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COMITÉ DE DATAÇÃO DOS CICLOS ECONÓMICOS PORTUGUESES

Recessão de 1992:T2 – 1993:T3


PICO: 1992:T2 | CAVA: 1993:T3 | DURAÇÃO: 5 TRIMESTRES | AMPLITUDE: 1,1%

A primeira recessão depois da entrada na Comunidade Económica Europeia (CEE) foi influenciada
pelo contexto internacional, pautado pela Guerra do Golfo, pela reunificação alemã e pela
instabilidade no Mecanismo Europeu de Taxas de Câmbio (MTC). O choque externo na balança
comercial precipitou a recessão, agravada por uma reorientação restritiva das políticas orçamental
e monetária que contraiu o investimento na segunda fase da recessão.

ENQUADRAMENTO orçamental foi restritiva, com uma redução do défice público


de 6,5% para 3,3% do PIB entre 1991 e 1992.
Após a adesão à CEE em 1986, a economia portuguesa
expandiu-se continuamente, beneficiando da abertura da CALIBRAÇÃO DO PICO E DA CAVA1
economia ao exterior, de ganhos significativos nos termos de
O PIB real per capita atingiu um pico em 1992:T2, conforme
troca internacionais e da relativa estabilidade política. Esta
ilustra a Figura 1. O indicador coincidente tem um pico entre
expansão acabou com um pico da actividade económica em
1992:T2. Nos 5 trimestres de recessão que se seguiram, o PIB T1 e T2 desse ano. Já o indicador de sentimento económico
(Figura 2) caiu de forma acentuada entre 1992:T2 e 1993:T3.
real per capita caiu 1,1% face ao pico.
Por fim, o indicador de produção industrial sofreu uma das
No plano externo, a Guerra do Golfo, entre 1990:T3 e 1991:T1, suas maiores reduções históricas num só trimestre, entre T3
levou a um aumento do preço do petróleo. Os EUA estiveram e T4 de 1992. Tomados em conjunto, estes indicadores
em recessão durante este mesmo período. Na Europa, o apontam para um pico em 1992:T2, um trimestre depois do
impacto da reunificação alemã e da política monetária pico da actividade nos principais parceiros europeus.
contraccionista levaram a tensões no MTC e a um outro
Em termos de agregados macroeconómicos (Figura 3), numa
impulso recessivo. Os principais parceiros comerciais
primeira fase foi nas exportações líquidas (X-M) que a
portugueses, com Espanha à cabeça, estiveram em recessão
recessão se fez sentir com maior intensidade. A volatilidade
de 1992:T1 a 1993:T3, o mesmo período que a Zona Euro. Por
da balança comercial, típica dos ciclos económicos, coincidiu
fim, o término da fase de transição da Política Agrícola Comum
com a instabilidade no MTC, sobretudo a partir de 1992:T2.
levou a uma quebra significativa nos preços reais dos produtos
agrícolas.
Figura 1. Indicador Coincidente (mensal) e PIB Real per capita
A nível interno, a fase de expansão que caracterizou a segunda
(trimestral)
metade dos anos 80 gerou pressões inflacionárias, Fonte: Banco de Portugal, Comité
evidenciadas por uma taxa de inflação de 13,6% em 1990, 7
p.p. acima da média comunitária. Entre 1990 e 1992, foi
aplicado um programa anti-inflacionista, em que uma política
monetária restritiva com taxas de juro reais elevadas foi
complementada por controlos de capitais, só removidos em
Dezembro de 1992.

Na política cambial, terminou o regime de crawling-peg e o


escudo entrou no MTC em Abril de 1992. Assim, o escudo
atravessou a fase mais conturbada do MTC, vendo a sua
paridade central por duas vezes desvalorizada – em
Novembro de 1992 e Março de 1993. Por fim, a política

1 O Comité baseia as suas decisões numa estratégia multidimensional e subjectiva, recorrendo a um Nota: as linhas tracejadas horizontais representam o valor dos indicadores no
conjunto de indicadores de actividade económica de frequência mensal e trimestral, a vários algoritmos pico definido pelo Comité (1992:T2).
computacionais e às apreciações dos seus membros. A avaliação é feita no âmbito trimestral e com
ênfase no produto. Para mais detalhes, consulte as Notas Metodológicas.
COMITÉ DE DATAÇÃO DOS CICLOS ECONÓMICOS PORTUGUESES Recessão de 1992:T2-1993:T3

Figura 2. Índices de Produção Industrial e de Sentimento Figura 3. Decomposição da Variação em Cadeia do PIB real –
Económico (mensal) Óptica da Despesa (trimestral)
Fonte: INE, Eurostat Fonte: Banco de Portugal, Comité

Nota: contribuições positivas das importações (M) reflectem taxas de variação


Nota: séries corrigidas de sazonalidade (a tracejado) e alisadas (linha sólida), negativas desse agregado.
através de média móvel centrada de 9 meses. Ambas são indexadas a 100 no
mês interior do trimestre de pico, para interpretação.

O investimento também registou uma grande quebra no início A taxa de desemprego apresentou um comportamento atípico
da recessão, que depois se acentuou em 1993:T1, contribuindo em relação aos outros indicadores cíclicos. O fim da recessão
para uma parte significativa da queda do produto. Em linha com levou a uma inflexão ligeira no seu crescimento, mas a taxa de
a quebra no sentimento económico, o investimento caiu nos desemprego continuou a subir durante vários meses depois da
sectores de material de transporte e na construção e cava do ciclo de negócios.
imobiliário. Por fim, na fase final da recessão, teve lugar uma
quebra acentuada do consumo público.
INDICADORES E FACTORES ADICIONAIS
A taxa de desemprego (Figura 4) começou a subir um trimestre
antes do pico, logo em 1992:T1. A inversão no mercado laboral Entre a queda do Muro de Berlim, em Novembro de 1989, e
foi mais notória no número de trabalhadores, que havia estado Julho de 1992, o banco central alemão subiu as taxas de juro
em crescimento contínuo desde há vários anos, revertendo-se de 5% para 8,75%, com 1,25 p.p. dessa subida concentrada
esta tendência entre 1992:T1 e 1992:T3, seguida de uma queda nos oito meses finais. Esta política monetária foi a resposta
acentuada de 2,2% no espaço de apenas um ano. ao aumento na inflação alemã provocado pela despesa
pública associada à reunificação do país.
Para calibrar a cava, quer o PIB real per capita, quer o indicador
de sentimento económico, quer o emprego tiveram os seus Para manter a paridade das moedas que faziam parte do
mínimos locais em 1993:T2. O consumo começou a recuperar MTC com o marco alemão, os restantes bancos centrais
também em 1993:T2, embora o investimento tenha continuado europeus tiveram de subir as suas taxas de juro também.
em queda durante mais um ano. Sem beneficiarem da expansão orçamental, mas com uma
política monetária restritiva, estes países entraram em
Olhando antes para o indicador coincidente, depois de alisado
recessão. A procura pelas exportações portuguesas
das flutuações em redor, a data da cava apontada é um
diminuiu, causando a contracção da actividade económica.
trimestre mais tarde, em 1993:T3. Igualmente, o índice de
Esta recessão ficou assim marcada pelo choque externo que
produção industrial tem um mínimo local em 1993:T3, iniciando
levou à queda das exportações e do investimento.
depois uma lenta recuperação, em linha com o investimento.
COMITÉ DE DATAÇÃO DOS CICLOS ECONÓMICOS PORTUGUESES Recessão de 1992:T2-1993:T3

Figura 4. Mercado de Trabalho – Índice de Emprego e Taxa Figura 5. Composição da Balança Comercial (trimestral)
de Desemprego (trimestral)
Fonte: Banco de Portugal, Comité Fonte: Banco de Portugal, Comité

CONCLUSÃO
A origem externa do choque é visível na decomposição da
balança comercial (Figura 5). Para manter a paridade com o Com uma duração relativamente curta (5 trimestres) e
marco, o escudo ficou relativamente apreciado, pelo que os redução do PIB real per capita relativamente ligeira
bens exteriores eram relativamente baratos e os bens (amplitude de 1,1%), esta recessão foi suave em relação a
nacionais relativamente caros. As exportações diminuíram outras, mas marcante, porque quebrou uma fase longa de
de forma mais acentuada do que as importações, contraindo expansão da economia portuguesa. Ela ficou associada ao
o produto nacional através da balança comercial. contexto externo, com uma contracção das exportações
líquidas e queda do investimento na sequência do aumento
Por sua vez, o Banco de Portugal teve também de
dos preços do petróleo e da recessão na Zona Euro,
acompanhar a subida das taxa de juros do banco central
associada à instabilidade no MTC. As políticas
alemão. Além disso, a política orçamental em Portugal
macroeconómicas domésticas de resposta ao contexto
seguia na direção oposta da política alemã, devido à
externo tiveram um papel contraccionário importante, com
necessidade de reduzir o défice para iniciar o processo de
políticas monetária e cambial restritivas, e uma redução
convergência ditado pelo Tratado de Maastricht. Quer a
acentuada no défice público. Acompanhando estas políticas
política orçamental, quer a política monetária estavam assim
e o contexto internacional, registou-se uma quebra
numa direcção restritiva. Isto acentuou e prolongou a
acentuada no sentimento económico. Apenas em 1994:T2 o
recessão, com o investimento a registar uma contracção
nível do PIB real per capita recuperaria para o nível do pico
acentuada numa segunda fase da recessão.
de 1992:T2.
Com a desvalorização do Escudo entre 1993 e 1994, no
contexto dos realinhamentos do MTC, é notória a reversão
quer nas exportações, quer nas importações na Figura 5. Na
segunda metade da recessão foram antes o investimento e
o consumo público que adiaram a cava (Figura 3).

Nas recessões com origem na procura interna, a balança


comercial tende a ser contracíclica. Nesta recessão, a
balança comercial demonstrou-se pró-cíclica, um sinal claro
da fonte externa da recessão.

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