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TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE MINAS GERAIS

Recurso Eleitoral nº 419-41.2016.6.13.0017


Procedência: 17ª Zona Eleitoral de Araxá/MG
Município: Araxá/MG
Recorrente: Fabiano Gomes
Recorrido: Ministério Público Eleitoral
Relator: Juiz Ricardo Torres Oliveira

Recurso eleitoral. Registro de


candidatura. Candidato individual.
Cargo. Vereador. Condição de
elegibilidade questionada.
Indeferimento do registro. Interdição.
Ausência de capacidade civil relativa e
não absoluta. Impossibilidade de
aplicar-se a suspensão dos direitos
políticos prevista no art. 15, II, da
Constituição da República. Reconhecido
o preenchimento de todas as condições
de elegibilidade. Art. 14, § 3º, da Carta
Magna. Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Lei nº 13.146/15. A incapacidade relativa
não pode, nem deve, receber o mesmo
tratamento da absoluta, mormente quando
obstativa da capacidade eleitoral passiva,
pelo que se deve ter por assegurado o pleno
exercício dos direitos políticos.
Registro deferido. Recurso provido.
Modificação in totum da sentença
exarada em primeiro grau.

RELATÓRIO E VOTO

Trata-se de recurso interposto por Fabiano Gomes contra o decisum a quo


que indeferiu o pedido de registro de sua candidatura, ao cargo de
vereador, no Município de Araxá/MG, haja vista a ausência de sua
capacidade civil, porquanto interditado.

Contrarrazões apresentadas (fls. 52/53-v).


Parecer do d. Procurador Regional Eleitoral pelo provimento do recurso (fls.
56/56-v), sobre o que cabe pontuar:

(...) a interdição objeto dos autos nº 0040.09.085952-7


(fls. 40/41) versa apenas sobre a gestão de bens, não
podendo o recorrente, em razão desta interdição, ser
considerado absolutamente incapaz;

(...) da leitura da sentença proferida nos autos da curatela,


juntada aos autos extrai-se os seguintes trechos que
demonstram que a incapacidade do recorrente é relativa e
não absoluta: ‘o exame pericial psiquiátrico conclui pela
incapacidade relativa do interditando para gerir seus bens’;
‘a alegada anomalia mental do interditando foi comprovada
pelo laudo pericial de fl. 34, que atesta ser o interditando
portador de transtorno psicótico e relativamente incapaz de
gerir seus bens em razão de anomalia psíquica
permanente’; ‘por força da enfermidade mental, o
interditando não dispõe de plena capacidade para o
exercício dos atos da vida civil, mas é capaz para alguns
deles’.

É o relatório. Passo ao voto.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

A questão que se nos apresenta parametriza-se (1) entre o convencimento


do juízo a quo que se deu no sentido de que interditado, o então impugnado
não se encontra em pleno gozo de seus direitos políticos, a teor do disposto
no art. 15, II, da Constituição da República, sobretudo porquanto tenha o
juiz do processo de interdição atestado que o interditando deveria ter
suspensos seus direitos políticos, determinando, pois, nestes limites a
curatela; (2) convencimento, pois, a que aderem as ponderações do
Ministério Público Eleitoral sobre a inapropriação da discussão sobre a
capacidade do candidato nestes autos, sendo certo que na Justiça Eleitoral
consta a anotação de que seus direitos políticos estão suspensos, como
determinado pelo Juízo Cível; (3) distendendo-se de tudo, o posicionamento
do d. Procurador Regional Eleitoral que argumenta que a incapacidade do
recorrente é relativa e não absoluta, tendo a parte dispositiva da sentença
delimitado a incapacidade expressamente, qual seja, “incapaz para
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exercer, sem curador, os atos da vida civil consistentes em


emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou
ser demandado e praticar, em geral, os atos que não sejam de mera
administração”, pelo que a interdição parcial não acarreta a suspensão
dos direitos políticos prevista no art. 15, II, da Constituição da República,
estando apto o recorrente, então, a concorrer às eleições devidamente
registrado.

Ora, de fato temos por anotada a incapacidade relativa do ora recorrente


como se absoluta fosse, inibindo o exercício de seus direitos políticos, o que
não pode subsistir na acolhida do erro que não deflui da sentença
propriamente dita, quando o recorrente, apesar da interdição parcial, não
pode ter suspensos seus direitos políticos, relevada à incongruência entre a
parte dispositiva da sentença delimitando sua incapacidade parcial, com
fundamento constitucional no art. 15, II, da Carta Magna, que proclama a
incapacidade absoluta como único óbice a ser valorado para tanto.

Não fosse bastante, há a considerar-se que a publicação do Estatuto da


Pessoa com Deficiência, Lei nº 13.146/15, com um capítulo específico sobre
o direito à participação na vida pública e política, além de outras disposições
normativas vinculadas ao processo democrático, promoveu impactos no
direito eleitoral.

De pronto, tem-se que o Estatuto da Pessoa com Deficiência estabelece,


como primeira grande novidade geradora de impactos no direito eleitoral, a
alteração mesmo dos artigos 3º e 4º do Código Civil, referentes à
normatização da capacidade civil, quando o novo artigo 3º do Código Civil
passa a dispor, no seu caput, que: “são absolutamente incapazes de
exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis)
anos”. Assim, os incisos que existiam anteriormente, referentes a este
artigo, foram todos revogados pela nova lei, tendo-se agora que só será
considerado absolutamente incapaz, no Brasil, o menor de 16 anos.
Antes da publicação do Estatuto da Pessoa com Deficiência, as hipóteses de
incapacidade civil absoluta abrangiam não apenas a questão da idade, como
também a situação daqueles que, por enfermidade ou deficiência mental,
não tivessem o necessário discernimento para a prática desses atos, bem
como a daqueles que, mesmo por causa transitória, não pudessem exprimir
sua vontade.

Assim pessoas que estavam com os seus direitos políticos suspensos, por
incapacidade civil absoluta, salvo nos casos decorrentes da pouca idade,
passam a estar aptas, a princípio, ao exercício desses direitos, podendo,
inclusive, disputar eleições, caso cumpram as condições de elegibilidade e
não incorram em inelegibilidades.

Neste sentido, é fundamental destacar o artigo 76 do novo estatuto, que


assim dispõe:
Art. 76. O poder público deve garantir à pessoa
com deficiência todos os direitos políticos e a
oportunidade de exercê-los em igualdade de
condições com as demais pessoas.
§ 1o À pessoa com deficiência será assegurado o
direito de votar e de ser votada, inclusive por
meio das seguintes ações:
I - garantia de que os procedimentos, as instalações, os
materiais e os equipamentos para votação sejam
apropriados, acessíveis a todas as pessoas e de fácil
compreensão e uso, sendo vedada a instalação de
seções eleitorais exclusivas para a pessoa com
deficiência;
II - incentivo à pessoa com deficiência a
candidatar-se e a desempenhar quaisquer
funções públicas em todos os níveis de governo,
inclusive por meio do uso de novas tecnologias
assistivas, quando apropriado;
III - garantia de que os pronunciamentos oficiais, a
propaganda eleitoral obrigatória e os debates
transmitidos pelas emissoras de televisão possuam,
pelo menos, os recursos elencados no art. 67 desta Lei;
IV - garantia do livre exercício do direito ao voto e,
para tanto, sempre que necessário e a seu pedido,
permissão para que a pessoa com deficiência seja
auxiliada na votação por pessoa de sua escolha.
§ 2o O poder público promoverá a participação da
pessoa com deficiência, inclusive quando
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institucionalizada, na condução das questões públicas,


sem discriminação e em igualdade de oportunidades,
observado o seguinte:
I - participação em organizações não governamentais
relacionadas à vida pública e à política do País e em
atividades e administração de partidos políticos;
II - formação de organizações para representar a
pessoa com deficiência em todos os níveis;
III - participação da pessoa com deficiência em
organizações que a representem.

Como se observa, a partir da publicação do Estatuto da Pessoa com


Deficiência, passa a ser direito fundamental dessas pessoas, de forma
inquestionável, a participação na vida política do Estado, inclusive no que se
refere ao direito de serem votadas. Ademais, como o artigo 88, § 2º do
Estatuto, por sua vez, estabelece que “considera-se pessoa com deficiência
aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras,
pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas”, devendo a avaliação da deficiência,
quando necessária, ser obtida de forma biopsicossocial, através de trabalho
desenvolvido por equipe multidisciplinar, a qual deverá considerar os
impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; os fatores
socioambientais, psicológicos e pessoais; a limitação no desempenho de
atividades; e a restrição de participação do indivíduo, não há de ser por erro
judicial que a incapacidade absoluta se declarará a inibir o gozo de direitos
políticos do cidadão, ora recorrente.

Compulsando-se os autos, verifica-se que a incapacidade absoluta não está


configurada nos autos, não se fazendo, portanto, presente, a hipótese do
art. 14, § 3º, da Constituição da República.

Em face do exposto, acolhendo o parecer do d. representante do Ministério


Público Eleitoral nesta instância, dou provimento ao recurso eleitoral e
modifico in totum a sentença exarada em primeiro grau.
É como voto.

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