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Um painel sobre a economia brasileira atual

Paulo César Storch Agosto/2000

O presente artigo tem por objetivo, numa linguagem simples e descomplicada, abordar
como a economia brasileira se encontra, apresentando alguns aspectos e setores
considerados relevantes para tal fim.

1 - Distribuição de renda
O Brasil é o país que apresenta a maior concentração de renda entre 174 nações
analisadas pelo relatório de 1999 do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (Pnud). A renda per capita anual dos 20% mais pobres – 578 dólares,
quase igual à de um Estado africano como a Tanzânia – é 32 vezes menor que a dos
20% mais ricos – 18.563 dólares, equivalente à de uma nação européia como a Suécia.
O primeiro grupo detém apenas 2,5% dos rendimentos nacionais, enquanto o segundo
concentra 64,2% do total, de acordo com dados do Banco Mundial de 1999.

Vários estudos ligam a concentração de renda do Brasil à má distribuição da educação


– apenas um percentual insignificante da população tem acesso à boa formação
profissional e, conseqüentemente, aos melhores postos de trabalho e rendimentos.
Essa pequena parcela consegue transferir a educação de qualidade às gerações
seguintes, perpetuando o acúmulo de riqueza e mantendo a exclusão da maioria.

Uma das conseqüências da alta concentração de renda é o grande número de pessoas


que vivem em situação precária, sem acesso às condições mínimas de saúde, educação
e serviços básicos. Em 1998, cerca de 15% dos brasileiros são analfabetos, 21,2% não
contam com rede de distribuição de água e 36,1% estão privados de redes de esgoto
ou fossas sépticas.

Em 1999, cerca de 57 milhões de brasileiros – o equivalente a 35% da população –


vivem em condição de pobreza, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea). O órgão considera pobres aqueles que possuem renda familiar per capita
inferior a meio salário mínimo (68 reais) mensal. O estudo Uma Fotografia Recente da
Pobreza Brasileira, do economista Marcelo Neri, pesquisador do Ipea e coordenador
do Instituto de Estudos do Trabalho e da Sociedade (IETS), mostra que a
porcentagem de pobres diminui de 33% para 25% entre 1994 e 1996, mas volta a
crescer a partir de 1997. Em 1998 alcança 27,5% dos brasileiros. O decréscimo é
atribuído aos ganhos de renda das camadas mais pobres propiciados pela implantação
do Plano Real, em 1994. Em 1997, no entanto, essas vantagens começam a se
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deteriorar em decorrência, principalmente, dos juros altos e da recessão. A pesquisa


classifica como pobres aqueles cuja renda familiar per capita é insuficiente para
adquirir alimentos de primeira necessidade e custear despesas básicas, como
habitação e transporte. Esse custo foi estipulado em 132 reais em setembro de 1996,
o que corresponde a 148,98 reais em junho de 1999.

A queda no número de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza durante os


primeiros anos do Plano Real também é confirmada pela Comissão Econômica para a
América Latina (Cepal), ligada à ONU (Organização das Nações Unidas). A Cepal
considera que se encontram nessa situação todos aqueles que sobrevivem com menos
de 100 reais mensais. Entre 1990 e 1996, o número absoluto de pobres diminui de 67,5
milhões para 55 milhões. No mesmo período, a quantidade de indigentes (quem vive
com menos de 50 reais mensais) também apresenta retração, de 33 milhões para 21,4
milhões.

O índice de desenvolvimento humano (IDH) é um indicador elaborado pela ONU para


medir e comparar a qualidade de vida em todos os países. O cálculo é feito com base
em estatísticas de educação (grau de escolaridade), saúde (expectativa de vida) e
rendimento (renda per capita). No relatório de 1999, com dados referentes a 1997, o
Brasil ocupa o 79o lugar entre 174 países, com IDH de 0,739. A escala varia de 0 a 1 –
quanto mais próximo de 1, melhor é a qualidade de vida. Entre os estados brasileiros, o
Piauí é o que apresenta o mais baixo IDH (0,534). O Distrito Federal e o Rio Grande
do Sul possuem os melhores índices (0,869) .

A melhoria das condições de vida das populações mais pobres deve-se, sobretudo, às
iniciativas da sociedade civil e de prefeituras. Essa é a avaliação do Banco Mundial,
que, em maio de 1999, divulga dez experiências bem sucedidas de combate à pobreza
desenvolvidas em 11 estados brasileiros. A seleção foi feita em conjunto com a
Fundação Getúlio Vargas (FGV). Dos dez projetos escolhidos, sete contam com a
participação da prefeitura local. A maior parte dos programas adota a mesma
estratégia para reduzir a pobreza: organizar e capacitar pequenas comunidades,
reunindo-as em cooperativas para facilitar a obtenção de crédito. As experiências
selecionadas são: Associação dos Pequenos Agricultores do Município de Valente (BA),
Projeto de Couro Vegetal da Amazônia (AC e AM), Projeto Pescar e Instituição
Comunitária de Crédito Portosol (ambos no RS), Casa de Apoio à Mulher Adolescente
(PI), Bolsa-Escola (DF), Programa de Saúde da Família (PB), Introdução do Catador de
Papel no Mercado de Reciclagem de Lixo (MG), Sistema Integrado de Saneamento
Rural (CE) e Programa de Apoio ao Desenvolvimento Local (CE e PE).

Conforme levantamento realizado em 1998 pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP) e


pela pesquisadora Ana Maria Fonseca, do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), cerca de 700 mil pessoas, o que
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corresponde a aproximadamente 139 mil famílias, estão recebendo algum tipo de


complemento de renda por meio de projetos financiados por governos estaduais e,
principalmente, municipais. A maioria dos beneficiados tem renda familiar inferior a
um salário mínimo, e em todos os casos existe a obrigatoriedade de as crianças entre
7 e 14 anos freqüentarem a escola. São Paulo é o estado com o maior número de
programas municipais em funcionamento.

O Programa de Garantia de Renda Mínima, mais importante iniciativa do governo


federal para combater a pobreza, prevê o repasse de recursos para municípios
carentes que queiram implementá-lo em parceria com a União. O governo federal
encarrega-se da metade do valor do benefício e os outros 50% ficam a cargo do
município. Têm direito a ele famílias com renda mensal per capita inferior a meio
salário mínimo (68 reais) e que tenham crianças de 7 a 14 anos matriculadas na escola.
O programa foi criado em dezembro de 1997, mas os primeiros convênios são
assinados apenas em abril de 1999. A meta para o ano é atender 1,4 milhão de famílias
em 1,2 mil municípios. Até outubro, no entanto, são beneficiadas somente 298 mil
famílias de 573 municípios. O valor repassado pelo governo federal é de 30,6 milhões
de reais, e cada família recebe em média 35,60 reais (o mínimo estabelecido por lei é
de 15 reais por família).

Vários projetos para combater a pobreza tramitam atualmente no Congresso Nacional.


O imposto sobre grandes fortunas, sugerido em 1989 pelo presidente Fernando
Henrique Cardoso quando era senador, propõe a tributação anual de patrimônios
superiores a 2 milhões de dólares. O valor pago pode ser deduzido do Imposto de
Renda. Já aprovado no Senado Federal, até novembro de 1999 estava à espera de
votação na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Ainda em 1989, o Partido
dos Trabalhadores (PT) propõe a criação do Imposto de Solidariedade sobre
Patrimônios Familiares superiores a 40 milhões de reais e Empresariais acima de 100
milhões de reais. O tributo, com alíquota de 10%, deve incidir um única vez (pago em
quatro parcelas anuais) e não permite a restituição do valor pago. Em 1991, o PT
propõe também o Imposto de Renda Negativo, uma complementação de renda que
beneficiaria quem recebe até três salários mínimos. O projeto está em discussão na
Comissão Especial de Reforma Tributária da Câmara. Outro projeto do senador
Eduardo Suplicy (PT-SP), apresentado em 1992, garante rendimento mínimo a todos os
cidadãos maiores de 25 anos. Já aprovado pelo Senado, está na Comissão de Finanças
e Tributação da Câmara. Em julho de 1999, o presidente do Congresso Nacional,
Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), sugere a criação do Fundo de Combate e
Erradicação à Pobreza. A idéia é tributar empresas com faturamento mensal igual ou
superior a 1 milhão de reais – no percentual máximo de 1%, dedutível do Imposto de
Renda até o limite anual de 100 mil reais – com o objetivo de acabar com a pobreza no
país até 2010. Em novembro de 1999 o projeto tramitava no Senado.
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2 - Desemprego
Em 1999, a taxa média de desemprego medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) nas principais regiões metropolitanas do país é de 8,72% entre
janeiro e agosto. A projeção do índice para todo o país indica que nesse período 6,5
milhões de pessoas do total de 75,2 milhões da população economicamente ativa
brasileira estavam desempregadas. Em dezembro de 1997, o número de
desempregados não chegava a 4 milhões.

A quantidade de vagas extintas entre 1997 e 1998 passa de 35.731 para 581.752, de
acordo com o Ministério do Trabalho – um aumento de 1.528%. A indústria de
transformação, os serviços (sobretudo transportes e comunicação) e a construção
civil, embora sejam os setores que mais empregam, também são os que mais fecham
vagas.

O fator que mais contribui para o aumento do desemprego é a redução no ritmo de


crescimento do país, de 4,2% em 1995 para 0,1% em 1998. A abertura comercial,
iniciada no governo Collor, em 1990, elimina setores inteiros da indústria brasileira ao
permitir a entrada de produtos estrangeiros com preços significativamente mais
baixos que os nacionais. Isso obriga à modernização das empresas, que adotam novas
tecnologias, reduzem custos e racionalizam a produção – fatores que colaboram para a
menor necessidade de mão-de-obra. Como resultado desse processo há o aumento do
desemprego, a diminuição da proporção de assalariados com carteira assinada, a
terceirização da mão-de-obra e a redução dos salários. As crises externas, como o
ataque especulativo na Ásia em 1997 e a moratória da Federação Russa, em 1998,
agravam a estagnação da economia brasileira.

Os números que medem o desemprego se referem a uma porcentagem da população


economicamente ativa, que pode ser calculada com base em diferentes metodologias.
No Brasil, além do IBGE, a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) e
o Departamento Intersindical de Estatística e Estudo Sócio-Econômicos (Dieese)
medem a taxa de desemprego. O IBGE utiliza o critério de desemprego aberto, no
qual somente as pessoas que no período de referência estavam disponíveis para
trabalhar e realmente procuraram trabalho são consideradas desempregadas. O
cálculo é feito com base em dados de seis regiões metropolitanas: São Paulo, Rio de
Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador e Recife. O Seade e o Dieese – que
realizam a pesquisa no Distrito Federal e nas regiões metropolitanas de São Paulo,
Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador e Recife – adotam o critério de desemprego
total, que engloba também o desemprego oculto. Nessa categoria estão aqueles que
não procuraram emprego por desalento ou porque estavam exercendo um trabalho
precário. Esses cálculos levam a resultados muito diferentes. Na região metropolitana
de São Paulo, por exemplo, enquanto o IBGE aponta em agosto de 1999 uma taxa de
desemprego aberto de 9%, a Fundação Seade e o Dieese chegam a uma taxa de
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desemprego total de 19,6%. Já o Instituto Datafolha, que, ao contrário dos outros


órgãos, considera todo o país em sua contagem, calcula em 13,8% o índice de
desemprego aberto no país, de acordo com pesquisa por amostragem divulgada em
junho de 1999.

Instituído no Brasil em 1986, o seguro-desemprego é um benefício integrante da


seguridade social e tem por finalidade promover a assistência financeira temporária
ao trabalhador desempregado, dispensado sem justa causa. Tem direito ao seguro-
desemprego o trabalhador que comprovar o recebimento de pelo menos seis salários
consecutivos até a data imediatamente anterior à dispensa.

O desempregado recebe de três a cinco parcelas de benefício, de acordo com o tempo


trabalhado antes da demissão. Recebe por três meses quem comprovar que trabalhou
de seis a 11 meses nos três anos anteriores à demissão. Tem direito a quatro parcelas
aquele que confirmar que estava empregado de 12 a 23 meses nos últimos três anos, e
a cinco aquele que provar ter trabalhado mais de 24 meses. De janeiro a julho de
1999, 2.650.725 desempregados recebem o seguro-desemprego, número pouco
superior aos 2.617.485 do mesmo período de 1998. O cálculo do valor do benefício tem
como base a média dos salários dos últimos três meses trabalhados, mas a parcela não
pode ser inferior a 136 reais nem superior a 254,45 reais.

Em virtude das reivindicações das centrais sindicais para que houvesse um acréscimo
no número das parcelas e no valor pago, o governo federal institui, em novembro de
1998, o seguro-desemprego extra. O benefício – três parcelas de 100 reais – é
concedido aos desempregados que receberam a primeira parte do seguro-desemprego
padrão entre julho de 1997 e janeiro de 1998. Essa nova modalidade é válida somente
para os pedidos apresentados entre 1o de janeiro e 30 de junho de 1999.

3 - Balanço de pagamentos
Até o primeiro semestre de 1999, o balanço de pagamentos do Brasil segue a mesma
tendência de déficit dos dois anos anteriores.

Isso significa que a saída de recursos do país continua maior que a entrada,
comportamento resultante do persistente déficit nas transações correntes e da
entrada insuficiente de recursos externos.

O balanço de pagamentos é o registro de todas as transações econômicas e


financeiras realizadas entre os residentes de um país e os habitantes de outros
durante determinado período, normalmente um ano. Ou seja, é a contabilidade das
relações econômicas dos que estão no Brasil com o resto do mundo. Consiste em quatro
contas (ou balanças): balança comercial, balança de serviços, transferências
unilaterais e conta capital.
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O resultado conjunto da balança comercial, da balança de serviços e das


transferências unilaterais é chamado de transações correntes. A balança comercial
indica a relação entre as exportações e as importações. Desde 1995 o Brasil
apresenta déficit .

A balança de serviços refere-se às receitas e às despesas envolvidas no uso de


recursos de transporte, capital, turismo e seguro, o que ocorre em transações como
viagens internacionais e pagamentos de fretes, indenizações, royalties, lucros e juros.
Países em desenvolvimento, como o Brasil, são estruturalmente deficitários (com
despesa maior que receita) na balança de serviços, visto que possuem muitas empresas
multinacionais, que enviam grande remessa de lucros para o exterior; são endividados
externamente, pois remetem os juros dessa dívida para fora; transportam boa parte
de suas exportações e importações por companhias estrangeiras, para as quais pagam
frete; e garantem tais transações por seguradoras internacionais.

As transferências unilaterais registram o movimento de divisas decorrente do envio


de recursos ao exterior (manutenção de embaixadas e serviços consulares, por
exemplo) e do recebimento de valores remetidos por imigrantes a familiares no Brasil.
Nesse caso se destacam os brasileiros residentes no Japão e nos Estados Unidos
(principalmente em Miami e Nova York).
Conta capital – Inclui os deslocamentos de moeda, créditos e títulos representativos
de aplicações de um país no exterior. Registra, entre outras transações, os
investimentos diretos de empresas estrangeiras no Brasil, as saídas de recursos de
empresas nacionais que se estabelecem no exterior, o pagamento de parte ou da
totalidade das dívidas externas e a entrada ou saída de capital de curto prazo
(especulativo).
Saldo – A soma das transações correntes e da conta capital resulta no saldo final do
balanço de pagamentos. Se as receitas (entrada de recursos) forem maiores que as
despesas (saída), o balanço de pagamentos apresentará superávit, o que significa
aumento das reservas estrangeiras no país. A situação oposta gera déficit, com a
redução das reservas. Desempenho– Durante o período de vigência do Plano Real, o
Brasil registra déficit nas transações correntes por causa dos resultados negativos da
balança comercial e da balança de serviços e do valor relativamente pequeno das
transações unilaterais. Para compensar a saída de recursos e tentar manter as
reservas internacionais, o governo procura atrair capital estrangeiro por meio de
juros altos e programas de privatizações. Se, de um lado, o ingresso de investimentos
estrangeiros aumenta as reservas externas, de outro implica maior saída de recursos
em virtude da remessa de lucros desse capital, o que contribui ainda mais para o
resultado negativo da balança de serviços, estruturalmente deficitária.
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No final de 1998, após a crise financeira russa, surge certa desconfiança sobre o
desempenho da economia brasileira. Os investidores estrangeiros de curto prazo
começam a retirar seu capital do país e os nacionais passam a enviar mais recursos ao
exterior. A elevação dos juros provoca um aumento da dívida pública e deprime ainda
mais a atividade econômica, situação que ajuda a piorar as expectativas dos
investidores . Com isso, ocorre uma profunda diminuição das reservas internacionais, o
que interfere na capacidade do Banco Central de manter a política de bandas
cambiais .

Em 1999, com a desvalorização do real em relação ao dólar, o governo tenta alcançar


superávit na balança comercial – já que as exportações ficam mais baratas – para
mudar a relação entre entrada e saída de recursos do país. O objetivo é reduzir a
dependência dos investimentos estrangeiros atraídos por taxas de juros elevadas, que
inibem o funcionamento da economia.

4 - Balança comercial
Em 1999, a balança comercial brasileira – relação entre as exportações e as
importações – apresenta perspectiva de déficit de 1 bilhão de dólares. No ano
anterior, havia sido de 6,4 bilhões de dólares. O déficit ocorre quando o valor das
importações excede o das exportações. Quando se dá o contrário, há um superávit. O
melhor resultado de 1999 em relação a 1998 deve-se, principalmente, à desvalorização
cambial do início do ano.

O dólar e outras moedas estrangeiras se tornam mais valorizados que o real, o que
implica importações mais caras e exportações mais baratas. Assim, há estímulo para a
redução das compras externas e para o aumento das vendas no exterior. Esse
processo, no entanto, não se dá instantaneamente, pois exige o ajuste da produção
interna para a substituição, quando possível, de insumos importados por nacionais e a
fabricação de uma quantidade maior de mercadorias exportáveis. Desse modo, a
reação das exportações só deve ser percebida de fato a partir de 2000. A diminuição
da importação de bens de consumo acontece de forma mais rápida. A recessão
(decréscimo do montante produzido em relação ao ano anterior) de 0,1% projetada
para 1999 contribui para a redução do consumo, sobretudo de ítens importados.

A recuperação das exportações em 1999 se dá principalmente com os produtos


manufaturados, de acordo com a Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Apesar do aumento das vendas
externas de commodities (produtos primários, semimanufaturados, bens
intermediários e insumos padronizados, como aço, soja e café), a receita obtida não
apresenta crescimento significativo, porque seus preços internacionais permanecem
baixos.
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Desde a crise da dívida externa, na década de 80, o país faz grande esforço para
conseguir superávits comerciais. A intenção é adquirir dólares para pagar os juros da
dívida externa. A situação de superávit, que se estende de 1984 a 1994, modifica-se
com a implantação do Plano Real, pois a política de valorização do câmbio torna o dólar
mais barato, facilitando as importações. A balança comercial brasileira passa, assim, a
apresentar déficits a partir de 1995.

Para isso também contribui a abertura comercial (redução das barreiras contra as
importações) do início da década.

O desempenho brasileiro em relação ao Mercado Comum do Sul (Mercosul) é


semelhante ao do restante do comércio exterior do país. Em 1999, não há aumento das
transações com o bloco, que até agosto desse ano responde por 14% das exportações
e importações brasileiras. O baixo crescimento da Argentina e a recessão no Brasil
contribuem para essa situação.

Desde 1995, o saldo da balança comercial brasileira com o Mercosul é negativo –


importações maiores que exportações. O fato é atribuído ao tamanho do mercado
nacional brasileiro, superior ao dos outros membros. O grande beneficiário dessa
situação é a Argentina, que destina ao Brasil praticamente um terço de suas
exportações.

Os principais produtos de exportação brasileiros são minério de ferro, café, soja e


aviões. Os manufaturados correspondem a 57,9% do total das exportações, os básicos
(não manufaturados) são responsáveis por 25,8% e os semimanufaturados, por 16,3%.
Entre as importações têm destaque os produtos químicos e farmacêuticos, a
maquinaria industrial, acessórios e equipamentos de transportes e o petróleo e seus
derivados. Os principais parceiros comerciais do Brasil são Estados Unidos (EUA),
Argentina, Alemanha e Holanda (Países Baixos).

5 - Dívida externa
A dívida externa brasileira vem mudando de perfil nos últimos anos. Além de
relativamente estabilizada – praticamente não cresce de 1998 para 1999 –, já não se
concentra nos governos estaduais e federal, mas na iniciativa privada. Por causa dos
juros elevados impostos pela política monetária e cambial implementada com o Plano
Real a partir de 1995, torna-se mais barato para as empresas nacionais financiar seus
projetos de investimento com recursos externos, que oferecem taxas de juros
inferiores .

A dívida externa é o endividamento das empresas nacionais e do governo brasileiro


com cidadãos, companhias e órgãos internacionais e implica o pagamento de juros em
moeda estrangeira. Quando a saída de divisas causada por essa operação é superior à
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entrada, há um déficit na balança de serviços – que mede o fluxo de divisas para fins
de turismo e remessas de lucros e juros, entre outros.

No final da década de 70, com a elevação dos juros internacionais, o valor da dívida
externa brasileira aumenta de forma acentuada. Em 1982, a crise atinge seu auge.
Nessa época, o setor público respondia por quase a totalidade da dívida, ao contrário
do que ocorre hoje. Em 1999, empresas e governo reduzem a emissão de títulos
(documento que certifica a propriedade de determinado valor) no exterior, pois, com a
crise cambial de janeiro, diminui a disposição dos investidores para emprestar
dinheiro ao país. O mercado internacional fica receoso quanto ao desempenho da
economia brasileira e teme uma possível suspensão dos pagamentos. Atualmente, o
grande problema do governo brasileiro não é mais a dívida externa, mas a dívida
interna.

6 - Política cambial
Em janeiro de 1999, o rompimento da política de bandas cambiais, em vigor desde
1995, leva à desvalorização do real diante do dólar, com reflexos diretos na inflação,
no produto interno bruto (PIB) e na taxa de juros. Nesse mês, a cotação da moeda
brasileira sofre uma redução média de 25%. De dezembro de 1998 a outubro de 1999,
a desvalorização chega a 73%.

A política de bandas cambiais consiste na flutuação da cotação do dólar em intervalos


prefixados, em que se estabelece um limite máximo (teto) e mínimo (piso) para seu
valor. O sistema adotado em substituição a esse é o de livre flutuação, no qual a
cotação é determinada pela demanda e pela oferta do mercado. O governo apenas
intervém quando a cotação atinge valores bastante elevados ou muito baixos.

A política cambial é a intervenção do Banco Central (BC) no mercado de câmbio,


vendendo ou comprando divisas estrangeiras, a fim de manter ou alterar a cotação do
dólar. Para isso, o BC dispõe de reservas internacionais (dólar em caixa) para ter
capacidade de interferência.

A política de bandas cambiais é adotada em 1995, após a crise mexicana ocorrida no


final de 1994. Durante quatro anos, o BC controla a flutuação do câmbio, ao vender
dólares da sua reserva e comprar reais (provocando a queda da moeda estrangeira) ou
vender reais e comprar dólares (ocasionando a alta).

Desde o início do Plano Real, em julho de 1994, a taxa de câmbio estava


sobrevalorizada, ou seja, o preço do dólar estava excessivamente barato. Dessa
forma, os produtos estrangeiros ficaram mais acessíveis, o que incentivou o aumento
das importações. Essa política resultou em déficits na balança comercial (volume de
importações maior que o de exportações), provocando uma grande saída de dólares do
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país. O governo tenta, então, incentivar a entrada de capital estrangeiro por meio de
taxas de juros elevadas – que atraem os investidores externos por oferecer maior
remuneração – para compensar o saldo negativo da balança .

As crises asiática, em 1997, e russa, em 1998, geram uma expectativa negativa nos
mercados financeiros nacional e internacional, que passam a desconfiar da capacidade
do governo brasileiro de manter a política de bandas cambiais, com taxa de câmbio
sobrevalorizada. A partir do segundo semestre de 1998, há grande saída de capitais
do país e compra de dólares por investidores nacionais e estrangeiros, como forma de
se precaver contra uma crise cambial. Dessa forma, as reservas do BC diminuem, o que
interfere na sua capacidade de manter o sistema de bandas cambiais. Os agentes
econômicos, ao perceber a fragilidade do BC, passam a demandar ainda mais dólares.
Aliado a isso existe a ação dos especuladores, que, retirando seu capital, tentam
forçar a desvalorização, atitude conhecida como ataque especulativo. Os investidores
compram dólar a uma cotação sobrevalorizada (mais barato) e esperam vender por um
valor mais alto, após uma possível depreciação da moeda.

7 - PIB
O produto interno bruto (PIB) brasileiro, de acordo com projeções para 1999,
apresenta um decréscimo de 0,1% em relação a 1998, o que indica uma pequena
recessão (redução da produção). Por causa da desvalorização do real em relação ao
dólar em janeiro de 1999, as expectativas eram de uma queda ainda maior, próxima a
4%, o que não se confirmou. Desde 1992, o PIB não registrava um valor negativo.

Principal indicador da atividade econômica, o PIB é a soma do valor de todos os bens e


serviços produzidos dentro do território de um país em determinado período,
independentemente da nacionalidade das unidades produtoras. A comparação entre
tudo o que se produziu em um ano com o total do ano anterior indica se a economia
está em um ciclo de prosperidade ou de crise.

De 1993 a 1998, a economia brasileira apresenta taxas positivas de crescimento do


PIB. O ápice (5,9%) é atingido em 1994, com a implantação do Plano Real. Mas, a partir
de então, com a política de bandas cambiais (flutuação da taxa de câmbio dentro de
um intervalo prefixado) e de juros elevados, aliada às crises do México em 1994, do
Sudeste Asiático em 1997 e da Federação Russa em 1998, os índices de crescimento
tornam-se menores a cada ano. Considerando a variação do PIB desde 1991, o
resultado final é que o Brasil tem praticamente uma segunda década perdida em
termos de crescimento econômico – a expressão década perdida é usada para se
referir aos anos 80, quando o crescimento do país foi bem inferior ao dos períodos
anteriores. No entanto, as perspectivas para 2000 são de um crescimento de
aproximadamente 3%, que deve ser impulsionado pelo aumento das exportações, em
razão da desvalorização do real, e por taxas de juros menores.
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As baixas taxas de crescimento econômico, ou recessão, indicadas pela queda do PIB,


implicam piora do padrão de vida médio do brasileiro, pois a população cresce em um
ritmo superior ao da produção. Assim, o PIB per capita também registra decréscimo
em 1998 de 0,12%. Isso significa que em média o cidadão brasileiro ficou mais pobre.

A renda per capita é a média obtida ao dividir o produto nacional bruto (PNB) pelo
número de habitantes de um país. O PNB é a expressão em valor monetário de todos
os bens e serviços finais produzidos com recursos de uma nação, empregados dentro
ou fora dela, pertencentes a pessoas de nacionalidade brasileira ou empresas de
capital nacional. Ao contrário do PIB, inclui os resultados obtidos no exterior e
desconta as remessas de lucro do capital estrangeiro dentro do território nacional.

Em relação à participação de cada setor na composição do PIB, em 1998 diminui o peso


da agropecuária, ao passo que aumenta a importância dos serviços. Mais da metade da
produção nacional é gerada por esse segmento, cerca de um terço vem da indústria e o
restante, da agropecuária. Essa distribuição segue a tendência dos países mais
desenvolvidos.

8 - Indústria
O ano de 1999 é marcado por uma forte crise do setor industrial, gerada pela
desvalorização cambial pela queda de produção, pelo aumento dos níveis de
produtividade e pela dispersão geográfica das fábricas. Entre janeiro e setembro, a
indústria apresenta uma retração de 2,6% em relação ao mesmo período de 1998. É o
segundo ano consecutivo de decréscimo, após uma fase de crescimento entre 1993 e
1997. Dos 20 principais ramos da indústria brasileira, 12 indicam diminuição da
produção, em especial o complexo metal-mecânico: material elétrico e de
comunicações (-13,5%), mecânica (-11,2%), material de transporte (-11,5%) e
metalúrgica (-5,1%). Essas áreas, que incluem entre outras a produção de bens de
consumo duráveis (automóveis e eletrodomésticos, por exemplo) e de máquinas
industriais, são as mais atingidas pela crise, pois dependem de crédito tanto para o
consumo quanto para a produção. Dos oito segmentos que apresentam desempenho
positivo, destacam-se extrativismo mineral (10,4%), produtos alimentícios (2,4%),
papel e papelão (3,7%) e têxtil (1,9%). Em 1998, a participação do setor industrial no
produto interno bruto (PIB) é de 34%, valor praticamente igual ao registrado no ano
anterior (34,3%).

A indústria nacional é atingida nos últimos anos pela abertura comercial, pelo câmbio
que favorece importações (até janeiro de 1999) e pelas elevadas taxas de juros
Setores do empresariado reivindicam medidas para estimular a produção e
estabelecer critérios mais vantajosos para o país nas relações comerciais com o
mercado internacional. Como resposta a isso, é criado, em 1o de janeiro de 1999, o
12

Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, que tem a função de elaborar


uma nova política industrial. Em 20 de julho incorpora também o setor de comércio
exterior. Entre outras atribuições do ministério estão a definição da política de
desenvolvimento da indústria, comércio e serviço; a coordenação das atividades do
comércio exterior; e a formulação das diretrizes de apoio à micro e pequena empresa.

Existem 204.924 estabelecimentos industriais no país – 97% são micros e pequenas


empresas, 2% de médio porte e 1% de grande porte. O setor emprega 5,9 milhões de
trabalhadores, de acordo com dados de 1997 do Ministério do Trabalho. As micro e
pequenas empresas são responsáveis pela geração de 41,6% dos empregos e 25% da
produção. Já as médias geram 36,6% das vagas no setor e 42% do valor produzido.

O segmento das micros e pequenas indústrias ganha novo impulso em outubro de 1999
com a aprovação do Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. Sua
entrada em vigor estava prevista para 14 de dezembro de 1999. Ele garante
tratamento diferenciado a essas indústrias em relação a questões trabalhistas,
previdenciárias e tributárias. Estabelece ainda incentivos fiscais e financeiros ao
setor, determina que as instituições financeiras oficiais devam manter linhas de
crédito específicas e aumenta o limite de faturamento anual para a classificação das
micros de 120 mil para 244 mil reais. O teto para as pequenas é mantido em 1,2 milhão
de reais. Outras facilidades são a desburocratização do processo de registro e o
acesso à exportação e à importação.

Desde meados dos anos 90, os ramos da indústria que mais crescem no Brasil são de
produtos plásticos (28,4%), materiais elétricos e de comunicações (27,7%), produtos
alimentícios (21,6%), bebidas (21%) e materiais de transporte (19,1%). O aumento na
produção de materiais elétricos, de comunicações e de transporte está ligado aos
novos investimentos em infra-estrutura, às recentes privatizações na área de
telecomunicações e às concessões ferroviárias e rodoviárias. O desempenho positivo
da indústria de alimentos e bebidas nos últimos anos, por sua vez, tem relação com o
crescimento do consumo verificado após a implantação do Plano Real em julho de 1994.

Em contrapartida, as indústrias de calçado, couro e pele, têxtil, vestuário e artefatos


de tecido têm queda na produção desde 1993. Esses segmentos são os mais afetados
pelo aumento das importações a partir de 1990. Como são atividades que utilizam mão-
de-obra em larga escala, a redução da produção explica o crescimento significativo do
desemprego nas regiões onde grande parte dessas indústrias está instalada – o sul do
país e o interior do estado de São Paulo.

Em 1998, a indústria alcança um crescimento de 2,2% na produtividade. No entanto, a


introdução de novas tecnologias no processo de produção ocasiona uma redução de
3,5% do pessoal ocupado no setor. Entre janeiro e agosto de 1999, o número de postos
13

de trabalho diminui 8,6% em relação ao mesmo período do ano anterior. Ainda assim,
representa uma pequena melhora diante do resultado registrado no primeiro
semestre, quando a retração foi de 9%. As indústrias que mais fecharam vagas são as
localizadas em Minas Gerais (12,2%) e São Paulo (9,4%). No Nordeste, a retração no
emprego é de 8,4%, e, no Sul, de 6,6%.

A pesquisa Indicadores de Qualidade e Produtividade na Indústria Brasileira,


realizada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), pela
Confederação Nacional da Indústria (CNI) e pelo Sebrae, revela crescimento de 9%
na produtividade do setor industrial em 1997, o que significa que cada trabalhador
brasileiro produziu em média 73 mil reais naquele ano, contra 67 mil reais em 1996. Os
maiores aumentos se verificam na indústria química, de materiais elétricos e de
comunicação. De acordo com o levantamento, a melhoria da produtividade brasileira
deve-se à aquisição de máquinas e equipamentos mais sofisticados, à implementação de
métodos eficientes de gestão e à maior qualificação da mão-de-obra empregada.

Realizada com 1.149 pequenas, médias e grandes empresas de 15 estados e do Distrito


Federal, responsáveis por uma receita líquida de 52 bilhões de reais e pelo emprego
de cerca de 400 mil pessoas, a pesquisa demonstra que também houve melhoria na
qualidade dos produtos. A indústria nacional está produzindo e entregando sua
produção com maior rapidez, os atrasos são menos constantes e os estoques de
matérias-primas e bens em processamento estão se reduzindo. O estudo mostra ainda
que em 1997 as empresas localizadas no Nordeste têm investido mais na aquisição de
novos equipamentos que as do restante do país – 7% da receita, enquanto a média
nacional é de 5,9%. O nível de emprego no Nordeste também melhora, e em 1997 as
admissões superam as demissões, ao contrário do que ocorre nas demais regiões.

Um aspecto da atual fase de reorganização da indústria nacional é o surgimento da


"guerra fiscal" entre os estados brasileiros. Trata-se da disputa para atrair a
instalação de novas fábricas ou manter a atividade industrial já existente. O recurso
mais utilizado pelos governos estaduais nesse confronto é a isenção do ICMS
(principal imposto estadual) por determinado período. Os governos também tentam
atrair novas indústrias oferecendo vantagens, como doação de terreno, obras de
infra-estrutura e empréstimos.

Num primeiro momento, a guerra fiscal incentiva a desconcentração geográfica da


indústria, com a implantação de unidades fabris em regiões distantes dos centros
manufatureiros tradicionais. Esse fator poderia ser benéfico para os estados mais
pobres. Estudos recentes demonstram, porém, que os resultados não são positivos.
Conforme o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a Fundação do
Desenvolvimento Administrativo (Fundap), os investimentos disputados pelos estados
são decisões já tomadas pelas empresas estrangeiras e fazem parte de sua estratégia
14

de expansão no mercado brasileiro. Os incentivos fiscais portanto, não aumentam a


aplicação de recursos externos no Brasil e levam os estados à exaustão financeira.
Além disso, os novos investimentos não têm gerado efeito multiplicador em termos de
criação de empregos, pois são realizados por empresas competitivas, geralmente
multinacionais, que utilizam tecnologias poupadoras de mão-de-obra.

Símbolo da industrialização brasileira, o setor automobilístico tem impacto direto ou


indireto em várias atividades produtivas, funcionando como termômetro da economia
nacional. A produção de automóveis cresce expressivamente entre 1994 e 1997,
período em que passa de 1,4 milhão de unidades a 2 milhões ao ano. A partir de 1998,
no entanto, registra uma sensível queda, com a fabricação de 1,5 milhão de veículos.
Entre janeiro e setembro de 1999 são produzidas 975.683 unidades, número 22,4%
menor que o verificado no mesmo período do ano anterior. Em março de 1999, o
governo reduz o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) dos automóveis de mil
cilindradas de 10% para 5% (elevado para 7% em maio) e dos carros médios, de 30%
para 17% (elevado para 20% em maio), na tentativa de aquecer as vendas, movimentar
negócios, aumentar a produção e garantir empregos. A partir de 1º de outubro, as
alíquotas sobem para 10% e 25%, respectivamente.

A localização da indústria automobilística também tem mudado nos últimos anos. Antes
ela estava concentrada no Sudeste do país, mais especificamente na região do ABC
paulista. As novas fábricas, porém, têm preferido o Sul e o Nordeste, atraídas por
vantagens fiscais e custos de mão-de-obra mais baixos. A indústria de automóveis é
um dos segmentos industriais que mais se transformam tecnologicamente nos últimos
anos, utilizando o que há de mais avançado no mundo em mecanização, informatização e
robotização. Isso influi na menor quantidade de empregos gerados pelo setor.

9 - Comércio
Em 1999, o comércio, parte do setor de serviços, é marcado pela crise gerada pela
desvalorização cambial, que atinge tanto consumidores como comerciantes . De janeiro
a agosto, apresenta uma retração de 4,5% em relação ao mesmo período do ano
anterior.

A expansão do consumo verificada até 1996 – atribuída ao crescimento da economia a


partir de 1993 e à adoção do Plano Real, em julho de 1994 – é substituída pela
inadimplência, agravada pelas altas taxas de juros e pelo desemprego. De 1995 a
janeiro de 1999, 120 redes especializadas em eletroeletrônicos entram com pedido de
concordata, e grandes lojas como Mappin, Mesbla, Casa Centro, Arapuã e G. Aronson
decretaram falência.

A atividade comercial é definida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística


(IBGE) como a que realiza as operações necessárias para tornar um produto disponível
15

aos consumidores em determinado lugar, no tempo requerido e em quantidade e preços


especificados. Tradicionalmente, o setor é dividido em três categorias: comércio de
veículos e motocicletas e comércio a varejo de combustíveis; atacadista (que vende
grandes quantidades); e varejista (que negocia por unidades). A categoria varejista é a
que possui o maior número de estabelecimentos e gera a maior parte do emprego e da
renda do comércio. De acordo com o último levantamento do IBGE, de 1996, há
1.061.000 empresas comerciais (juridicamente estabelecidas) e 1.144.000
estabelecimentos de venda (unidades locais; as lojas das empresas) no país, que
produzem uma receita total de aproximadamente 325 milhões de reais. O pessoal
empregado no setor corresponde a 8,2% da população economicamente ativa (PEA).

Nos oito primeiros meses de 1999, os itens que registram os melhores desempenhos
em relação ao mesmo período de 1998 são alimentação (expansão de 4,4%); remédios,
produtos farmacêuticos e artigos de perfumaria (12%); combustíveis e lubrificantes
(1,1%); e consumo residencial, composto de móveis e eletrodomésticos (0,5%).
Apresentam queda as lojas de departamentos (-27,6%), os ramos de automóveis e
motos (-18,8%), vestuário (-11,0%), materiais de construção (-5,7%) e supermercados
e hipermercados (-1,7%). Sete atividades apresentam diminuição no número de
trabalhadores empregados: lojas de departamentos (-21,6%); automóveis, motos,
peças e acessórios (-15,8%); farmácias, drogarias e perfumarias (-12,7%); vestuário,
calçados e tecidos (-11,6%); outros artigos de uso pessoal, como livros, brinquedos e
jóias (-6,0%); combustíveis e lubrificantes automotivos (-4,7%); e mercearias,
açougues e assemelhados (-0,7%).

10 - Dívida interna pública


O crescimento da dívida interna pública mantém-se estável durante o ano de 1999. A
dívida sobe apenas 5,6% entre janeiro e agosto e sua proporção em relação ao PIB
permanece em torno de 39% em todos os meses desse período. Esse comportamento
difere da tendência que predomina nos últimos anos. De 1994 até 1999, o
endividamento interno cresce 265,8%, o que corresponde a um aumento médio de
29,6% ao ano, e passa de 20,8% a 39% do PIB.

O resultado obtido em 1999 se deve aos superávits fiscais – o governo arrecada com
impostos mais do que gasta com pessoal, custeio e transferências – e à redução da
taxa de juros básica da economia a partir de abril. De janeiro a julho, a dívida cresce
menos que a projeção feita pelo acordo com o FMI firmado em 1998. A elevação
ocorre sobretudo em razão do pagamento dos juros da própria dívida. Quanto a sua
composição, o governo federal responde por quase 60% do total.

Toda vez que a União, os estados e os municípios gastam mais do que arrecadam com a
receita de impostos, há um déficit. A fim de reduzi-lo, o governo contrai dívidas, em
geral saldadas por meio de empréstimos obtidos das empresas e dos cidadãos
16

residentes no país, que formam o setor privado da economia nacional. Para isso, emite
um documento que certifica a propriedade de um determinado valor expresso em
moeda nacional, chamado título da dívida pública. O governo compromete-se a pagar
essa quantia ao portador num prazo específico.

No início da década de 90, os principais fatores que concorrem para o crescimento da


dívida são os gastos do governo federal com custeio, pessoal, encargos sociais e
transferências a estados e municípios. Com a implantação do Plano Real, em 1994, o
endividamento aumenta por causa do pagamento dos próprios juros, em virtude da
política monetária baseada em taxas elevadas para atrair capital externo (dólares) e
garantir o sistema de bandas cambiais, com câmbio sobrevalorizado. Como os juros que
devem ser pagos aos possuidores de títulos públicos se elevam, o Estado se vê
obrigado a endividar-se ainda mais para cumprir suas obrigações com os credores, o
que constitui uma bola-de-neve. Uma das agravantes é que o prazo de vencimento dos
títulos é curto, de no máximo dois anos – o próprio governo determina esse período,
considerando que o mercado não aceitará papéis de longo prazo por causa das
incertezas em relação à economia brasileira. Para resolver o problema é necessário
contrair novas dívidas, economizar em outros gastos, emitir moeda, renegociar prazos
e até decretar a moratória da dívida externa.

11 - Déficit público
Déficit público é o montante de gastos do governo que excede a arrecadação. No
Brasil, esse é um problema crônico, que nos últimos anos se agrava por causa das altas
taxas de juros. Desde 1995, após a implantação do Plano Real, o governo brasileiro
mantém os juros elevados como forma de remunerar melhor quem investe no mercado
financeiro e atrair o capital estrangeiro. Essa política, no entanto, piora seus
problemas de caixa. Além disso, com a estabilidade econômica, o governo deixa de
contar com uma importante fonte de receita para financiamento do déficit público: o
imposto inflacionário – diferença entre o valor da moeda quando produzida e seu valor
efetivo no momento em que circula –, pois a emissão de moeda passa a ser controlada
com o objetivo de evitar a inflação. Para combater o déficit, são adotados planos de
ajuste que buscam a ampliação da arrecadação, por meio do aumento da carga
tributária, e o corte dos gastos públicos – em geral, suspendendo programas
governamentais.

Para analisar o comportamento do déficit público são usados três conceitos: o déficit
primário, o nominal e o operacional. Cada um apresenta um desempenho diferente em
1999.

O déficit primário – que não considera os gastos com os juros da dívida interna pública
– é negativo em razão da adoção de um pacote fiscal segundo os termos do Programa
de Estabilidade Fiscal estabelecido em outubro de 1998 e do acordo com o Fundo
17

Monetário Internacional (FMI). Como resultado, há crescimento da arrecadação com a


elevação dos impostos e diminuição das despesas com custeio, pessoal e
transferências.

Por representar a soma do déficit primário com os gastos do governo no pagamento de


juros nominais (juros reais mais correção monetária) da dívida pública, o déficit
nominal apresenta valor bastante elevado em 1999 – 13,28% do produto interno bruto
(PIB) nacional. Atualmente, os juros chegam a 99,5 bilhões de reais por ano, o que
corresponde a aproximadamente 11% do PIB. Assim, mesmo um superávit primário não
é suficiente para cobrir o montante de juros a ser pago.

O déficit operacional, que corresponde à soma do déficit primário com o pagamento


dos juros reais da dívida pública (taxa cobrada sobre um empréstimo ou financiamento
sem considerar a correção monetária), apresenta valor inferior ao nominal, pois dele já
está excluída a parte correspondente à inflação. Quando a taxa inflacionária é baixa,
os déficits nominal e operacional se equivalem. Em razão disso, o Banco Central
suspende a publicação do déficit operacional em 1999.

12 - Inflação
Depois de mais de quatro anos de taxas decrescentes – de 909,7% a 1,71% entre 1994
e 1998 –, a inflação volta a subir em 1999 . Até setembro desse ano, o índice
registrado é de 13,4%, de acordo com o Índice Geral de Preços (IGP-DI), da Fundação
Getúlio Vargas (FGV). A desvalorização cambial ocorrida em janeiro é apontada como
uma das principais responsáveis por esse desempenho. Com o dólar e outras moedas
estrangeiras mais valorizados que o real, as matérias-primas e os bens de consumo
importados tornam-se mais caros e provocam aumento dos preços em geral. Dessa
forma, há a perda do poder aquisitivo da moeda, o que caracteriza a inflação. Ou seja,
a mesma quantidade de dinheiro não consegue mais adquirir a mesma quantidade de
produtos que obtinha num período anterior.

A desvalorização da moeda brasileira acontece com o rompimento da política de


bandas cambiais (flutuação da taxa de câmbio dentro de um intervalo prefixado), que
vigorava desde janeiro de 1995. Entre os dois primeiros meses de 1999, os índices
inflacionários registram um aumento, mas logo se estabilizam, acompanhando o mesmo
movimento da taxa de câmbio. A inflação não atinge taxas elevadas como no período
anterior ao Plano Real por causa da eliminação dos mecanismos de indexação formal
(correção monetária determinada por normas e contratos) e porque a atividade
econômica registra um baixo nível de crescimento. Assim, as empresas não conseguem
repassar o total da elevação dos custos de produção ao consumidor final. Com isso, o
índice de inflação que tem como foco as empresas – Índice de Preços por Atacado
(IPA) – registra um valor bem diferente de um voltado para o consumidor, como o
Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA).
18

Em 1999 quebra-se, então, uma tendência de queda na taxa de inflação – inclusive com
o registro de deflação (redução persistente dos preços) –, que se mantinha desde
1994. Para combater a inflação, o programa eliminou os mecanismos de indexação
formal e desestimulou a indexação informal (correção monetária feita de forma
independente pelas pessoas) por meio do controle da emissão da moeda, dos gastos
públicos e do câmbio.

Por mais de trinta anos, até 1994, a inflação é um dos principais problemas da
economia brasileira. Os índices anuais chegam várias vezes a romper a barreira dos
1.000%. Entre os fatores responsáveis pela origem da inflação estão os desequilíbrios
estrutural e monetário, ou a combinação dos dois. O desequilíbrio estrutural implica o
crescimento dos custos em alguma parte da cadeia produtiva, o que provoca a elevação
dos preços dos produtos finais. O fator monetário consiste no aumento da quantidade
de moeda em circulação na economia, o que leva a um maior consumo, mas sem
ampliação da oferta de bens e serviços. Como há mais pessoas querendo comprar do
que quantidade disponível, os preços dos produtos sobem.

Para calcular os vários índices que medem a inflação são utilizadas metodologias
baseadas em diferentes componentes de preço. Um índice de preços é uma média dos
valores de uma série de produtos e serviços num determinado período. O peso que
cada produto tem na sua formulação é definido pela quantidade de cada bem ou
serviço que é consumida por um conjunto de famílias ou empresas. Se o índice for
voltado para os consumidores, por exemplo, realiza-se periodicamente uma pesquisa de
orçamento familiar (POF) com uma amostra de famílias, em que se observa seus
hábitos de consumo. Com base nisso, é possível montar uma cesta de bens que
representa o consumo médio desse grupo. Os principais são o IPCA, o IGP-DI, o IPA-
DI e o Índice de Preços ao Consumidor (IPC).

O IPCA, calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é o


índice oficial do governo e funciona como parâmetro para o sistema de metas
inflacionárias implantado em julho de 1999. Nesse sistema, o governo anuncia quais são
os valores para a inflação que pretende obter nos próximos três anos e autoriza o
Banco Central a se utilizar dos mecanismos de controle monetário necessários para
atingir esses números. O universo da pesquisa do IPCA são pessoas que ganham de um
a 40 salários mínimos nas regiões metropolitanas de Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo
Horizonte, Recife, São Paulo, Belém, Fortaleza, Salvador e Curitiba, além do Distrito
Federal e do município de Goiânia – o que corresponde a cerca de 30% da população do
país. O cálculo do índice é baseado em 200 mil cotações de preços de 1.360 produtos e
considera alimentação, artigos de residência, habitação, transportes e comunicação,
vestuário, saúde e cuidados pessoais e despesas pessoais.
19

O IGP-DI e o IPA-DI, ambos da FGV, também possuem abrangência nacional. O


primeiro tem como foco tanto empresas como consumidores e se baseia nos principais
componentes da despesa interna, como a produção, o transporte e a comercialização
de bens. O IPA-DI é direcionado às empresas e considera os preços de quase 200
produtos consumidos por elas, entre os mais importantes comercializados no país. Já o
IPC, calculado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), mede a
variação de preços de produtos e serviços consumidos por famílias com renda mensal
de dois a seis salários mínimos da Grande São Paulo.

12 - Juros
A taxa de juros acumulada para 1999 é de aproximadamente 25% ao ano. A taxa
brasileira é uma das maiores do mundo. Em julho de 1999, por exemplo, enquanto ela
chega a 1,62% ao mês, os juros básicos do Reino Unido (Libor) e dos Estados Unidos
(Federal Funds) ficam em 5,6% e 5% ao ano, respectivamente. O comportamento da
política de juros em 1999 é influenciado pelo rompimento do sistema de bandas
cambiais (flutuação do câmbio dentro de um intervalo prefixado) em janeiro, pelo
conseqüente temor da volta de índices elevados de inflação e pela tentativa de evitar
a saída do capital estrangeiro de curto prazo (volátil). A taxa de juros sofre aumento
entre fevereiro e março e começa a declinar a partir de abril, quando o Banco Central
(BC) realiza sucessivas intervenções para reduzi-la.

A taxa de juros é determinada pelo BC e pelo próprio mercado. O BC tem o monopólio


da emissão de moeda na economia e o mercado, a demanda, principalmente para fins de
transação (compra e venda de mercadorias e serviços) e especulação. É a relação
entre a oferta e a procura de moeda que determina a taxa de juros básica da
economia. O BC controla essa taxa por meio do aumento da oferta de moeda (o que a
reduz) ou pela diminuição da emissão (o que a eleva).

De janeiro de 1995 a janeiro de 1999, período em que vigora a política de bandas


cambiais, o governo utiliza a taxa de juros para atrair capital estrangeiro, por isso
mantém seu valor elevado. Essa é uma forma de aumentar as reservas internacionais, o
que possibilita ao BC controlar também a cotação do dólar e, em conseqüência, obter
importações mais baratas para conter o crescimento dos preços. O BC pode baixar a
taxa de câmbio ao vender parte das suas reservas e comprar reais, ou elevar a taxa
vendendo reais e comprando dólares.

A política de bandas cambiais tinha como contrapartida um sistema no qual a taxa de


juros também dispunha de um intervalo de variação (um piso e um teto). Isso
acontecia porque os juros altos atraem capital externo e provocam a entrada de
dólares no país. Quando eles caem, o capital estrangeiro deixa o país, provocando a
diminuição das reservas. O BC intervinha nos casos em que a cotação dos juros
alcançava um dos extremos, de forma a manter a taxa de câmbio dentro dos limites
20

preestabelecidos. Como em janeiro de 1999 acaba a política de bandas cambiais, o que


permite a desvalorização do câmbio, o manejo da taxa de juros por parte do BC torna-
se mais flexível, possibilitando a redução dos números.

Cerca de 40% do território brasileiro é ocupado por estabelecimentos que se dedicam


à agropecuária. Esse setor – que inclui a agricultura, a pecuária, o extrativismo vegetal
e a pesca – registra um crescimento de 6,07% no primeiro semestre de 1999 em
relação ao mesmo período do ano anterior, de acordo com o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). O desempenho é determinado pelo aumento de 5,93%
da atividade agrícola e de 4,94% da pecuária, embora o extrativismo apresente queda
de 0,98%. A participação do setor na composição do produto interno bruto (PIB) do
país é de 8,4% em 1998. No ano anterior foi de 12%.

A atividade agropecuária brasileira passa por uma grande mudança nos últimos anos.
De modo geral, diminui o tamanho dos estabelecimentos em razão do avanço da
urbanização, da maior procura por áreas de lazer e da construção de obras de infra-
estrutura, mas há um aumento da produtividade.

13 - Política fiscal
Em outubro de 1999, o texto final do projeto de reforma tributária, que deve
introduzir uma profunda mudança na política fiscal do país, é apresentado à Comissão
Especial de Reforma Tributária da Câmara dos Deputados, após quatro anos de
tramitação. A política fiscal é um conjunto de ações e medidas tomadas pelo governo
com o objetivo de corrigir distorções econômicas e sociais; manter a estabilidade do
nível de produção, preços e empregos; e administrar os recursos de forma a produzir
bens e serviços para a sociedade. Isso é feito principalmente por meio da
determinação de impostos e contribuições.

As contribuições e os impostos consistem na transferência de renda do setor privado


para o público. As contribuições sociais – como o Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço (FGTS) e a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) –
têm a finalidade exclusiva de financiar a seguridade social. Os impostos, por sua vez,
não possuem um destino específico. Eles são cobrados para custear as diversas
atividades do Estado, como saúde, educação, habitação e saneamento. Os impostos
diretos – como o Imposto de Renda e o Imposto sobre a Propriedade de Veículos
Automotores (IPVA) – incidem sobre a renda de pessoas físicas (cidadão) e jurídicas
(empresas). Os impostos indiretos recaem sobre as pessoas jurídicas, mas atingem o
cidadão, ao ser repassados para os preços dos produtos, como o Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI) e o Imposto sobre Serviços (ISS).
21

A arrecadação tributária da União baseia-se na cobrança de impostos e contribuições


sobre renda, trabalho, consumo, produção e comércio exterior. A dos estados
fundamenta-se essencialmente na tributação do consumo (ICMS), que representa, em
1998, mais de 85% do total da receita tributária estadual. Os principais componentes
da arrecadação tributária municipal são as taxações sobre a propriedade – Imposto
Predial e Territorial Urbano (IPTU) e Imposto de Transmissões de Bens Imóveis
(ITBI) – e sobre os serviços (ISS).

O conjunto do pagamento dos impostos e contribuições efetuados por pessoas físicas


e jurídicas para as três esferas de governo (federal, estadual e municipal) em um ano
é chamado de carga tributária. Ao comparar esse valor com o produto interno bruto
(PIB) do mesmo período se obtém a medida da participação financeira da sociedade no
custeio das atividades estatais. Ou seja, indica a parcela que é transferida para o
governo em forma de tributos do total da produção de bens e serviços do país. Em
1998, a carga tributária bruta é de 269 milhões de reais, o que corresponde a 29,8%
do PIB nacional. A estimativa para 1999 é de que ela supere 30% do PIB, marca
atingida apenas uma vez, em 1990, quando o Plano Collor taxou boa parte da poupança
nacional. O aumento da receita tributária deve ocorrer, sobretudo, por causa das
mudanças introduzidas pelo Programa de Estabilidade Fiscal, lançado em outubro de
1998, e da arrecadação extra decorrente de negociações entre o governo e as
empresas, que desistiram de ações judiciais e pagaram débitos em atraso.

Entre as principais medidas do plano estão o combate à sonegação de contribuições


previdenciárias, a elevação da alíquota da Contribuição para o Financiamento da
Seguridade Social (Cofins) de 2% para 3% do faturamento das empresas (inclusive
bancos) e da CPMF de 0,20% para 0,38%. A manutenção da alíquota especial de 27,5%
do Imposto de Renda pessoa física para quem recebe mais de 1,8 mil reais mensais
também deve contribuir para o aumento da receita. De acordo com o pacote fiscal, a
porcentagem voltaria a 25%, em janeiro de 2000. No entanto, o governo federal envia
em agosto de 1999 um projeto de lei ao Congresso Nacional para estender seu prazo
de vigência até 2003. O programa prevê ainda a criação da Lei de Responsabilidade
Fiscal, que estabelece limites de endividamento e a criação de um mecanismo para
paralisar gastos públicos sempre que a despesa ultrapassar a receita. Até novembro
de 1999, essa lei, que ainda não havia sido votada, se encontrava na Comissão Especial
de Reforma Tributária da Câmara dos Deputados.

Os principais fatores que impedem o aumento da arrecadação do país são a sonegação


e a elisão fiscal (brechas existentes na legislação que permitem pagar pouco ou
nenhum imposto). Levantamento realizado pela Receita Federal aponta que metade das
530 maiores empresas brasileiras não paga Imposto de Renda, assim como 42% das 66
maiores instituições financeiras. De acordo com o depoimento do secretário da
Receita Federal, Everardo Maciel, na comissão parlamentar de inquérito (CPI) do
22

sistema financeiro, em maio de 1997, 34% (cerca de 825 bilhões de reais) do dinheiro
movimentado pelos bancos não paga imposto. Uma das formas de elisão fiscal é a
remessa de capital para o exterior. O retorno, como investimento estrangeiro em
fundos de renda fixa e variável, é isento de tributação. Esse tipo de evasão é
calculado em 50 milhões de reais mensais.

O principal objetivo da reforma é simplificar e reduzir o número de tributos,


combater a sonegação e desonerar a produção, as exportações e os produtos
considerados essenciais. A reforma tributária deve ser implementada por meio de uma
emenda constitucional, que vai definir quais serão os impostos cobrados no Brasil em
cada uma das esferas administrativas (União, estados e municípios). Apresentado à
Comissão Especial de Reforma Tributária da Câmara dos Deputados em outubro, a
previsão era de que o projeto fosse votado até o final de 1999. Se aprovado, deve
seguir para o Senado nos primeiros meses de 2000. A principal proposta prevê a
substituição de vários impostos e contribuições – como IPI, ICMS, ISS, Contribuição
para o Programa de Integração Social e para o Programa de Informação do Patrimônio
do Servidor Público (PIS-Pasep) – por apenas um tributo, que incidiria principalmente
sobre o consumo, semelhante ao Imposto sobre Valor Agregado (IVA) existente nos
países europeus. Esse imposto provavelmente conservaria o nome de ICMS.

Os maiores prejudicados pela atual estrutura tributária brasileira são as pessoas de


menor renda, sobretudo as que ganham até 372 reais, conforme estudo do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Em 1999, a carga tributária sobre os alimentos
da cesta básica é, em média, de 13,48% nas regiões metropolitanas de Belém,
Fortaleza, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, Curitiba, São Paulo, Brasília, Goiânia e
Porto Alegre. O cálculo do Ipea levou em conta a incidência de três tributos nos
produtos da cesta básica: Cofins, PIS e ICMS. Se os produtos da cesta básica fossem
isentos dessas taxas, as famílias mais pobres poderiam ter um ganho de renda entre
4% e 8%, dependendo da área em que vivem.

Nos últimos anos, a isenção de impostos – como o ICMS – tem sido um dos recursos
usados pelos governos estaduais para atrair a instalação de novas fábricas ou manter
a atividade industrial já existente. No entanto, a produção e o número de vagas
criadas nem sempre compensam o valor que não arrecada com tributos. Nos últimos 20
anos, o Brasil gastou 180 bilhões de dólares em incentivos fiscais. Desde o início do
Plano Real, em 1994, o governo federal deixou de arrecadar 64 bilhões de dólares.

Um dos setores que menos geram empregos hoje é o automobilístico, segundo o estudo
Modelo de Geração de Empregos: Metodologia e Resultados, lançado em outubro de
1999 pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A cada 1
milhão de reais concedido em forma de isenção de impostos a empresas da área,
criam-se apenas 85 empregos diretos e indiretos. No entanto, as montadoras
23

recebem, até esse mês, 1 bilhão de reais do BNDES, o maior volume em empréstimos
para uma única área. O setor com maior capacidade de gerar vagas (202 postos por 1
milhão de reais investido), o agropecuário, obtém do BNDES menos de 700 milhões de
reais. O comércio, com potencial para gerar 149 vagas, consegue apenas 481 milhões.
Em 1999, o caso mais polêmico nesse sentido é o da Ford da Bahia. O governo federal
aprova um empréstimo de 691 milhões de reais proveniente do BNDES e abre mão de
arrecadar 1,8 bilhão de reais em impostos durante dez anos (180 milhões de reais por
ano) para os cofres públicos.

14 - Setor financeiro
O setor financeiro brasileiro é atingido em 1999 pelo impacto da desvalorização
cambial, ocorrida em janeiro. No final de 1998, após a declaração da moratória russa,
a expectativa era de que o Brasil seria a bola da vez da crise financeira mundial. Um
primeiro alarme surge em dezembro, com o anúncio do empréstimo do Fundo
Monetário Internacional (FMI). Apesar do lançamento do Programa de Estabilização
Fiscal, em outubro desse mesmo ano, o mercado estava tenso e o capital estrangeiro
de curto prazo passou a sair de forma intensa do país. Em janeiro de 1999, a perda
acentuada de reservas monetárias internacionais provoca o rompimento da política de
bandas cambiais (flutuação da taxa de câmbio dentro de um intervalo prefixado),
adotada desde 1995. Com a desvalorização da moeda, o preço do dólar – que estava em
torno de 1,20 real – chega a atingir 2,20 reais. Muitos bancos têm grande prejuízo,
pois apostaram na conservação da taxa de câmbio e assumiram compromissos de venda
futura de dólares. Por outro lado, instituições financeiras que acreditaram na
desvalorização cambial obtêm lucros. Em abril, o Congresso Nacional instala a comissão
parlamentar de inquérito (CPI) que investiga o sistema financeiro. A CPI apura a
responsabilidade do Banco Central (BC) no socorro aos bancos FonteCidam e Marka,
que adquiriram dólares abaixo da cotação do dia após a desvalorização do real. Em
novembro, a CPI encerra seus trabalhos e pede que o Ministério Público investigue o
BC.

Com a desvalorização do real, os papéis brasileiros (ações, títulos de dívida privada ou


pública) ficam mais baratos. Assim, o investidor estrangeiro tem incentivo para
adquirir papéis de empresas brasileiras, pois com a mesma quantia de dólares
consegue comprar um volume maior. Dessa forma, a saída de capital estrangeiro aos
poucos diminui. A entrada de novos capitais em 1999, no entanto, não alcança os níveis
dos anos anteriores.

A redução da taxa de juros, a partir de abril de 1999, e a incerteza quanto ao


desempenho da economia brasileira são os principais fatores relacionados à menor
atração do capital estrangeiro de curto prazo. Por outro lado, a queda das taxas de
juros básicas força um lento processo de diminuição da taxa de juros do tomador final
(consumidores que buscam financiamento, empresas que necessitam de empréstimos,
24

entre outros), ainda muito elevadas – enquanto a taxa de juros básica, à qual os bancos
têm acesso, gira em torno de 20% ao ano, a taxa de juros sobre o cheque especial, por
exemplo, é de 10% ao mês.

A bolsa de valores é o termômetro da atividade econômica e das expectativas sobre o


desempenho da economia. O menor volume de negócios de 1999 é registrado em
janeiro, quando a desvalorização cambial põe em dúvida a capacidade de o Brasil
superar a crise e cumprir seus compromissos. O Índice Bovespa, que mede o
rendimento de uma carteira flutuante (conjunto de ações mais negociadas) na Bolsa de
Valores de São Paulo, alcança seu menor valor, 5.057 pontos, em 14 de janeiro, auge da
crise cambial. Em abril, quando o desempenho da economia brasileira se mostra
superior ao esperado, o mercado reverte suas expectativas. Os negócios na bolsa
aumentam e os investidores estrangeiros voltam a comprar ações brasileiras. Até o
início de novembro, a maior alta do ano ocorre no dia 8 desse mês, de 12.960 pontos. A
alta acumulada de janeiro a outubro de 1999 é de 67,95%. Assim, quem investiu na
bolsa durante esse período teve crescimento de patrimônio.

A participação do setor financeiro no produto interno bruto (PIB) brasileiro é de 5,5%


em 1998, índice pouco menor que o registrado em 1997 (5,6%). Alteração bem maior
ocorre após a implantação do Plano Real, em 1994, quando a parcela do setor no PIB
cai de 12,4% para 6,9% em 1995. A queda acentuada se justifica pela redução da
inflação. Se ela é alta, o dinheiro se desvaloriza rapidamente. A moeda, emitida com
determinado potencial de compra, vai perdendo esse poder gradativamente ao circular
na economia. O imposto inflacionário é a diferença entre o valor de emissão da moeda
e seu valor efetivo no momento em que circula. O governo, que emite dinheiro, e os
bancos, que fazem a conexão entre esse e a sociedade, apropriam-se do imposto
inflacionário. Com a diminuição da inflação, os bancos perdem essa fonte de receita e
sua participação na economia se reduz. A inflação crônica verificada no Brasil até
1994 distorceu o funcionamento do sistema financeiro, levando-o a se desviar de sua
atribuição básica, a intermediação financeira – captar dinheiro de poupadores e
repassá-lo à sociedade por meio de empréstimos.

A recente concentração bancária se expressa na diminuição do número de bancos


comerciais que operam no país – de 246 instituições em 1994 para 224 em setembro
de 1999 – e nas fusões do setor, 53 entre julho de 1995 e outubro de 1999. A
internacionalização do setor financeiro é outra característica recente. Em quatro
anos, triplica a participação dos bancos estrangeiros no total de ativos do sistema
financeiro nacional: de 5,5% em 1994 para 16,4% em 1998. Várias instituições
internacionais adquirem bancos brasileiros. Destacam-se a compra do Bamerindus pelo
britânico Hong Kong & Shangai Banking Corporation (HSBC); do Noroeste e do Banco
Geral do Comércio pelo espanhol Santander; do Banco Real pelo holandês ABN-Amro;
do Excel Econômico pelo espanhol Bilbao y Viscaya; e do Bandeirantes pelo português
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Caixa Geral de Depósitos. O potencial do setor financeiro nacional é o principal


atrativo para os estrangeiros, pois ainda é pequeno o número de brasileiros que têm
conta em banco.

Referências bibliográficas:

BAER, Werner. A economia brasileira, São Paulo : Nobel, 1996.

BRUM, Argemiro. Desenvolvimento econômico brasileiro, 18. Ed., UNIJUI : 1997.

CARDOSO, Eliana A. Economia brasileira ao alcance de todos, 4. Ed., São Paulo :


Brasiliense, 1997.

CONJUNTURA ECONÔMICA. Diversos números.

GREMAUD, Amaury Patrick, SAES, Flávio Azevedo Marques de, TONETO JÚNIOR,
Rudinei. Formação econômica do Brasil, São Paulo : Atlas, 1997.

LACERDA, Antônio Corrêa de et al. Economia Brasileira, São Paulo : Saraiva, 2000.
TROTER, Roberto Luís, MOCHÓN, Francisco. Introdução à Economia, 3. Ed., São
Paulo : Makron Books, 1998.

VASCONCELOS, Marco Antônio Sandoval, GREMAUD, Amaury Patrick, TONETO


JÚNIOR, Rudinei. Economia brasileira contemporânea, 3.ed., São Paulo : Atlas, 1999.

Diversas reportagens de jornais, revistas e periódicos:


Exame, Abril : São Paulo
Folha de São Paulo, São Paulo
Gazeta Mercantil, São Paulo
Veja, Abril : São Paulo

Sites da Internet:
www.bcb.gov.br
www.caixa.gov.br
www.dieese.gov.br
www.fazenda.gov.br
www.fgv.br
www.unicamp.br

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