuíam bons grupos amadores e alguma
tradição em apresentações teatrais. De qualquer forma, a boa qualidade das apresentações
teatrais não produziu mudanças apreciáveis na frequência de público, que permaneceu baixa
em todas as eliminatórias.

A estruturação do festival de 1965 indica uma ampliação da autonomia dos amadores


pois, ao contrário do que ocorreu nos dois festivais iniciais quando tudo foi feito pela CET, parte
da organização do III FETAESP foi delegada às federações de teatro, que surgiram naquele ano.

166
Em agosto de 2017, a estimativa de população, para Botucatu, é de 141 mil habitantes.
167
Construído pelo bancário Joel Nelli, em 1962, para ser a sede do Teatro Amador da Escola
Normal Dr. Cardoso de Almeida - TAENCA. Virou cineteatro, em 1964, e foi desativado em 2014.
107

A parceria da CET com as jovens entidades, dá-se por meio de assinatura de um convênio que
transfere a gerência das eliminatórias regionais para as federações amadoras.

O convênio assinado entre as federações e a CET traz pistas sobre as intenções da


comissão na organização destas parcerias, quando estabelece – em suas onze cláusulas – as
regras gerais das eliminatórias. Logo na primeira cláusula do convênio, estabelece-se que “ os
contratados obrigam-se a promover o desenvolvimento dos grupos amadores filiados à
Federação, assim como das eliminatórias regionais do III Festival de Teatro Amador do Estado
de São Paulo”, tornando claro o desenvolvimento de uma política que – mesmo propondo regras
básicas que, com poucas modificações, organizariam os festivais em todo o período que
estudamos – coloca nas mãos das federações a mobilização dos grupos e das atividades teatrais
amadoras no nível regional.

No entanto, já a segunda cláusula do mesmo convênio indica os limites das ações


propostas às federações quando impõe que “nessas eliminatórias, serão encenados textos de
teatros escolhidos pelos grupos inscritos na Federação, obedecida a lista de textos distribuída
pela contratante”. Temos, aqui, uma forma de dirigismo que, em última instância, reduz a
capacidade dos grupos de fazerem de forma autônoma suas escolhas, sob a argumentação de
incentivo à “encenação de textos de real valor cultural168”.

É igualmente importante registrar que o III Festival de Teatro Amador do Estado de São
Paulo recebeu cobertura jornalística desde sua fase eliminatória. A Comissão Estadual de Teatro
mandava releases completos, que eram – quase sempre – integralmente reproduzidos. Mas
alguns jornais decidiram ampliar a cobertura dos eventos: por exemplo, o jornal A Tribuna, de
Santos, acompanhou o dia a dia da eliminatória santista não só divulgando a programação, mas
fazendo resenhas das apresentações e destacando os elencos dos grupos participantes.

Embora o público assistente continuasse pequeno na maior parte das cidades, as


eliminatórias de São Paulo, Santo André, São José do Rio Preto e São João da Boa Vista169 foram
vistas por muitos espectadores. Nessas cidades, alguns espetáculos chegaram a lotar teatros.

Ao que parece, o crescimento do número de participantes do FETAESP, na sua terceira


edição, acabaria exigindo mudanças estruturais para os próximos anos: a necessidade de uma
fase intermediária, regional, entre a eliminatória micro regional e a fase final; a mudança de
propósito do festival, que teria de avançar além de formação de públicos, para abarcar, também,

168
Relatório 63/65 – Comissão Estadual de Teatro. p. 05.
169
Conforme comentários nos jornais Diário do Grande ABC; O Estado de São Paulo; O Município
(São João da Boa Vista); Diário da Região (São José do Rio Preto); A Tribuna (Santos).
108

as trocas de experiências entre os grupos amadores, a busca de refinamento formal dos


espetáculos e a pesquisa de linguagens e conteúdos; e a readequação da fase final, que também
precisará focar mais na dinâmica interna do movimento federativo que se está consolidando.

A análise das características e do repertório apresentados nesses três primeiros festivais


permitem uma discussão mais eficiente sobre as articulações sociais dos diferentes grupos que
estão ingressando no movimento federativo e sobre a natureza dos espetáculos que acabam
premiados170. Para isso, utilizaremos os quadros abaixo:

FESTIVAL/ANO
(cidade sede GRUPO AMADOR - CIDADE ORIGEM DO GRUPO
da final)
Centro de Estudos Teatrais Educação e Cultura/ Sem referências
CETEC - Ribeirão Preto
I FETAESP/1963
(Campinas)
Grupo de Arte Dramática do SESI – Sorocaba Estudantes e professores
do sistema “S”
Centro Universitário de Cultura Artística – CUCA Estudantil (PUC de
Campinas)

II FETAESP/1964 Teatro Experimental de Barretos Auto constituído171


(Botucatu)
Teatro Estudantil de São José do Rio Preto Estudantil

Teatro da Escola da Faculdade de Filosofia/TEFFI – Estudantil


Santos
TABA – Batatais Auto constituído

III FETAESP/1965 Teatro Experimental Sorocabano - Sorocaba Auto constituído


(Ribeirão Preto)
Teatro Amador São José – Cubatão Estudantil

G.A.M.A. – São João da Boa Vista Auto constituído


Quadro 2 – Grupos premiados nos três primeiros FETAESP (DE 1963 A 1965)

170
Como não se encontrou documentação abrangente sobre a fase inicial desses festivais e,
sequer, tivemos acesso (com exceção do III FETAESP) às listagens de todos os participantes da fase final,
essa análise será restrita aos espetáculos e grupos vencedores, cujos dados estão resumidos no Quadro
2 e no Quadro 3.
171
Utilizou-se o termo “auto constituído” para designar os grupos que se construíram sem
qualquer vínculo formal com escolas, igrejas, sindicatos ou outras instituições. A ausência de vínculos
formais evidentemente não impede que muitos desses grupos tenham surgido a partir de amizades
escolares ou da convivência em um mesmo espaço de trabalho. De toda maneira, os grupos auto
constituídos demonstram que a prática teatral é um hábito cultural arraigado há muito tempo e espalhado
por praticamente todo o interior do Estado de São Paulo.
109

FESTIVAL/ANO PEÇA AUTOR GÊNERO172


(cidade sede (nacional/estrangeiro)
da final)
1- Revolução na América Augusto Boal Tragicomédia
do Sul (nacional)
I FETAESP/1963
(Campinas)
2- O Auto da Compadecida Ariano Suassuna Pantomima – Teatro
(nacional) de rua
1- A Moratória Jorge Andrade Drama
(nacional)

2- Os Fuzis da Senhora Bertold Brecht Teatro épico


II FETAESP/1964 Carrar (alemão oriental)
(Botucatu)
3- O Terrível Capitão do Mato Martins Pena Comédia de
ou Ciúmes de um Pedestre (nacional) costumes

4- Vestido de Noiva Nelson Rodrigues Drama psicológico


(nacional)
1- Espectros Henrik Ibsen Drama de costumes
(norueguês)

2- O doente imaginário Molière Comédia de


III FETAESP/1965 (francês) costumes
(Ribeirão Preto)
3- As desgraças de uma Martins Pena Comédia de
criança (nacional) costumes

4- A grande estiagem Isaac Gondim Filho


Tragédia Rural
Nordestina
Quadro 3 – Peças premiadas nos três primeiros FETAESP (DE 1963 A 1965)

Os informes do Quadro 1 já nos demonstraram que a produção de espetáculos


amadores, no Estado de São Paulo, era numericamente exuberante. Então, o cruzamento com
as informações sobre as origens dos grupos amadores vencedores nos permite supor a
existência de grupos amadores em incontáveis estabelecimentos de ensino colegial – conforme
nomenclatura da época – e universitários. E nos permite a razoável suposição de que também
deveriam existir muitos grupos amadores em clubes recreativos, paróquias e entidades de
classe, embora não tenha sido confirmada pelas informações sobre a origem dos grupos. E a
faixa etária dos grupos estudantis indica – principalmente – que a suposição da Comissão
Estadual de Teatro, no sentido de usar o Teatro Amador para a formação de públicos e para a

172
Sempre que possível, a descrição de “gênero” obedece à definição realizada pelos próprios
grupos amadores, copiada dos programas das peças encenadas.
110

renovação de quadros em relação ao Teatro Profissional, tinha fundamentação e grande chance


de produzir resultados práticos.

No que diz respeito às peças encenadas que chegaram ao nosso conhecimento, assim
como as peças premiadas dos três primeiros festivais173, é possível indicar que, entre 1963 e
1965, ocorreu um deslocamento que vai da ênfase no debate político ainda próximo ás
propostas dos grupos populares de cultura (ou do nacionalismo popular), para chegar a uma
crítica de costumes e à denúncia das relações autoritárias.

No I FETAESP, as peças vencedoras174 estavam perfeitamente em linha com o debate


artístico e político vivido nesse momento que antecede o golpe militar: Revolução na América
do Sul, escrita por Augusto Boal em 1960 e O Auto da Compadecida, escrita por Ariano Suassuna
em 1955. São duas criações contemporâneas ao festival e de autores próximos às propostas do
nacional-popular, que buscam trazer ao palco a realidade brasileira.

Em Revolução na América do Sul, o operário José da Silva – desempregado, faminto e


padecendo sob os desacertos do populismo – é o protagonista. Em Auto da Compadecida, nos
seus três atos, temos o Nordeste do Brasil, como ambiente, e os elementos da tradição da
literatura de cordel, além de traços do barroco católico brasileiro. A obra parece misturar cultura
popular e tradição religiosa, mas carrega, implícita, a proposta do autor (criar uma arte erudita
a partir de elementos da cultura popular do Nordeste Brasileiro).

Em relação ao II FETAESP, embora a segunda final fosse disputada por uma quantidade
ainda maior de grupos provenientes do “Teatro Estudantil”, observa-se que as peças premiadas
não mais estavam diretamente imbricadas com a conjuntura política, ao contrário do que
ocorrera no ano anterior. O que teria provocado essa mudança? Pergunta de difícil resposta,
pois todos os grupos que se apresentaram foram convidados diretamente pela CET para
participar da fase inicial, não tendo sido encontrado qualquer documento que indique a
existência de critérios para esses convites.

173
Reconhecemos que é temerário tentar descrever como transcorreram espetáculos teatrais
que ocorreram há mais de meio século, nesse esboço de como foram apresentadas as peças vencedoras,
nesses três primeiros festivais. Faremos as descrições das peças vitoriosas nos dois primeiros festivais com
base em impressões de amadores veteranos e em uma conversa informal entre o autor do presente
estudo e Bertha Zemmel (que atuou como jurada nessas duas primeiras finais), ocorrida em março de
2015. Para a descrição dos espetáculos vencedores do III FETAESP, teremos apenas o apoio dos artigos
dos jornais da época.
174
Apenas duas peças receberam prêmios, no I FETAESP. Nos dois festivais seguintes, haverá
premiação para quatro espetáculos, em cada final.
111

Para além de A Moratória, de Jorge Andrade, escrita em 1954, por um autor ligado ao
movimento de teatro das décadas de 1950/1960 e que seguiu produtivo até o início da década
de 1980, as peças premiadas no II FETAESP incluíam textos de autores brasileiros escritos em
outros períodos históricos, como O Terrível Capitão do Mato ou Ciúmes de um Pedestre, de
Martins Pena, de 1846, e Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, de 1943. Entre os premiados
também estava o texto de 1937, Os Fuzis da Senhora Carrar, do dramaturgo alemão Bertold
Brecht. Embora a temática política e de crítica da realidade ainda persista, mesmo que vestindo
a roupagem de outras épocas, a crítica de costumes ganha espaço no repertório dos grupos
amadores paulistas.

O III FETAESP, o último sob organização da CET, foi regido, na fase final, em Ribeirão
Preto, pelo mesmo regulamento produzido pela CET e que vigorou nos dois primeiros festivais.
Da mesma forma, os jurados – que na fase eliminatória são escolhidos pelos amadores - foram
determinados pela CET, na fase final.

Participaram, da fase final do III FETAESP, vinte espetáculos175. Tínhamos, quase sempre,
uma apresentação por dia. Isso significa que – dadas as dimensões gigantescas dessa final –
muito dos grupos concorrentes não viram os trabalhos dos demais. Observamos, também, que
ocorreram repetições do mesmo texto teatral176 em alguns espetáculos e até apresentação de
um texto escrito por um dos juízes do Festival, o que sempre leva a constrangimento.

Na premiação final, evidencia-se o progressivo afastamento dos textos e temas ligados


explicitamente à discussão da conjuntura política dos anos 1960. Excetua-se, na premiação, A
grande estiagem, de Isaac Gondim Filho, escrita em 1953 e que aborda a questão da seca
nordestina. Os demais textos premiados voltam-se mais para as questões comportamentais e
de crítica dos costumes: Espectros, de 1881, de Henrik Ibsen, acusado de pregar o “amor livre”,
e violar “tabus”; O doente imaginário, comédia cáustica em relação ao exercício da medicina, de
Molière; e As desgraças de uma criança, comédia de costumes de Martins Pena.

Nos palcos dessa final, como também ocorreu nos dois festivais anteriores, o
predomínio de atores com menos do que 25 anos era hegemônico. Os textos apresentados não
parecem indicar concatenação de propostas formais ou tomada de posições políticas.

175
A lista dos espetáculos finalistas do III FETAESP – e de todas as demais finais, até a do ano de
1975 – encontra-se no ANEXO 1.
176
Os textos dos estadunidenses W. Faulkner (Oração para uma negra) e Tennessee Willians (À
margem da vida) subiram duas vezes ao proscênio. São textos de excelente qualidade (no caso de Oração
para uma negra, o texto apresentado é uma adaptação produzida por Albert Camus que conferiu maior
força dramática ao original).
112

Observam-se, claramente, duas confluências: o oprimido (nas figuras do outsider, do perseguido


por raça, gênero ou escolha sexual) é o protagonista em muitas peças; os tabus
comportamentais são discutidos em cena.

A existência de um texto laudatório à Revolução Cubana (ainda mais: feito por um frade
e apresentado por um grupo conventual) chama a atenção, entre as apresentações da final do
III FETAESP. E um terço dos grupos que se apresentaram nessa final, era de origem estudantil.
Ressalte-se, por fim, que a frequência de público, aferida pela CET, foi elevada: o festival teve,
no total, 16.850 espectadores.

Destaque-se que, neste primeiro momento, vivido entre 1963 e 1965, os Festivais
Estaduais de Teatro Amador serviram – com sucesso – como ferramenta para consolidar a
estrutura federativa para o Teatro Amador paulista. Com as federações, que começam a
funcionar em 1965, a Comissão Estadual de Teatro entende que, mesmo mantendo-se como
provedora quase hegemônica do evento, poderá transferir a organização, inclusive da fase final
do Festival Estadual de Teatro Amador, para as federações amadoras. A partir daí, as federações
ganham autonomia e organicidade suficientes para a realização dos festivais.

III.2 – Transição: os FETAESP das federações (1966 e 1967)


Os festivais estaduais de 1966 e 1967 ocorrem num ambiente em que já existiam,
juridicamente constituídas, as federações regionais. Isso dava, aos amadores, condições de
responder pela organização de todo o FETAESP, desde as eliminatórias até a fase final.

Para melhor analisarmos a estrutura desses dois festivais organizados pelas Federações
de Teatro Amador, utilizaremos o Quadro 4:

FESTIVAL/ANO Nº DE Nº DE PEÇAS NA FASE Nº DE CONSTITUIÇÃO PÚBLICO


(cidade sede PEÇAS NA SEMIFINAL PEÇAS NA DO JURI DA ESTIMADO
da final) PRIMEIRA (CIDADES ONDE AS FASE FINAL NA FASE
FASE SEMIFINAIS OCORRERAM) FINAL FINAL
(TOTAL)
Não ocorreu fase semifinal. A seguir,
estão as 20 cidades onde ocorreu a
primeira fase: Tatiana Belinky
Capital (São Paulo), Santos,
Campinas, Botucatu, Bauru, Ribeirão
I VFETAESP/1966 Aprox. 19 Ivonete Vieira Aprox.
Preto, Franca, Araçatuba, Rio Claro,
(São Carlos) 150 Taubaté, Marília, Garça, São Carlos, 8.500
Presidente Prudente, São João da Divina Salles
Boa Vista, São José do Rio Preto, São
José dos Campos, Sorocaba, Santo
da Silva
André e Piracicaba

Renata Palotini
V FETAESP/1967 Aprox. Aprox. 50 10 Aprox.
170 5.000
113

(Presidente (Santo André, Araraquara, Jairo Arco e


Prudente) Garça, Botucatu e Ribeirão Flecha177
Preto)
Afonso
Gentil178.
Quadro 4 – Estrutura do IV e do V FETAESP (1966 e 1967)

O IV FETAESP pode ser entendido como um “festival de transição”: ao mesmo tempo


em que a CET, por convênio, transfere as responsabilidades das eliminatórias e final para as
federações amadoras, é a Comissão Estadual de Teatro que organiza, junto com a Prefeitura
Municipal de São Carlos, muitas das atividades da inauguração do Teatro Municipal, que
coincide com a final do IV FETAESP.179

A fase eliminatória do IV FETAESP, da mesma forma que o Festival anterior, foi


gigantesca. Essa exuberância mostra que a ação da CET, criando o FETAESP, descortinou uma
realidade que estava opaca mesmo aos observadores mais argutos: o Teatro Amador paulista,
na primeira metade da década de 1960, mesmo sem articulações federativas e apoios públicos,
congregava centenas de grupos e muitos milhares de participantes espalhados por todos os
recantos do estado.

Nas eliminatórias do IV FETAESP, onde as federações tinham aumentada a sua


autonomia, uma peça teatral foi excluída pela Comissão Estadual de Teatro por não constar de
uma lista preparada pela entidade. Como o regulamento do IV FETAESP previa essa
possibilidade, a exclusão foi efetivada.

Tal exclusão e a própria existência da lista da CET alimentam tensões entre esta e as
federações. A restrição representada pela lista foi debatida, mês seguinte, no Congresso
Estadual, tornando-se praticamente inócua, a partir de 1967. O debate indicou que as
federações amadoras, ecoando o sentimento de seus filiados, consideravam que tal lista
implicava num dirigismo que parecia considerar os amadores incapazes de fazer suas escolhas
de repertório. É interessante destacar que, no ano de 1966 (em que o debate político retornava
à ordem do dia, no país, com o fortalecimento da Frente Ampla), a lista de peças da CET havia

177
Jairo Arco e Flecha (1943) é ator, escritor, autor, tradutor, jornalista e crítico de arte.
178
Afonso Gentil (1932) é ator e diretor de teatro.
179
Como a conclusão do IV FETAESP ocorreria em São Carlos, entre os dias 22 de outubro e 13
de novembro de 1966, coincidindo com a inauguração oficial do Teatro Municipal de São Carlos
(construído com grande parte do dinheiro proveniente da CET), a Comissão Estadual de Teatro acabou
arcando com algumas responsabilidades organizativas. A casa de espetáculo (que receberia o nome de
Alderico Vieira Perdigão, em 1969) tinha capacidade para abrigar 500 espectadores.
114

sido ampliada com inserção de numerosos textos brasileiros contemporâneos. Esse fato parece
indicar que, quaisquer que fossem os interesses da CET, em exigir observação da lista, não havia
intenção censória.

Nos anos de 1966 e 1967, os mecanismos da Ditadura Militar pareciam ainda não
implicar no uso direto de repressão contra o movimento federativo. Até porque a incidência dos
mecanismos repressivos será progressiva. Nesse momento específico, havia um sentimento
difuso de que as ações culturais estavam sendo monitoradas e que “as paredes tinham
ouvidos”180.

De qualquer forma, um episódio marcante, no decorrer do IV FETAESP, demonstra como


o autoritarismo já se colocava no cotidiano da sociedade. O fato foi relatado por Carlos Lúcio
Benjamin (amador de teatro e funcionário do SESC), em um depoimento dado a Névio Dias e se
refere à apresentação, no dia 14 de outubro de 1966, da peça Liberdade, liberdade, de Millôr
Fernandes e Flávio Rangel, com atuações de Paulo Autran, Tereza Rachel, Jairo Arco e Flecha e
Luísa Maranhão. Quem patrocinou o espetáculo foi a Rádio Progresso, com o objetivo de
comemorar a iminente inauguração do Teatro Municipal181:

Pouco antes do espetáculo, o Dr. Vicente Camargo chegou


desesperado, pois o Delegado Seccional de São Carlos, que não lembro o
nome, havia proibido a apresentação e o público já estava adentrando o
teatro. Então, fui até a delegacia para tentar a liberação, levando o
certificado da Censura e o texto censurado. Ele me fez assinar um termo de
responsabilidade pelo espetáculo, cuja razão até hoje eu não sei o porquê,
pois eu não era o responsável.

O orçamento da final do IV FETAESP, bancado pela CET, previa premiações, alojamento


e alimentação dos grupos teatrais nos períodos em que se apresentavam; acomodações e
remuneração do júri; além de alguns recursos para a divulgação. Mas havia uma série de

180
Expressão de Ângelo Boniceli, amador que se tornaria diretor do Teatro Municipal Dr. Alderico
Perdigão (São Carlos), por mais de 15 anos.
181
DIAS, Névio. Memória 1965-1970: o teatro amador no contexto cultural de São Carlos. São
Carlos: ICACESP, 2009. p.150.
115

gastos182 que – ao invés de assumidos pela administração municipal – acabaram sendo arcados
por aficionados183 do Teatro Amador.

Independentemente das dificuldades frente às autoridades policiais locais, o clima de


realização dos festivais desse período, exemplificado pelo que ocorreu na final do IV FETAESP,
assim como a repercussão dos mesmos nos ambientes culturais das diversas cidades na quais as
finais eram realizadas, pode ser percebido pela notícia abaixo reproduzida184:

A inauguração do Teatro Municipal deu-se em uma noite de festa e


grande expectativa por parte do público, contando com a presença de
personalidades e prefeitos das cidades participantes. Não somente pelo
acontecimento em si, mas pelo programa elaborado para esse ato, que
incluía a oportunidade de serem apreciados dois textos precedidos de elogio
pela crítica, pela sua importância no cenário teatral amador do Brasil:
Morte e vida Severina, de João Cabral de Mello Neto, música de Chico
Buarque e direção de Silnei Silveira, encenado pelo TUCA, Teatro da
Universidade Católica, que recebeu o Grande Prêmio para tema “livre” no
Festival Universitário Internacional de Nancy, França, e As troianas, de
Eurípedes, um clássico encenado pelo TESE, Teatro Universitário Sede
Sapientae, direção de Paulo Vilaça. Três bandas abrilhantaram a noite,
respectivamente: a do Ginásio Diocesano, a do Tiro de Guerra 43 e da
Polícia Militar de Araraquara.

O V FETAESP, cuja final – em outubro de 1967 – ocorreu quase ao mesmo tempo em


que surgia oficialmente a Confederação de Teatro Amador do Estado de São Paulo, já reflete a
gênese de uma liderança estadual amadora.

Enquanto nas coxias do V FETAESP surge a COTAESP, o indicativo mais forte dessa nova
realidade do movimento federativo é a criação de uma nova fase para o festival, as semifinais
que congregam concorrentes de várias regiões diferentes em um único certame. A partir de
então, os festivais passam a ter três fases: as eliminatórias, as semifinais e as finais. A montagem

182
Esses gastos eram: de alimentação e transporte para a equipe de colaboradores que ajudavam
na infraestrutura e organização; com a remuneração das horas-extras para os funcionários do teatro
municipal; e com o apoio aos amadores, de todo o Estado, que queriam assistir aos espetáculos.
183
O ex-prefeito Alderico Vieira Perdigão (que daria seu nome ao Teatro Municipal, anos depois),
o Prof. Dr. Vicente Arruda Camargo, a jornalista Laines Paulillo, Névio Dias (presidente da FETAC), Eduardo
Martins Franco e Erasmo José Germani são alguns dos nomes que merecem ser lembrados.
184
Jornal A Folha (São Carlos – SP). Edição de 23/10/1966
116

dessas semifinais só ocorreria se uma liderança estadual amadora estivesse em condições de


negociar a distribuição das federações, legitimando essa fase intermediária.185

A criação da fase semifinal foi realmente um avanço, mas – na avalição de algumas das
lideranças das federações – o sistema ainda precisava de ajustes. Segundo o paulistano
Hamilton Saraiva186, seria interessante distribuir os grupos escolhidos na primeira fase
eliminatória desconsiderando-se a proximidade geográfica, já que em São Paulo e nas cidades
próximas encontram-se pelo menos metade dos grupos amadores do Estado de São Paulo.

De qualquer forma, a redução do número de finalistas, graças ao surgimento da fase


semifinal (além do aspecto de facilitação de logística), permitiria um maior intercâmbio de
informações entre os grupos escolhidos – que poderiam permanecer por todo o tempo de
duração da final, uma vez que diminuiria o número de espetáculos competidores.

As informações quanto ao repertório apresentado no IV e no V FETAESP e as


características dos grupos amadores que competiram neles, restrita aos espetáculos e grupos
que se apresentaram nas finais, estão resumidas no Quadro 5 e no Quadro 6.

Origem do grupo amador


IV FETAESP (1966) V FETAESP (1967)
Estudantil 05 04
Auto constituído 09 06
Clubes recreativos 02 -
Sindical 01 -
Clubes de imigrantes 02 -
Quadro 5 – Origem dos grupos amadores que participaram das finais do IV e V FETAESP

Repertório, quanto à autoria das peças


IV FETAESP (1966) V FETAESP (1967)
Autor brasileiro 11 (1 amador) 06 (2 amadores)
Autor europeu oriental 02 02
Autor estadunidense 03 01
Autor britânico 02
Autor latino europeu 02 01
Autor clássico grego 01
Repertório, quanto à época em que a peça foi escrita
IV FETAESP (1966) V FETAESP (1967)
Contemporânea (a partir de 1955) 14 06
Século XX 02 02

185
Do ponto de vista estritamente técnico, a fase de semifinais permite, em tese, corrigir algumas
distorções surgidas pelo enorme crescimento de espetáculos concorrentes no FETAESP: possibilita que
dois bons espetáculos, de uma mesma cidade, possam chegar à final; evita que um espetáculo de pouca
expressão chegue diretamente à final sem ser comparado com espetáculos de outras cidades.
186
Em conversa com o Autor, no ano de 2004.
117

Século XIX 02 01
Antiguidade Clássica 01
Renascimento 01
Repertório, quanto ao gênero da peça187
IV FETAESP (1966) V FETAESP (1967)
Teatro épico 02 01
Comédia de costumes 04
Teatro de resistência política 01
Pantomima – Teatro de rua 01 01
Tragicomédia 01
Teatro do Absurdo 01 01
Drama sócio-político 01
Suspense/mistério 01
Tragédia clássica 01
Drama histórico 01 01
Drama de costumes 04 06
Auto religioso 01
Quadro 6 – Análise de repertório, na fase final do IV e V FETAESP.

O IV FETAESP apresentou 19 peças, em sua fase de competição final. O júri teve diante
de si um grupo bastante heterogêneo de peças e elencos. Muitos autores nacionais
contemporâneos foram representados nesse festival. Mas só o grupo de Santos se atreveu a
trazer um texto escrito por um amador (que, aliás, pertencendo ao grupo, também atuou).

Os critérios de julgamento, imaginava-se, no geral espelhariam o que se esperaria de


uma apresentação profissional. Mas o grupo amador de Santos, que audaciosamente se
apresentou com uma peça de autoria de um de seus componentes, foi efusivamente premiado.
E premiação foi considerada também pela imprensa uma vitória das concepções e propostas
amadoras, representado pela ousadia do grupo de Santos188:

Esta vitória dos Independentes foi, na verdade, a vitória do teatro


amador santista, muito mais, quando se sabe, que tanto Cida Celestino,
como Wilson Geraldo, não ganharam o prêmio máximo da categoria
unicamente porque, pelos Regulamentos do Festival, tais premiados terão
que obrigatoriamente se comprometer a cursar a E.A.D. (...) Os
Independentes, que representaram o Baixada Santista no recém findo IV
Festival Estadual de Teatro Amador, realizado em São Carlos, conseguiram
os seguintes prêmios: EVÊNCIO DA QUINTA – Medalha de ouro, como ator
revelação nacional. Este prêmio tomou outro valor quando se sabe que o

187
Respeita-se, aqui, a classificação de gênero produzida pelo grupo teatral amador e inserida no
Programa da peça.
188
Jornal O Diário (Santos – SP). Edição de 17/11/1966.
118

mesmo é especial (...); WILSON GERALDO – Menção honrosa de “Melhor


Diretor”; CIDA CELESTINO – Menção honrosa de “Melhor Atriz”; FLORISVAL
REIS– 3º lugar em cenografia; EQUIPE DOS INDEPENDENTES – 4º lugar em
figurinos e 3º lugar na classificação geral, perdendo as classificações
superiores por diferenças mínimas.

Além disso, muitos grupos amadores apresentaram nesse festival algo que os
profissionais, naquele momento, quase nunca podiam fazer: peças com elencos de mais de uma
dezena de atores. Lembremos que as companhias profissionais tinham que reduzir ao máximo
os seus custos, o que tirava da cena – por exemplo – as peças com coro e muitos dos textos
clássicos. Tirava, também, da cena profissional os épicos e peças como Revolução na América
do Sul, Auto da Compadecida ou Eles não usam black-tie. Os amadores não precisavam enfrentar
essa limitação: ao contrário, em várias oportunidades, o espetáculo com muitos atores era o
caminho para permitir que todos os elementos do grupo pudessem participar de um trabalho.
E, além dessa ser uma receita para o sucesso da atividade amadora, esse era um antídoto contra
eventuais estrelismos.

As decisões do júri desse festival, e dos próximos, indicam uma evolução de como a CET
entende a atividade amadora e de como deveria fomentar os festivais: não se duvida que a ideia
de formar públicos para o Teatro Profissional – apresentada no Relatório 63/65 – persista, na
Comissão, mas se abre aqui um incentivo ao desenvolvimento de linguagens e de estéticas
“amadoras” (ou que, ao menos, não estão nas perspectivas de curto prazo, do Teatro
Profissional brasileiro). Os prêmios dados ao grupo santista, a escolha de elencos numerosos
para a etapa final e a acolhida de peças escritas por autores brasileiros contemporâneos
mostram que a Comissão Estadual de Teatro coloca, em seu radar, o fomento às pesquisas
(formais e conceituais) amadoras.

Também em 1967, na final de Presidente Prudente, a comissão julgadora da final


premiou algo que poderia ser chamado de “estética dos amadores”, ao invés de realizar um
espelhamento do que se fazia no Teatro Profissional189.

189
Júri escolhe melhores do teatro amador de SP. Jornal Folha de São Paulo. Edição de
07/11/1967. Este artigo elenca os vencedores do V FETAESP: “O Teatro Estudantil Vicente de Carvalho,
de Santos, conquistou o prêmio “Governador do Estado”, no valor de NCr$700,00. O grupo encenou
Grandes Momentos de Gil Vicente. (...) Eliana Rocha, de Grandes momentos de Gil Vicente, foi considerada
a melhor atriz. (...) atriz coadjuvante: Lenimar Rios, em Grandes momentos de Gil Vicente; melhor diretor:
Paulo Jordão, em Grandes momentos de Gil Vicente. (...) Houve ainda menções honrosas a (...) José
Eduardo Vendramini, pelas qualidades de autor em Ponto de partida; e Lúcia Lacerda, pela música
composta para a peça O caldeirão.
119

O Estadão publicou uma reportagem em que se descreve o elenco do Teatro Estudantil


Vicente de Carvalho, grupo santista que venceu a grande final. É interessante reproduzir um
trecho extenso, para que tenhamos uma ideia quem fazia Teatro Amador190:

Paulo Jordão é um professor de inglês, é santista, tendo realizados


seus estudos no Colégio Canadá. (...) concluindo seus estudos, seguiu para
São Paulo e Campinas. Retornando a Santos foi convidado a reorganizar o
teatro do Grêmio Estudantil Vicente de Carvalho, do Colégio Canadá. Para
isso ministrou aos seus integrantes um curso de dicção, postura e mímica.
(...) O elenco é constituído por Carlos Pinto, funcionário da Refinaria
Presidente Bernardes, que faz o papel de arauto; Paulo Jordão fez os papéis
de Vaqueiro, Diabo e Belzebu; Carlos Paiva, estudante do 4º ano de Direito,
representou o Anjo, Fidalgo, Corregedor, Todomundo e Apariço; Elina
Rocha, estudante do 5º ano de Direito representou Alma, Franca Gil, e Mãe;
Otávio Penteado representou Alcaide, Procurador, Ordonho; Celso Lima, o
Anjo; Lenimar Rios representou Brígida Vaz, Dinato e Isabel e, por último,
Milton Serrano, também aluno do Colégio Canadá, representou Parvo e
Ninguém.

Estamos diante de um grupo amador estudantil de um colégio secundário. Como se


observa, a maior parte do elenco é de alunos desse colégio, com idades próximas dos 18 anos.
Mas temos professores, estudantes do ensino superior e até um petroleiro, que foram inseridos
graças ao apoio que os demais grupos amadores santistas deram ao representante da cidade,
na final de Presidente Prudente.

Por último, mas muito importante: nas coxias do Teatro Municipal de Presidente
Prudente e nos alojamentos do V FETAESP se fizeram as tratativas e ajustes que redundaram na
fundação da COTAESP, na semana seguinte ao término do Festival.

Os amadores, na ata de fundação da COTAESP191, proclamam o seu objetivo de

Criar uma entidade cultural que congregasse todas as Federações


de Teatro Amador deste Estado, representando-as como órgão de classe.

190
Jornal O Estado de São Paulo. Diretor quer apoio ao grupo. Edição de 05/11/1967.
191
A ata de fundação da COTAESP, de 05 de novembro de 1967, e a ata da primeira assembleia
ordinária, de 28 de janeiro de 1968, estão reproduzidas no ANEXO 2.
120

Os FETAESP de 1966 e 1967 foram organizados pelas Federações de Teatro Amador,


enquanto a CET reservava-se a uma posição de coordenação geral. O extraordinário sucesso
desses certames indica que o movimento federativo amadureceu rapidamente. O
amadurecimento leva à afirmação da autonomia institucional e à construção de um espaço
soberano de criação e de experimentação. Ou seja, ao surgimento da COTAESP e à construção
de festivais que revelam a exata dimensão do Teatro Amador paulista.

III.3 Os FETAESP organizados pela COTAESP (1968-1975)


A criação da COTAESP (Confederação de Teatro Amador do Estado de São Paulo), em 05
de novembro (dia mundial do Teatro Amador) de 1967, não estava nos planos iniciais da
Comissão Estadual de Teatro, quando iniciou a implantação de um movimento federativo de
Teatro Amador. De qualquer forma, a COTAESP era consequência da aspiração dos amadores
de teatro em dar autonomia ao movimento, por meio de uma entidade aglutinadora construída
fora dos birôs administrativos estaduais. E uma das primeiras ações da COTAESP foi a de assumir
a coordenação dos FETAESP, que se tornara o ponto mais alto do fazer teatral amador paulista.
Cabe observar que a CET192 reconheceu imediatamente essa dinâmica, delegando a
coordenação dos festivais estaduais para a nova entidade amadora. A CET passará à função de
provedora de recursos, reservando-se também à função de indicação dos júris das fases
semifinais e final dos festivais estaduais.

É tempo de reunirmos as informações sobre os FETAESP organizados pela COTAESP.


Vemos representada, no Quadro 7, a configuração geral da estrutura desses festivais:

Nº DE Nº DE Nº DE
FESTIVAL/ANO PEÇAS NA PEÇAS NA PEÇAS NA
(cidade sede da PRIMEIRA FASE FASE FINAL CONSTITUIÇÃO DO JURI DA
final) FASE SEMIFINAL FINAL
(público (público (público
estimado193) estimado) estimado)

VI FETAESP/1968 Aprox. 190 Aprox. 50 10 Renata Palotini


(São Bernardo do
Campo) Afonso Gentil
(30.000) (10.000) (7.000) Névio Dias

192
Nesse momento, a CET era presidida por Décio de Almeida Prado, ex amador de teatro.
193
Critério para estimativa: Passo 1 – pesquisou-se o público, entre 3 e 5 espetáculos, nas cidades
de Santos, São Paulo, Rio Preto e São Carlos; Passo 2 – estabeleceu-se a média desses públicos, que foi
multiplicado pelo número de espetáculos apresentados nas maiores cidades; Passo 3 – utilizou-se metade
da média de público – por espetáculo – das grandes cidades, como base para o cálculo de público nas
pequenas cidades; Passo 4 – multiplicou-se a média do “Passo 3”, pelo número de espetáculos nas
pequenas cidades; Passo 5 – somou-se os números obtidos nos passos “2” e”4”, obtendo-se os resultados
que são apresentados no Quadro 7.
121

VII FETAESP/1969 Aprox. 300 Aprox. 50 10 Paschoal Carlos Magno


(Ribeirão Preto)
Lauro Cesar Muniz
(50.000) (15.000) (9.000) Therezinha Aguiar194

VIII FETAESP/1970 Aprox. 400 Aprox. 50 15 Eliza Cunha de Vicenzo


(Santos)
(60.000) (15.000) (13.500) Armando Sérgio da Silva
Gilberta Autran Von Pfuhl195

IX FETAESP/1971 Aprox.400 Aprox. 50 10 Renata Pallotini


(São Carlos)
(55.000) (20.000) (6.000) Afonso Gentil
Armando Sérgio da Silva196

X FETAESP/1972 Aprox. 510 Aprox. 50 10 Renata Pallotini


(São José do Rio
Preto) (80.000) (20.000) (12.000) Afonso Gentil
Fernando Muralha197

XI FETAESP/1973 Aprox. 180 Aprox. 60 10 Afonso Gentil


(Presidente
Prudente) (30.000) (10.000) (7.000) Armando Sérgio da Silva
Jacques Lagoa198

XII FETAESP/1974 Aprox. 110 Aprox.30 10 Afonso Gentil


(Rio Claro)
(25.000) (15.000) (6.000) Renata Palotini
Tatiana Belinky

XII FETAESP/1975 Aprox.120 Aprox.30 10 Mariângela Alves de Lima199


(Franca)
(15.000) (12.000) (8.500) Ilka Marinho Zanotto
Emílio di Biasi

Quadro 7 - Estrutura dos FETAESP organizados pela COTAESP (1968-1975).

194
Paschoal Carlos Magno (1906-1980), foi teatrólogo e diplomata. Lauro Cesar Muniz (1938), é
autor de telenovelas, roteiros cinematográficos e peças teatrais. Therezinha Aguiar é diretora teatral e foi
professora da EAD.
195
Eliza Cunha de Vicenzo era professora da ECA-USP; Armando Sérgio da Silva era aluno do
4ºano da ECA-USP; e Gilberta Autran Von Pfuhl era figurinista e cenógrafa radicada em Santos.
196
Armando Sérgio da Silva é, hoje, livre docente pela ECA-USP e diretor teatral.
197
Fernando Muralha é ator, diretor e autor português, que se radicou no Brasil. Foi o líder do
movimento teatral itinerante chamado “Carroça de Ouro”, da década de 1970.
198
Jacques Lagoa (1943) é diretor de televisão e ator.
199
Mariângela Alves de Lima e Ilka Marinho Zanotto eram, nessa época, críticas teatrais de O
Estado de São Paulo; Emílio di Biase – Ator e diretor de teatro.
122

No que concerne à Primeira Fase dos FETAESP, é necessário inicialmente registrar que
ela sempre aconteceu em todas as 19 Federações de Teatro Amador existentes no Estado de
São Paulo.

Em relação aos números da Primeira Fase (iniciando a análise do Quadro 7), há um


crescimento consistente de espetáculos e de público até o ano de 1972. E uma queda brutal,
uma verdadeira amputação, em 1973. Os números seguem caindo, nos dois anos seguintes.
Observe-se que foi no ano de 1973 que os efeitos deletérios da Censura se fizeram mais fortes.
Foi, também, nesse ano, que se orquestrou o questionamento dos profissionais de teatro em
relação às verbas a serem direcionadas ao movimento amador. Foi em 1973 que a prefeitura de
Santos apresentou obstáculos que quase inviabilizaram a ocorrência da Fase Inicial do FETAESP,
na cidade. Por último, algumas manifestações da direção da COTAESP indicam que a má vontade
da SBAT (Sociedade Brasileira de Autores Teatrais) para com os pleitos dos amadores e os custos
de aluguel de espaços teatrais para as apresentações teatrais amadoras aumentaram
fortemente em 1973. E essa má vontade – bem como os custos – não esmoreceram, nos dois
anos seguintes.

É forçoso concluir, aqui, que os FETAESP organizados pela COTAESP viveram duas
situações bem distintas: a primeira situação, entre 1968 e 1972, é de dinamismo e de realizações
para o Teatro Amador paulista, que enfrenta com vigor os dilemas de um período repressivo e
ditatorial; a segunda situação, de 1973 a 1975, é de censura, escassez de recursos e de custos
elevados, com nítido enfraquecimento do público e da representatividade artística dos festivais
amadores. Fica evidente que se orquestrava um processo de destruição do movimento
federativo. E que essa orquestração logrou resultados.

Ainda sobre os números da Primeira fase, apresentados no Quadro 7: a grande


quantidade de grupos concorrentes, nos anos de 1971 e 1972, obrigou a organização de duas
eliminatórias, em algumas federações. Isso ocorreu em Santos, São Paulo, Santo André e São
José do Rio Preto.

Passando à Fase Semifinal, é necessário inicialmente registrar que as sedes eram


escolhidas dentro de um rodízio entre as 19 Federações. E que cada Federação, beneficiada pelo
rodízio, definia internamente em qual cidade, sob sua jurisdição, a semifinal ocorreria.

A comparação entre os números de grupos que participaram da Fase Inicial, com os que
competiram na Fase Semifinal, indica que a competitividade se ampliou muito, do ano de 1968
(proporção de aproximadamente 4 grupos inicialmente participantes, para 1 finalista) até 1972
(mais de 10 para 1).
123

De novo, ocorre uma verdadeira amputação da participação (e da competitividade), no


segundo momento, a começar pelo ano de 1973, com a proporção caindo a 3 para 1. Nos anos
seguintes (1974 e 1975), a proporção estabilizou-se em 4 para 1. Mesmo com a ressalva de que
critérios quantitativos podem ser discutíveis, não é irracional supor que a qualidade – e a
representatividade artística – das apresentações tende a ser melhor numa semifinal onde cada
participante tenha sido selecionado entre dez concorrentes, do que em outra onde a
competição se restringiu a uma proporção de 3 para 1.

No que se refere ao público que assistiu a Primeira Fase e a Fase Semifinal, também se
observa aumento quantitativo, na primeira situação, entre 1968 e 1972. Em grande medida,
porque ocorreu o aumento do número de peças encenadas. É mais conveniente, aqui, observar
as médias de público: elas se mantêm estáveis (entre 150 e 200 espectadores, por espetáculo).

Mas essa média cai significativamente no último ano estudado (1975), para algo em
torno de 100 pessoas/espetáculo, na Primeira Fase. Em 1973 a média de público já cai
bruscamente na Fase Semifinal. De qualquer maneira, é evidente a diminuição da assistência e
a consequente percepção de que houve queda do interesse pelo evento.

Passando para as informações referentes à Fase Final, constata-se – inicialmente – que


não houve repetição da cidade-sede, no período que a COTAESP comandou a organização dos
festivais. E é importante observar que a capital paulista nunca foi escolhida para a realização da
Fase Final.

Quanto ao público das finais, ele sempre foi muito elevado e limitado, apenas, pela
capacidade da plateia dos teatros onde elas ocorreram.

Os jurados, das finais, tinham a qualificação esperada e eram, quase sempre,


conceituados e queridos entre os amadores. E só em 1968, encontramos um jurado (Névio Dias)
que era amador de teatro à época em que participou da comissão julgadora.

Origem do grupo amador


FETAESP => VI VII VIII IX X XI XII XIII
Estudantil 03 05 03 07 03 04 04 03
Auto constituído 06 04 09 03 06 06 05 05
Clubes recreativos 01 01
Sesc 01 01
Clubes de imigrantes 01 01
Entidades religiosas 01
Prefeituras 01 01
Quadro 8– Origem dos grupos amadores que participaram das finais dos FETAESP
entre 1968 e 1975.
124

Passamos ao Quadro 8, que trata da origem dos grupos amadores que participaram das
finais dos FETAESP. Repete-se a mesma distribuição observada entre os vencedores dos
primeiros festivais: aproximadamente 40% dos grupos são de origem estudantil e
aproximadamente 50% são auto constituídos – ou seja, existem para fazer Teatro Amador, sem
vínculos institucionais oficiais com clubes, grupos religiosos, sindicais ou estudantis. Há que se
reconhecer, portanto, que o movimento federativo é ação de uma corrente artística específica,
com elevada incidência de atores (em todas as acepções do termo...) jovens.

A ausência de grupos amadores vinculados a entidades sindicais precisa ser


mencionada, pois no período imediatamente anterior (ou seja, final da década de 1950 e início
dos anos 1960) ao surgimento dos FETAESP, os grupos amadores sindicais tinham expressão em
São Paulo, Santos, Sorocaba e Franca. E que a própria fundação da COTAESP teve fundamental
participação de pessoas que vieram de sindicatos. De qualquer forma, o Teatro Amador sindical
só voltará a ter participação importante, no panorama paulista, a partir de 1979200, com o
surgimento do Grupo Forja, do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema. Parece
evidente que esta ausência, nos anos que são objeto do presente estudo, está diretamente
vinculada à existência da ditadura militar.

Os grupos amadores oriundos de clubes de imigrantes, que foram a semente do


amadorismo paulista do século XX, tornam-se meramente coadjuvantes, entre 1963 e 1975,
período que está sob o foco desse estudo. Também são coadjuvantes os grupos vinculados a
entidades religiosas, o que destoa do que se vê em toda a história brasileira, seja pela ação dos
jesuítas em quase todo o período colonial, seja dos seminários em todo o século XIX e primeiras
décadas do século XX, ou de manifestações religiosas de origem africana, que costumeiramente
teatralizam suas reuniões festivas e seus rituais.

Por último, observa-se que o SESC, cuja participação na gestação do movimento


federativo teve relativa importância, acabou tendo pouca participação na proliferação de grupos
amadores durante o período aqui estudado. A ação do SESC se intensificará a partir do final da
década de 1970, como fomentador e como propiciador de espaços para a atividade teatral
amadora. Em muitos aspectos, o SESC ocupará o espaço que ficará vago pelo desvanecimento
da Comissão Estadual de Teatro.

200
Fora, portanto, do período que estamos estudando.
125

Autoria das peças finalistas, do VI ao XIII FETAESP, entre 1968 e 1975.


FETAESP => VI VII VIII IX X XI XII XIII
Autor brasileiro 05 07 09 07 05 04 08 04
(nº de autores amadores) (01) (-) (01) (03) (03) (03) (01) (-)
Autor europeu oriental 01 01 01 03 01
Autor estadunidense 01 01
Autor britânico 02 01 01
Autor latino europeu 02 02 04 01 01 03 01 02
Autor grego 01 01 01 01
Autor latino-americano 01
Autor da Europa Nórdica 01
Repertório, quanto à época em que a peça foi escrita.
FETAESP => VI VII VIII IX X XI XII XIII
Contemporânea (após 1955) 05 05 09 07 07 06 08 06
Século XX 02 01 02 02 02 03 01 01
Século XIX 02 02 01 01
Antiguidade Clássica 01 01 01
Renascimento 02 01 01 01
Século XVIII 01 01 01 01
Repertório, quanto ao gênero da peça.
FETAESP => VI VII VIII IX X XI XII XIII
Teatro épico 01 01 01 01 01 01
Comédia 01 03 05 01 02 01 02 03
Teatro de resistência política 01
Pantomima – Teatro de rua 01 01 01 01
Tragicomédia 01
Teatro do Absurdo 02 01 02 01 01
Drama sócio-político 01 02 01
Monólogo 01
Tragédia 02 01 01
Drama histórico 01
Drama de costumes 04 01 06 04 03 04 06 02
Auto religioso 01 01 01
Teatro de arena 01 01 01
Opereta 01 01
Quadro 9 – Peças que participaram das finais dos FETAESP entre 1968 e 1975, quanto
à autoria e repertório.
Passamos ao Quadro 9, que se refere ao panorama das peças que chegaram às finais
dos FETAESP.

No que se refere à autoria, salta aos olhos a ênfase do Teatro Amador nos autores
nacionais: mais de metade das peças apresentadas, porcentagem bem maior do que se
verificava no ambiente do Teatro Profissional à época. Esse número só decai em 1973, quando
a Censura inviabilizou – por vetos diretos ou por procedimentos protelatórios – a apresentação
de praticamente todos os textos brasileiros contemporâneos. Mesmo nesse ano, 40% das peças
126

apresentadas eram de autoria nacional, com autores amadores sendo responsáveis por ¾ desses
textos.

Ainda em relação à autoria nacional, observe-se que os autores nacionais que


incentivavam – e até participavam e assistiam – o Teatro Amador, acabaram colhendo frutos
dessa parceria: Jorge de Andrade (que tinha peças suas apresentadas em muitos festivais
anteriores) fez a estreia nacional de As confrarias, com um grupo amador, em 1972 e tem um
sucesso explosivo com a novela Os ossos do barão, no ano seguinte; Dias Gomes favoreceu, com
isenção autoral, grupos amadores que apresentavam suas peças nas décadas de 1960 e 1970,
dominando o espaço das novelas de TV, nas décadas seguintes; Chico de Assis vê
experimentadas suas criações no Teatro Amador, antes do grande sucesso de Missa Leiga, nos
palcos profissionais; e Vianinha utilizou o know-how das apresentações amadoras de seus textos
para articular a linguagem utilizada no roteiro do seriado A Grande Família. Esses fatos são muito
mais do que mera coincidência, ou parafraseando Eric Hobsbawm: as telenovelas “não foram
inventadas em um laboratório, da mesma forma que a indústria de enlatados não inventou a
comida: todas as indústrias buscam encontrar aquilo que é mais lucrativo produzir em escala e
o fazem”201.

Os autores estrangeiros só foram maioria nos FETAESP de 1973 e 1975. E isso


certamente foi intercorrência da ação da Censura. No panorama geral, observa-se a grande
expressão dos autores latinos (o que se coaduna com as raízes brasileiras). O teatro britânico é
representado tão somente por Shakespeare, nessas finais, o que sugere influência da linguagem
universal e não a força de uma tradição cultural específica. A incidência de um só texto
estadunidense parece indicar que o radar dos amadores não estava apontado para lá. Notável
é a influência do teatro europeu oriental e isso indica, no final das contas, a importância do
teatro épico brechtiano para o Teatro Amador paulista.

Quanto à época em que as peças finalistas foram escritas, fica evidente que o Teatro
Amador paulista é, em última análise, teatro contemporâneo. E não só porque ¾ das peças
finalistas são contemporâneas: as peças renascentistas, clássicas e iluministas foram
objetivamente recriadas para a discussão de uma realidade do presente. A intensificação da
ação da censura, em 1973-1974, provavelmente impediu essa revitalização de clássicos, tirando-
os de cena nesses dois anos. No final das contas, só algumas comédias do século XIX fugiram ao
diálogo direto com a realidade vivida naquele instante em que os espetáculos ocorriam.

201
Hobsbawm, E. História Social do Jazz. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. p.35
127

Por fim, quanto ao gênero teatral202, é gigantesca a variedade de modalidades utilizadas.


Independentemente de o drama de costumes representar aproximadamente 30% dos
espetáculos apresentados, em nenhum festival há menos de quatro gêneros teatrais nos palcos.
Nesse sentido, a expectativa de pesquisas formais, no Teatro Amador, parece ser atendida.

Nesse Quadro 9, não há indicação do tamanho dos elencos, porque não houve como
mensurá-lo em alguns festivais. Mas podemos relatar que esses elencos foram, em quase todos
os anos, muito mais numerosos do que ocorria, por exemplo, no Teatro Profissional
contemporâneo aos festivais. Só em 1975 haverá uma relativa diminuição no número de atores
em cena e a única ocorrência de um monólogo teatral (embora em A mais forte existiam duas
atrizes contracenando; uma mantinha-se muda) em todos os FETAESP. De qualquer forma, o
número menor de atores, nos elencos de 1975, talvez seja reflexo das barreiras impostas ao
movimento federativo a partir de 1973.

Os dados apresentados nos quadros fortalecem a percepção de que, pela aposta na


contemporaneidade e nos atores nacionais, e pela imensa variedade de gêneros teatrais
apresentados, o Teatro Amador, mesmo sob censura, repressão e pressão econômica, seguiu
criando propostas culturais, políticas e estéticas, além de repercutir o que foi criado no período
de maior criatividade dos movimentos culturais dos anos 1950 e início dos anos 1960. Pelo
número de grupos amadores, apresentações teatrais e público envolvido, torna-se razoável
considerar que foi o Teatro Amador um importante condutor do fórum de propostas culturais,
políticas e estéticas até o momento em que se inicia o período de redemocratização, dentro do
Estado de São Paulo.

A partir daqui, acompanharemos os FETAESP organizados pela COTAESP, em duas


etapas: na primeira, entre 1968 e 1972, a atenção se concentrará nas adaptações estruturais
que norteiam o crescimento e o dinamismo dos festivais amadores a ponto de se tornar evento
assistido por mais de 110 mil espectadores, em 1972; na segunda, de 1973 a 1975, nos
concentraremos no impacto da censura e dos demais mecanismos utilizados com vistas a
solapar o movimento federativo, utilizando-nos das informações pesquisadas e da percepção de
observadores privilegiados e contemporâneos aos fatos.

202
Como sempre, reproduzimos fielmente a discriminação de gênero proposta pelo grupo
amador, no Programa da peça.
128

III.3.1 Palcos iluminados, em tempos escuros (1968-1972).


O VI FETAESP, primeiro festival estadual organizado pela COTAESP, ocorreu sob a
inspiradora proteção de Cacilda Becker que, incansável, acompanhará203 de perto todas as suas
fases. Inclusive compareceu à final, em São Bernardo do Campo.

As competições se iniciam na segunda quinzena de agosto, com a fase eliminatória, e


foram acompanhadas pela imprensa. As notícias sobre o repertório das eliminatórias deixam ver
a riqueza e diversidade dos festivais realizados nesta fase. Vejam os o caso de São Carlos, onde
as eliminatórias foram acompanhadas pelo jornal A Folha204:

De 24 a 31 de agosto será realizada, no Teatro Municipal de São


Carlos, a fase eliminatória da FETAC ao VI Festival Estadual de Teatro
Amador, com a seguinte programação: Procura-se uma rosa, de Gláucio Gil,
com o grupo TEARA (Araraquara); O pequeno príncipe, de Antoine Saint
Exupéry, com o grupo Os Diletantes (Araraquara); A saída, onde está a
saída?, de Oduvaldo Viana Filho, Ferreira Gullar, Paulo Pontes e Antonio
Carlos Fontoura, com o grupo Os Abstratos (Araraquara); Antígona, de
Sófocles, com o grupo Gotas (São Carlos); Eles não usam Black-tie, de
Gianfrancesco Guarnieri, com o Teatro São Sebastião (São Carlos); Paixão
segundo São Marcos, extraído da Bíblia, com o grupo Paus de Arara (São
Carlos); O marido confundido, de Molière, com o grupo Porão 7 (São
Carlos); e O casamento do pequeno burguês, de Bertold Brecht, com o TUA
(Araraquara).

São Carlos apresentou, portanto, espetáculos teatrais com temáticas que vão do
religioso, passando por clássico grego, peça iluminista, textos leves, texto romântico e chegam
a textos com forte conotação política (inclusive colocando em foco o Brasil sob Ditadura Militar).

A realização desses espetáculos – em São Carlos e em todas as outras cidades – indica


que, muito provavelmente, em tempos de fechamento da discussão política, o Teatro Amador
apresenta-se como espaço onde o debate e a problematização de uma realidade podiam se
realizar. Em suma, estamos diante de um fórum libertário que não se encontrava mais em outras
esferas da vida política e social, e nem mesmo em outros meios de expressão cultural.

203
Entre outras coisas, Cacilda Becker lia – diariamente – os artigos de jornal sobre Teatro
Amador. Há uma cópia de “clipping”, com visto da atriz, no ANEXO 3.
204
Aproxima-se o início do festival amador. Jornal A Folha (São Carlos). Edição de 17/08/1968.
129

Mas, mesmo nos palcos amadores, o debate foi muito prejudicado pela ação da censura,
que se fez presente no VI FETAESP desde sua fase eliminatória. Em São Carlos, as peças O marido
confundido e Casamento do pequeno burguês eram as mais cotadas para se classificarem às
semifinais. Acontece que a peça de Molière era dirigida por Glauco Divitis, que na época era
delegado de polícia, enquanto a peça de Brecht era dirigida por Luiz Antônio Martinez Corrêa,
irmão do Zé Celso, diretor do Teatro Oficina. Névio Dias relata o que aconteceu205:

Ocorreu, porém, que a Censura, embora não tivesse feito nenhuma


restrição quando da análise do texto, na Fase Eliminatória decidiu proibir a
encenação do grupo de Araraquara, considerando-a subversiva. Soube-se
depois que essa decisão foi tomada a partir de uma denúncia oriunda de
São Carlos. (...) Posteriormente, em “off”, dois membros de grupos locais
confirmaram o nome da pessoa que havia redigido a carta à Censura,
incriminando o texto de Araraquara como subversivo. Este fato, lamentável
sob qualquer ponto de vista, foi um dos poucos que veio a manchar o nome
do Teatro Amador na região.

Ao cobrir as finais do VI FETAESP, matéria do Diário do Grande ABC reverbera a visão de


algumas entidades que integram a Comissão Estadual de Teatro (como os produtores teatrais)
ou alguns membros da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Esse artigo apresenta o
depoimento de Dilma de Mello (integrante do Grupo Teatro da Cidade, e que foi membro do
júri em duas semifinais do VI FETAESP). Dilma, naquele momento, elaborava para a CET uma
pesquisa sobre Teatro Amador, sob o aval do Prof. Dr. Ruy Coelho (cadeira de Sociologia do
Teatro, da USP). Segundo Dilma de Mello206:

“... (Os festivais) propiciam (...) quando realizados na capital, ou


próximo, ocasião de se observar o que se faz no Tetro Profissional. Seria de
grande proveito que as fases finais fossem sempre levadas no grande
centro, pois funciona como uma experiência mais ampla para grupos que
têm pouca possibilidade de contato com as técnicas mais avançada de
teatro. O Teatro Amador deveria ser um teatro experimental, um celeiro de
vanguarda, lançando textos que profissionais, por questão de público,

205
DIAS, Névio. Memória 1965-1970: o teatro amador no contexto cultural de São Carlos. São
Carlos: ICACESP, 2009. p. 192. O delegado Divitis era um legítimo representante de um tipo de gente que
se associava ao aparato repressivo da época, infiltrando-se em instituições e movimentos sociais; gente
que não titubeava em praticar a delação para sublimar sua mediocridade. Este aparato construído pela
ditadura soube, muito bem, se servir desses indivíduos.
206
Idem.
130

teriam muito risco em montar. Isto exigiria, porém, um alto nível cultural –
condição esta nem sempre presente nos grupos.

Em continuidade, Dilma de Mello também diz que “era até desleal” uma competição
entre grupos do Grande São Paulo e os do interior, pois esses últimos não tinham um cabedal
de informações que lhes dessem um mínimo de sustentação. Podemos, portanto, reforçar a
consideração de que havia – até dentro da CET – pessoas que viam o Teatro Amador como um
penduricalho (quase sempre desajeitado), ou como celeiro, do Teatro Profissional. Mas tal
consideração deve ser feita com a ressalva de que a CET, naquele momento dirigida por Cacilda
Becker, tinha uma percepção muito mais elaborada – e precisa – sobre o Teatro Amador.

No mais, o decorrer do VI FETAESP contradisse a expectativa de Dilma de Mello, pois


apresentou a enorme vitalidade das apresentações interioranas.

E o próprio júri da etapa final, em suas deliberações, mostrava que, no âmbito da própria
CET, havia o entendimento de que o Teatro Amador tinha uma trajetória autônoma. É o que se
depreende ao se observar a premiação. O primeiro colocado, Júlio César, apresentada pelo
Teatro Universitário Sorocabano, tem um elenco jovem e numeroso (20 pessoas no palco e meia
dúzia de técnicos, além de um diretor e um assistente de direção), além de utilizar um texto de
Shakespeare fora do radar do Teatro Profissional brasileiro. O segundo colocado, Fuzis de
Senhora Carrar, apresentado por um conjunto de Ribeirão Preto, é um exemplar característico
do Teatro Universitário com engajamento político e que apostava no chamado “teatro épico”.
O terceiro colocado, A via sacra, do grupo paulistano Teatro Sem Nome, é uma atormentada
visão cristã produzida por um autor do século XIX, que recria um drama religioso medieval.

As apresentações que se pautaram por uma estética mais próxima ao Teatro Profissional
(O Santo Inquérito, O Santo e a Porca, e Quarto de Empregada) acabaram, coincidentemente,
nas últimas posições do certame. Conclui-se que o júri, por meio de seus critérios de premiação,
ajudou a criar um norte de autenticidade amadora ao festival, além de incentivar as pesquisas
formais e de comunicação com o público que não estavam ao alcance do Teatro Profissional,
naquele momento.

Passemos ao ano de 1969. As eliminatórias iniciam-se sob o impacto da morte de Cacilda


Becker. Em Santos, cidade em que Cacilda iniciou sua carreira teatral, o programa da
eliminatória ostenta nas folhas iniciais, uma homenagem à primeira dama do teatro brasileiro.
131

Homenagem singela, em que se coloca, no centro de uma página limpa, a seguinte frase da
atriz207:

Dia a dia eu me sinto mais triste dentro do teatro brasileiro. Acho


que a vida do teatro no Brasil, tem exigido de nós todos um esforço
sobrenatural. Não sei até que ponto essa capacidade de renúncia de todos
nós, não nos afoga.

Essa frase dura, em seu realismo, certamente foi escolhida como síntese do que
aconteceu com Cacilda. Mas também retrata a situação dos amadores que – para realizar suas
atividades artísticas, organizar o movimento federativo, enfrentar o momento de repressão às
manifestações culturais e lidar com a brusca renovação dos sistemas de mídia – têm pouco
tempo e reservas de energias intelectuais para pensar que teatro realmente querem fazer. A
roda-viva dos fatos afoga, tende a esmagar a fruição artística.

Mesmo assim, trezentas peças participam da fase inicial do VII FETAESP. Só Santos tem
uma eliminatória com 11 concorrentes. Nesta eliminatória se estabelece a cobrança de
ingressos208. Até então, a grande maioria dos espetáculos amadores eram gratuitos. A Federação
Santista de Teatro Amador considerou que as apresentações seriam mais valorizadas pelo
público se os espetáculos tivessem custos para quem os assistissem.

Como ocorria desde 1967, cinco semifinais regionais foram realizadas para se escolher
os dez finalistas que se apresentariam em Ribeirão Preto. As duas peças teatrais que
representavam Santos derrotaram as peças paulistanas, do Grande ABC e do Vale do Paraíba,
em sua semifinal e foram para Ribeirão Preto na condição de favoritas.

Mas o júri da final do VII FETAESP decepcionou os santistas, dando o Primeiro Lugar para
Senhora dos afogados, ao Teatro Estudantil Penapolense; e o Segundo Lugar para Bíblico, ao
Grupo M-3 (Rio Claro) – deixando os santistas com o 3º (Electra) e o 4º lugares (Beijo no asfalto).
Por que isso aconteceu?

O júri deve ter considerado o experimentalismo como uma atribuição amadora, e suas
decisões são perfeitamente coerentes com as atuações dos jurados escolhidos pela CET, nos
festivais anteriores. O primeiro prêmio, conferido a Senhora dos afogados, apoia-se no critério

207
VII Festival Estadual de Teatro Amador. Programa da eliminatória santista. Sem numeração
de página. 1969
208
Teatro. Jornal A Tribuna (Santos). Edição de 24/08/1969.
132

de incentivo a buscas formais: esse espetáculo arriscou mais, mesmo não acertando sempre. E
o grupo de Rio Claro apresentou um texto escrito pelo amador Odécio Penteado.

Para o público em geral, talvez tenha sido incompreensível que duas peças tão bem-
acabadas, como as de Santos, tenham ficado atrás da peça rio-clarense, com um texto
relativamente tosco. Além disso, as temáticas das peças santistas estavam em consonância com
o que se discutia no dia a dia dos grupos amadores, e esse fato era até mais importante do que
a qualidade das apresentações de Electra e de Beijo no asfalto (que eram, sim, superiores).

E não só as peças de Santos foram consideradas injustiçadas: Mandrágora, d’O Teatro


Jovem de São José do Rio Preto, também fez uma apresentação exuberante. Até o sofrível Deus
e o diabo na terra do sol, do Clube de Arte do Instituto Coronel Nhonhô Braga (Piraju), muito
por conta da conjuntura política de resistência ao Regime Militar, tinha mais adeptos do que as
peças premiadas com os primeiros lugares.

O VIII FETAESP (1970), que ocorreu a seguir, apresentou uma modificação estrutural: as
cinco semifinais produziriam três finalistas, cada uma, o que significa ampliar em 50% o número
de espetáculos finalistas. A justificativa apresentada era o do aumento expressivo do número
de peças encenadas nas fases iniciais. Um aumento quantitativo que se transformou em
aumento qualitativo, no dizer dos líderes do movimento federativo.

Os números parecem comprovar essa argumentação. E não só no que se refere à


quantidade de peças apresentadas, mas também pelo número de inserções jornalísticas que
indicam um aumento do interesse mercadológico em relação ao que os amadores estavam
produzindo. Observa-se, inclusive, que os críticos teatrais passam a analisar – sistematicamente
– peças produzidas pelo Teatro Amador. Essa cobertura (e esse interesse crítico) são indicadores
de que a qualidade realmente aumentou, mesmo que isso signifique que o Teatro Amador
estivesse sendo julgado, na mídia, por parâmetros semelhantes aos utilizados para aferir a
qualidade do Teatro Profissional.

Mas a questão é mais complexa e nuançada. Há que se lembrar de que existiam 19


federações de Teatro Amador no estado de São Paulo, mas apenas metade delas – no máximo
– participariam da final, se se mantivesse o número de dez espetáculos finalistas. Isto poderia
provocar um desalento em federações que se viam sem condições de chegar, com algum
representante, à final da competição. Certamente ninguém queria essa situação: o melhor era
abrir mais vagas.
133

É necessário lembrar, também, que todos os amadores queriam chegar à uma final de
festival. Claro que há todo um clima de “happening”, mas todos também queriam contar suas
experiências teatrais e entrar em contato com concepções de palco diferentes, descobrindo
novas técnicas, outros textos e outras formas de comunicação com o público.

Constata-se, também, que as finais voltarão, nos anos restantes de nosso estudo, a ter
10 grupos contendores. Observa-se, por fim, que o número de semifinais se mantém em cinco,
até 1972, e diminui para três semifinais, em 1973, 1974 e 1975. Tais números nos levam a
concluir que os números de semifinais e a quantidade de concorrentes da grande final serão
sempre definidos pelos recursos disponíveis para a realização das atividades. Os problemas
logísticos – do deslocamento e alojamento dos conjuntos teatrais ao aparato técnico necessário
para a apresentação das peças – de qualquer empreendimento mais grandioso acabam sendo
maiores do que os ganhos advindos de um festival com mais participantes.

A final do VIII FETAESP ocorreu em Santos, entre 15 e 31 de outubro de 1970.

No programa, da etapa final, distribuído pela COTAESP e, também, nos artigos


jornalísticos a respeito do certame, dois diretores teatrais foram designados como
“profissionais”. Será que a questão é saber exatamente qual a definição de “profissional” que
foi utilizada, uma vez que muitos grupos tinham diretores que trabalhavam como “professores
de teatro”, em várias instituições de ensino, recebendo proventos por essa atividade e que não
foram considerados “profissionais”?

A pesquisa nos levou à outra consideração: os diretores, considerados profissionais,


eram Luís Carlos Arutin e Afonso Gentil. E ambos chegaram ao profissionalismo a partir dos
FETAESP e com o fomento da CET. Arutin havia recebido um prêmio de melhor ator e
conquistado uma bolsa na EAD; Afonso Gentil recebeu um prêmio de melhor diretor e passou a
ter projetos teatrais bancados pela CET. Tais fatos evidenciam que a COTAESP e a CET, ao
designá-los como “profissionais”, impedindo-os de receber novas premiações, abriam espaço
para que outros diretores pudessem seguir os mesmos passos rumo ao profissionalismo, se
assim desejassem. Ou seja, a CET e a COTAESP estão balizando – aqui – trajetórias possíveis para
as revelações em direção teatral.

Voltamos à análise da lista de concorrentes à final do VIII FETAESP. A questão dos


costumes é claramente hegemônica, seja diretamente em textos como Guerra mais ou menos
santa (onde um padre entra em confronto com prostitutas, numa cidade mineira), Zoo Story ou
Choque das Raças (uma peça baseada em texto homônimo de Monteiro Lobato), seja
indiretamente, como no Santo Inquérito. Enfim, as mudanças comportamentais, que são a
134

grande contribuição da vivência amadora no dia a dia de seus membros (e até na vida de seus
amigos e familiares), passa, também, a ganhar proeminência nos palcos. É claro que o debate
das questões políticas e sociais continuam presentes, como em Zumbi e Santo Inquérito,
acompanhadas de peças antigas e medievais que servem de substrato para a discussão da
realidade contemporânea. Em compensação, o experimentalismo formal – que era apanágio das
apresentações amadoras – perde um pouco de relevância e a simples diversão teatral, por
pouco, não desaparece de cena.

Os grandes elencos seguem hegemônicos, mas surpreendentemente não são


mencionados no programa da final do VIII FETAESP, que se atem a apenas nomear os diretores
e os autores dos textos. Omissão que só ocorreu no caderno dessa final de festival, entre todos
os que foram estudados nesse trabalho.

Resultados finais209:

Com a vitória do Teatro Estudantil Vicente de Carvalho, encerrou-se


no dia 31 de outubro o 8º Festival Estudantil (SIC) de Teatro amador. (...) O
Grupo Cênico Regina Pacis, de São Bernardo, com o espetáculo Zumbi,
classificou-se em segundo lugar. O Choque das raças, encenado pelo Grupo
Teatral Paulo Eiró, de São José do Rio Preto, obteve o 3º lugar.

O resultado reafirma a determinação de se premiar quem busca uma linguagem


amadora, com uso – inclusive – de autores amadores. É o que ocorre com o grupo de Rio Preto,
que utiliza o texto de Hamilton Saraiva e, até, com o grupo vencedor que quase reinventa o texto
de Aristófanes. O Grupo Cênico Regina Pacis, que apresentou um espetáculo irrepreensível
dentro de parâmetros mais técnicos, ficou com o segundo lugar.

Chegamos ao ano de 1971, quando aconteceu o IX FETAESP. A novidade desse festival


também ocorreu na etapa semifinal. Até a metade do ano, permanecia a ideia de manter
congregadas as federações relativamente próximas entre si. Mas uma modificação bastante
importante acabou ocorrendo: definiu-se que peças classificadas por uma mesma federação
poderiam competir em sedes diferentes, o que permitiria um maior intercâmbio de propostas,
projetos e conhecimentos, já na fase semifinal.

209
8º Festival Estudantil de Teatro Amador. Jornal da Cooperativa do Petróleo – COOP/Jornal
(Santos). Edição de novembro de 1970. Observe-se, aqui, que o VIII FETAESP sensibilizou um jornal de
sindicato, independentemente do fato de que foi desse sindicato que emergiu Carlos Pinto, presidente da
COTAESP...
135

Além de induzir à melhoria da qualidade teatral amadora e de tornar mais justa a


classificação das peças para a final, a distribuição das peças classificadas por uma mesma
federação, na fase semifinal é um indício de que a estrutura dos festivais estava, no ano de 1971,
suficientemente robusta para permitir que os grupos pudessem se deslocar por todo o estado
de São Paulo210. Assim se poderia distribuir, por exemplo, alguns dos semifinalistas das
federações, com produção teatral mais madura, em todas as regiões do estado.

Estavam postas as condições para a construção de uma etapa final muito interessante,
além da possibilidade de se espelhar a excelência de qualidade artística alcançada pelos
amadores naquele momento. E foi isso o que aconteceu, no Teatro Municipal Dr. Alderico Vieira
Perdigão (São Carlos), entre os dias 21 e 30 de outubro de 1971.

Graças à estatura que o FETAESP atingira (e aos releases distribuídos pela Comissão
Estadual de Teatro), inúmeros jornais211 divulgaram o evento por todo o estado. As
apresentações ocorreram sempre com casa cheia. A presidente da Comissão Estadual de Teatro,
Nídia Lícia e o Embaixador do Teatro no Brasil, Pascoal Carlos Magno, estiveram presentes às
apresentações.

210
De acordo com o Jornal A Tribuna (Festival de Teatro: dia 10 TEVC abre a fase semifinal. Jornal
A Tribuna (Santos). Edição de 07/09/1971) as semifinais ganharam a seguinte organização: 1) Série Cacilda
Becker (sediada em Santos), com grupos de Santos, Sorocaba, São Bernardo do Campo e Taubaté; 2) série
Maria Teresa Alves Vianna (em Barretos), com grupos de Barretos, São Carlos, Botucatu, São José do Rio
Preto, Bauru e Sertãozinho; 3) série Martins Pena (em Sorocaba), com grupos de São Paulo, Sorocaba,
Presidente Prudente, Barretos e São José do Rio Preto; 4) série Francisco Marmorato (em Rio Claro), com
grupos de Santos, São Carlos, São Paulo, Rio Claro, Botucatu e Bauru; e 5) série João Rios (em Presidente
Prudente), com grupos de São Carlos, São José do Rio Preto, Presidente Prudente, Barretos e Sertãozinho.
211
Alguns desses jornais fizeram a divulgação de maneira algo desastrada. O Estado de São Paulo,
em sua edição de 14/10/1971 (Festival amador em São Carlos), após anunciar que “será do dia 20 ao dia
31, em São Carlos, a final do IX Festival de Teatro Amador do Estado de São Paulo, com a participação dos
seguintes grupos:”, desfia o nome das peças, seus autores e cidades de onde se originam os
representantes, esquecendo-se de colocar os nomes dos... grupos amadores. Além disso, fiando-se em
um release antigo, o “Estadão” anunciou uma peça de Presidente Prudente, que fora substituída por outra
um mês antes da competição...
136

O IX FETAESP encerra-se com nova vitória dos amadores de Santos212. De acordo com o
Relatório de Premiação213, assinado pelos jurados, os resultados214 indicam que o júri mantém a
preocupação de privilegiar a estética amadora, seja dando menções honrosas a texto, produção
musical e coreografia de perfil claramente não profissional, seja pelo reconhecimento aos
trabalhos de direção que quase chegam a ser coautoria dos textos representados.

E os dois vitoriosos espetáculos santistas são verdadeiras recriações, como se pode ver
nas críticas assinadas por Sábato Magaldi, que privilegiou o movimento amador em sua
prestigiada coluna jornalística, nos dias que se seguem à final do IX FETAESP. Vejamos, primeiro,
como o crítico abordou a apresentação de Prometeu Acorrentado, dirigido por Carlos Alberto
Soffredini:215

Quando se lembra que a tragédia de Ésquilo, mal saída do


ditirambo, faz que desfilem sucessivamente, diante de Prometeu
acorrentado, umas poucas personagens, não se consegue evitar o juízo
segundo o qual a construção é ainda rudimentar e há uma troca monótona
de personagens em cena. Se reproduzisse em palco apenas o esquema de
uma ação primitiva, Sofredini faria uma montagem árida e incapaz de
envolver o público. Seu espetáculo, ao invés disso, oferece um festival de
imaginação. (...) Vejam-se a roda à volta do fogo, a chegada do Oceano, o

212
Santos leva maior prêmio do Festival. O Estado de São Paulo. Edição de 04/11/1971
213
Os corpos de jurados, nos festivais anteriores, não divulgaram relatórios com as notas e
critérios de julgamento. Dessa vez, tendo posse do relatório, a Federação de Teatro Amador do Centro do
Estado (FETAC) preocupou-se em confeccionar um impresso, com 21 páginas, onde constam as resenhas
críticas de todos as peças concorrentes e as notas de cada um dos membros do júri. Também foram
apresentadas as notas individuais dos concorrentes a melhor ator, atriz, coadjuvantes, diretor, figurinista,
cenógrafo, iluminador, revelações e menções honrosas em coreografia, musical, texto e instrumentista.
O impresso foi distribuído para as federações e para a imprensa. Esse procedimento de divulgação,
realizado pelo corpo de jurados de 1971, se repetirá nos festivais seguintes. Muitas das ponderações
desses relatórios foram aproveitadas, em nosso estudo, para fundamentar o que é debatido no item IV.1
(A estrutura das encenações).
214
Espetáculos: 1º colocado (Prêmio Governador do Estado) foi Teatro Estudantil de Vanguarda
(Santos), com A balada de Manhattan; 2º colocado, Teatro Estudantil Vicente de Carvalho (Santos), com
Prometeu Acorrentado; 3º colocado, Grupo de Teatro Jovem (São José do Rio Preto), com Os cegos.
Prêmios individuais: Diretor, Wilson Geraldo (Santos); Cenografia e Figurinos, equipe do Grupo
de Teatro Jovem (Rio Preto); Iluminação, Eduardo Autran Von Phul (Santos); Ator, empate entre Paulo
Betti (Sorocaba) e Rui Cesar Pietropaulo (Santos); Ator Coadjuvante, Luiz Henrique (São Paulo); Atriz,
Ângela Maria Rodrigues (que se apresentou nas duas peças de Santos!); Atriz Coadjuvante, Maria Tereza
Alves (Santos); revelação masculina, Antonio R. Fernandes (Santos), Revelação Feminina, Eunice Mendes
Nascimento (Sertãozinho).
Menções Honrosas: Coreografia, Carlos Alberto Sofredini (Santos); Música, Paulo Márcio Novaes
(Santos) e Nelson José dos Santos Solha (São Paulo), Texto original; Sérgio Luiz Bambace (São Paulo);
Instrumentista, Mário Cesar de Camargo (São Bernardo do Campo).
215
MAGALDI, Sábato. O público conquistado por um espetáculo: Prometeu. Jornal da Tarde (São
Paulo). Sem data.
137

voo das gaivotas, a dança das máscaras, o parto, as três lanternas elétricas
que desempenham várias funções. O espectador mal sai de um estímulo
visual e outro de imediato o seduz. O recurso do envolvimento sensorial é
frequentemente utilizado no teatro para esconder a pobreza de ideias. No
caso desse Prometeu, não: os prestígios da vanguarda estão mobilizados
em função de um sentido. (...) Prevalece, no espetáculo, o conceito de
resistência do homem contra a opressão dos poderosos. A encenação do
conjunto santista captou e transmitiu a essência do pensamento esquiliano.

Sábato Magaldi reforça sua percepção de que o Teatro Amador chegou a um patamar
elevado de qualidade, no IX FETAESP, ao fazer a crítica da peça vitoriosa, Balada de
Manhattan216:

O respeito pelo autor não acarretou uma submissão estéril à letra


fria do texto. O grupo captou admiravelmente a mensagem do dramaturgo,
não pensando em alterá-la ou torce-la em nenhum momento. Mas, para
que a palavra tivesse o melhor rendimento cênico, tudo foi pensado em
termos de espetáculo, o que importou em inteligentes liberdades,
explicáveis como fecunda colaboração. Agrada-me mais, na reflexão sobre
o assassínio de Kitty Genovese – a enfermeira que foi golpeada por quase
uma hora, sem que ninguém esboçasse um gesto para socorre-la – a
delicadeza moral de Léo Gilson. (...) Os problemas de A Balada não dizem
respeito à inspiração ética, mas à forma teatral. (...) Nesse ponto entra a
lúcida recriação do diretor Wilson Geraldo. Ele inventou tantos recursos
para dramatizar o texto que, sem dúvida nenhuma, o espectador está
diante de verdadeiro e bom teatro. O palco se transforma num permanente
estímulo visual e auditivo para o público, sem ceder um momento à
gratuidade.

Por fim, o crítico sentencia217:

Esse espetáculo e Prometeu Acorrentado, na encenação do Teatro


Estudantil Vicente de Carvalho, permitem concluir que Santos assumiu a
liderança do movimento amador de São Paulo.

216
MAGALDI, Sábato. Amadores não fazem bom teatro. Quem disse isso? Jornal da Tarde (São
Paulo). Edição de 26/11/1971
217
Idem.
138

Outro observador que merece ser mencionado é o diretor teatral Afonso Gentil, que foi
membro da banca de júri do IX FETAESP (e que também esteve nessa função nos anos de 1968
e 1969). Entrevistado por um jornal paulistano, apresentou sua visão sobre o Festival e sobre os
amadores de teatro218:

A experiência nossa em outros festivais, demonstrou que debates


entre participantes e os membros do júri nunca deram bom resultado.
Assim, mantivemos nossa opinião sobre os espetáculos em total sigilo, mas
organizávamos bate-papos sobre vários problemas do teatro em geral e dos
amadores em particular e pudemos sentir várias coisas: 1º - que há um
certo desencanto com o profissionalismo, por parte dos amadores. Eles não
sonham com o profissionalismo. Querem que o teatro amador seja um
teatro de vanguarda, de pesquisa formal, na medida em que o teatro
profissional não pode fazer isso; 2º - que a grande maioria dos elementos
de teatro amador é uma gente lúcida e inteligente, vivamente interessada
em melhorar e em pesquisar; 3º - que sentem muita falta de gente boa
para dar cursos e dirigir peças no interior. Sem citar particularmente
nomes, eles acham que nem todos os enviados pela Comissão Estadual de
Teatro para ministrarem cursos ou dirigirem peças corresponderam.
Querem movimentar cada vez mais o teatro amador e sentem maior falta
de cursos especializados.

Talvez as primeiras palavras de Afonso Gentil sejam um reflexo dos tempos difíceis pelos
quais passava o Brasil: parece que só assim podemos entender por que alguém, da área teatral,
faça questão de dizer que “debates entre participantes e os membros do júri nunca deram bom
resultado” ...

Mais interessantes são suas percepções em relação ao amador de teatro. Ao dizer que
os amadores não sonham com o profissionalismo, Gentil parece ter se surpreendido com essa
postura. Até porque um dos objetivos dos festivais amadores, quando foram criados pela CET,
era precisamente o de oxigenar o Teatro Profissional com novos artistas. Mais curioso ainda é o
fato de que, segundo Gentil, os amadores se concentravam em fazer um teatro de vanguarda e
de pesquisa formal, quando o que se presenciou foi (claro, sem abandonar a pesquisa formal)
um festival em que os amadores apresentaram claramente suas angústias e propostas de vida

218
Amadores de teatro: um trabalho inquieto. Jornal A Gazeta. Edição de 08/11/1971.
139

para o tempo presente e para a sociedade em que viviam. E mais: que essas propostas atingiam
claramente o público, que compareceu em grande número para assistir às apresentações.

A segunda observação de Gentil, sobre a inteligência e lucidez dos amadores, mostra –


provavelmente – que ele não esperava encontrar, entre os jovens amadores, o amadurecimento
artístico e intelectual de que eles eram possuidores.

Em sua terceira e última observação, talvez Gentil – por conta até de seus interesses
pessoais – tenha involuntariamente acrescentado o termo “dirigir peças”. Os amadores tinham
ansiedade por cursos. Inclusive cursos de direção teatral (ou até algum tipo de tutoria para
diretores amadores), mas certamente queriam, eles próprios, dirigir suas peças teatrais. Uma
pista para se perceber que os amadores não queriam ser dirigidos está na primeira observação
do próprio Afonso Gentil: o “desencanto” com o profissionalismo e as buscas formais – que
estão fora do alcance do profissionalismo – afastavam muitos grupos amadores da ideia de se
submeterem à uma direção profissional.

Antes de passarmos para o próximo FETAESP, cabe uma observação sobre o público e
sobre a imprensa, que cobriu o certame. Segundo Afonso Gentil219,

O público de São Carlos, que algumas vezes chegou a lotar o Teatro


Municipal daquela cidade, reagiu muito bem. (...) O primeiro espetáculo
representado tinha uma cena de nu, e o público entendeu bem a cena, aliás
necessária e muito bonita. Um jornal local abriu no dia seguinte as baterias
contra o espetáculo, contra o Festival e até contra a Comissão Julgadora,
dizendo que “sabiam que o primeiro prêmio seria dado a esse espetáculo,
verdadeira afronta à sociedade são-carlense.

Esse jornal era O Diário. As palavras exatas foram as que seguem220:

O diretor, Carlos Alberto Soffredini, moço de muitas ideias,


transformou o original – 40 minutos de encenação – em 2h30 de
espetáculo. Grandiosidade (30 atores e muito barulho), absoluta falta de
nexo, mas com muito sexo e presunção artística, o trabalho dos santistas
asfixiou o texto, assegurando, não obstante, o voto unânime da comissão
julgadora, que lhe dará – conforme já se soube antecipadamente – o
prêmio mais rico, de 6 mil cruzeiros. Com a lotação esgotada, essa

219
Idem.
220
Prometeu acorrentado. Jornal O Diário (São Carlos). Edição de 24/10/1971.
140

apresentação de sexta-feira última obteve 88% de votação favorável e,


segundo a expressão do público (masculino, sobretudo) o espetáculo valeu
como show de nus.

Evidencia-se que público e amadores estavam, em geral, bem melhor situados na fruição
da arte, do que a imprensa que era destacada para a cobertura dos certames...

Passemos ao ano de 1972, quando o movimento federativo amador paulista realizou


mais apresentações, no Estado, do que o Teatro Profissional221. O X FETAESP refletiu essa
realidade, ultrapassando 500 apresentações teatrais distribuídas em duas fases eliminatórias,
semifinais em cinco cidades (Sertãozinho, Ituverava, São Carlos, Rio Claro e Marília222) e a grande
final na cidade de São José do Rio Preto. Esse gigantismo rendeu dividendos positivos (talvez
meio milhão de espectadores tenham assistido às encenações amadoras, no Estado de São
Paulo, naquele ano) e negativos (foram tantas as cidades-sede de eliminatórias e semifinais, que
alguns espetáculos acabaram ocorrendo em recintos sem infraestrutura para encenações
teatrais, prejudicando-os).

Jorge de Andrade, reconhecido autor teatral, com obra que se ambienta no chamado
ciclo do café, e que problematiza a decadência dos valores patriarcais, decidiu-se por fazer o
lançamento nacional de uma nova peça, As confrarias, numa montagem amadora.

A final do X FETAESP, entre os dias 20 e 31 de outubro de 1972, ocorreu em São José do


Rio Preto, cidade que passava por uma verdadeira revolução no campo do Teatro Amador.
Desde 1969, sempre no mês de julho, a Secretaria Municipal de Cultura e a Federação de Teatro
Amador da Alta Araraquarense realizavam um interessante Festival Nacional de Teatro Amador.
Este festival tornar-se-ia o mais importante evento de Teatro Amador brasileiro, nas décadas de
1980 e 1990. E, sob patrocínio do SESC, se transformaria em festival internacional, na virada do
milênio.

Em 1972, o movimento amador de Rio Preto já havia assimilado as experiências de


grupos teatrais amadores de todos os recantos do país, em especial de grupos nordestinos que
muito se utilizavam das técnicas de teatro de rua e do teatro renascentista.

221
X Festival de Teatro Amador do Estado de S.P. – Fase final. Jornal A Notícia (São josé do Rio
Preto). Edição de 08/10/1972.
222
X Festival amador chega às semifinais. Jornal A Tribuna (Santos). Edição de 12/09/1972.
141

A vitória223 de A Megera Domada, texto de Willian Shakespeare, montagem do Grupo


Estudantil Casa da Cultura de São José do Rio Preto; secundado por As confrarias, texto de Jorge
de Andrade e montagem do Teatro Estudantil Vicente de Carvalho (Santos), mostram que o
caminho autônomo de evolução artística, que eventualmente utiliza – mas em absoluto se
submete – achados do Teatro Profissional, está sendo trilhado pelo Teatro Amador. Das dez
peças que chegaram à final, nada menos do que três foram escritas por amadores (e esses
autores, Hamilton Saraiva, Roberto Gil e Carlos Alberto Soffredini frequentemente também
dirigem peças amadoras); diretores amadores, como Humberto Sinibaldi e Wilson Modesto, têm
uma linguagem cênica tão poderosa que acabam deixando marcas indeléveis de criação pessoal
nos textos que trabalham. No que tange a iluminação, cenografia e figurinos, os amadores se
afastam da estética profissional a ponto de criarem, mais que um estilo, uma nova escola teatral.
Hamilton Figueiredo Saraiva, por exemplo, tornar-se-á professor da ECA-USP ensinando
iluminação e o uso das cores, com conceitos absolutamente originais. Também na iluminação,
Roberto Gil seguirá importante carreira como professor universitário, em Sorocaba.

III.3.2 Festivais sob asfixia (1973-1975)


Os Festivais de Teatro Amador do Estado de São Paulo, sob o comando da COTAESP,
quase triplicaram tanto em número de grupos participantes como em público espectador, entre
os anos de 1968 e 1972. Como o crescimento foi consistente e constante, tudo faria crer na
persistência dessa dinâmica.

Mas, poucas semanas antes do início do XI FETAESP, que ocorreu nos meses de agosto,
setembro e outubro de 1973, a COTAESP – respaldada por decisão do VIII Congresso Estadual
de Teatro Amador224, promoveu uma mudança no regulamento225:

Cada região eliminatória vai enviar três espetáculos para a fase


semifinal, em setembro, este ano dividida em três cidades, Sorocaba, Rio
Preto e Botucatu, que por sua vez enviam três espetáculos para a fase final,
onde o grupo classificado em primeiro lugar na eliminatória local completa
o número de dez espetáculos concorrentes.

223
As demais premiações – de acordo com Festival Amador. Jornal Cidade de Santos. Edição de
07/11/1972 – foram: Direção: Humberto Sinibaldi, de A megera domada, Rio Preto; Ator: Hélio Lima, de
Homem do princípio ao fim, São Bernardo; Ator coadjuvante: Nelson Santos, de Tiradentes, São Paulo;
Atriz: Cláudia Ribeiro, de As confrarias, Santos; Iluminação: Rogério Godinho, de As confrarias, Santos;
Figurinos e Cenografia: equipe de A megera domada, Rio Preto.
224
Ocorrido nos dias 24 e 25 de março de 1973, em Santos.
225
Teatro amador. Jornal Cidade de Santos. Edição de 12/06/1973.
142

O informe, com a mudança do regulamento foi enviado (pela COTAESP e pela CET) para
jornais de todas as regiões do Estado. Em Barretos, outra informação interessante, desse
documento, foi divulgada226:

O XI Festival Estadual de Teatro Amador (SIC) é considerado como o


maior do mundo em seu gênero. Para as eliminatórias, que se realizarão em
agosto, é esperada a presença de aproximadamente 200 grupos amadores
de São Paulo, que serão apreciados por comissões julgadoras, que
selecionarão no máximo 57 deles, para as três fases semifinais.

Ou seja, cada uma das 19 cidades onde ocorrem eliminatórias227poderá classificar três
peças, enviando-as para cada uma das três cidades onde ocorrem as semifinais. Observe-se que,
apesar de continuar sendo “o maior do mundo em seu gênero”, o XI FETAESP espera a presença
de “aproximadamente 200 grupos amadores” na fase eliminatória. Isto é, bem menos que os
500 grupos que participaram da fase eliminatória no ano anterior. Quais fatores teriam
provocado redução tão drástica?

A ocorrência de problemas de infraestrutura, nas semifinais do ano anterior, foi o


argumento da COTAESP para a diminuição do número de sedes de semifinais no ano de 1973.
Mas as semifinais entre 1968 e 1971 ocorreram em mais de 20 cidades diferentes, sem que
fossem reportados maiores problemas técnicos ou de infraestrutura geral. Será que não
existiriam cinco cidades em condições de receber semifinalistas, em 1973?

No mês de agosto de 1973, a Federação Santista de Teatro Amador (FESTA) enfrentou


um problema para fazer sua eliminatória228:

É a primeira vez que a fase inicial do festival não se realiza em


Santos, porque, segundo os organizadores da promoção (Federação
Santista de Teatro amador), “não houve interesse das autoridades locais
em patrocinar espetáculos”.

226
XI Festival Estadual de Teatro amador. Correio de Barretos. Edição de 17/06/1973. O Jornal
Cidade de Rio Claro, na edição de 27/06/1973, produziu uma nota idêntica à de Barretos (incluindo-se a
chamada).
227
Eram elas: São Paulo, capital; Santos; Santo André; Taubaté; Lorena; Sorocaba; Botucatu;
Bauru; Marília; Presidente Prudente; Lins; São José do Rio Preto; São Carlos; Rio Claro; Campinas; São José
do Rio Pardo; Franca; Barretos e Sertãozinho.
228
Eliminatórias para o IX Festival de Teatro Amador. Jornal A Tribuna (Santos). Edição de
16/08/1973. Parece que o jornal, aqui, também enfrentou um problema. De revisão: na verdade, trata-se
do XI Festival...
143

Essa eliminatória seria transferida para o Guarujá. Mas, um acordo de última hora,
manteve a sede da eliminatória em Santos. Ao que parece, a FESTA conseguiu fazer com que a
Prefeitura de Santos assumisse suas responsabilidades na área cultural. Resta verificar se não se
tratava (sob a orientação de algum órgão de segurança, ou de informações) de uma manobra
com o objetivo de desgastar sistematicamente o movimento federativo, por meio de pequenos
atritos e progressiva sangria de recursos. E, se esta manobra de fato existiu: aferir qual o grau
de comprometimento voluntário de cada um dos participantes dela.

A possibilidade de manobra de desgaste ganha plausibilidade quando se constata que,


na mesma semana em que começava a eliminatória santista do XI FETAESP, o jornalista e poeta
Fernando Coelho, em sua coluna diária, alertava229:

Estou tomando conhecimento que determinados jornais, inclusive


do interior, isto para não falar de certas pessoas do teatro profissional,
“embirraram” com o teatro amador.

Essa birra não era, apenas, um estado de espírito: uma série de acusações apócrifas dava
conta de que as diretorias do movimento federativo desviavam recursos destinados aos festivais
de Teatro Amador. Acusações inverídicas, uma vez que todas as movimentações de recursos
sempre foram acompanhadas de competentes demonstrativos de despesas que – além disso –
eram sempre divulgados em murais e pela imprensa.

Fernando Coelho, dez dias após o primeiro alerta, viu-se impelido a ir, mais uma vez em
defesa do movimento federativo230:

(...) estas iniciativas provam mais uma vez que o teatro amador não
está nas “últimas” como afirmam alguns despeitados, mas sabendo
empregar bem a verba e contribuindo mais do que nunca para a formação
de homens sadios.

Nesse mesmo artigo, Fernando Coelho denuncia a ação de outro inimigo, muito mais
poderoso, do Teatro Amador231:

229
COELHO, Fernando. Teatro. Jornal O Dia (São Paulo). Edição de 17/08/1973.
230
COELHO, Fernando. Teatro. Jornal O Dia (São Paulo). Edição de 28/08/1973.
231
Idem.
144

Apesar de estarem inscritos dez espetáculos concorrentes, quatro


foram impedidos de fazerem suas interpretações. Alguns por problemas
com a Censura Federal, não tiveram seus textos liberados.

O ataque da censura foi insidioso e violento. Na verdade, ainda mais violento do que
Fernando Coelho denunciou (ou tinha condições objetivas para denunciar). Outro artigo de
jornal, já nas finais do XI FETAESP, informa232:

O texto de O defunto é um ensaio para teatro, aproveitado pelo


diretor Walter Rodrigues. O espetáculo estava composto por dois ensaios
de Obaldia, que eram: O defunto e O nitrogênio. Por problemas de censura,
a segunda parte do espetáculo, composta pelo Nitrogênio, foi proibida,
restando apenas a primeira parte que tem uma duração de 40 minutos. O
espetáculo não tem qualquer compromisso social (...)

Chegamos ao fato: a censura destruiu, objetivamente, metade da eliminatória santista


do XI FETAESP. Isso sem que discutamos o que foi subjetivamente destruído, por conta de
autocensura.

A ação da censura não foi devastadora apenas na eliminatória de Santos: das 19


eliminatórias, obteve-se acesso a informe de seis. E, em todas essas233, a censura impediu a
apresentação de pelo menos duas peças teatrais.

Assim, o XI FETAESP já estava prejudicado em pelo menos três aspectos: qualidade geral
dos espetáculos apresentados; representatividade do certame, no que se refere a mostrar todas
as facetas do trabalho teatral amador; empatia com o público.

A crítica teatral, já na semifinal de Sorocaba, questiona a qualidade do que foi


selecionado na fase eliminatória234:

Quem viu os espetáculos enviados por Santos nos outros festivais


não acredita que Morte e vida Severina (por Guarujá) tenha sido o seu
melhor representante, uma vez que a encenação é em nível inferior às
Confrarias (dir. por Wilson Geraldo) ou Prometeu acorrentado (dir. por
Soffredini), peças enviadas anteriormente pela região santista.

232
‘O defunto’ fecha o Festival, hoje. Jornal O Imparcial (Presidente Prudente). Edição de
27/10/1973.
233
São Carlos, São Paulo, Santo André, São José do Rio Preto, Sorocaba e Bauru.
234
GIL, Roberto. Morte e vida Severina. Diário de Sorocaba. Edição de 18/09/1973.
145

Outro problema surge, para atormentar o movimento federativo de Teatro Amador: o


Teatro Profissional passa a questionar os repasses financeiros da Comissão Estadual de Teatro,
ao movimento amador. O estopim ocorreu quando o Ministro da Cultura, Jarbas Passarinho,
decidiu doar 800 mil cruzeiros para o teatro paulista enfrentar uma crise. O dinheiro foi
endereçado à Secretaria de Estado da Cultura (SP), que encarregou a Comissão Estadual de
Teatro, presidida por Nydia Lícia, fazer o repasse. Ela decide pedir mais Cr$100 mil ao Secretário
Estadual de Cultura, Esportes e Turismo. E decidiu, também, transformar a doação em prestação
de serviços por meio de “temporadas populares”, entregando Cr$500 mil aos grupos
profissionais e Cr$400 mil aos grupos amadores de teatro.

O que aconteceu a seguir foi constrangedor: os grupos profissionais decidiram repudiar


Nydia Lícia porque achavam que os amadores não deveriam receber um único centavo. E
fizeram uma sórdida campanha exigindo, inclusive, a cabeça de Nydia, por meio de um artigo
assinado por Paulo Lara, na Folha da Tarde (jornal paulistano), de 08 de agosto de 1973.

Nydia Lícia manteve-se firme. Parte desses recursos foram, inclusive, utilizados na
infraestrutura das finais do XI FETAESP..

No que se refere aos grupos participantes desta final, há muitas novidades. Algumas
interessantes, como a do grupo de teatro formado num colégio de bairro de pescadores, do
Guarujá; outras constrangedoras, como a do fraquíssimo grupo prudentino. Mas há que se
considerar o fato de que algumas novidades constrangedoras seriam muito mais raras se não
houvesse a dilapidação do Festival por conta da ação da censura.

O mesmo se observa em relação aos textos encenados: os autores brasileiros


contemporâneos quase saíram de cena. Escaparam João Cabral de Melo Neto (seu texto
teatralizado ganhou tal notoriedade, que se tornou incensurável) e Benedito Ruy Barbosa (autor
das novelas “das seis” da Rede Globo, já muito mais conservador do que na época do Teatro de
Arena). Há, também, entre as peças da final do XI FETAESP, alguns autores europeus (inclusive
da Europa Oriental) contemporâneos muito interessantes. Mas com textos que não provocam
empatia com o público do interior de São Paulo.

Há, aqui, o sério risco de que o Teatro Amador perca a capacidade de mostrar o que seu
público (e seus próprios participantes...) quer ver no palco. E o risco foi imediatamente
identificado pelos dirigentes do movimento federativo235:

235
Melhor escolha de textos teatrais, um dos temas das palestras. Jornal O Imparcial (Presidente
Prudente). Edição de 23/10/1973. p.01 e p.03
146

Um dos maiores problemas surgidos de alguns tempos para cá, com


o teatro amador, começou a ser debatido ontem, em Presidente Prudente.
A Confederação de Teatro Amador do Estado de São Paulo promoveu um
ciclo de palestras, cujo objetivo é uma maior conscientização dos amadores,
no sentido de escolher e encenar espetáculos, (...) dando uma nova e bem
ampla visão dos textos dirigidos hoje à plateia. (...) Palestras proferidas por
Jacques Lagoa e pelo professor Armando Sérgio da Silva, membros do júri
do XI Festival de Teatro amador do Estado.

Os vencedores do XI FETAESP236 foram: Grupo Jambaí – São Paulo (1º colocado), Teatro
de Arte de Santo André (2º) e Teatro amador Estudantil do Colégio Estadual de Paicará – Guarujá
(3º). Os dois primeiros são os grupos mais maduros que conseguiram escapar da censura com
peças vindas da Europa Oriental (de reconhecidamente difícil assimilação pelo público). O
terceiro colocado mereceu recompensa por ter feito um trabalho no limite de suas
possibilidades objetivas.

Logo após o final do XI FETAESP, Carlos Pinto (Presidente da COTAESP) produziu um


relatório, que foi enviado ao Secretário de Estado de Cultura Esportes e Turismo, Pedro de
Magalhães Padilha. Esse relatório repercutiu muito, inclusive na imprensa paulistana, (na coluna
Teatro/Regina Helena237):

Este ano, o Festival teve 182 grupos inscritos para concorrer ao


certame em sua fase eliminatória, o que se constitui recorde absoluto.
“Lamentavelmente”, diz o relatório, “uma boa parte desses grupos foi
eliminada pela Censura ou pela SBAT, antes de poder participar”.

O presidente da COTAESP também alerta para o fato de que as comissões julgadoras da


fase eliminatória classificaram maus espetáculos para as fases seguintes, deixando para trás
grupos de melhores características técnicas. Não ficou explícito se as más escolhas derivam do
fato de que a censura ceifou os melhores espetáculos, ou se os jurados – muitos escolhidos,
naquele ano, entre estagiários da ECA-USP; outros escolhidos, como sempre, entre jornalistas e
radialistas locais – fizeram escolhas infelizes. De qualquer forma, Carlos Pinto informou que o

236
Grupo de São Paulo vence festival amador. Jornal O Estado de São Paulo. Edição de
30/10/1973.
237
Confederação de Teatro Amador faz relatório. A Gazeta (São Paulo). Edição de 27/11/1973.
Os trechos com aspas, que se seguem, foram todos retirados dessa reportagem.
147

próximo Congresso da COTAESP iria debater como escolher os jurados da fase eliminatória do
próximo FETAESP.

Seguindo com o relatório, após deplorar a ação da Censura, Carlos Pinto mostra que
também as questões financeiras estavam inviabilizando as apresentações amadoras: “Em
Santos, o aluguel de um teatro custa 700,00 por dia; a SBAT cobra taxas que vão de 156,00 a
312,00238, por espetáculo apresentado. Junta-se a isso o custo da montagem, e analise-se a
condição do amador”.

Mesmo diante de tantas dificuldades, o relatório analisa positivamente a fase final, com
apresentações em teatro lotado e considerando que “A qualidade técnica do Festival foi
realmente surpreendente. Podemos classificar os dez espetáculos finalistas da seguinte forma:
dois em nível ótimo, cinco em nível bom, dois em nível regular e apenas um sem quaisquer
condições”.

A linguagem foi proativa. Mas o sinal de alerta soou, pois ficava evidente que se
orquestrava um processo de destruição do movimento federativo. E essa orquestração seria de
muito difícil enfrentamento porque não tinha rosto. Melhor dizendo, tinha muitos rostos:
incluindo-se aqui, pessoas e instituições que – se agissem com mais tirocínio – deveriam estar
ao lado dos amadores. A SBAT, por exemplo. Mas não só ela: deveriam estar ao lado dos
amadores os profissionais de teatro e, sem dúvida, os autores teatrais perseguidos pela censura.

Mas os profissionais de teatro (e os autores perseguidos pela censura...) precisavam dos


recursos – escassos – alocados pelo governo do Estado de São Paulo, via Comissão Estadual de
Teatro. E não admitiam que, em média, ¼ desses recursos fossem carreados para o Teatro
Amador. Talvez isso explique a virulência do ataque de Plínio Marcos contra o XI FETAESP239:

A bronca desses amadores é porque eu não curto a marola de


festival que eles fazem. Não acredito na orientação que a Federação de
Teatro Amador está dando pros grupos do interior. Nem posso, né? Eu já
expliquei aqui que o amador de teatro deveria fazer um trabalho de
lançamento de novos autores, de popularização de teatro ou de tentativa
de descobrir caminhos. Não ficar só mamando subvenção do Estado pra

238
Cr$312,00 era exatamente o valor do salário mínimo, em 1973.
239
O nome desse artigo é Pelo Telefone. Saiu em jornal de São Paulo (Capital) provavelmente em
fevereiro ou março de 1974. Não se obteve mais referências, porque o material foi colhido a partir de um
recorte anexado ao mural de informes da Federação Santista de Teatro Amador, no mês de março de
1974. Plínio Marcos simula, neste artigo, uma conversa por telefone.
148

inúteis festivais de espetáculos muquimbas. (...) eles estão pegando


dinheiro do Estado e mentindo que estão contribuindo para a cultura (...).
Antes eles não eram (oportunistas). Agora são. Só ganha subvenção quem
faz teatro bem-comportado. Pra que então um oportunista vai remar
contra a maré?

A resposta da COTAESP, por intermédio de seu presidente, também foi contundente240:

É preciso que se divulgue que o teatro amador paulista é o único


movimento em tal envergadura, em toda a América, e talvez no mundo. É
preciso que o senhor Plínio Marcos saiba que sua coluna é lida apenas por
pessoas que fazem teatro, e que isso que ele pretende, ao forçar a opinião
dessas pessoas contra os amadores e contra o governo do Estado, é até em
determinado ponto, uma covardia. Para quem acompanha o movimento
amador de São Paulo há mais de dez anos, dia a dia, sabe das inverdades
publicadas em sua coluna, como sabe também das verdades de um ex-
amador, que hoje, após ter conseguido um lugar ao sol, às custas de outros,
inclusive amadores, tenta solapar o caminho das novas gerações do teatro.

Os autores teatrais representados pela SBAT, os proprietários dos espaços de encenação


e o próprio Plínio Marcos – vivendo em uma conjuntura de escassez de recursos, de público
minguante e de repressão política – despreocupam-se com o longo prazo, com a construção de
públicos, com o surgimento de novos talentos, com a pesquisa de novas formas teatrais. E, no
curto prazo, querem o dinheiro que os órgãos públicos reservam aos amadores de teatro. Esta
cena constrangedora certamente é filha de uma época de autoritarismo.

Passemos ao XII FETAESP, cuja final ocorreu em Rio Claro, em outubro de 1974. As
primeiras reportagens jornalísticas sobre o evento, foram grandiloquentes241:

Cerca de 110 espetáculos serão apresentados na primeira fase do


Festival, considerado o maior do mundo no gênero. A primeira fase –
eliminatória – está sendo realizada em 15 cidades (...) A segunda etapa, em
setembro, terá três semifinais programadas para Santos, São José do Rio

240
PINTO, Carlos. O “milionário’ teatro amador de São Paulo. Jornal Super News (São Paulo).
Edição semanária de 27/04 a 04/05/1974.
241
Festival de Teatro prossegue com pré-eliminatória. Jornal A Tribuna (Santos). Edição de
09/08/1974.
149

Preto e São Carlos. A final, de 16 a 27 de outubro, acontecerá em Rio


Claro(...).

A própria final, informa-se, se transformará em acontecimento multicultural242:

(...) como os Salões de Arte Plásticas e de Fotografia, palestras a


cargo de teatrólogos e mostra de música popular(...) mostra de cinema
amador em Super-8 e teatro infantil nas escolas e parques da Cidade (...)
Ballet Stagiun e Grupo Folclórico Japonês de Ourinhos.

A descrição das premiações aos grupos indica o grau de desinformação ou má fé das


acusações de alguns personagens do Teatro Profissional, que diziam que os amadores
“mamavam subvenção do Estado”243:

O maior prêmio, Governador do Estado, é dado ao grupo vencedor:


Cr$29.800,00244 (8 mil em dinheiro e o restante em bolsas de estudos).

Como o IX Congresso Estadual de Teatro Amador, ocorrido no início do ano, restringiu o


número de espetáculos concorrentes, na fase eliminatória, a oito em cada competição, Santos
precisou fazer um ajuste245:

A realização da fase pré-eliminatória foi necessária em razão do


grande número de grupos inscritos. Para evitar escolha arbitrária, a FESTA –
Federação Santista de Teatro Amador – indicou júri para escolher os oito
melhores grupos, entre os 18 inscritos. Houve cinco desistências por razões
administrativas, mas mesmo assim cinco grupos serão eliminados.

Aparentemente, tudo estava bem. Aparentemente. O grande problema se esconde sob


a expressão “desistências por razões administrativas”: a Censura Federal (a informação
extraoficial é de que a Censura foi responsável por quatro “desistências”) e a SBAT literalmente
tiraram de cena cinco espetáculos. E é de se supor que os espetáculos “desistentes”
potencialmente teriam muito o que dizer ao público...

A suposição se comprova quando saem os resultados da pré-eliminatória246:

242
Idem.
243
Idem.
244
O salário mínimo, em 1974, era de Cr$415,20.
245
Festival de Teatro prossegue com pré-eliminatória. Jornal A Tribuna (Santos). Edição de
09/08/1974.
246
Festival de Teatro classifica seis grupos. Jornal A Tribuna (Santos). Edição de 13/08/1974.
150

Dos 18 grupos inscritos, apenas seis foram classificados, embora o


regulamento permitisse oito. Cinco grupos foram desclassificados por
problemas administrativos e os demais apresentaram pouca qualidade.

A exiguidade de textos disponíveis para as apresentações amadoras paulistas fez com


que, na eliminatória santista de 1974 concorressem apenas seis espetáculos, sendo que quatro
deles247 fossem de autoria de amadores. Os outros dois textos eram Chá do Sabugueiro, de Raul
Pederneiras (comédia de costumes carioca, do ano de 1931) e A Falecida, de Nelson Rodrigues.

O panorama teatral de Santos repetiu-se em quase todas as eliminatórias. Os reflexos


se fizeram sentir nas semifinais, povoadas por textos de Teatro Absurdo, Teatro da Grécia
Clássica, enigmáticas peças europeias e teatro brechtiano. De qualquer forma, os textos (e os
espetáculos) selecionados para a final de 1974 tentaram, de alguma forma, trazer à cena alguns
autores brasileiros contemporâneos.

Observando, com atenção, a lista de autores das peças finalistas248, encontramos


Hamilton Saraiva (que, diga-se de passagem, dirigiu a peça apresentado pelo Grupo Jambaí), um
amador que adquiriu respeito como autor teatral. Temos duas peças de Timochenco Whebi,
(que aborda questões que possuem empatia com os amadores, enquanto indivíduos).
Encontramos, também, Walmyr Ayala, um poeta gaúcho com linguagem hermética, e Alberto
Beuttenmüller, um sensível crítico de arte, que talvez não esteja em casa quando usa a
linguagem teatral.

Seguindo a apresentação dos autores finalistas do XII FETAESP: Chico de Assis é um autor
que estava fazendo enorme sucesso, na época, com Missa leiga; Antonio Carlos Coutinho não
se tornou conhecido como autor teatral. No mais, Molière dispensa apresentações e José Triana
é um autor cubano de razoável qualidade, mas que é conhecido apenas pela peça Noite dos
Assassinos (e por pouca gente), aqui no Brasil.

Tudo indica que a ação da Censura e as exigências da SBAT contribuíram para um


perigoso grau de afastamento entre o movimento federativo de Teatro Amador e o seu público,
apesar da luta que os amadores realizavam para evitar que isso ocorresse. Em Rio Claro, as
atividades artísticas em outras áreas (que também ocorreram nas eliminatórias e semifinais),
demonstram que algo estava sendo tentado para atrair as plateias.

247
Aqui, os 6 grupos que participarão do festival. Jornal A Tribuna (Santos). Edição de
15/08/1974.
248
Ela é apresentada no ANEXO 1.
151

Mas outro problema terrível também estava no horizonte: o enfraquecimento


(econômico e político) a que estava sendo submetida a Comissão Estadual de Teatro. É evidente
que uma redução do subsídio estadual poderia provocar a implosão do movimento federativo
amador. E não só ele: o Teatro Profissional também não teria forças para seguir em frente, sem
o apoio da CET, nesse período histórico tão difícil. Sábato Magaldi sintetiza a situação, em um
artigo jornalístico de 28 de dezembro de 1974, reproduzido no livro Amor ao Teatro249:

O enfraquecimento da Comissão Estadual de Teatro não foi


favorável à política do governo do estado. Se, de um lado, estão alugadas
pela Secretaria de Cultura várias casas de espetáculos, as verbas de
estímulo às companhias não cresceram nos últimos anos, acompanhando a
desvalorização da moeda, os que as torna praticamente inócuas. Esse é um
problema que precisa ser enfrentado com urgência. Desde a Grécia, onde
não havia cinemas nem tevê, o teatro vive de subvenção. (...) O teatro
brasileiro reivindica subsídios adequados como há em todo o mundo. Mas
tem a certeza de que, se lhe for restituída a liberdade, ele saberá encontrar
a linguagem capaz de atingir o público e, portanto, com que sobreviver
mesmo por conta própria.

A conclusão de Magaldi é cristalina: a falta de liberdade estava matando o teatro


brasileiro (e aqui nem cabe distinguir amadores de profissionais...). E não resta dúvida de que o
corte de subsídios tornaria a agonia mais dolorosa ainda.

Chegamos, aqui, ao último FETAESP realizado dentro de nosso período de estudo. O XIII
FETAESP teria sua final na cidade de Franca, entre 16 e 26 de outubro de 1975.

Percalços dos mais variados calibres ocorreram em todo o decorrer do festival. Já no


período imediatamente anterior ao início da fase eliminatória, a Confederação de Teatro
Amador do Estado de São Paulo precisou convocar uma reunião extraordinária, que ocorreu em
São Carlos. E quase se tomou uma atitude extrema250:

Os amadores de teatro poderão paralisar suas atividades em todo o


Estado, caso não seja revista a posição do Governo de São Paulo, que
cortou verbas de auxílio a diversas federações. Os presidentes das
entidades de todo o Estado estão reunidos desde ontem, em São Carlos,

249
MAGALDI, Sábato. Amor ao Teatro. São Paulo: Edições SESC-SP, 2014. p. 369.
250
Amadores de teatro podem paralisar atividades. Jornal A Tribuna (Santos). Edição de
08/06/1975.
152

analisando o problema e, ao final do encontro, definirão a posição de


protesto.

Uma inusitada greve de amadores estava sendo gestada. Enquanto o Congresso


Extraordinário transcorria, negociações paralelas estavam sendo realizadas. E o Governo do
Estado decidiu-se por rever os cortes de verbas.

Nesse mesmo Congresso Extraordinário, as lideranças amadoras sentiram a necessidade


de modificar o calendário de inscrições para o XIII FETAESP porque muitas peças estavam
embaraçadas com o certificado de censura251:

Os dirigentes das diversas federações de teatro amador do Estado,


decidiram em reunião realizada na última semana em São Carlos, prorrogar
as inscrições ao XIII Festival, até o dia 30 de junho (...). Os amadores de
teatro também tomaram posição contra a Censura, enviando carta ao
presidente Geisel protestando contra o excessivo rigor para a liberação de
peças (mais de 400 aguardam certificado).

As inscrições para o XIII FETAESP totalizavam 126 espetáculos, no dia 14 de junho de


1975, de acordo com o que foi informado no artigo jornalístico que acabamos de citar. Após a
prorrogação das inscrições (e depois da verificação das “condições administrativas” dos
inscritos...), o número de participantes, ao invés de se ampliar, caiu252:

Com a participação de 124 espetáculos, começa amanhã, em várias


cidades do Estado, o XIII Festival Estadual de Teatro Amador, organizado
pela Confederação de Teatro Amador do Estado com patrocínio do
Conselho Estadual de Cultura da Secretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia
do Estado.

Observe-se que ocorreu uma alteração importante no organograma do Governo do


Estado, no que tange à Cultura: ela deixou a Secretaria de Cultura, Esportes e Turismo, passando
a integrar a Secretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia. Além disso, a Comissão Estadual de
Teatro submerge no Conselho Estadual de Cultura, o que significa, objetivamente, uma perda
brutal de autonomia.

251
Festa discute hoje o Festival e Centro de Estudos Teatrais. Jornal A Tribuna (Santos). Edição de
14/06/1975.
252
XIII Festival Estadual de Teatro Amador. Jornal A Tribuna (Santos). Edição de 05/08/1975.
153

Essa perda de autonomia da CET fica evidente, já na formação das comissões julgadoras
do Festival, onde – outrora – a CET interferia de maneira extremamente ciosa253:

As comissões julgadoras da fase eliminatória serão formadas por


atores profissionais, críticos de teatro, alunos da Escola de Arte Dramática
da USP.

Todos sabem do alto conceito da Escola de Arte Dramática da USP. Mas não parece que
seja recomendável que jovens estagiem, como júri, no “maior festival do mundo, no gênero”.

Em algumas eliminatórias, observou-se uma queda preocupante na qualidade média das


apresentações. A situação de Santos, que em 1971, dominava o cenário amador paulista, é
emblemática254:

Todos os grupos participantes do XIII Festival Estadual de Teatro


Amador, na fase eliminatória da Baixada Santista, estarão reunidos
amanhã (...), para discutir e analisar o baixo nível dos espetáculos
apresentados. Na oportunidade, serão divulgadas as peças selecionadas
para a semifinal. Carlos Pinto, presidente da Festa, define a fase regional do
certame “como um acontecimento vergonhoso e humilhante para o teatro
amador de Santos”.

Essas observações são verídicas. Mas há que se acrescentar os seguintes fatos: 400
textos teatrais estavam retidos na Censura Federal “aguardando certificados”. Ou seja: no limbo,
sem veto, mas também sem autorização para as apresentações. E há, também, os custos da
SBAT ou do aluguel dos espaços de representação teatral; o esvanecimento da CET; o descaso
do poder público em relação à cultura; opressão e repressão política, etc.

Carlos Pinto, que nesse momento (como em muitos outros, no período que estudamos)
era simultaneamente presidente da FESTA e da COTAESP, mal terminou a reunião com os
amadores santistas, tomou o caminho de Franca, onde se realizaria a final do XIII FETAESP255:

Estará amanhã em Franca, o sr. Carlos Pinto, presidente da


COTAESP (...) responsável pela fiscalização de cerca de 210 grupos
existentes em todo o Estado.

253
Idem.
254
Reunião na FESTA. Jornal Cidade de Santos. Edição de 05/09/1975.
255
Presidente da COTAESP chegará amanhã. Jornal Comércio da Franca. Edição de 07/09/1975.
154

Constate-se, aqui, que no final da década de 1960, os grupos amadores filiados à


COTAESP eram mais de quinhentos. Voltando ao relato da visita a Franca: o presidente da
COTAESP, sentiu necessidade de acompanhar os preparativos para a final do XIII FETAESP256,

já que em Rio Claro, no ano passado, houve um verdadeiro fracasso


na organização, o que descontentou autoridades e artistas participantes.

Os recursos provenientes do Governo Estadual, em Rio Claro, foram insuficientes. E a


administração municipal rio-clarense não se sentiu motivada, ou interessada, em completar os
recursos necessários para que tudo corresse bem.

Para fazer, com dignidade, o XIII FETAESP, Carlos Pinto e Sidnei Rocha (então presidente
da FETANP – Federação de Teatro Amador do Nordeste Paulista, com sede em Franca), sabiam
que o apoio da Prefeitura Municipal de Franca era fundamental. E para que isso ocorresse, era
necessária uma ofensiva política e midiática. E essa ofensiva foi realizada.

A final francana acabou sendo um sucesso de organização. Além dos generosos esforços
de uma equipe de 40 pessoas, organizada pela FETANP para gerenciar o evento, duas cidades
ajudaram na organização de uma extensa programação cultural que acompanhou a final do XIII
FETAESP: Santos e São José do Rio Preto257. Nestas cidades, o movimento amador era robusto.
Vale lembrar, aqui, que os festivais locais de Teatro Amador se perenizaram, nas duas cidades,
ocorrendo até os dias atuais. No caso de Rio Preto, a abrangência de seu festival começou
nacional (em 1970) e ganhou dimensão internacional na década de 1990, tornando-se o
principal, no gênero, de todo o Brasil.

No caso de Santos, o Festival Santista de Teatro Amador tornou-se uma tradição e


acabou abrindo espaço para a ocorrência de outros grandes festivais, como o MIRADA – Festival
Ibero-Americano da Artes Cênicas de Santos. Em sua 4ª edição (2016), o MIRADA apresentou
trabalhos de Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, Equador, Espanha, México, Peru e
Portugal.

Em suma, dois belos filhos do velho FETAESP.

256
Idem.
257
A imprensa registrou o apoio dos dois municípios: “As prefeituras de Santos e São José do Rio
Preto, num belo exemplo de trabalho comunitário, estão colaborando diretamente com a Prefeitura
Municipal de Franca na solução de problemas, (possibilitando) um total sucesso de organização para o
festival”. (Conforme: Franca realiza a fase final do XIII Festival de Teatro Amador. Jornal Diário de São
Paulo. Edição de 24/10/1975).
155

Voltando à final do XIII FETAESP, observa-se que o esforço organizativo francano logrou
resultado: apesar do XIII FETAESP somar o menor público, de todos os festivais, nas fases
eliminatórias, a fase final conseguiu razoáveis 8.500 assistentes.

Retomemos o fluxo dos acontecimentos.

Enquanto transcorria o XIII FETAESP, o Teatro Estudantil Vicente de Carvalho – TEVC


encenava, no Teatro Rádio Clube de Santos, em várias sessões, a peça Sang City, de Nery Gomes
de Maria. A peça teve estreia nacional em 05 de outubro de 1975, com direção de Emílio Di Biasi
e elenco formado por nomes de grande experiência no teatro amador santista. A peça foi,
inclusive, encenada na programação paralela da final do XIII FETAESP258.

Logo depois, também em Santos, estreia a peça Se chovesse, vocês estragavam todos,
de Clóvis Levy e Tânia Pacheco, pelo Teatro Estudantil de Vanguarda. O TEV venceria o XIV
FETAESP, em 1976. Esses fatos indicam que o FETAESP conseguira superar, em grande medida,
os problemas de qualidade das apresentações dos anos difíceis de 1973 e 1974. Os amadores
encontraram um caminho para seguir produzindo arte com qualidade, o que se configura como
uma bela conquista.

Mas foi uma vitória de Pirro. A cena mudou, em vários aspectos, e fora do alcance da
atuação dos amadores como indivíduos, ou das federações enquanto instituições: a Comissão
Estadual de Teatro sai de cena, por alguns instantes e depois reaparece como um escaninho
burocrático sem qualquer significância; os recursos estaduais, para o Teatro Amador, minguam;
os recursos municipais (com a exceção de São Paulo, Santos, Rio Preto e mais uma meia dúzia
de cidades) virtualmente desaparecem para a atividade; os grupos teatrais amadores, sem mais
ver vantagens na organização federativa, se desvinculam; o acordo MEC-USAID, ao impor o
sistema de créditos nas universidades, destrói o espírito de turma dos estudantes, reduzindo a
quase nada o número de grupos amadores estudantis; a televisão invade os lares; a violência
esvazia os centros urbanos, durante a noite. Como consequência de todas essas mudanças e de
todo o sufocamento a que foram submetidos os FETAESP, as edições seguintes seguiram
perdendo público e participantes. E os FETAESP deixam de existir a partir de 1978.

Agora veremos como se estruturava, no decorrer da década de 1960 e no começo da


década de 1970, o espetáculo teatral amador. Conhecendo essa estrutura, teremos melhores

258
Conforme o artigo Sang City, pelo TEVC, hoje em duas sessões. Jornal A Tribuna (Santos).
Edição de 05/10/1975.
156

condições de aquilatar em que grau o Teatro Amador confirmará – ou não – nossas percepções
em relação à sua criatividade e de avançar em propostas culturais, políticas e estéticas.
157

CAPÍTULO IV- O espetáculo amador


Nos capítulos anteriores observamos, primeiro, que se conjugaram ambiência
institucional e amparo de clubes, sindicatos, agremiações acadêmicas, associações de bairros e
de imigrantes, para o fomento e multiplicação de grupos teatrais amadores. Observamos, a
seguir, que os amadores souberam se organizar, como classe artística, apoiando-se nos esforços
organizativos da CET, para a criação de federações regionais, para, a seguir, conquistar
autonomia por meio de uma organização estadual – a COTAESP – que dará, ao movimento
federativo, consistência e foco na defesa de seus interesses. Na sequência, acompanhamos os
Festivais de Teatro Amador do Estado de São Paulo, momentos privilegiados de explicitação da
pujança do movimento federativo e de seu fazer teatral.

Agora, ao olhar para o espetáculo amador em si, tentaremos aquilatar o que esse
movimento pujante, que chegou a ser constituído por mais de quinhentos grupos artísticos
contemporâneos e coesos, que congregou mais de cinco mil praticantes (jovens em sua
esmagadora maioria), que atingiu públicos que ultrapassaram centenas de milhares de
expectadores/ano, construiu. Essa construção, cujas ferramentas são diferentes das do Teatro
Profissional, se deu como importante escola de direção teatral e de cenografia; como celeiro de
atores; como inovadora em iluminação, cenário, uso – em cena – da língua portuguesa,
maquiagem, adereços. A construção não para aí: o Teatro Amador ousou – do ponto de vista de
dramaturgia – gerando seus próprios textos e trazendo novos autores à cena brasileira.

É também digno de nota que o espaço amador – mesmo sob repressão física, econômica
e de censura – desenvolveu propostas culturais, políticas e estéticas, incluindo-se as que se
formaram no período efervescente entre 1950 e 1964.

Como uma das consequências de tudo isso, o Teatro Amador foi um grande fornecedor
de novas linguagens e abordagens a serem utilizadas na mídia televisiva, especialmente nas
telenovelas e “sitcons” que dominarão as telinhas a partir da década de 1970.

Para construir esse olhar sobre o espetáculo amador, utilizaremos as fontes que
estavam ao nosso alcance: em ordem crescente de importância, comentários informais de
velhos amadores, artigos jornalísticos, críticas teatrais, e relatórios das finais dos Festivais de
Teatro Amador do Estado de São Paulo.

Observa-se que os relatórios de finais do FETAESP, considerados como a fonte mais


importante do nosso olhar – pela qualificação de seus produtores e pelo fato de que analisa os
mais representativos espetáculos amadores – só foram divulgados a partir de 1971. Em tese,
158

isso nos levaria ao risco de que a nossa análise pudesse perder alguma faceta importante do
fazer teatral amador fora desse período abrangido pelos relatórios, ou a perda de alguma
guinada nas propostas políticas e estéticas do movimento. Todavia, esse risco parece-nos
diminuto, pois se observa que os artigos jornalísticos e as críticas teatrais, do período não
coberto pelos relatórios finais, não indicam qualquer dissonância com o que esses relatórios
apresentam. Feita a ressalva, vamos ao estudo.

IV.1 A estrutura das encenações amadoras.


Começamos o estudo da estrutura das encenações amadoras pela direção dos
espetáculos, lembrando que – no início da década de 1930 – foram os grupos amadores paulistas
(GUT e GTE), os pioneiros em colocar o diretor na posição de artífice maior do espetáculo teatral,
trazendo para o Brasil uma concepção de teatro que já era vencedora nos palcos da Europa e da
América do Norte. O Teatro Profissional de nosso país relutou muito em aceitar essa nova
realidade teatral e só o fez após outro grupo de Teatro Amador (no caso, Os Comediantes, do
Rio de Janeiro) revolucionar a ribalta brasileira com a apresentação de Vestido de Noiva, sob a
direção de Ziembinski, no ano de 1943.

Embora o Teatro Amador tenha ensinado aos profissionais o caminho da


contemporaneidade, a crítica brasileira (e os próprios profissionais de teatro) considerava que
a falta de contato com diretores profissionais era um dos principais problemas dos grupos
amadores. É o que se depreende do que foi escrito por Fernando Peixoto (que ficou conhecido,
mais tarde, como especialista em Bertold Brecht, bem no início de sua atividade como jornalista,
em 06 de outubro de 1956259:

Restringindo-nos ao teatro amador, que é o aspecto que nos


interessa, vamos deparar com um dos mais cruciantes problemas que se
abatem sobre a continuidade e qualidade da produção de um grupo: a falta
de diretores, ou, melhor seria dizer, a falta de recursos para contratar
diretores profissionais. Eles são necessários para o progresso de um grupo.
É bastante lamentável que existam muitos conjuntos que nunca puderam
contar com a orientação de um profissional. Ao assistirmos seus
espetáculos, notaremos um certo acanhamento, uma pobreza de recursos e
uma real limitação artística.

259
PEIXOTO, F. Um teatro fora do eixo. São Paulo: Hucitec, 1997. 2ªed. p.67.
159

O entendimento, que Fernando Peixoto tinha sobre o tema, não era apenas costumeiro:
era hegemônico. Artistas profissionais, críticos teatrais, burocratas da cultura e mesmo os
audaciosos amadores que revolucionaram a cena brasileira na década de 1940 achavam que era
necessário que um diretor profissional atuasse como um professor, dentro do grupo, ampliando
os conhecimentos dos participantes da trupe amadora.

Estamos diante de uma visão conservadora (de resto, também observada no panorama
europeu e estadunidense, mas que não ocorre no Japão e na Ásia, em geral), segundo a qual o
fazer teatral – pelo menos no que concerne à direção do espetáculo – só pode ser fruto de
conhecimento especializado.

Esta percepção conflita com o fato de que a quase totalidade dos diretores profissionais
em ação no teatro brasileiro, na segunda metade do século XX, começou sua carreira dirigindo
um grupo amador. E é provável que mais da metade deles não tenha aprendido sua arte
convivendo com profissionais em seu grupo amador. Em verdade, o que aconteceu (conforme
se indica nos programas das peças encenadas nas décadas de 1960 e 1970, em São Paulo) foi o
oposto: os grupos amadores formaram quase todos os diretores que – mais tarde – se tornariam
profissionais. Isso vale para José Celso Martinez Correa, para Augusto Boal e para o próprio
Fernando Peixoto.

Afinal, para a formação completa de um diretor teatral é indispensável a prática, que


acaba sendo construída nas temporadas amadoras. Enfim, impor a existência de diretores
profissionais em grupos amadores, ou impedir que diretores profissionais dirijam grupos
amadores, parece ser atitude igualmente equivocada, uma vez que muito da evolução do teatro
brasileiro se deve ao diálogo e à aprendizagem mútua que se construiu por meio do intercâmbio
entre direções teatrais amadoras e profissionais.

De qualquer forma, a visão dos artistas profissionais e dos críticos teatrais acabou
influenciando a atuação da Comissão Estadual de Teatro, no período de 1963 a 1975. Mas não
a determinou, porque a CET preferiu o caminho de contratar diretores profissionais para dar
cursos aos diretores amadores, ao invés de contratá-los para dirigir diretamente esses grupos260.

260
Olhando para a questão de maneira quantitativa: a CET dispendeu, em 1965, Cr$ 6 milhões
para que diretores profissionais orientassem (e não para que dirigissem...) grupos de teatro amador. Essa
atividade de monitoramento profissional dirigido a grupos amadores no interior do Estado de São Paulo,
se iniciou em 1964. Mais tarde, na metade da década de 1990, a monitoria passou a ser conhecida como
“Projeto Ademar Guerra”, sendo ministrada nas Oficinas Culturais Regionais. O fechamento das Oficinas
Culturais, na passagem de 2016 para 2017, talvez indique a extinção dessa importante ação de fomento
à atividade teatral.
160

No que se refere especificamente aos diretores amadores, a documentação analisada


em nosso trabalho mostra que as maiores contribuições da direção amadora se relacionam à
liberdade criativa, ao espírito de pesquisa e às propostas inovadoras de vários dos grupos
paulistas.

Um exemplo, destacado pela crítica em 1969, é o da atuação de Nélio Mendes, diretor


do Teatro de Ensaio (Santos), que transformou a peça de absurdo, Pic-Nic no Front (Fernando
Arrabal), em um delicioso happening.

O curto texto de Arrabal fala de uma família que alegremente vai visitar o filho que está
em guerra, para fazer um piquenique no front. A alienação é total, o filho faz tricô para passar o
tempo, o pai fica triste porque nessa guerra não se usam mais cavalos. O que o jovem diretor
faz com esse texto261?

Na montagem, os soldados vestem fardas cor de rosa, as barricadas


também são rosa e Nélio utilizou slides num telão: o front. Dentro do
espírito de pesquisa, os diálogos foram gravados anteriormente e os
artistas só movimentavam a boca. Isso aconteceu por causa da marcação,
toda quase que em quadros independentes uns dos outros. Os personagens
movem-se em pequenos passos, em ritmo de cinema mudo, o que lhes dá a
aparência de autômatos. Os movimentos de braço também são quase
rígidos, sobrando apenas a expressão fisionômica (...). Usando de
irreverência durante o desenrolar da peça, a participação do diretor chega
ao ponto alto quando a família morre inteira, durante o pic-nic, todos viram
anjinhos, uma voz grita “Um minuto, só!” e entra uma escola de samba,
embaixo de confete e serpentina, na maior batucada.

Seria difícil descrever a conjuntura brasileira daquele momento, com maior clareza.

Mas há diretores amadores, como José Sidnei Leandro (São Carlos), que se atiraram à
pesquisa formal, fugindo ao teatro de texto ou de preocupações, digamos, psicológicas. Nessas
buscas, fez de um texto de Walmir Ayalla, um espetáculo plástico, trabalhando volumes muito
mais do que trabalhando palavras262:

261
RODRIGUES, Vera Lúcia. Da arte de criar e da coragem de renovar e quebrar tabus. Jornal
Cidade de Santos. Edição de 26/08/1969.
262
PALLOTINI, Renata; BELINKY Tatiana; e GENTIL, Afonso. Relatório do júri da final do XII
FETAESP (1974). Relatório mimeografado, sem data ou numeração de páginas.
161

Se, de um lado, os atores exprimem-se admiravelmente com o


corpo (...), por outro lado dizem muito mal. (...) Mas a direção é corajosa,
desde a escolha da peça até a escolha de sua filosofia. Como se costuma
dizer, o diretor trabalha sem rede por baixo, não teme a queda sempre
possível, não é prudente e tem ousadia. Se erra, é com perfeita consciência;
a audácia é uma das maiores qualidades que se pode pedir a um grupo
amador. Para o conservadorismo, bastam os conjuntos que têm de se haver
com a bilheteria.

Parece que temos, nessas observações da comissão julgadora, uma boa indicação das
possibilidades e das realizações de diretores emblemáticos de uma época de nosso Teatro
Amador. No caso em pauta, José Sidnei Leandro trouxe à baila uma espécie de insubordinação
à ditadura do texto, onde se privilegiava a escrita sendo a encenação relegada ao segundo
escalão. O diretor amador atuou com o pressuposto de que o texto nem sempre é essencial a
uma encenação. Discussão que o Tetro Profissional só assumiu, no Brasil, a partir da virada do
milênio, com os trabalhos da Cia. Dos à deux.

Provavelmente, havia também, entre os grupos amadores, muitos casos de falta de


qualidade na direção dos espetáculos. Mas é provável que este não fosse o problema crucial:
maiores embaraços eram provocados pelo autoritarismo de muitos diretores e pela cópia dos
moldes estéticos do Teatro Profissional.

A luta contra o autoritarismo de alguns diretores, surda nos anos de chumbo do Regime
Militar, chegou a merecer uma tese retrospectiva no XIX Congresso Estadual de Teatro amador,
alguns anos mais tarde263:

Muitos diretores se arvoravam em “únicas cabeças pensantes do


grupo”, figuras iluminadas que decidem o que um grupo de teatro deve
montar e a maneira pela qual essa montagem deve ser realizada.
Naturalmente compreendemos a função de coordenação que deve ser
exercida pelo diretor. O que não pode ser aceito é, que em nome da
coordenação, o diretor coíba o processo de discussão e de crescimento
harmônico de todo o grupo de Teatro Amador.

263
COTAESP – FEJOTA (Federação Joseense de Teatro Amador). XIX Congresso de Teatro Amador
do Estado de São Paulo. Brochura, com 80 páginas. S/d. p.35
162

Constate-se, também, que os jurados das eliminatórias dos festivais estaduais –


escolhidos pela Comissão Estadual de Teatro – tentavam conscientizar, com elevada dose de
elegância, sobre os riscos relativos à cópia dos moldes estéticos do Teatro Profissional, que
poderiam comprometer o trabalho de vários diretores amadores264:

Vimos um trabalho sobre o excelente texto265 de José Vicente que,


se não chega a ser bom, pelo menos é digno, honesto e demonstra uma luta
séria do Teatro Amador de Marília, que se preocupa em se enfronhar na
dramaturgia brasileira; se informar a respeito do teatro brasileiro. Isso, no
entanto, não nos impede de criticar, por exemplo, a direção que se manteve
calcada na direção de Fauzi Arap, embora seja elogiável a sua sobriedade.

De qualquer forma, uma inspeção sobre o material jornalístico coligido indica que
muitos dos diretores amadores, no período estudado, eram autodidatas. A mesma percepção
de autodidatismo se observa na análise dos relatórios dos jurados dos festivais de teatro,
quando se trata de definir a formação dos diretores dos grupos amadores. Percepção que
também é externada com elegância266:

Na difícil tarefa de reunir em uma cidade do interior quatorze


elementos que se disponham a, com toda a dedicação, subir num palco e
interpretar um autor como Bertold Brecht, José Pascoal muito
inteligentemente, nos consegue mostrar com consciência, talento e
inteligência, o que se pode fazer dentro do Teatro Amador (...). Vimos em
Ascenção e queda da cidade de Mahagony um espetáculo de beleza
plástica com algumas boas interpretações, não só isso, vimos também um
exemplo de humildade, disciplina e dedicação de todo um grupo
empenhado de fazer seriamente teatro. Isso nos dá toda a tranquilidade
para registrar as falhas como por exemplo: a maioria dos atores necessita
urgentemente de uma orientação sobre técnica vocal, dicção e laboratórios
sobre interpretação.

Mas não se pense que o autodidatismo implica em desinformação ou em utilização de


conhecimentos já consagrados pela tradição. Ao contrário, nosso estudo identificou que as

264
MIRANDA, Júlia; SERGIO, Lino; MICELLI, Leopoldo. Relatório do júri de semifinal do XI FETAESP
(1973). Mimeografado, sem data ou numeração de páginas.
265
O ASSALTO – nota do autor.
266
MIRANDA, Júlia; SERGIO, Lino; MICELLI, Leopoldo. Relatório do júri de semifinal do XI FETAESP
(1973). Mimeografado, sem data ou numeração de páginas.
163

principais fontes de conhecimento teatral – utilizadas pelos diretores amadores – são


sofisticadas. E inovadoras: os amadores difundiram o sistema de “coringa”, preconizado por
Augusto Boal e que parecia confinado ao Teatro Oficina; trouxeram para a cena brasileira o
teatro épico de Erwin Piscator (com o uso extensivo da imagem e projeções de filmes); e
descobriram Dario Fo e o teatri do piccoli (teatros pequenos), como contribuição para o
desenvolvimento da ideia "de um palco popular". Nessa caminhada, os amadores deixaram para
trás a ênfase no ator “prima donna”, o medo das novas mídias e o “teatrão”.

E o mais curioso: do ponto de vista geográfico e cultural, os amadores paulistas afastam-


se dos centros ocidentais mais badalados pelo teatro profissional (Itália, França, Portugal,
Inglaterra e EUA), lançando olhos para a Europa Oriental (Brecht – Alemanha; Ziembinski –
Polônia; Stanislavsky - Rússia).

Brecht foi leitura marcante entre os diretores amadores da década de 1960. Os textos
brechtianos, além disso, eram debatidos entre amadores e difundidos para outros públicos. É o
que se depreende de uma crítica a uma apresentação teatral realizada na final do IX FETAESP
(outubro de 1971). Escrita pelo amador santista Carlos Pinto e publicada em um jornal são-
carlense, o texto inicia-se com uma didática diferenciação entre “teatro dramático” e “teatro
brechtiano”, propondo uma nova relação texto/ator/público267:

(No teatro dramático), o personagem é mais importante que o ator.


(...) O teatro dramático exige ação, faz o expectador participar do assunto e
consume-lhe a atividade, despertando-lhe o sentimento. (...) No teatro
dramático o homem é algo conhecido e imutável. O expectador fica em
tensão, em virtude do desfecho e uma cena está em razão da outra. O
teatro dramático é um acontecer retilíneo, em progressão e evolução. (...) O
teatro épico, ou brechtiano, apresenta o ator como o fator mais importante
que o personagem que executa, e a sua função é a de um narrador de fatos.
Faz o expectador testemunhar e exige-lhe decisões(...). O homem pode se
modificar e ser modificado. Cada cena é apresentada em si e por si, sendo o
seu acontecer curvilíneo.

Com base nessas premissas, Carlos Pinto analisa a apresentação de Aquele que diz sim,
aquele que diz não, pelo grupo Teatro Universitário Moura Lacerda (Ribeirão Preto)268:

267
PINTO, Carlos. Peças do IX Festival de Teatro. Jornal O Diário (São Carlos). Edição de
30/10/1971.
268
Idem.
164

A partir da pesquisa de figurinos, passando pelo filme inicial, os


slides, o cenário e toda a interpretação, marcada essencialmente por um
despojamento e uma despretensão, tal qual o seu autor (Brecht) exige. De
resto, Paulo Sérgio Fabrino (diretor do grupo) foi de uma felicidade total,
não só na escolha do texto, como na linha empregada. É bom que todos (...)
firmem na cuca que teatro não é somente beleza plástica ou comicidade
barata para um público desavisado. Teatro é acima de tudo mensagem.

A influência de Brecht, no fazer teatral amador paulista, não foi hegemônica. Mas foi
importante: no período que estudamos, as montagens brechtianas foram aproximadamente
10% do total das peças inscritas nos festivais de Teatro Amador. Ou seja, nos anos em que os
amadores conseguiam realizar 5 mil apresentações, não é absurdo supor que 500 delas fossem
dirigidas a partir dos pressupostos teóricos do autor alemão.

Enfim, no que se refere a Brecht e a Piscator, o Teatro Amador paulista foi o grande
laboratório de desenvolvimento das propostas desses teatrólogos alemães no ambiente cultural
latino-americano. Foram os amadores paulistas que enfrentaram a resistência inicial do público
a essa abordagem teatral; e que encontraram propostas de assimilação – paralelamente ao que
fazia, também, o Teatro Experimental de Cali (Colômbia) – ao final utilizadas por grupos
profissionais espalhados por toda a América Latina269.

Ziembinski, outra grande influência sobre a direção amadora, talvez não possa ser
considerado um teórico. E, como artista, muitas vezes deixou-se embalar pela música fácil das
produções de apelo comercial270. Mas, como diretor teatral, influenciou o Teatro Amador
paulista de maneira importante, com as características aqui apontadas pelo crítico Décio de
Almeida Prado271:

Ziembinski não ensaia: habita a peça que deve dirigir, convive na


maior intimidade com cada personagem, desvendando-lhe desde as mais

269
CARBONARI, Marilia. Teatro épico na América Latina: estudo comparativo da dramaturgia das
peças 'Preguntas inutiles', de Enrique Buenaventura (TEC-Colômbia), e 'O nome do sujeito', de Sérgio de
Carvalho e Márcio Marciano (Cia do Latão - Brasil). 2006. Dissertação (Mestrado em Integração da América
Latina) - Integração da América Latina, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.
doi:10.11606/D.84.2006.tde-12092007-172644. Acesso em: 2017-11-20.
270
Mas, quando se decidia por desafios formais, no palco, ou quando lecionava no curso de teatro
na Faculdade de Direito em Recife, em 1949, na Escola de Arte Dramática (EAD), entre 1951 e 1957, e na
Fundação Brasileira de Teatro (FBT), de Dulcina de Moraes, no Rio de Janeiro, em 1960, Ziembinski se
agigantava. Essa dimensão ciclópica também chega à TV em 1969, quando realiza um Programa Semanal
de Ensino de Interpretação, O Ator na Arena (TV Educativa de São Paulo).
271
PRADO, Décio de Almeida: Ziembinski, Estado de São Paulo, São Paulo, 04.07.1951.
165

inocentes manias até as suas concepções religiosas ou filosóficas. Não


contente com isso, penetra-lhe pelo subconsciente adentro ou passa a
investigar os outros membros da família que o escritor esqueceu fora da
peça. O resultado desta análise, levada a cabo com verdadeiro furor lógico
e uma minúcia de filatelista é, muitas vezes, quase uma obra de arte,
sobreposta à primeira. Ziembinski não interpreta somente. Cria também.
Daí tanto as suas grandes qualidades como os seus defeitos, oriundos
sempre da riqueza e não da indigência, do excesso e não da falta. Quando a
peça ainda apresenta algo de imperfeito, de inacabado, Ziembinski
galvaniza-a com a força do seu temperamento e de sua inteligência,
acrescentando legitimamente não ao texto mas ao escritor.

As influências de Ziembinski, no Teatro Amador são sentidas principalmente em Santos,


no trabalho de diretores como Wilson Geraldo e Carlos Alberto Soffredini. E em Rio Preto, no
trabalho de Humberto Sinibaldi Neto. Não é exagerado dizer que esses diretores amadores, com
a disponibilidade de tempo para pesquisa e a inexistências das injunções profissionais que
tolhiam Ziembinski, puderam avançar muito nas searas abertas pelo encenador polonês.

A influência da Europa Oriental sobre os diretores amadores, amplia-se de maneira


exponencial com a publicação de A preparação do Ator, de Constantin Stanislavsky, pela Editora
Civilização Brasileira, em 1964.

Para Stanislavsky, o diretor cênico é o responsável por toda a concepção e criação do


espetáculo, usando o texto que ele vê como roteiro ao invés de tratá-lo como uma obra final.
Até porque os textos, a partir de Ibsen, Tchekhov e Strindberg tornam-se complexos porque se
projetam além da dimensão imediatamente reconhecível da experiência humana. De certa
forma, a descrição detalhada de uma atmosfera, do personagem, do olhar, dos gestos e do modo
de falar parece fazer com que essas situações ficassem mais fáceis de serem apresentadas em
um romance, ao invés do palco. Stanislavsky apresentava meios para traduzir esses detalhes em
termos dramáticos. Os diretores amadores paulistas sentiam, portanto, a necessidade de utilizar
esse instrumental. E o fizeram principalmente para encenar as peças de Ibsen, Tchekhov e
Strindberg, além dos brasileiros Nelson Rodrigues, Jorge Andrade e Timoshenco Webhi. No ano
de 1966, a CET comprou aproximadamente 200 exemplares de A preparação do ator,
distribuindo-os para as federações de Teatro Amador. Fez o mesmo com A Formação do
Personagem, no início da década de 1970. A aceitação, pelos amadores, foi avassaladora.
166

Entre vários diretores amadores “stanilavskianos”, podemos citar Evêncio da Quinta. Ao


dirigir A (prostituta) respeitosa, de Sartre, recebeu essa análise crítica, feita por Paulo
Mallegni272:

Evêncio da Quinta consegue explorar esse tema sob todos os seus


aspectos, brindando o público com uma direção sóbria, despojada de
recursos construídos a priori. E com a simplicidade justa para uma peça
realista. Com isso ele força os atores, não a uma interpretação elaborada
do texto, mas a uma vivência quase que stanislavskiana, no que a meu ver,
se resume uma direção inteligente de uma obra cujo tema foi, é e
continuará sendo motivo de controvérsias.

Desafio tão grande quanto o de fazer amadurecer o trabalho de direção teatral, foi –
para o movimento federativo amador – o de ajudar a formar atores. Os elencos construíam-se
num ambiente desafiador. Forjavam-se lentamente, adquirindo experiência prática, nas
apresentações, e conhecimentos, nos cursos desenvolvidos pelas federações e pela CET.
Eventualmente, amadores ganhavam bolsas na Escola de Arte Dramática, ao vencer festivais.
Mas mudanças (ou perdas) de emprego, mudanças de cidade para estudar, ou até mudanças de
estado civil poderiam desfalcar o grupo amador273:

Ieda Ferreira é desses talentos que raramente aparecem (...).


(Venceu) o Festival Estadual realizado em Botucatu, na categoria de melhor
atriz do estado de São Paulo e posteriormente o cobiçado Prêmio
Governador do Estado, que lhe será entregue em sessão solene no próximo
dia 23, no Palácio dos Bandeirantes na Capital. Passo a passo
acompanhamos a carreira dessa atriz universitária que em tão curto tempo
arrebatou os principais prêmios teatrais. Hoje, porém, nos despedimos de
Ieda atriz, que agora formada, enfrentará uma nova situação, o que para
ela é muito mais importante, a de uma feliz e serena esposa e dona de um
lar, que será o seu mundo. O teatro perdeu uma grande atriz; Leo,
brevemente, ganhará uma grande esposa. E ele sabe disso.

Esse texto jornalístico é eloquente em relação à uma época e à uma visão de mundo.
Fala por si. Os preconceitos, que subjazem à crítica produzida nos jornais, no entanto,

272
MALLEGNI, Paulo R. A Respeitosa. Jornal A Tribuna. Edição de 19/03/1967.
273
GREGHI FILHO. Título máximo de teatro para Ieda Ferreira. Jornal O Diário (Santos – SP). Edição
de 19/12/1965.
167

transcendem às questões de gênero. Impedem, também, que os críticos observem o trabalho


do ator amador dentro de parâmetros específicos, buscando-se a atuação profissional como
referência. Subentende-se, também, que a chegada ao profissionalismo tenha de ser o objetivo
de todos os bons atores amadores274:

A grande força interpretativa do elenco está, sem dúvida, em Luiz


Freire, que faz Fred. Ele se impõe sobremaneira desde o momento em que
surge em cena, vivendo seu personagem, explorando psicologicamente os
seus diversos problemas, tanto de ordem emocional, sexual, racial, bem
como de casta, levando-o num crescente à explosão final, cena em que
Freire tem verdadeiramente a sua grande chance (...). Ele merece mais
chances e um curso de formação de ator que o levaria fatalmente ao
profissionalismo.

Um problema relativo à interpretação, que também se liga a problemas de direção, é o


de se trabalhar textos adequados à faixa etária e à experiência de cena dos elementos do grupo.
A questão foi bem colocada pelo júri do XII FETAESP (1974) ao se pronunciar em relação à
apresentação de Santa Joana D’Arc, pelo Teatro Universitário Daimon (Presidente Prudente)275:

A sempre louvável escolha de um texto de autor brasileiro resultou


num espetáculo vistoso, mas de nível apenas razoável, apesar do evidente e
inegável esforço de uma dedicada equipe de amadores, com muito
entusiasmo e pouca experiência, esforço esse que transparece em todas as
partes de uma produção bem cuidada e até dispendiosa. O rendimento
insuficiente desse esforço se deve quiçá ao fato de que, entre muitos textos
nacionais, até do mesmo autor, este não seja dos mais adequados para um
elenco tão novo, numeroso e heterogêneo. O tema de Joana D’Arc (já
sobejamente explorado por dramaturgos de todos os quadrantes) ressurge
aqui numa versão bem pesquisada, mas que não se decide entre o realismo
e a farsa, e que, ao que parece, causou problemas à direção, fora a
dificuldade óbvia de ter de movimentar um número muito grande de atores
bisonhos em cenas simultâneas ou concomitantes.

274
MALLEGNI, Paulo R. A Respeitosa. Jornal A Tribuna. Edição de 19/03/1967.
275
PALLOTINI, Renata; BELINKY Tatiana; e GENTIL, Afonso. Relatório do júri da final do XII
FETAESP (1974). Relatório mimeografado, sem data ou numeração de páginas.
168

Eis uma característica do movimento amador paulista, em todo o período estudado:


embora atinja um público numeroso e variado, os atores amadores, na sua grande maioria, eram
adolescentes ou adultos com menos de 30 anos. Essa realidade obrigava a pesquisar quais textos
teatrais poderiam ser melhor aproveitados pelos grupos amadores. Se juntarmos esse fato à
existência de uma censura que, literalmente, tirou 400 textos teatrais de cena só no ano de
1974, temos um esboço de um quadro que era, realmente, preocupante. Em determinado
momento (no final de 1973), a COTAESP viu-se obrigada e promover um ciclo de palestras com
o objetivo de ajudar os amadores a escolher, entre os espetáculos que não foram ceifados pela
censura, aqueles textos que poderiam compatibilizar os interesses do grupo amador, a vivência
teatral e existencial de seus membros, e o que poderia atrair o público. Além de tudo, os
palestrantes teriam que levar em conta o seguinte dilema: nessa época de repressão, seria
razoável que instrutores se opusessem, por questões técnicas, às escolhas dos jovens, em
relação aos textos que desejavam apresentar?

Como se vê, a lista de dificuldades – desafios na luta pela sobrevivência, deslocamentos


para estudar, questões familiares e de gênero, escassez de textos apropriados para encenação,
censura, repressão – para o desenvolvimento da expressão teatral era extensa. E, mesmo assim,
os atores amadores tiveram enorme sucesso em fazer teatro, conseguiram a empatia e o
respeito de seu público e dos críticos, além de serem o celeiro para o teatro e a TV dos anos
1970 e 1980.

O que construiu esse sucesso?

Talvez seja impossível apresentar uma receita, com todos os ingredientes e proporções,
desse sucesso.

Mas é possível indicar alguns desses fatores. Por exemplo, o movimento federativo
contou com o apoio da Comissão Estadual de Teatro, na busca pelo aprimoramento da atuação
em palco, pelos amadores. Durante o período que estudamos, a CET investiu em livros, cursos e
bolsas de estudos para o Teatro, mais ou menos o mesmo que investia em festivais amadores e
circuitos de apresentações teatrais amadoras276. Esses investimentos, quase sempre
respondiam às ansiedades auscultadas pelas Federações de Teatro, e informadas à CET por meio
de enquetes e seminários. As atas dos Congressos também eram levadas pelos dirigentes da

276
Para se ter um parâmetro, a prestação de contas da CET, em seu “relatório 63/65” indica um
total de Cr$34,35 milhões em gastos com cursos, livros e bolsas, contra Cr$36,6 milhões de gastos com
festivais e deslocamento de espetáculos amadores pelo interior e capital.
169

COTAESP ao representante dos amadores, com cadeira na CET, para posteriores estudos e
deliberações da Comissão.

Observa-se, aqui, que a CET – ao trabalhar com os jovens amadores – foi correta ao
construir projetos que se baseiam naquilo que Helena Abramo chama de protagonismo juvenil
ou seja, que277

buscam desenvolver atividades centradas na noção de que os


jovens são colaboradores e partícipes nos processos educativos que com
eles se desenvolvem.

A CET também agiu com acerto ao entender que a percepção de que os jovens estavam
distantes da ação cultural, em geral, e do teatro, em particular, era errônea. Quem pensava
assim refletia uma preocupação com a renovação de quadros no interior do ambiente teatral,
mais do que em tratar e incorporar temas levantados pelos próprios jovens. Essa preocupação
vinha acompanhada de um diagnóstico278

que identificava nos jovens um desinteresse pela política e de um


modo mais geral pelas questões sociais, como resultado da acentuação do
individualismo e do pragmatismo que se afirmam como tendências sociais
crescentes, tornando-os “pré-políticos” ou quase que inevitavelmente
“apolíticos”.

Os jovens amadores, e a CET soube entender isso, estavam em combate às estruturas


conservadoras e em defesa da liberdade, em todas as acepções do termo. E que não cabiam as
ressalvas em relação à eficácia das ações desses jovens279:

para os setores conservadores, a suspeita de baderna e de


radicalismo transgressor; para alguns setores da esquerda, a suspeita de
alienação ou de radicalidade pequeno-burguesa inconsequente.

Se considerarmos, no que se refere à atuação teatral, que a boa interpretação é aquela


indicada para melhor explicitar a proposta de encenação do grupo amador, isso não indica que
seria necessário virar as costas às principais técnicas interpretativas. Nem desconsiderar, de
maneira pretenciosa, a contribuição do Teatro Profissional, dos outros grupos amadores, ou das

277
ABRAMO. Helena Wendel. Considerações sobre a tematização social da juventude no Brasil.
In Revista Brasileira de Educação. Mai/Jun/Jul/Ago 1997 N º 5; Set/Out/Nov/Dez 1997 N º 6. p.27.
278
Idem, p.28.
279
Ib.
170

escolas de interpretação. Aqui também encontramos o amparo da CET, que organizava os


circuitos profissionais ao interior do Estado de São Paulo, utilizando – sempre que possível – as
federações amadoras para resolver os problemas de infraestrutura e divulgação. Além, claro, de
se responsabilizar pela gratuidade dos ingressos aos amadores filiados às federações.

Para se fazer com que pessoas possam se expressar por meio do teatro, há que habilitá-
los na comunicação corpórea e na comunicação verbal.

Para que o corpo se expresse com eficiência, os amadores precisavam enfrentar a


insidiosa alienação corpórea. Esse problema foi descrito e discutido, com detalhe, por Augusto
Boal280. Em síntese, podemos dizer que essa alienação corpórea ocorre porque o trabalho diário
determina sobre o corpo do ator amador, uma alienação muscular. Para que o amador possa
externar a emoção de maneira eficiente é necessário romper a máscara social, desmontá-la e
aprender outras máscaras sociais. É necessário desalienar o corpo por meio de
autoconhecimento, de exercícios e de jogos. Esta questão, que foi – talvez – o maior problema
dos intérpretes amadores, recebeu decidido enfrentamento por parte do movimento
federativo: boa parte dos cursos, oficinas e workshops realizados a partir da COTAESP versavam
sobre disponibilidade física.

A comunicação verbal exige o enfrentamento de duas questões: quais palavras


pronunciar e como se fazer ouvir.

Os amadores do interior do estado de São Paulo, ao interagir com seu público,


conseguiriam ser mais eficientes se utilizassem as palavras com a mesma sonoridade do dia a
dia. Isso explica o uso do dialeto caipira281 na cena teatral amadora paulista.

Mas o falar caipira era menosprezado pela mídia que adotou o dialeto carioca com seu
“S” arrastado e “R” seco. Os arautos da norma culta consideravam esse falar caipira paulista
como demonstração de ignorância e, até, de atraso intelectual. Mesmo jurados, nos festivais,
em off, ridicularizavam alguns atores que perseveravam no dialeto do interior de São Paulo,
desconsiderando – inclusive – a necessidade de comunicação dos atores com o seu público.

280
BOAL, Augusto. 200 exercícios e jogos para o ator e o não-ator com vontade de dizer algo
através do teatro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1991 (10ª edição).
281
De acordo com o folclorista Cornélio Pires (Conversas ao pé do fogo. São Paulo: Ottoni. 2002),
o dialeto caipira surgiu no século XVIII quando a língua brasileira, o nheengatu, foi proibida pelo rei de
Portugal. Passou-se a falar português com sotaque nheengatu, como é o caso de muié, cuié, zóio, orêia,
falá, dizê, comê, dado que a língua nheengatu estranhava os infinitivos dos verbos e as consoantes duplas.
Portanto, a fala caipira não é um erro de linguagem, é um dialeto, uma legítima variante da língua
portuguesa.
171

Com o tempo, o dialeto caipira ganhou honorabilidade. Não só ele: o falar italianizado
dos paulistanos; os matizes de Trás os Montes e do Cabo Verde que se percebem na pronúncia
santista; e o jeitão amineirado dos francanos deixaram de ser menosprezados.

Os amadores deram sua contribuição para que os dialetos fossem respeitados, com
reflexos nos falares das telenovelas282 e, talvez, na onda de música regional caipira, que vieram
a seguir.

Como na comunicação verbal é igualmente importante se fazer ouvir, tornar-se-ia


importante dominar a técnica da dicção. Nesse terreno, os amadores apresentavam as
deficiências que também se constatavam no Teatro Profissional. Parte do problema está no
preparo (ou na falta dele...) de nossos artistas: cursos de impostação de voz – e técnicos nesse
assunto – são raros até hoje. Em verdade, as inovações técnicas atuais (microfones de lapela,
sem fio; sonorização digital) ajudam a contornar o problema, ao invés de resolvê-lo. E, nas
décadas de 1960 e 1970, como não havia muleta tecnológica, a situação poderia ser apresentada
como trágica: no campo profissional, a falta de técnica era ampliada pela ocorrência de
temporadas teatrais em que o elenco era obrigado a se apresentar duas (ou mais) vezes ao dia,
extenuando cordas vocais. Entre os amadores, os problemas técnicos associavam-se aos
transtornos de voz, típicos da adolescência, em que se encontravam muitos atores.

Outra parte do problema estava nas instalações teatrais inapropriadas: na maior parte
dos recintos teatrais, a construção física realizou-se sem qualquer preocupação com o conforto
acústico. Além de se constatar que mais de metade das apresentações amadoras realizavam-se
em galpões, salões de clube ou de paróquia, ou ao ar livre.

A estrutura de cursos provida pela COTAESP, CET e federações regionais para aparelhar
tecnicamente os atores talvez fosse insuficiente. Isso se percebe pela frequência com que os
amadores reclamavam por mais atividades formativas, inclusive nos Congressos.

De qualquer forma, há que se registrar os esforços para a melhoria da qualidade de


encenação proporcionados pela distribuição de livros para a formação de atores, escritos por
Stanilavsky (A formação do ator), Jerzy Grotowski (Em busca de um teatro pobre) e por Antonin
Artaud (O teatro e seu duplo), e da realização de cursos que apresentaram e problematizaram
os temas desses livros.

282
Nino, o italianinho, por exemplo, estreou em maio de 1969, com Juca de Oliveira – jovem ator
de militância comunista e grande incentivador do Teatro Amador – no personagem título. E as novelas,
saindo do velho Bexiga do açougueiro Nino, passaram a reproduzir a variada sonoridade dialetal dos
brasileiros.
172

Os cursos ministrados e os livros distribuídos entre as várias federações produzem


sinergia nos festivais amadores. Lá, os atores trocam informações e experiências, aprendendo
uns com os outros. Como a lógica do trabalho amador é de esforço coletivo, o mosaico de
atividades formativas, nos mais variados recantos do Estado de São Paulo, passa a fazer sentido
e a compor uma bela imagem artística. E essa é uma das explicações para o fato dos amadores
fazerem de tudo para poder participar dessas competições.

Os investimentos da CET e da COTAESP em formação dos atores, reconheça-se,


frutificaram: seja porque que milhares de jovens puderam, assim, se expressar artisticamente
(o que lhes permitiu manifestar e questionar suas visões de mundo); seja pelo fomento do
teatro, em geral, com novos talentos; seja pelo estabelecimento de um fórum, onde brilharam
criatividade e ideias, numa época muito difícil para as artes e para a liberdade de expressão.

Na cenografia, observamos que a relativa exiguidade de recursos monetários do Teatro


Amador, se comparado ao Teatro Profissional, obrigou à busca de uma estética própria. Assim,
ao seguir seu próprio caminho, os amadores avançaram de maneira criativa, usando materiais
não convencionais e usando o espaço cênico de maneira inovadora.

Ao mencionar a exiguidade de recursos, há que se constatar que esse fato não implica
apenas na dificuldade para se comprar (ou locar) móveis e materiais nobres para se produzir os
objetos de cena: há que se pensar na virtual impossibilidade de se transportar (ou de se pagar
pelo frete) cenários volumosos por meio de caminhões. Isso leva os espetáculos amadores a se
utilizarem de engenhosas técnicas de encaixe ou de equipamentos retráteis. Ou de materiais
mais leves e flexíveis.

O fato de que as apresentações amadoras terem que prescindir, em muitas situações,


de palcos grandes, fez dos seus cenógrafos especialistas em usar as leis da perspectiva para iludir
a percepção do público em relação às dimensões reais do espaço cênico.

Alguns espetáculos exigiam a previsão de que as apresentações pudessem ocorrer em


salões, ao ar livre ou em pátios escolares. Em outras situações, havia que se evitar que as
montagens do cenário fossem demoradas. E, em quase todos os casos, tinha que se adaptar ao
fato de que não existiria mão de obra qualificada para colocar o cenário em pé.

Em algumas montagens amadoras, encontram-se móveis que foram “emprestados”


pelos familiares de alguns dos atores. Esse fato, que pode também denotar improviso,
demonstra – também – que a cenografia acabava se tornando um trabalho de equipe. Dessa
173

forma, a construção do cenário era um momento rico de troca de ideias e concepções sobre o
que iria ser apresentado pelo grupo amador.

No terreno das inovações formais, observa-se que – para os amadores – o teatro


naturalista, com cenários “quase reais”, era um luxo que quase nunca estava ao alcance do
grupo. Daí a necessidade de estilização, muitas vezes usada com grande criatividade. Também
a alternativa do uso de praticáveis, para a evolução da trama em vários planos (aqui, quase
sempre acompanhada de efeitos de iluminação), acabou levando os amadores a algumas
soluções que foram encampadas, sem cerimônias, pelo Teatro Profissional.

Igualmente importante: o uso de praticáveis permitia reaproveitamento em outros


espetáculos e o intercâmbio de material cênico entre grupos amadores, o que permitia também
troca de experiências e estreitamento de laços de amizade.

Mas não se pode dizer que a cenografia amadora sempre buscava o seu próprio
caminho, pois muitas montagens espelhavam-se no Teatro Profissional também nesse terreno.
Esse fato torna-se mais costumeiro a partir de 1970, quando alguns diretores profissionais
passam a dirigir grupos amadores que miravam as premiações dos festivais que se multiplicaram
naquele momento. Um relato sobre a apresentação do Teatro Experimental União Recreativo
(Sorocaba) é bem eloquente283:

O cenário de Cuscia Rothschild mostrava uma praça medieval, com


um lance de escadas, dividindo-a em dois pavimentos, e uma rampa, que
não chegaram a ser devidamente utilizados, tendo impressionado pela
imponência (mostrando-se depois imponente demais).

Não se quer, aqui, dizer que as contribuições dos diretores profissionais fossem, por
definição, prejudiciais para a cenografia amadora. Jonas Bloch, ao dirigir o Teatro de Arte (Santo
André), encontrou soluções e incentivou o desenvolvimento artístico de cenógrafos e
figurinistas. Também é bom lembrar, aqui, que a administração municipal deu apoio material ao
grupo. Observe-se a análise feita pelo júri do XII FETAESP, para a peça Noite dos Assassinos, de
José Triana – dirigida por Bloch284:

O espetáculo é bem concebido e bem executado, feito com grande


imaginação e criatividade sob todos os aspectos e nos menores detalhes

283
PERES, Roberto. Teatro. Jornal Cidade de Santos. Edição de 28/10/1970.
284
PALLOTINI, Renata; BELINKI Tatiana; e GENTIL, Afonso. Relatório do júri da final do XII FETAESP
(1974). Relatório mimeografado, sem data ou numeração de páginas.
174

(que são muitos) e, o que é mais importante, apresenta uma


homogeneidade e um equilíbrio pouco comuns em teatro não profissional, e
isto sob todos os aspectos: cenário excelente, “bem-bolado”, “carregado” e
“barroco”, compondo desde o primeiro instante o clima de opressão e
pesadelo que o tema exige, colocando Marco Antonio Stocco na primeira
linha dos cenógrafos jovens. Os figurinos, elementos e peças de
caracterização dos personagens que se intercambiam, entrosam-se com o
ambiente e o cenário a ponto de constituir parte integrante e orgânica do
mesmo, com ele se fundindo com perfeição.

No que se refere à iluminação, ocorreu o mesmo que no âmbito da cenografia: a falta


de recursos monetários obrigou os amadores a procurar uma estética própria, sem maiores
vínculos com o que se fazia no Teatro Profissional. Mas há que se considerar uma dificuldade
específica da iluminação: há um mínimo de necessidades técnicas abaixo do qual nem o mais
inspirado iluminador pode trabalhar. Como o material de iluminação era muito caro, muitos
grupos amadores trabalhavam abaixo desse nível mínimo.

O movimento federativo até tentou dar apoio financeiro e logístico nessa área, mas os
custos elevados esmaeceram muito a possibilidade de ajuda. De outro lado, constata-se que a
qualidade de muitos iluminadores amadores estava bem acima da média da competência dos
iluminadores que eram funcionários dos teatros municipais. Lembremos, por exemplo, que
Hamilton Saraiva (do grupo Jambaí – Capital) tornou-se – anos mais tarde – professor da ECA,
na cadeira de Iluminação Cênica.

Nos teatros municipais, os espaços cênicos de várias cidades careciam de equipamentos


básicos de iluminação. Ilustrativo é o que aconteceu na final do XII FETAESP, na cidade de Rio
Claro: o iluminador da peça Jorge Dandim, o marido confundido, teve que administrar “buracos”
na iluminação por culpa dos parcos recursos técnicos do local onde se apresentaram os grupos
teatrais finalistas285.

Dos componentes estruturais das apresentações teatrais, foi com o repertório musical
que os amadores encontraram mais dificuldades. E, por consequência, também na dança e
coreografias. Até porque havia um limitante inicial intransponível: a cobrança de direitos

285
PALLOTINI, Renata; BELINKI Tatiana; e GENTIL, Afonso. Relatório do júri da final do XII FETAESP
(1974). Relatório mimeografado, sem data ou numeração de páginas.
175

autorais, feita pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD). Os valores estavam
muito acima das disponibilidades dos grupos amadores.

A impossibilidade de trabalhar com a música protegida por direitos autorais impediu o


desenvolvimento de encenações musicais feitos pelos próprios amadores. Claro que a
criatividade individual de algumas pessoas fez com que algumas montagens incluíssem músicas
produzidas por amadores: mas essas experiências foram muito poucas.

Além disso, as reconhecidas limitações de dicção e de impostação de voz, que já existiam


nos diálogos, certamente seriam ainda maiores na hora de cantar. E os problemas de
disponibilidade física, de alienação muscular, tornavam as danças e as coreografias quase que
totalmente ausentes nos espetáculos amadores. Quando apareciam, em algum raro espetáculo
musical, o resultado era, quase sempre, decepcionante. Foi o que aconteceu com o Teatro
Experimental dos Universitários de Santos, com a peça Chá de sabugueiro286:

A abertura deste último espetáculo do Festival, prenunciando um


musical à brasileira, divertido e rico de cores, predispôs favoravelmente os
espectadores da noite de sábado. Mas a continuação fez descer aos poucos
o nível do entusiasmo de público e júri. No momento em que se tornavam
necessários ritmo, boa elocução, graça, “verve”, malícia ou ingenuidade, os
atores falharam. E, quando o que se fazia desejado era uma definição de
estilo, uma opção, o diretor falhou.

Mas alguns grupos amadores, é claro, desenvolveram um trabalho interessante com


música, dança e coreografia. Apoiaram-se em textos consagrados da dramaturgia nacional que
se utilizavam da música, como forma de expressão. Esse fato nos leva a reapresentações
frequentes de Morte e vida Severina, Zumbi e vários outros espetáculos apresentados pelo
Grupo Arena, em seus primeiros quinze anos de existência. Isso porque, após um período de
grande produção de peças musicais por parte dos autores nacionais (metade dos anos 1960), a
repressão censória e os custos de produção dos espetáculos aliaram-se para reduzir, a
praticamente zero, o aparecimento de novos textos teatrais estruturados com base em músicas.

286
PALLOTINI, Renata; BELINKI Tatiana; e GENTIL, Afonso. Relatório do júri da final do XII FETAESP
(1974). Relatório mimeografado, sem data ou numeração de páginas.
176

O Grupo Cênico Regina Pacis, de Santo André, de certa forma, tornou-se especialista em
musicais. Realizou trabalhos muito competentes, mas acabou sofrendo muito com a ausência
de textos mais contemporâneos. Uma crítica, num jornal santista, captou o problema287:

Com o teatro lotado, o Grupo Cênico Regina Pacis, de Santo André,


mostrou, no sábado, Zumbi, de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri.
Depois da montagem do Teatro de Arena, não tínhamos visto a peça em
cena, porém, acreditávamos que havia tido sua devida época, com aquela
montagem, e que terminara ali. O espetáculo de Santo André veio
confirmar nossa tese. (...) Não que tenha perdido sua beleza, mas Zumbi
ficou por demais marcada com a montagem original e a comparação acaba
vindo involuntariamente. O diretor Sérgio Luís Rosseti tentou ao máximo,
isso percebia-se, ficar longe dessa imagem, mas o próprio texto não dá
muita chance. O despojamento do guarda-roupa é um ponto favorável e o
próprio rendimento dos atores, todos nivelados, com bom resultado, deram
um espetáculo limpo, bem feito e principalmente, muito bem iluminado.
Como espetáculo, pode-se dizer que estava quase perfeito. Todos os
detalhes bem cuidados, nenhum esbarrão. Mas a sensação do repetir, da
imagem já vista, foi mais forte.

Se é verdade que um modelo bem-sucedido do Teatro Profissional impactou essa


encenação, também é verdadeiro que a conjuntura repressiva e censória impediu que o grupo
amador pudesse fazer escolhas menos marcantes ou menos encenadas. De qualquer forma,
inovações apareceram no que tange, por exemplo, ao guarda-roupa da montagem.

IV.2 Temas e Gêneros


Nos espetáculos amadores, quais seriam os temas mais recorrentes? Para iniciar nossa
trilha rumo às respostas a esta questão, vamos nos utilizar de uma crítica teatral sobre a peça A
Respeitosa, encenada pelo grupo Os Independentes, com direção de Evêncio da Quinta. O ano
era 1966, a cidade era Santos288:

Através dos diferentes e heterogêneos problemas focados por


ambos os dramaturgos (Sartre e Camus), sempre surge no fundo o tema da
liberdade humana: condicionada, limitada, sufocada, como é apresentada

287
PERES, Roberto. Teatro. Jornal Cidade de Santos. Edição de 28/10/1970
288
MALLEGNI, Paulo R. A Respeitosa. Jornal A Tribuna. Edição de 19/03/1967.
177

em Entre quatro paredes, onde “o inferno são os outros”, frase


terrivelmente precisa de Sartre: não podemos estar sós e isto basta para
que não possamos ser livres. Da situação do homem que quer justificar sua
vida em luta com o meio, com o destino ou com suas próprias inibições.

O crítico Paulo Mallegni, ao contextualizar o existencialismo para embasar a análise da


apresentação teatral, lista algumas das motivações que levaram tantos jovens ao Teatro
Amador: a ânsia por liberdade, acompanhada do sentimento de sufocamento imposto pela
realidade em que estão imersos; e a luta por vencer suas próprias inibições.

Não estamos, com isso, querendo dizer que o Teatro Amador paulista era existencialista
(até porque, em grande medida, não era mesmo), mas há – nesse texto – algo de emblemático.
Não exatamente no tema, mas nos personagens: a peça conta a história de uma prostituta que,
num vilarejo do Sul dos EUA, toma a atitude heroica de salvar um negro fugitivo do linchamento.
Aqui, nessas personagens, nos encontramos com figuras que, amiúde, estão nos palcos
amadores: os outsiders. Nesse espetáculo aparecem os humilhados (prostituta e escravo, mas
poderiam ser mendigos ou desempregados); em outros espetáculos, os protagonistas são das
minorias (de gênero, raça ou religião). E estes personagens emblemáticos indicam que o tema
mais geral, nas peças amadoras, é a exclusão.

Os amadores, no geral, não abordavam os personagens a partir de parâmetros


filosóficos ou da estrita racionalidade. Com muita frequência, os amadores construíam seus
personagens de maneira Stanislavskiana: embasavam a atuação nas ações físicas, que
transmitem o espírito interior do papel que estão interpretando; sendo estas ações físicas
abastecidas pela vida e pela imaginação que o ator empresta à personagem. Simplificando um
pouco: os personagens ganham vida incorporando algumas características do intérprete e,
indiretamente, do público de onde esse intérprete se encontra imerso.

O tema mais frequente nos palcos amadores paulistas, nas décadas de 1960 e 1970,
está umbilicalmente ligado ao personagem mais frequente das encenações, que é o brasileiro
humilde; seja trazendo à cena peças consagradas como Morte e vida Severina (João Cabral de
Melo Neto), A Grande Estiagem (Isaac Gondim Filho), Auto da compadecida (Ariano Suassuna)
ou O pagador de promessas (Dias Gomes); seja com textos escritos pelos próprios amadores,
como A rosa verde (Evêncio da Quinta).

Num tempo em que o homem comum foi submerso, na mídia, em um mar de


propaganda ditatorial que exaltava o “Brasil grande”, os amadores de teatro foram sensíveis à
ansiedade do espectador em ver o drama, a tragédia, do injustiçado em cena. Encontraremos,
178

na cena amadora, o camponês, o nordestino que migrou, o favelado com grandes dificuldades
de subsistência. E também as famílias de classe média, empobrecidas dentro do redemoinho da
modernização econômica.

Outros temas frequentes – e também muito próximos aos interesses de um público que,
logo a seguir, seria “fisgado” pela televisão – são a violência das cidades e de suas populações
marginais (encenadas em peças como Balada de Manhattan – Leo Gilson Ribeiro; Dois perdidos
numa noite suja – Plínio Marcos; de Moto Perpétuo – Hamilton Saraiva); a religiosidade (como
se vê em Paixão segundo São Marcos, extraído da Bíblia, ou Bíblico – Odécio Penteado); ou
questões de gênero, raça ou de perseguições religiosas (Oração para uma negra – Willian
Faulker e A. Camus; Zumbi – Boal e Guarnieri; O choque das raças – Hamilton Saraiva; O Santo
Inquérito – Dias Gomes). Textos estes, que conseguiam uma direta comunhão entre as
ansiedades do público e dos encenadores amadores.

Amadores que, quando a Censura deixava, apresentavam muitas peças (principalmente


até 1968) com temática que poderíamos chamar de explicitamente proselitista (Liberdade,
liberdade – Millôr Fernandes e Flávio Rangel); Revolução na América do Sul – Augusto Boal; Eles
não usam black-tie – Gianfrancesco Guarnieri). Aqui, a julgar pelas anotações sobre frequência
de assistentes que encontramos, o interesse do público em geral, não era tão expressivo.

O maior divórcio entre amadores e público, no que se refere ao tema encenado, parece
ter ocorrido quando as apresentações se referiam a questões existenciais, especialmente se a
forma era vanguardista (Espectros – Ibsen; Diálogo noturno com um homem vil – E. Dürrenmatt;
Beijo no asfalto – Nelson Rodrigues). Os amadores adoravam fazer esse tipo de trabalho –
especialmente se a abordagem era stanislavskiana – mesmo que a plateia estivesse vazia. E,
nessas situações, a plateia quase sempre estava vazia mesmo...

Quando se buscam os temas caros às apresentações amadoras, não se pode desprezar


a eventual aparência de falta dele. Por isso, falemos do desbunde, da brincadeira, que também
é um jeito de se fazer crítica. Gil Vicente, no seu Auto da Barca do Inferno, já advertia que “rindo,
se corrigem os costumes289”. Uma dessas aventuras lúdicas, a que os amadores eventualmente
se dedicavam, chegou à final de um festival estadual (a peça chamava-se Metamorfose, ou vire
o canal coração, encenada pelo TACO – Santos)290:

289
Ridendo castigat mores, no original.
290
PALLOTINI, Renata; BELINKI Tatiana; e GENTIL, Afonso. Relatório do júri da final do XII FETAESP
(1974). Relatório mimeografado, sem data ou numeração de páginas.
179

Uma direção imaginosa e inventiva construiu um espetáculo


engraçado, com o auxílio de uma cenografia e sonoplastia igualmente
inventivas e bem-humoradas e uma iluminação que acompanha este
espírito brincalhão, tudo com achados e “gags” de toda a espécie. O
resultado é uma chanchadinha “camp”, num “ridendo castigat mores” que
atinge sua meta na parte que toca ao “fazer rir”, mas afoga suas intenções
mais sérias – se é que as houve – na balbúrdia generalizada.

Provavelmente era exatamente isso que o grupo TACO (Teatro Acadêmico de


Comunicações) queria fazer naquele momento. E o que seu público mais próximo queria ver.

Em suma, quase sempre havia sinergia entre amadores e público quanto ao que
apresentar. Resta saber se havia sinergia também na maneira de apresentar, no que concerne
aos gêneros teatrais.

No que se refere aos gêneros teatrais que os amadores utilizavam (e eventualmente


adaptavam com tal sucesso, que não seria falso tratá-las como invenções dramatúrgicas), é
evidente que muita coisa se apoia nos ombros de gigantes da tradição. O primeiro deles é Gil
Vicente, o pai do teatro em língua portuguesa, exímio no uso da farsa.

Em Santos, no ano de 1967, o Grupo dos Independentes, sob a direção de Paulo Jordão,
apresentou Grandes Momentos de Gil Vicente. O crítico Evêncio da Quinta (ele próprio era
amador de teatro) apresentou claramente uma faceta de Gil Vicente que certamente interessou
aos membros do grupo amador291:

Já no seu tempo havia necessidade de criticar os costumes e isso é


feito com rara maestria, embora com escassa carpintaria teatral, em O
auto da barca do inferno(...). Não sabemos qual foi a reação da plateia
quinhentista ao “Auto da Barca”, mas cremos ter sido violenta, uma vez que
nele são vivamente criticados a Justiça (“Non accipistis rapina?”), a Nobreza
(“Não se embarca a tirania neste batel divinal?”), o Clero (“Eu criava
meninas para o cônego da Sé.”) e tudo mais que merecesse reparo.

Ao acertar no atacado, Evêncio provavelmente errou no varejo, ao considerar como


“escassa carpintaria teatral”, o que era a típica linguagem teatral quinhentista, usada
magistralmente por Gil Vicente, e que estava sendo recriada pelo Grupo dos Independentes.

291
DA QUINTA, Evêncio. Gil Vicente para o povo. Jornal A Tribuna (Santos). Edição de 06/06/1967.
180

Outra passagem dessa crítica mostra que os artistas, no palco, estavam um pouco à frente do
crítico, na redação do jornal292:

(O Grupo dos Independentes estava...) introduzindo nos textos, ou


aproveitando transcrições de exegetas modernos, palavras que,
correspondendo ao termo arcaico, não modificassem a estrutura da peça,
mas dessem à plateia a medida exata do pensamento de Gil Vicente em
termos atuais. (...) As várias interpolações procedidas tornaram “leves”
textos antes “pesados”, os quais estavam relegados apenas às práticas da
Escola de Arte Dramática, não mais servindo para espetáculos de caráter
popular.

O crítico imaginava que o Grupo dos Independentes estava trazendo Gil Vicente para as
novas gerações. Não deixa de ser verdadeiro. Mas muitos espetáculos amadores que vieram a
seguir indicam que Grandes momentos de Gil Vicente estaria na origem de muitas apresentações
de Teatro de Rua e de peças que usavam características circenses e de farsas medievais.
Evidentemente não por conta da “escassa carpintaria teatral”, mas porque o teatro de Gil
Vicente era ferramenta adequada para expressar algo que tinha empatia com o público. E que
o público compreendia com clareza.

Em 1969, Ilza Novita (uma raríssima diretora amadora, numa atividade monopolizada
pelo sexo masculino) decidiu trazer o circo para o palco do Teatro Rádio Clube, de Santos, com
a peça Querem representar comigo?293 :

Os personagens são: Sr. Leal, o dono do circo, o “poder maior”,


indivíduo “realizado”, insensível aos problemas do dia-a-dia, representado
por João César; Isabelle, a bailarina, o motivo pelo qual todos ambicionam
o poder, interpretada por Ângela Maria; Augusto, o político, é Nelson
Ramos; Crockson é a autoridade imponente, Osvaldo Araújo; Rascasse
representa “o povo”, que luta para obter o poder, mas se submete às
autoridades, e é interpretado por Esdras Guercellos. O “jogo” se desenrola
num ambiente em que os ensaios para o espetáculo e a vida íntima dos
seus componentes se misturam e se confundem. São apresentados durante

292
Idem.
293
Tecla hoje no festival. Jornal A Tribuna (Santos). Edição de 19/08/1969.
181

a ação, marionetes (...) que representam o comportamento das grandes


massas.

Como se vê, o objetivo do autor, neste espetáculo, era colocar em questão a ordem
capitalista. Diante da realidade da Censura, o grupo Teatro do Clássico (TECLA) – que
aparentemente tinha o mesmo objetivo do autor – buscou um texto escrito por um membro da
Academia Francesa de Letras (Marcel Achard; 1899-1974). Imaginou-se, com acerto, que o veto
a uma peça escrita por um europeu ainda vivo provocaria problemas ao governo brasileiro.
Problemas muito maiores do que o de se admitir apresentações de um pequeno grupo amador
de um colégio da Baixada Santista.

Assim, numa época em que o Teatro Profissional se encaminhava para a metáfora (ou
simplesmente se evadia dos problemas), grupos amadores – como o TECLA – enveredavam para
o teatro de tese (aqui, em simbiose com a estrutura do circo), mesmo que recorrendo a um texto
francês, escrito no período entre guerras...

O circo, no ano seguinte (1970), também é utilizado pelo diretor Afonso Gentil (um ex-
amador, que iniciava sua carreira como profissional), ao apresentar Arlequim a serviço de dois
amos, de Carlo Goldoni, no VIII Festival Estadual de Teatro Amador. A montagem logrou grande
empatia com o público ao usar essa comédia medieval exatamente do jeito que ela era, ao ser
criada: como teatro-circo. O Teatro Experimental União Recreativo (de Sorocaba) aproximou
essa farsa ao teatro-rebolado, utilizando vários de seus tiques, trejeitos, maneirismos e o uso de
gags, piadinhas atuais e cacos que refletem o momento político-social brasileiro.

No Teatro Amador paulista, a forma e o tema imbricam-se: observa-se – claramente –


que muitos textos da Grécia Clássica, dos períodos medieval, renascentista e iluminista serão
visitados pelos grupos amadores para que se abordem temas que – de outra forma – seriam
vetados pela Censura.

O circo também foi trazido ao palco Pelo Centro Cultural Guimarães Rosa, grupo de São
Bernardo do Campo, com o espetáculo Farsa do cangaceiro, com truco e padre. O júri do XII
FETAESP (1974) fez a seguinte observação294:

O espetáculo (...) começa por introduzir o espectador no mundo


pretendido pelo texto, a partir do ambiente criado pela sala de espera do
teatro, e pela música introdutória. No entanto, esse cuidado, que é de início

294
PALLOTINI, Renata; BELINKI Tatiana; e GENTIL, Afonso. Relatório do júri da final do XII FETAESP
(1974). Relatório mimeografado, sem data ou numeração de páginas.
182

positivo, prepara o espectador para uma montagem pura, que conservasse


intacta a ingenuidade do mundo retratado pelo autor. Mas isso não
acontece. Valendo-se de um bom trabalho com os atores (...), a direção
consegue um resultado firme, mas sofistica em demasia, quebrando o
ambiente que ela mesma preparara, como se não “acreditasse” no mundo
que sugeriu.

Será que o júri acertou no diagnóstico de que houve exagero de sofisticação? Ou o


diretor pretendia fazer com que o público rememorasse suas origens rurais, trazendo-o depois
para um ambiente e linguagem híbridos, como são híbridos os ambientes dos bairros periféricos
de uma grande cidade? Afinal, esse texto entremeia drama e narração; há Aristóteles e Brecht;
irrupção de tango e melodrama; o diretor utilizou-se de figurinos estilizados, provocando
“estranhamento”. Enfim, uma obra de linguagem complexa, que mereceria atenção hoje,
passados mais de 40 anos...

Passemos do circo e do cordel para os clássicos. Melhor dizendo, à releitura dos


clássicos, talvez o terreno teatral em que os amadores paulistas mais trouxeram inovações.
Onde, também, algumas discussões de dinâmica social, comportamentais, de costumes e de
religião foram feitas com rara propriedade e sucesso.

Hamilton Saraiva, autor, ator, iluminador e diretor amador, participando do Grupo


Jambaí de Comédia (São Paulo-capital) dirigiu, em 1974, o espetáculo Jorge Dandim, o marido
confundido, de Molière. Esse espetáculo chegou à final do XII FETAESP. A manifestação do júri
foi a seguinte295:

Acertadamente andou agindo Hamilton Saraiva ao optar por uma


montagem molieresca ao gosto dos tempos modernos, isto é, irreverente,
crítica, “desbundante”. No entanto, essa Comissão Julgadora questiona a
ideia de transformar Jorge Dandim em uma telenovela. Estariam aqui suas
incoerências e desacertos. Todos sabemos quem é Molière e o quanto
podem ainda sua crítica ferina e seu humor amargo. Jogar Molière na
televisão – esse caótico e infernal meio de comunicação – é vesti-lo com as
cores de um grotesco inaceitável. Se Molière é bom e a TV é ruim, não é
incoerente querer “melhorá-lo” usando a linguagem do vídeo, ora como
instrumento, ora como alvo da crítica pretendida? Parece-nos, pois, que em

295
PALLOTINI, Renata; BELINKI Tatiana; e GENTIL, Afonso. Relatório do júri da final do XII FETAESP
(1974). Relatório mimeografado, sem data ou numeração de páginas.
183

nada perderia a espirituosa posição do diretor se os recursos da TV fossem


deixados à margem. Mesmo as “jorgetes” poderiam permanecer com suas
saborosas intromissões coletivas, sem prejuízo crítico. Tudo o mais –
anúncios, jornal falado, tabuletas, filmagens – funciona como elemento
empobrecedor de uma graça, no todo, inteligente. Como inteligente foi o
tratamento psicológico dispensado à personagem de Jorge Dandim, em
contraposto ao tom farsesco das demais, o que empatiza, aproxima
afetivamente Dandim e a plateia.

O júri queria – em última análise – que o irreverente, crítico e desbundante Molière


fosse trazido ao mundo contemporâneo, desde que de maneira reverencial. E curiosamente
acusa Hamilton Saraiva de ser incoerente...

De qualquer forma, a análise da comissão julgadora nos deixa entrever a criatividade


formal desse espetáculo amador. Antropofagicamente, a TV “engole” a obra clássica. Mas, ao
mesmo tempo, Molière está lá. E o teatro também está lá, uma vez que os recursos de
cenografia, de iluminação e de atuação foram utilizados com eficiência. O Jorge Dandim do
Grupo Jambaí, foi um ato de fé, de alegria, de força contagiante, no jogo teatral.

E, como o próprio júri constatou, o espetáculo logrou empatia com a plateia.

Os amadores também usaram, com frequência, o teatro brechtiano com razoável


competência, embora nem sempre arriscando novos caminhos formais. A tendência a um
excessivo respeito aos cânones da linguagem do chamado teatro dialético não passou
despercebida ao júri da final do FETAESP de 1971296:

A direção de Paulo Sérgio Fabrino andou relativamente bem em


relação ao texto de Brecht297. Uma direção esquemática, em cima de um
texto esquemático. (...) A direção foi correta, o cenário esteve correto, a
interpretação, na maioria das vezes, correta, enfim, o espetáculo esteve
correto e assumiu o texto de Brecht, que é exageradamente correto. Tudo
esteve matematicamente quase que perfeito. Entretanto, o autor Bertold
Brecht, em outras oportunidades, mostrou-se mais inquieto, depois

296
PALLOTINI, Renata; SILVA, Armando Sérgio da; e GENTIL, Afonso. Relatório do júri da final do
IX FETAESP (1971). Relatório mimeografado, sem data, p.06.
297
Aquele que diz sim; aquele que diz não
184

amadureceu e não temos a certeza se continuou tão matematicamente


correto.

De qualquer forma, mesmo esse “feijão com arroz” acabará por produzir encenações de
muito boa qualidade, conforme constatará o júri da final do FETAESP de 1973, em relação ao
espetáculo A Alma Boa de Set-Suan, encenado pelo Grupo Jambaí, da Capital298:

A encenação de Hamilton Saraiva veio dar a justa medida


brechtiana, procurando, com muita felicidade, captar-lhe o pensamento
social-humanístico, naquilo que Brecht tem de mais universal: a consciência
de que o Homem merece a própria grandeza que ele se reservou no
Universo. Das teorias, Hamilton manipulou aquelas que mais de perto
serviam à realidade atual e à equipe com que contava. O resultado final foi
uma montagem límpida, cristalina, fluente, comunicativa, inteligente, sem
ser brilhante.

Observa-se que o teatro brechtiano foi, nos trabalhos dos amadores paulistas, muitas
vezes mediado pelos trabalhos de outro encenador alemão, Erwin Piscator, que se utilizará
fartamente de vídeos, slides, cartazes e fotos, naquilo que ficou conhecido como “teatro épico”.
De um modo geral, os jurados dos festivais viam essa parafernália com certa reserva, como se
vê no comentário sobre a apresentação d’A balada de Manhattan, pelo Teatro Estudantil de
Vanguarda (Santos)299:

Se certas soluções podem ser criticadas, como a da sucessão de


rápidos quadros ao fundo do palco, e até mesmo o retorno ao fácil recurso
dos cartazes que apelam para os nossos melhores sentimentos, por outro
lado deve-se reconhecer a felicidade da duplicação de certos personagens,
da inserção fácil e oportuna de canções, sempre bem colocadas (...).

Passemos ao Teatro do Absurdo, que foi muito utilizado pelos amadores, especialmente
a partir de 1969. Essa forma de expressão teatral, de fato, parece se coadunar com a realidade
de que não é possível conceber a ditadura como algo natural. Ela não pertence à ordem da razão.
O Teatro do Absurdo, surgido na Europa em outro contexto, tem o efeito de exprimir um
desnorteio, uma situação absurda, fora do esquadro que tomou conta da realidade brasileira,

298
LAGOA, Jaques; SILVA, Armando Sérgio da; e GENTIL, Afonso. Relatório do júri da final do XI
FETAESP (1973). Relatório mimeografado, sem data, p.02.
299
PALLOTINI, Renata; SILVA, Armando Sérgio da; e GENTIL, Afonso. Relatório do júri da final do
IX FETAESP (1971). Relatório mimeografado, sem data, p. 01.
185

no período que estudamos. E que alguns amadores paulistas parecem ter eleito o absurdo para
exprimir suas inquietações.

Como a realidade brasileira era diferente do contexto europeu em que o Teatro do


Absurdo surgiu, os amadores paulistas realizaram algumas adaptações e acréscimos que
provocaram, entre os críticos, algumas situações de estranhamento. É o que se observa nos
comentários feitos pelo júri do XI FETAESP, em relação à apresentação de A Lição (Ionesco), feita
pelo Grupo Porão 7, da cidade de São Carlos300:

O espetáculo, portanto, torna-se extremamente belo, belo em sua


luz, belo em sua música, belo em seus gestos, e por que não dizer, belo em
seus ingênuos “slides”. (...) os atores de seu elenco, a Aluna menos, o
Professor e a Governanta mais, sentem-se presos por gestos alheios, como
que manejados de fora para dentro. A imprecisão, assim, torna-se patente:
absurdo do absurdo igual a enfraquecimento do absurdo. O espetáculo
perde assim a força que poderia ter.

Talvez a estetização, considerada exagerada pelo júri, seja – no final das contas – a
expressão de uma sutil ironia.

Um gênero teatral usado muito frequentemente pelos amadores, para expressar sua
temática, foi a Comédia. Seja porque os jovens (e os amadores eram – quase sempre – menores
de 30 anos) tenham mais facilidade em se comunicar pelo humor; seja porque o público (depois
de passar o dia inteiro enfrentando contrariedades) queria rir em seus momentos de lazer; ou
seja, porque o teatro brasileiro tenha uma longa tradição no uso da comédia como recurso
expressivo.

Nesse ambiente, é fácil compreender porque Ubu-Rei, de Alfred Jarry (peça escrita
quando o autor tinha 15 anos de idade) tornou-se um paradigma e acabou encenada em vários
festivais. Isso foi percebido pelo júri do XI FETAESP301:

Achamos que foi adequada e feliz a escolha de Ubu-Rei, pelo Teatro


Estudantil Universitário. A idade média da equipe era, a priori, um trunfo
para reviver e fazer rejuvenescer aquela atmosfera caótica, irreverente,
sarcástica e sobretudo debochada, vociferada pela extrema juventude de

300
LAGOA, Jaques; SILVA, Armando Sérgio da; e GENTIL, Afonso. Relatório do júri da final do XI
FETAESP (1973). Relatório mimeografado, sem data, p.10.
301
LAGOA, Jaques; SILVA, Armando Sérgio da; e GENTIL, Afonso. Relatório do júri da final do XI
FETAESP (1973). Relatório mimeografado, sem data, p.06.
186

Jarry. O diretor Sérgio Luiz Bambace partiu, portanto, com a faca e o queijo
na mão.

Observe-se que o próprio Sérgio Luiz Bambace, mencionado acima, era um dos vários
“Alfreds Jarrys” do Teatro Amador paulista. Seu primeiro texto teatral, foi objeto da seguinte
observação, pelo júri do IX FETAESP302:

Partindo de uma temática já um pouco cansada, dentro de nossa


dramaturgia, o texto303 consegue se manter durante todo o desenrolar do
espetáculo, o que também é uma virtude, em se tratando de um jovem e
inédito dramaturgo. Como era de se esperar de um autor novo, Sérgio Luiz
Bambace consegue maior eficiência nos trechos cômicos da peça o que não
acontece nos momentos de lirismo, quando o autor, facilmente, escorrega
para o melodramático dos mais chorões.

A crítica aos amadores, em alguns momentos, era a de eles abusavam do riso a ponto
de chegar a uma ludicidade irresponsável. É o que se depreende dos comentários do júri do XII
FETAESP, em relação à uma apresentação do Grupo TACO, da cidade de Santos304:

Os atores estão soltos demais, com uma gesticulação indisciplinada


que prejudica a dicção; resulta a impressão de improvisação, de teatrinho
colegial de fim de ano, que faz perder muito da “charge” social autêntica
que porventura exista atrás desse “desbunde” todo, tanto que a intenção
“séria” de algumas cenas, especialmente a final, melodramática, mal
consegue passar.

E havia um experimento teatral de que os amadores lançavam mão (e que quase não foi
explorado pelo Teatro Profissional, no período que estudamos): o da estética visual exacerbada,
tratando o teatro quase como se fosse “artes plásticas”. É o que fez, por exemplo o Grupo Paus
de Arara (São Carlos), com a peça Quem matou Caim (Walmir Ayala), sob a direção de José Sidnei
Leandro305:

302
PALLOTINI, Renata; SILVA, Armando Sérgio da; e GENTIL, Afonso. Relatório do júri da final do
IX FETAESP (1971). Relatório mimeografado, sem data, p. 09.
303
Nós e um Zé.
304
PALLOTINI, Renata; BELINKI Tatiana; e GENTIL, Afonso. Relatório do júri da final do XII FETAESP
(1974). Relatório mimeografado, sem data ou numeração de páginas.
305
Idem.
187

Dramaticamente o texto quase não se sustenta, uma vez que, lírico


em demasia, quase não possui qualidades de conflito, de ação, de
contenção, que o mantenham de pé no palco. (...) O diretor José Sidnei
Leandro cumpriu à risca as suas proposições, expostas no programa com
que se apresenta; diz de início que não se propõe a um teatro de texto, a
um teatro psicológico, e se mantém fiel a si mesmo até as últimas
consequências.

IV.3 Dramaturgia
Nas décadas de 1950 e 1960, o teatro brasileiro conheceu seu período autoral mais
fecundo. Nossa dramaturgia profissional tornou-se madura com Gianfrancesco Guarnieri,
Oduvaldo Vianna Filho, Augusto Boal, Dias Gomes, Nelson Rodrigues, Ariano Suassuna e Chico
de Assis – entre vários outros. O mesmo acontece com a encenação (aqui podemos lembrar
nomes como José Celso Martinez Corrêa, Antunes Filho, Ziembinski, Boal e Flávio Rangel). Esse
grande elenco de artistas tinha qualidade técnica, sensibilidade e criatividade. Mas não era só:
fazia do teatro uma arte socialmente responsável, investigando os temas mais urgentes do
processo sócio-político nacional. Essa dramaturgia foi essencial para a construção do repertório
amador da primeira metade da década de 1960.

O Ato Institucional nº5 é um divisor de águas: a repressão policial consegue vencer a


resistência que o movimento teatral conseguiu manter ao Regime Militar, entre 1964 e 1968. O
Teatro de Arena para em 1971, após a prisão de Augusto Boal; a seguir, José Celso Martinez
Corrêa, do Teatro Oficina, também é encarcerado. Teatros são invadidos; vários artistas são
submetidos à tortura; a encenadora Heleny Guariba foi assassinada.

De 1968 a 1975, a dramaturgia profissional – usando a expressão de Gianfrancesco


Guarnieri – ficou restrita a um “Teatro de Ocasião”. O período foi assim descrito por Fernando
Peixoto306:

A linguagem da encenação passou a privilegiar muito mais a


elaboração de forma para ludibriar a censura e fazer passar a verdade e a
denúncia, em detrimento de um livre desenvolvimento de seus próprios
recursos expressionais. Diante da arbitrariedade policial ergueu-se esse
teatro tantas vezes prejudicado pelo imediatismo e pela necessidade da
metáfora, da alusão cifrada, da revisão histórica deliberadamente

306
PEIXOTO, Fernando. Teatro em questão. São Paulo: Hucitec, 1989. p.72.
188

“oportunista”, das questões sociais tratadas nos estreitos limites do


permissível, de uma pressa inimiga da pesquisa criativa. Tempos de silêncio,
sussurros ou gritos, às vezes impacientes e descontrolados.

Objetivamente, esse tipo de teatro não tinha ferramentas para chegar a qualquer
público, exceto os dos poucos iniciados que entendiam as “alusões cifradas” e compartilhavam
o espírito de resistência ao Regime Militar. Há, aqui, um divórcio entre o texto teatral e as
ansiedades dos espectadores. Em depoimento de dezembro de 1976, pouco antes de falecer,
Paulo Pontes fez o seguinte desabafo, onde demonstra a profundidade do fosso que surgiu entre
o texto teatral e o cidadão307:

Hoje, o teatro brasileiro não mais reflete os limites do cidadão, nem


mais o aprofunda. Pelo contrário, fica atrás. É um teatro mais pobre que a
vida das pessoas. Basta que a gente saia daqui, agora, e ir a qualquer
teatro de São Paulo, do Rio de Janeiro, do país (tá bom, vamos dizer que há
duas exceções para não deixar ninguém magoado...). E se tiver lá qualquer
problema que seja parecido com o que vocês vivem em suas casas, podem
nos chamar de idiotas. É um teatro sem problemas, que vive de macetes
mecânicos para iludir, para evadir as pessoas de seus problemas, que não
tem nenhuma importância. Queremos que vocês nos descubram um teatro
falando do aumento da gasolina. Eu não digo de teatro que fale da
dominação da economia estrangeira sobre a brasileira, hoje. Onde está o
teatro que fale do custo da carne? Isso era uma coisa frequente no início do
século (XX) neste país, o açougueiro ser gozado não só pela carne ser cara
mas também porque roubava no peso. O teatro é mais pobre que a
existência real da sociedade. Qualquer vereador está dizendo coisas mais
importantes que qualquer peça brasileira. Qualquer dúvida de qualquer
mãe brasileira, qualquer inquietação, qualquer bate boca em uma sala de
família que não está se entendendo por qualquer motivo, qualquer briga de
irmão, qualquer xingamento, qualquer torcida de futebol na Vila Belmiro, é
mais densa, mais rica, mais dramática, mais vital, mais viçosa que o teatro
brasileiro.

307
In XIX Congresso de Teatro Amador do Estado de São Paulo – Teses. São Paulo: COTAESP.
1984. Mimeo. pp. 33-34
189

As percepções de Fernando Peixoto e de Oduvaldo Vianna Filho apontam para o fato de


que o Teatro Profissional brasileiro não produziu, no período entre 1968 e 1975, textos que
dialogassem com o grande público. Mas vão mais longe: indicam que o Teatro Profissional se
apequenou diante da realidade difícil e que acabou esmagado pela repressão militar. Por
consequência, é razoável supor que, neste panorama, o Teatro Amador ganha estatura como
arena de criação e de contestação.

Passando à análise específica da dramaturgia amadora, observa-se, inicialmente, que –


durante o Regime Militar – estava mais próxima do cidadão, mencionado no texto de Paulo
Pontes, do que a dramaturgia profissional. Mas, quase sempre, enfrentava alguns limitantes
técnicos constrangedores308:

Há momentos em que nossos dramaturgos querem mostrar sua


insatisfação; aí, o que se escreve parece mais panfleto de manifestação
política, sem qualquer tipo de preocupação estética. Em outros momentos,
nosso dramaturgo tem ideias interessantes, mas não consegue ferramentas
para transformar suas ideias em ação dramática. Outros dramaturgos
escrevem personagens que não convencem; não têm vida. Nossas criações
coletivas não são buriladas. São montadas sem grandes preocupações
quanto à forma.

Esse quadro geral da dramaturgia amadora não impede a existência de alguns pontos
“fora do gráfico”; alguns trabalhos que, além da boa qualidade, expressam o estado de
sentimento do Grupo Amador e do seu público costumeiro. Entre os autores que produziram
obras consistentes, estão Hamilton Figueiredo Saraiva, Sérgio Luis Bambace, José Eduardo
Vendramini, Roberto Gil, Carlos Alberto Soffredini e Evêncio Martins da Quinta.

Observe-se o resumo que Vera Lúcia Rodrigues fez de Moto Perpétuo, texto do amador
paulistano Hamilton Saraiva309:

Um viaduto em construção. Operários trabalhando, barulho de


ferramentas batendo. Embaixo da ponte, os dois marginais, homem e
mulher que ali improvisaram um barraco e esperam a cada minuto alguém
que venha ajuda-los a sair daquela situação. Precisam de trabalho para
Artur e de um médico para Lena. As cenas se repetem idênticas: gente que

308
COTAESP, Teses do XIX Congresso de Teatro Amador do Estado de São Paulo. Mimeo. s.d., p.34
309
RODRIGUES, Vera Lúcia. Teatro. Jornal Cidade de Santos. Edição de 30/09/1969.
190

chega para ajudar, mas que não pode ajudar. A violência: Artur mata quem
nega ajuda a eles, uns animais próximos do sacrifício. Uma fita gravada, a
todo momento repete com insistência os ruídos massacrantes da cidade
grande. Slides com propaganda, no telão de edifícios. Mas ninguém pode
ajudar Artur e Lena que, no barraco, acabam violentando todos do mundo
exterior que se aproximam deles. No final, um cartaz: “Este espetáculo é
uma homenagem a São Paulo, a cidade que se humaniza”.

Embora, no final das contas, seja impossível descrever uma peça teatral, o texto
apresentado pelo Teatro Jambaí de Comédia (São Paulo), com a direção de Fernando Muralha,
atingiu o espectador como um soco no estômago. Como o Jambaí já encenava há muitos anos,
seus atores tinham larga experiência de palco e conseguiram manter (e até ampliar) a atmosfera
angustiante durante toda a apresentação. A direção e as interpretações eram brechtianas. Os
figurinos, a iluminação e a cenografia estavam perfeitamente integrados ao texto. Até porque
Jacy Saraiva (que representou Lena) era a esposa do autor; a iluminação foi feita por um ex-
aluno de iluminação do próprio Hamilton; enfim, o elenco “escreveu” a peça junto com o autor.
E esse fato, faz diferença...

O mesmo Hamilton Saraiva, no início da década de 1970, quando os textos panfletários


não tinham como passar pelo obstáculo da Censura, buscou o caminho do Teatro do Absurdo,
para expressar-se. Sua peça O amigo número um do povo chegou à final do XII FETAESP, em
1974. O júri fez a seguinte análise sobre o texto 310:

Pode-se acusar o texto de Hamilton Saraiva de uma certa falta de


coerência, e mesmo de indisfarçada gratuidade, no jogar com os dados
traiçoeiros do universo do absurdo. Ao mesmo tempo, deve-se louvar o
autor pela inteligência dos diálogos e de algumas situações. Há um clima
permanente de ironia feroz por detrás do jogo de palavras. Nesse sentido,
Hamilton Saraiva revela a habilidade adquirida pelo contato frequente com
seus inspiradores, obviamente Ionesco e Becket.

Observa-se que, no período mais tenebroso de censura, os autores amadores trataram


de suprir os textos que não mais se provinham dos autores profissionais, pois estão interditos,
vetados. O fundamental, nesse momento, não era procurar uma linguagem específica para

310
PALLOTINI, Renata; BELINKI Tatiana; e GENTIL, Afonso. Relatório do júri da final do XII FETAESP
(1974). Relatório mimeografado, sem data ou numeração de páginas.
191

amadores, mas ter o que encenar. E isso foi feito. Em alguns momentos, com dignidade e
razoável qualidade.

Mas, ao contrário dos quinhentos grupos amadores que – em alguns momentos –


supriram o espaço que o Teatro Profissional não conseguiu ocupar nos teatros de todo o Estado
de São Paulo, os autores amadores não tinham como substituir os autores profissionais de todos
os países e de todos os tempos, que foram calados pela ditadura militar. Entre os autores
brasileiros censurados estavam Plínio Marcos, Vianninha, Paulo Pontes, Boal, Guarnieri, Nelson
Rodrigues, Dias Gomes, Millôr Fernandes, Chico Buarque; não haveria como suprir a falta do
trabalho desses grandes autores.

IV.4 Produção amadora e realidade social


Quando se olha para a produção teatral amadora, no período que estamos estudando,
notamos que, ao oferecer respostas expressivas à realidade social objetiva, os amadores não o
faziam a partir de um indivíduo (o diretor ou o autor) nem a partir do grupo como coletivo, nem
do grupo social de que eles se originaram, mas o faziam como indivíduos imersos em relações
sociais reais e coletivas. Nesse sentido, a resposta expressiva é uma visão de mundo: uma visão
organizadora. E este elemento de organização é, no teatro, o fato social significativo. A
correspondência de conteúdo entre um texto ou uma produção teatral e o grupo que encena é
menos importante do que a correspondência de organização (poderíamos, aqui, usar a palavra
estrutura).

A relação de conteúdo pode ser apenas um reflexo; mas a relação de estrutura (muitas
vezes ocorrendo quando não há uma relação aparente de conteúdos) pode mostrar o princípio
organizador pelo qual uma visão específica de mundo atua na consciência.

Faça-se, aqui, a distinção entre consciência real e consciência possível. Para isso,
voltamos a Raymond Williams311:

(...) A (consciência) real, com a sua rica mas incoerente


multiplicidade; a possível, com o seu grau máximo de adequação e
coerência. Um grupo social é geralmente limitado pela sua própria
consciência, e isto inclui muitos tipos de incompreensão e de ilusão;
elementos de uma falsa consciência que muitas vezes são, obviamente,
usados e refletidos na literatura mais difundida. Mas há também um
máximo de consciência possível: a visão do mundo erguida ao seu patamar

311
Idem, p.33.
192

mais elevado e coerente, limitada apenas pelo fato de que ir além


significaria que o grupo teria de superar a si mesmo e transformar-se em
um novo grupo social, ou ser substituído por ele.

Quase sempre, quando se estuda a atividade teatral, os olhares se voltam muito mais
para os textos do que para como se constroem as apresentações, buscando as relações entre a
dramaturgia e a consciência real. Nossa tentativa é a de procurar relações entre espetáculos
teatrais e a consciência possível, argumentando que os espetáculos teatrais (tão frágeis que
desaparecem no exato momento em que se realizam) constroem uma visão de mundo numa
forma coerente e adequada e em plano muito elevado. E que essa construção ocorre
provavelmente em dimensão muito maior na consciência dos membros dos grupos teatrais
amadores do que entre a assistência.

Não procuramos, por isso, nos concentrar nas correspondências entre conteúdos e
contexto ou nas relações sociais entre o grupo amador e sua plateia. Estudamos, nas atividades
teatrais amadoras, as categorias organizadoras que dão, aos trabalhos teatrais, unidade, caráter
estético específico e qualidade dramatúrgica.

Há quem diga que as apresentações teatrais, de qualidade razoável ou mediana, nos dão
a consciência real em uma forma sintética; e que o grande teatro nos dá a consciência possível,
por vezes bastante diferente da consciência real. Claro que isso é quase sempre verdadeiro, mas
talvez em algumas situações tenhamos que reconsiderar aquilo que definimos como
“consciência”. Pois o que é normalmente considerado como uma visão de mundo pode, na
prática, não ser mais do que um resumo de doutrinas.

Existem relações sociais e naturais reais. E as crenças e instituições contemporâneas dão


uma relativa organização e coerência a estas relações. Mas o que parece acontecer, em algumas
das melhores produções amadoras, é a simultânea simulação e resposta a essas estruturas
subjacentes e formativas. Eis, diante de nós, o fenômeno dramatúrgico: a dramatização de um
processo, a criação de uma ficção em que os elementos constitutivos reais da vida social e das
crenças foram simultaneamente atualizados, vividos de uma nova maneira. Eis o ato criativo,
por definição genuíno e sem precedentes.

O ato criativo é apanágio de grandes talentos e devem existir razões sociais


características, observadas nas biografias dos autores, que expliquem suas qualidades de
imaginação. Mas esses atos criativos, dentro de um determinado contexto histórico, podem ser
característicos de uma comunidade específica: uma comunidade imersa em uma estrutura de
193

sentimento312 e que se torna visível a partir de suas escolhas formais. É o que pode ter ocorrido
com os amadores teatrais paulistas, na década de 1960.

Para mensurar a importância de um grupo imerso em uma estrutura de sentimentos,


utilizemos, uma vez mais, as palavras de Raymond Willians313:

O que me parece especialmente importante nessas estruturas de


sentimento em transformação é que elas costumam preceder as
transformações mais reconhecíveis do pensamento e da crença formais que
compõem a história habitual de consciência e que, embora correspondam
muito de perto a uma verdadeira história social de homens vivendo em
relações sociais e em transformação, precedem, mais uma vez, as
alterações mais reconhecíveis nas instituições formais e nas relações sociais
que constituem a história mais acessível e, de fato, mais habitual.

O movimento amador paulista, na década de 1960, nos desafia a uma análise mais
detida em suas formas de apresentar os espetáculos. Nessas apresentações, as alterações no
ponto de vista, as mudanças nas relações costumeiras e reconhecíveis e as alterações nas
resoluções possíveis em suas manifestações dramatúrgicas podem ser relacionadas a uma
história social. Ele não pode ser resumido, portanto, a determinadas concepções de mundo ou
a uma determinada “consciência” que, na prática, seja incapaz de transcender a um sumário de
doutrinas.

O movimento amador paulista – em verdade – alavancou transformações sociais, não


como farol que ilumina a escuridão, mas como fermento que faz crescer o pão.

312
A ideia de “estrutura de sentimento” parte, “de um modo muito interessante, de um conceito
de estrutura que continha, em si, uma relação entre os fatos sociais e os literários. Essa relação não era
uma questão de conteúdo, mas de estruturas mentais: as categorias que organizam simultaneamente a
consciência empírica de um determinado grupo social e do mundo imaginário criado pelo escritor”. Por
definição, essas estruturas não são criadas individualmente, mas coletivamente. Idem, p. 32.
313
Idem, p. 35.
194

CAPÍTULO V- A cena muda


A cena muda... Epílogo. O pano cai e termina o espetáculo.

Só que não! Esse epílogo não é conclusão, pois há que se reconhecer que o movimento
federativo de Teatro Amador produziu muita arte e gerou muitas ideias e ações. E quem gera,
transforma. A cena, portanto, não está muda, quieta; na verdade, a cena muda, se transforma!

Assim, nosso epílogo traz até algumas conclusões, mas levanta muitas indagações novas
que se transformarão – assim esperamos – em bases para futuros estudos sobre o Teatro
Amador, sobre o teatro brasileiro em geral, sobre como a sociedade se organiza para expressar
suas vivências e realizações, e também sobre fomento e incentivo à cultura.

No primeiro capítulo de nosso trabalho, vimos como jornalistas, críticos de arte e


administradores públicos criaram a Comissão Estadual de Teatro e se tornaram indutores de
ações culturais planejadas ou fomentadas pelo governo estadual. Observamos que a criação da
CET se realizou para legalizar repasses de recursos do executivo estadual para as companhias
teatrais. Mas a Associação Paulista de Críticos Teatrais (que demandou o Decreto de criação da
CET), os produtores teatrais, e os artistas, fizeram da CET a ponta de lança dos interesses e
ansiedades do mundo teatral paulista.

No que tange ao Teatro Amador, a CET incentivou o trabalho amador pioneiro, liberto
das injunções comerciais, por meio da dotação de verbas apreciáveis. Mas fez muito mais do
que isso, ao apostar na organização de um movimento federativo e de reconhecer sua
autonomia, posteriormente. Ao patrocinar os Festivais Estaduais de Teatro Amador, a CET
permitiu o florescimento de uma manifestação artístico-cultural produzida, em alguns dos anos
que foram objeto de nossa pesquisa, por quinze mil pessoas. E que atingia um público anual que
se contava em centenas de milhares de espectadores.

Estas constatações nos obrigam a olhar para o presente e fazer algumas perguntas. A
primeira delas: há pertinência em eleger o incentivo privado à cultura, por meio de incentivos
fiscais (seja a Lei Rouanet, federal; ou PROAC, estadual), como principal ferramenta de fomento
cultural governamental, nos dias atuais? Não se trata aqui de se colocar contra o mecenato
privado, mas de constatar que o Estado abdica de construir políticas culturais consistentes em
favor dos departamentos de marketing ou institucionais das empresas.

Diante de quem considera que o Estado, como gerente privilegiado do fomento à


cultura, acaba promovendo uma verdadeira ditadura dos interesses de governo, inviabilizando
a contestação, o protesto e a rebelião, que são ingredientes fundamentais para a produção
195

cultural, cabe perguntar: a experiência da CET, em que críticos, produtores, artistas e amadores
formavam um colegiado com poderes executivos, não teria espaço nos dias atuais para impedir
– ou atenuar – a voz monocrática do Estado? Não só no Teatro e nas Artes Cênicas, mas na
música, no cinema, nas novas mídias, nas artes plásticas, na fotografia?

E se o Estado, hoje, aceitasse o desafio de criar escaninhos administrativos como a CET,


os mais variados artistas teriam como se fazer representar por suas respectivas entidades? Estas
entidades, no final das contas, existem?

No segundo capítulo desse trabalho, estudamos como os amadores se organizaram para


realizar sua arte, indo das células básicas do movimento teatral amador (os grupos de teatro),
passando pelas federações regionais e chegando à Confederação de Teatro Amador do Estado
de São Paulo. Ao acompanhar reuniões, assembleias e congressos, encontramos jovens que se
diferenciam, e muito, dos que povoam uma certa literatura que, ao submetê-los à vitimização
frente às lógicas do sistema ditatorial, acabou por mantê-los invisíveis.

Nosso estudo mostra a pertinência da observação de Helena Wendel Abramo314:

Ao privilegiar o foco de nossa atenção sobre os jovens como


emblemas dos problemas sociais, muitas vezes não conseguimos enxergá-
los e entendê-los propriamente; e, como consequência, nos livrar de uma
postura de desqualificação da sua atuação como sujeitos.

Ao contrário de uma imagem, muito frequente, de jovens que assustavam e ameaçavam


a integridade social, vitimados pelo processo de exclusão profunda que marcava nossa
sociedade, e que mereciam nossa compaixão, os amadores agiram, em seus grupos e entidades
federativas, como sujeitos capazes de decifrar o significado das questões conjunturais em que
viviam e de encontrar as saídas e soluções para elas.

E o fizeram tão bem, que parece necessário aprofundar o estudo de como essas
entidades construíram e mantiveram a legitimidade de suas respectivas diretorias, e de quais
eram os mecanismos que garantiram a transparência de suas ações. Afinal de contas, é
admirável constatar, por exemplo, que a organização de uma dezena de festivais estaduais, cada
um deles com centenas de grupos participantes, não provocou qualquer questionamento
interno de como os recursos, destinados aos certames, foram dispendidos. No dia-a-dia
administrativo, constatou-se problemas apenas uma vez, na Federação de Ribeirão Preto. Como

314
ABRAMO. Helena Wendel. Considerações sobre a tematização social da juventude no Brasil.
In Revista Brasileira de Educação. Mai/Jun/Jul/Ago 1997 N º 5; Set/Out/Nov/Dez 1997 N º 6. p.36.
196

resultado, a federação foi imediatamente descredenciada e seus amadores passaram à


jurisdição da Federação de Sertãozinho, sem qualquer dano ao movimento federativo.
Repetimos: estamos diante de um interessante tema a ser pesquisado.

No terceiro capítulo acompanhamos os Festivais de Teatro Amador do Estado de São


Paulo, entre 1963 e 1975, espaço privilegiado em que os fatores de planejamento, organização,
estrutura técnico-artística, concepções e perspectivas dos jovens amadores se transformaram
em prática. Na parte final do capítulo, evidenciou-se o mal com o qual a ditadura infecta todos
os setores da sociedade, abatendo-se, também, sobre o movimento amador: a conjugação de
censura, repressão política, asfixia econômica e obscurantismo provocou enormes danos aos
festivais.

Uma lacuna, que precisará ser preenchida em estudos posteriores, refere-se a esmiuçar
como funcionavam os mecanismos insidiosos utilizados, pela censura, para inviabilizar milhares
de apresentações teatrais. Esses mecanismos vão da postergação, sine die, da definição se a
peça foi censurada, passando pelas exigências de realização de “ensaios gerais” antes da efetiva
liberação da encenação, e vão até a via-crúcis dos procedimentos para reconsideração de atos
censórios. Além disso, a censura mutilou textos e impediu encenações utilizando o subterfúgio
de censura por nível etário (muitos grupos amadores possuíam artistas menores de idade). Além
desses mecanismos censórios, a mensuração mais acurada dos estragos promovidos pela ação
censória no fazer teatral brasileiro também exige uma pesquisa que aqui não foi possível
realizar.

De qualquer forma, a exuberância do que foi realizado, nos festivais amadores, é


evidente: o que foi apresentado em termos de qualidade formal, inovações, ideias e propostas
não faria feio se comparado, por exemplo, com tudo o que o teatro brasileiro apresentou desde
a virada desse milênio.

Estudos sobre o que hoje chamamos de “economia da cultura” também seriam


benvindos, em relação a esses festivais. A mais superficial análise de “custo-benefício” indica o
quanto esses festivais foram “baratos” se levarmos em conta as pessoas que trabalharam e se
apresentaram neles e o público que os assistiu. Provavelmente um estudo assim apontaria para
a pertinência – ao menos econômica – de atividades assemelhadas serem realizadas nos tempos
atuais.

Ainda no terreno da exequibilidade econômica, seria interessante ter uma ideia de


quantas pessoas se deslocaram para ver essas apresentações, quanto gastaram com refeições e
197

eventual alojamento, o quanto de aparelhos urbanos acabaram envolvidos, enfim, o quanto de


dinamismo foi dado às atividades produtivas das localidades onde os espetáculos ocorreram.

Isso sem se falar dos mais variados estudos a serem realizados, no terreno das Ciências
Sociais, em relação – por exemplo – ao público que frequentou as plateias amadoras; ou
trabalhos focados nas fases eliminatórias dos festivais. Enfim, também aqui há muito o que ser
estudado...

No quarto capítulo analisamos o espetáculo amador, conhecendo a estrutura das


encenações, atuação, autoria, iluminação, cenografia e direção amadoras. Algo que não foi
escrito com todas as letras, mas que se pressente no uso dos sotaques, nos vestuários dos
personagens, na frequência em que os humildes protagonizam os espetáculos, é a importância
da plateia para os amadores paulistas. A constante atenção ao público e a obsessiva destruição
da quarta parede fizeram com que os amadores paulistas se tornassem cúmplices dos
sentimentos e ansiedades dos seus espectadores.

Essa proximidade com o público explica porque muitas das inovações, surgidas em
palcos amadores, acabaram transbordando para o teatro profissional, para o cinema e para a
televisão. A cultura de massas, mesmo sem o saber ou confessar, herdou muito do que os
amadores criaram. Quem assistiu, em 1972, o Grupo Alegre de Teatro Amador (GATA, de São
Vicente) encenando o Auto da Compadecida, não se surpreendeu com as soluções cenográficas
do filme dirigido por Guel Arraes, três décadas depois; o Grupo de Teatro da Engenharia São
Carlos fez nevar no sertão, em 1974, cinco anos antes de Cacá Diegues, em Bye, bye, Brasil. Claro
está que não se supõe cópia: apenas indica-se o pioneirismo audacioso desses jovens amadores.

Fica, também, para um próximo estudo, aquilatar melhor o quanto de protesto e


rebelião existia na cena amadora. Não necessariamente ou sempre um teatro de protesto
consciente e declaradamente político, e menos ainda um tipo especial de protesto político. Até
porque muitos dos protestos que o Teatro Amador incorporou, no período aqui estudado, não
sensibilizariam ou angariariam a simpatia dos políticos daquela época: de um modo geral, esses
políticos não conceberiam a rebelião contra algumas de suas convenções que não se configure
um ataque a todos os seus pontos de vista.

Compreende-se, aqui, porque seis membros de um grupo teatral santista foram presos,
em 1974, ao apresentar uma cena teatral no cais do porto durante uma greve de estivadores,
atrapalhando, segundo o delegado que os prendeu, o proselitismo dos fura-greves...
198

O Teatro Amador também tinha algo de rebelde pelo simples fato de não exigir roupas
de domingo e pagamento de ingressos caros, por parte de seu público. O Teatro Amador não
exigia o apreço dos intelectuais ou dos especialistas. E falava a mesma língua que se ouvia nas
feiras. Era um entretenimento popular, para trabalhadores e também para os párias sociais.

O Teatro Amador era – no período que enfocamos – contra a opressão, contra a


pobreza, contra a desigualdade e a falta de liberdade, contra a infelicidade. E era – de uma forma
vaga e anárquica – contra a polícia e os juízes, contra as prisões, o exército e a guerra. E o ódio
a essas coisas, em parte das vezes, não implicava em militância. Aprofundar essa realidade é um
desafio para próximos estudos.

Este último trecho é para descrever os amadores que fundaram a COTAESP, há exatos
50 anos. A maior parte deles está com idades entre 70 e 80 anos. Como Neyde Veneziano (ela
própria uma das pioneiras do Teatro Amador paulista) fez ao descrever Dario Fo, usarei uma
profusão de negativas para elaborar o retrato.

Os fundadores da COTAESP não usavam drogas. Não se lamentam porque foram


esquecidos. Não vestiram roupas rasgadas, nos anos 1960, para defender os proletários. Se
foram presos, não se lastimaram em bares, quando saíram da cadeia; nem se embebedaram em
casa. Eles não queriam estar na moda. Não se sentiram pessoalmente perseguidos, nem
pararam de produzir quando quiseram calar a voz deles. Não permaneceram fiéis ao partido,
não tiveram vergonha de mudar, não tinham e não têm pena de si próprios.

E algumas frases afirmativas, para arremate: os fundadores da COTAESP são intelectuais


de palcos e de livros. Leem de tudo. São mestres em gozação e em ironia. E envelheceram antes
de se livrarem da irreverência.

É ótimo ter escrito sobre o que os pioneiros do Teatro Amador ajudaram a construir. E
ter aprendido com eles.
199

Fontes e Referências Bibliográficas


Arquivos Pesquisados:
- Arquivos da Federação de Teatro Amador do Centro do Estado de São Paulo (FETAC)

- Arquivos do Grupo Cênico Regina Pacis (São Bernardo do Campo)

- Arquivos da Federação Santista de Teatro Amador (FESTA).

- Arquivos da FEAC (Fundação de Esportes, Artes e Cultura) – Franca.

- Arquivos do Festival Internacional de Teatro de São José de Rio Preto.

- Arquivos pessoais de Carlos Pinto (Ex-presidente da COTAESP e Ex-Secretário de


Cultura de Santos).

-Arquivos pessoais de Névio Dias (São Carlos)

- Museu do Teatro Amador Paulista (MTAP – Franca)

Fontes:
IMPRENSA:

Recortes dos seguintes jornais: Diário da Noite (São Paulo - SP); Cidade de Santos
(Santos – SP); O Estado de São Paulo (São Paulo – SP); Diário Oficial do Estado de São Paulo;
O Diário (Santos – SP); A Folha (São Carlos – SP); Última Hora (São Paulo – SP); A Tribuna
(Santos – SP); A Semana (Barretos – SP); Correio (Barretos – SP); O Diário (São Carlos – SP);
Diário de Notícias (Ribeirão Preto – SP); O Dia (São Paulo – SP); Jornal do Brasil (Rio de
Janeiro – RJ); Província do Pará (Belém – PA); Super News (São Paulo – SP); Folha de São
Paulo (São Paulo – SP); Cruzeiro do Sul (Sorocaba – SP); Diário do Grande ABC (São Bernardo
do Campo – SP); O Município (São João da Boa Vista – SP); Diário da Região (São José do Rio
Preto – SP): COOP/Jornal (Santos – SP); Jornal da Tarde (São Paulo – SP); A Gazeta (São Paulo
– SP); A Notícia (São José do Rio Preto – SP); Cidade de Rio Claro (Rio Claro – SP); Imparcial
( Presidente Prudente – SP); Diário de Sorocaba (Sorocaba – SP); Comércio da Franca ( Franca
– SP); Diário de São Paulo (São Paulo – SP). Coleção da Hemeroteca do Museu do Teatro
Amador Paulista (MTAP – Franca), à Avenida Sete de Setembro, 455, Franca – SP.

DOCUMENTOS DOS FESTIVAIS E CONGRESSOS AMADORES:

- Relatórios do Júri nas Finais dos FETAESP – de 1971 ao ano de 1975.


200

- Teses dos Congressos Estaduais de Teatro Amador – do ano de 1967 ao ano de


1975.

Programas dos Festivais Estaduais de Teatro Amador – do ano de 1966 ao ano de


1975.

- Outros documentos do Movimento: Programas de semifinais de Festivais, atas de


Assembleias da COTAESP, relatório de atividades anuais de federações de Teatro amador,
atas de assembleias de Federações de Teatro, cartas-circulares da diretoria da COTAESP.

ANDRADE, Oswald. Ponta de lança. São Paulo: Globo, 1991.

CARBONARI, Marilia. Teatro épico na América Latina: estudo comparativo da


dramaturgia das peças 'Preguntas inutiles', de Enrique Buenaventura (TEC-Colômbia), e 'O
nome do sujeito', de Sérgio de Carvalho e Márcio Marciano (Cia do Latão - Brasil). 2006.
Dissertação (Mestrado em Integração da América Latina) - Integração da América Latina,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.

COMISSÃO ESTADUAL DE TEATRO. Relatório 63/65. São Paulo: Secretaria de Estado


dos Negócios do Governo, s.d.

COMISSÃO ESTADUAL DE TEATRO. Textos legais e regulamentares. São Paulo:


Imprensa Oficial, 1958.

CRUZ, Maria Eugênia Rodrigues. Comissão estadual de teatro de São Paulo (1956-
1960) Dissertação de Mestrado, ECA-USP. São Paulo, 2000.

DIAS, Névio. Memória 1965-1970: o teatro amador no contexto cultural de São


Carlos. São Carlos: ICACESP, 2009.

FARIA, João Roberto (dir.) História do teatro brasileiro, vol. 2: do modernismo às


tendências contemporâneas. São Paulo: Perspectiva/SESC-SP, 2013

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Mestrado, ECA-USP. São Paulo, 2005.

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________. Depoimentos IV. Rio de Janeiro: MEC/DAC/FUNARTE/SNT, 1978.

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205

ANEXOS
206

ANEXO 1 – FINALISTAS DOS


FESTIVAIS DE TEATRO AMADOR DO
ESTADO DE SÃO PAULO (1965-1975)
207

Finalistas do III FETAESP (1965)


(de acordo com o jornal A Tribuna (Santos, 14/10/1965 – Representante da baixada
apresenta-se dia 23 no III Festival de Teatro):

1- Os ossos do barão, de Jorge Andrade = Grupo Regina Pacis (São Bernardo do


Campo);
2- Oração para uma negra, de Faulkner – Grêmio Teatral Leopoldo Fróes (Garça);
3- Tudo azul, de Ferreira Neto – Teatro Amador Luiz Gama (Franca);
4- O doente imaginário, de Molière – Teatro Experimental Sorocabano (Sorocaba);
5- A grande estiagem, de Isaac Gondim Filho – Grupo G.A.M.A. (São João da Boa
Vista);
6- A raposa e as uvas, de Guilherme Figueiredo – Teatro Amador Estudantil
(Penápolis);
7- Deus lhe pague, de Juracy Camargo – Teatro Amador Ítalo-Brasileiro
(Piracicaba);
8- Manhãs de Sol, de Oduvaldo Viana – Grêmio Dramático Ruy Barbosa
(Sertãozinho);
9- Hércules e o Estábulo de Áugias, de F. Dürremmatt – Grupo Experimental Teatral
da Escola de Engenharia de São Carlos (São Carlos);
10- Oração para uma negra, de Faulkner – Teatro Jovens, de Bauru;
11- À margem da vida, de Tennessee Willians – Grupo C.U.C.A. (Campinas);
12- As desgraças de uma criança, de Martins Pena – Teatro Amador São José
(Cubatão);
13- A canção dentro do pão, de R. Magalhães Júnior – Grêmio Amadores de Teatro
(Marília);
14- Society em baby doll, de Henrique Pongetti – Teatro Estudantil Prudentino
(Presidente Prudente);
15- O espírito de Sierra Maestra, de Frade Cornélio Maria de Arealva – Grupo Teatral
do Convento de Santa Clara (Taubaté);
16- À margem da vida, de Tennessee Willians – Amadores Botucatuenses de Teatro
(Botucatu);
17- Feitiço, de Oduvaldo Viana – Teatro Ferroviário, de Rio Claro;
18- Espectros, de Ibsen – Grupo T.A.B.A., de Batatais;
19- Teatro Estudantil de São José do Rio Preto – À margem da vida, de Tennessee
Willians;
20- Nó de quatro pernas, de Nazareno Tourinho – Teatro Jambaí de Comédia
(Capital).
208

Finalistas do IV FETAESP (1966)


(de acordo com o Programa da fase final)

1- A exceção e a regra, de Bertold Brecht – Teatro Experimental Mogiano (Mogi


das Cruzes);
2- Toda donzela tem um pai que é uma fera, de Gláucio Gil – Sociedade Cultura
Artística (Santo André);
3- O living room, de Graham Greene – Os Servidores (Campinas);
4- Liberdade, liberdade, de Millôr Fernandes e Flávio Rangel – Teatro Amador dos
Estudantes de Penápolis;
5- Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna – G.E.T.A. (Garça);
6- O simpático Jeremias, de Gastão Tojeiro – J.O.T.A. (São Bento do Sapucaí);
7- Revolução na América do Sul, de Augusto Boal – Teatro Estudantil Prudentino;
8- A história do zoológico, de Edward Albee – DARO – VIBRA – GADS (Sorocaba);
9- Toda donzela tem um pai que é uma fera, de Gláucio Gil – Os Diletantes
(Araraquara);
10- Eles não usam black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri – G.A.T.A. (Botucatu);
11- O galpão do jardim, de Graham Greene – Teatro Universitário da Faculdade de
Filosofia de Franca;
12- Antígone, de Sófocles – União do Teatro Amador Rioclarense;
13- A moratória, de Jorge de Andrade – Teatro Amador Ítalo-Brasileiro (Piracicaba);
14- Gonzaga ou a revolução de Minas, de Castro Alves – Teatro Amador Gil Vicente
(Bauru);
15- O diletante, de Martins Pena – Teatro Estudantil Anchieta (São José do Rio
Preto);
16- Os fuzis da senhora Carrar, de Bertold Brecht – G.A.T. (Marília);
17- O natal na praça, de Henri Gheon – G.A.M.A. (São João da Boa Vista);
18- A rosa verde, de Evêncio Martins da Quinta – Os Independentes (Santos);
19- Oração para uma negra, de Willian Faulker e A. Camus – Grêmio Dramático Ruy
Barbosa (Sertãozinho).
209

Finalistas do V FETAESP (1967)


(de acordo com o Programa da fase final)

1- Zumbi, de Boal e Guarnieri – Teatro da Praça (Ribeirão Preto);


2- Ponto de partida, de José Eduardo Vendramini – Teatro Jovem (São José do Rio
Preto);
3- Terror e Miséria do III Reich, de Brecht – Teatro do Colégio (Araraquara);
4- O mestre, de Ionesco – Teatro Estudantil Paus de Arara (São Carlos);
5- O caldeirão, de Alcides Nogueira Pinto – Grupo de Teatro Amador de Botucatu
(Botucatu);
6- Leonor Mendonça, de Gonçalves Dias – Teatro Experimental Sorocabano
(Sorocaba);
7- Grandes Momentos de Gil Vicente, compilação de Paulo Jordão – Teatro Estudantil
Vicente de Carvalho (TEVC – Santos);
8- A Raposa e as uvas, de Guilherme Figueiredo – Grupo Cênico Regina Pacis (São
Bernardo do Campo);
9- O Santo Inquérito, de Dias Gomes – Grupo Teatral Leopoldo Fróes (Garça);
10- Nossa Cidade, de Thornton Wilder Grupo Estudantil de Teatro Amador (Garça).
210

Finalistas do VI FETAESP (1968)


(de acordo com o Programa da fase final)

1- Quarto de empregada, de Roberto Freire – Grêmio de Amadores de Teatro


(Marília);
2- George Dandin, de Molière – Porão 7 (São Carlos);
3- O santo e a porca, de Ariano Suassuna – Grupo de Arte Dramática do SESI
(Sorocaba);
4- Os fuzis de Senhora Carrar, de Bertold Brecht - “O Grupo” de Teatro
Universitário (Ribeirão Preto);
5- O santo inquérito, de Dias Gomes – Grupo Dyrajaia Barreto (São Caetano do Sul);
6- Romeu e Julieta, de Willian Shakespeare – Teatro Jovem (São José do Rio Preto);
7- Júlio César, de Willian Shakespeare – Teatro Universitário Sorocabano
(Sorocaba);
8- A via sacra, de Henry Gheon – Teatro Sem Nome – (São Paulo);
9- Reencontro, de Odécio Penteado – Grupo M-3 (Rio Claro);
10- Pedro pedreiro, de Renata Palotini – Grupo Estudantil de Teatro Amador (Garça).
211

Finalistas do VII FETAESP (1969)


(de acordo com o Programa da fase final)

1- O Caixeiro da taverna, de Martins Pena – Teatro Estudantil Prudentino (Presidente


Prudente);
2- Deus e o diabo na terra do sol, de Glauber Rocha – Clube de Arte do Instituto Coronel
Nhonhô Braga (Piraju);
3- Senhora dos afogados, de Nelson Rodrigues – Teatro Universitário penapolense
(Penápolis);
4- Bíblico, de Odécio Penteado – Grupo M-3 (Rio Claro);
5- Electra, de Sófocles – Teatro do Colégio (Santos);
6- O beijo no asfalto, de Nelson Rodrigues – Teatro Estudantil Vicente de Carvalho
(Santos);
7- Geten conta Zumbi, de Guarnieri, Boal e Edu Lobo – Grupo Experimental de Teatro
Novo (Pirassununga);
8- Mandrágora, de Maquiavel – O Teatro Jovem (São José do Rio Preto);
9- O Ás do cinema, de Marcelo Cagnaci – Grupo de Teatro Amador do Seminário
Josefino (Ourinhos);
10- As desgraças de uma criança, de Martins Pena – Teatro Comunicação (São José do
Rio Preto).
212

Finalistas do VIII FETAESP (1970)


(de acordo com Festival. Jornal Diário da Noite – São Paulo. Edição de 07/10/1970)

01- A guerra mais ou menos santa, de Mário Brasini – Grupo de Amadores de Teatro-
GAT (Marília);
02- Zoo Story, de Edward Albee – Teatro Sem Nome (Capital);
03- O choque das raças, de Hamilton Saraiva Grupo – Teatral Jovem Cinco (Presidente
Prudente);
04- O caixeiro da taverna, de Martins Penna – Grupo Estudantil Ascendino Reis (Capital);
05- Joana D’Arc entre as chamas, de Paul Claudel – Teatro Cultural Ítalo-Brasileiro (Rio
Claro);
06- Desventuras de uma criança, de Martins Penna – Pequeno Teatro de Vanguarda
(Presidente Wenceslau);
07- Pedreira das almas, de Jorge Andrade – Teatro Estudantil de Novos (Santos);
08- O Santo Inquérito, de Dias Gomes – Grupo Balcão 7 (Franca);
09- Zumbi, de Guarnieri e Boal – Grupo Cênico Regina Pacis (São Bernardo do Campo);
10- Arlequim, a serviço de dois amos, de Carlo Goldoni – Teatro Experimental União
Recreativo (Sorocaba);
11- O choque das raças, de Hamilton Saraiva – Grupo Teatral Paulo Eiró (São José do Rio
Preto);
12- O futuro está nos ovos, de Eugene Ionesco – Grupo Paus de Arara (São Carlos);
13- O livro de Cristóvão Colombo, de Paul Claudel – Teatro Experimental do SESC
(Catanduva);
14- O santo inquérito, de Dias Gomes – TOC (Ourinhos);
15- A paz, de Aristófanes – Teatro Estudantil Vicente de Carvalho (Santos).
213

Finalistas do IX FETAESP (1971)


(de acordo com o Relatório do corpo de jurados dessa final)

1- A balada de Manhattan, de Leo Gilson Ribeiro – Teatro Estudantil de Vanguarda


(Santos);
2- Prometeu Acorrentado, de Ésquilo – Teatro Estudantil Vicente de Carvalho (Santos);
3- Os cegos, de Michel Ghelderode – Grupo de Teatro Jovem (São José do Rio Preto);
4- A última chuva de verão, de Timochenco Wehbi – Grupo de Teatro da Engenharia
de São Carlos (São Carlos);
5- Nós e um Zé, de Sérgio Luiz Bambace – Teatro Amador do Colégio Comercial Santos
Dumont (São Miguel Paulista);
6- A guerra mais ou menos santa, de Mário Brasini – Teatro Experimental de Barretos
(Barretos);
7- Aquele que diz sim, aquele que diz não, de Bertold Brecht – Teatro Universitário
Moura Lacerda (Ribeirão Preto);
8- A última chuva de verão, de Timochenco Wehbi – Teatro Estudantil Prudentino
(Presidente Prudente);
9- O pagador de promessas, de Dias Gomes – Associação de Representação Teatral
Sorocabana (Sorocaba);
10- O verbo, o homem... depois o caos, criação coletiva – Grupo Cênico Regina Pacis (São
Bernardo do Campo).
214

Finalistas do X FETAESP (1972)


(De acordo com o Programa da etapa final)

1- O preço da revolta no mercado negro, de Dimitris Dimitriadis – Teatro Experimental


dos Universitários (Santos);
2- O Cristo nu, da Carlos Alberto Sofredini – Teatro Experimental Sorocabano
(Sorocaba);
3- O metropolitano, de Roberto Gil – Associação de Representação Teatral (Sorocaba);
4- O fazedor de chuvas, de N. Richard Nasch – Grupo Ocara de Teatro Amador (Santo
André);
5- A megera domada, de Willian Shakespeare – Teatro Estudantil Casa de Cultura (São
José do Rio Preto);
6- A exceção e a regra, de Bertold Brecht – Grupo de Teatro do Centro Cultural
“Guimarães Rosa” (São Bernardo do Campo);
7- Delírio a dois, de Ionesco – Porão 7 (São Carlos);
8- As Confrarias, de Jorge Andrade – Teatro Estudantil Vicente de Carvalho (Santos);
9- O Tiradentes é isso aí, de H. Saraiva, A. Lopes e J. Buonome – Jambaí (São Paulo);
10- O homem do princípio ao fim, de Millôr Fernandes – Grupo Cênico Regina Paccis
(São Bernardo do Campo)
215

Finalistas do XI FETAESP (1973)


(Conforme: Aqui, os finalistas do XI Festival Estadual de Teatro. Jornal A Tribuna –
Santos. Edição de 02/10/1973)

1- Ubu Rei, de Alfred Jarry – Teatro Estudantil Universitário (Capital);


2- Fogo Frio, de Benedito Ruy Barbosa – Grupo Ocarade (Santo André);
3- O lobo e o sol, de Roberto Gil – Grupo Artes (Sorocaba);
4- A alma boa de Set Suan, de Brecht – Grupo Jambaí (Capital);
5- Os pequenos burgueses, de Gorki – Teatro de Arte (Santo André);
6- Tempo dos inocentes, tempo dos culpados, de Siegfried Lenz – Grupo Teatral Doces
e Salgados (Santo André);
7- O defunto, de Rene Obaldia – Teatro Experimental dos Universitários (Santos);
8- Morte e vida Severina, de João Cabral de Melo Neto – Grupo de Teatro Estudantil
do Colégio Estadual de Paicará (Guarujá);
9- A lição, de Eugene Ionesco – Grupo Teatral Porão Sete, de São Carlos;
10- O homem, a mulher e a flor, da Vânia Talon – Teatro Estudantil de Vanguarda
(Presidente Prudente).
216

Finalistas do XII FETAESP (1974)


(Conforme: XII Festival de Teatro inicia fase final hoje. Jornal A Tribuna (Santos). Edição
de 17/10/1974)

1- Amigo nº1 do povo, de Hamilton Saraiva, pelo Teatro Cultural Ítalo-Brasileiro (Rio
Claro)
2- Farsa com cangaceiro, truco e padre, de Chico de Assis, pelo Centro Cultural
Guimarães Rosa (São Bernardo do Campo);
3- Santa Joana D’Arc, de Timochenco Whebi, pelo Teatro Universitário Daimon
(Presidente Prudente);
4- Jorge Dandin, o marido confundido, de Molière, pelo Teatro Jambaí de Comédia (São
Paulo-capital);
5- O buraco, de Alberto Beuttenmüller, pelo Grupo Poliarte (São Paulo-capital);
6- Noite dos assassinos, de José Triana, pelo Teatro de Arte (Santo André);
7- O dia de Pierrot, de Timochenco Whebi, pelo Grupo Pesquisa (Franca);
8- Quem matou Caim?, de Walmyr Ayala, pelo Teatro da Universidade Federal de São
Carlos;
9- Metamorfose, de Antonio Carlos Coutinho, pelo Teatro Acadêmico de Comunicação
(Santos);
10- O chá de sabugueiro, de Raul Pederneiras, pelo Teatro Experimental dos
Universitários de Santos (Santos).
217

Finalistas do XIII FETAESP (1975)


(De acordo com o jornal Comércio da Franca – Eis as peças que concorrerão ao Festival
Estadual de Teatro – edição de 05/10/1975)

1- O jumento e o capataz, de Marco Antonio Rodrigues de Oliveira – Grupo Pesquisa e


Observação (Franca);
2- Transe, de Ronald Radde -Grupo Senzala (Franca);
3- A mais forte, de August Strindberg – Teatro Estudantil de Vanguarda (Santos);
4- As moças, de Isabel Câmara – Teatro Acadêmico de Comunicações (Santos);
5- As aventuras de Ripió Lacraia, de Chico de Assis – Teatro de Arte (Santo André);
6- O santo e a porca, de Ariano Suassuna – Grupo de Teatro Mauá (Santo André);
7- Cerimonia por um negro assassinado, de Fernando Arrabal – Teatro Experimental
União Recreativo (Sorocaba);
8- Escola de mulheres, de Molière – Associação de Arte e Cultura Martins Pena
(Araçatuba);
9- A exceção e a regra, de Bertold Brecht – Teatro Jovem da Casa de Cultura (S. J. do
Rio Preto);
10- Macbeth, de Shakespeare – Juventude Acadêmica Movimento Brasileiro de Arte e
Instrução (São Paulo).
218

ANEXO 2 – PRIMEIRAS ATAS DA


CONFEDERAÇÃO DE TEATRO AMADOR
DO ESTADO DE SÃO PAULO
219

Ata da Assembleia de Fundação, em 05/11/1967


220

Ata da Assembleia de Fundação, em 05/11/1967


221

Ata de constituição da 1ª diretoria – 28/01/1968


222

Ata de constituição da 1ª diretoria – 28/01/1968


223

ANEXO 3 – COMISSÃO ESTADUAL


DE TEATRO (CET)
224

Decreto que cria a Comissão Estadual de Teatro


225

Decreto que cria a Comissão Estadual de Teatro


226

Capa do livreto – Relatório 63/65


227

Cacilda Becker, presidente da CET, acompanha repercussão do IV FETAESP


228

ANEXO 5 – CADERNOS DE TESES,


CIRCULARES, ATA DE ASSEMBLEIA,
PROGRAMAS TEATRAIS, RELATÓRIOS
DE COMISSÕES JULGADORAS
229

Circular produzido pela Diretoria Executiva – COTAESP (1973)


230

Ata de Assembleia Geral Extraordinária (1973)


231

Tese “Teatro para operários”. V Congresso de Teatro Amador do Estado de São Paulo
(1969)
232

Teses do X FETAESP (1974). 51 teses em livreto de 24 páginas.


233

Capa de relatório de comissão julgadora de semifinais (1975) do FETAESP. 34p.


234

Relatório da final do IX FETAESP. 25p.


235

Página central do programa do IX FETAESP. Observe-se o tamanho dos elencos dos


grupos participantes.
236

Capa do programa do X FETAESP. 20p.


237

Capa do relatório anual de atividades (1970) da Federação de Teatro Amador do Vale


do Rio Grande (Barretos). 07 páginas.
238

ANEXO 6 – FOTOS DO ARQUIVO DO


GRUPO AMADOR REGINA PACIS.
239

Salão nobre do Colégio São José (São Bernardo do Campo – 1964). Pedreira das Almas,
de Jorge Andrade.

Salão nobre do Colégio São José (São Bernardo do Campo – 1965). Ossos do Barão, de
Jorge Andrade.
240

O Verbo, o Homem, depois o Caos. Criação coletiva (1971)

O homem do princípio ao fim, de Millôr Fernandes (1971).

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