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Mauro W. B. de Almeida
Revista de História da Biblioteca Nacional, numero 44, maio de 2009, págs. 18-21.
Matar as seringueiras é como matar a própria mãe. Assim dizia Chico Ginú, um
dos principais líderes sindicais do alto Juruá, no oeste do Acre. Se a exploração de
borracha continuasse no ritmo em que vinha sendo realizada, “de que os filhos e netos
viveriam no futuro?”.
[O rio Tejo foi ocupado por um português em 1895 e de 1897 a 1904 era visitado
regularmente pelo vapor “Contreiras” da empresa Melo & Companhia, que vinha de
Belém trazendo mercadorias e novos seringueiros, contando com uma orquestra para a
Mendonça). Em 1899, todo o rio Tejo estava ocupado por seringueiros, e em 1912
tornou-se propriedade da empresa Melo & Cia (Relatório Anual da Prefeitura do Alto
Juruá, 1914-15), após ter passado pelo controle de Bonifácio, genro do comandante do
vapor “Contreiras”.
contra o patrão, cercam o barracão, matam quem puderem e tocam fogo no barracão. Isso
foi o que aconteceu com o Seu Bonifácio (...) que escapou por um milagre, mas perdeu de
um só golpe 300 mil francos, o equivalente a 30 toneladas de borracha”.
Mas a presença do poder público não conseguiu acabar com os embates na área.
Em 1913, o padre Tastevin escreveu que uma “revolta” de seringueiros provocou diversas
mortes violentas, e em 1919 seringueiros do barracão da Restauração, no alto rio Tejo,
expulsaram o gerente, exigindo novas condições para continuarem o trabalho. Nesse
período começaram a se fazer sentir os efeitos da crise comercial iniciada com a queda
dos preços da borracha após 1912, ano em que os seringais asiáticos iniciaram a
produção. Essa crise interrompeu o abastecimento dos seringais distantes, que até esse
período dependiam do alimento que era importado pelo rio em troca da borracha.
patrões e seringueiros. A tradição oral relata até hoje histórias de patrões que
emboscavam seringueiros que tentavam sair dos seringais após pagar suas contas, e
relatos de assassinato de seringueiros eram comuns sobretudo nos afluentes do médio
Juruá como o rio Gregório. Além disso, os patrões proibiam seringueiros de plantar
O início da exploração da borracha amazônica foi próspero, mas a bonança durou pouco. Em
1912, a produção atingia o pico de 42 mil toneladas. Desse total o rio Tejo apenas, era responsável por
cerca de 600 toneladas (dados de Relatório da Prefeitura do Alto Juruá, 1914), e o alto Juruá contribuía
com um produto em torno de 3.000 toneladas, de um total que para o Acre poderia atingir cerca de 10.000
toneladas. O valor dessas exportações chegou em 1912 a 40% do valor de todas as exportações nacionais ,
incluindo o café. Mas naquele mesmo ano os ingleses começaram a exportar sua produção obtida na colônia
da Malásia. Em pouco tempo, desbancaram o látex brasileiro. Em 1920, a Malásia já produzia 400 mil
toneladas de borracha. Dali em diante, a maioria dos seringais dos rios Juruá, Purus, Madeira, Tocantins e
Negro faliram. No Acre, os seringais permaneceram em atividade durante mais tempo, fato explicável pela
Esse sistema durou até a Segunda Guerra Mundial, quando os patrões regionais
foram fortalecidos pelo governo brasileiro como parte de acordo de cooperação com os
Estados Unidos da América, visando o abastecimento das forças aliadas, cujo suprimento
de borracha havia sido cortado com a ocupação dos centros produtores do sudeste
Asiático (Indochina, Malásia, Java). Esse fortalecimento consistia em garantir mercado e
bons preços para a borracha silvestre, financiamento para transporte de seringueiros do
nordeste para a Amazonia, e disposições que tornavam o trabalho com a borracha
obrigatório durante cinco dias por semana – conforme consta em “cadernetas do
seringueiro” da época. O esforço do governo não teve grandes resultados, já que a
produção nunca chegou aos níveis de 1912, estacionando por volta de 20.000 toneladas.
Mas teve o efeito de fortalecer os patrões regionais, que continuaram a se beneficiar de
mercado garantido para o seu produto (por meio de cotas que as empresas de pneumáticos
eram obrigadas a adquirir antes de importar o restante) e dos preços fixados pelo governo
(bem superiores aos preços do produto importado equivalente), além de contarem com
créditos a juros baixíssimos através do Banco da Borracha e do Banco do Brasil e
voltaram a impor o monopólio sobre o comércio, deixando aos seringueiros o direito de
plantar e coletar na floresta.
“Terra sem homens para homens sem terra”. Foi com este slogan que o governo
militar instituiu, nos anos 1970, uma nova política de incentivo à ocupação da Amazônia.
Empresário e colonos vindos do sul passaram a comprar terras no Acre, novamente
interessados pelos seringais. Mas o processo era fraudulento: não havia títulos de
propriedade na maior parte daquelas terras. Com documentos falsos (“grilados”), os
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Já no alto Juruá, isolado pela falta de estradas, os seringais do rio Tejo foram
vendidos no final da década para a empresa paulista Santana Agropastoril, que passou a
arrendar a exploração para patrões locais por prazos curtos. A pressão por lucro rápido
levou ao reajuste das dívidas dos seringueiros, cobradas com violência. A “renda”
consistia em uma quantidade de 33 kgs por “estrada de seringa”, sendo que um
seringueiro ocupava pelo menos duas delas, o que dava 66 kgs de borracha por ano em
um produto que no rio Tejo era de cerca de 600 kgs por ano. Os seringueiros ressentiam-
se da “renda”, já que essas “estradas de seringa” haviam em geral sido abertas por eles
mesmos, e não reconheciam direitos dos patrões sobre elas. Mas as dívidas eram
principalmente resultado de compras estimuladas pelos barracões para exigir dos
seringueiros maior produção (um seringueiro podia produzir mais de uma tonelada de
borracha, dedicando-se menos aos seus roçados). Assim, além de comprar bens de
“estiva” (munição, ferramentas de trabalho, sal e óleo de cozinha, roupa e outros bens
essenciais), os eram estimulados a comprar “bens de valor” como espingardas, motores
para casas-de-farinha e para canoas, relógios e similares, a preços extremamente
elevados. De repente, essas dívidas eram cobradas a curto prazo. Isso atingia
particularmente famílias grandes, com chefes de família doentes, ou chefiadas por
mulheres e viúvas.
A cada avanço dos seringueiros por seus direitos, os donos das terras reagiam. Em
1983, um novo patrão, Sebastião do Isique, arrendou os seringais do alto rio Tejo e
conseguiu afastar o líder sindical João Claudino, atraindo-o com o posto de gerente em
outro seringal. Mas o seringueiro Chico Ginú continuou o trabalho de Claudino. De
origem humilde, filho de um cearense e neto de uma índia, Ginú enfrentou episódios de
brutalidade. Como em 1985, quando o capataz Manuel “Banha” passou a cobrar as
dívidas com violência. Acompanhado de policiais a paisana, tomava máquinas de costura
e vacas leiteiras, espancava moradores e interrogava até crianças para descobrir
esconderijos de borracha (que os seringueiros tentavam vender por conta própria). Chico
Ginú liderou uma marcha de cerca de meia centena de seringueiros, que reunidos na sede
do seringal, com suas armas de trabalho, conseguiram a retirada dos capangas de Manuel
Banha. Aqui cabe lembrar que todo seringueiro tinha pelo menos uma arma de caça, e
apenas um dos afluentes do rio Tejo, o Riozinho da Restauração, tinha setenta chefes de
família. O pequeno grupo de soldados pagos pelo patrão, por outro lado, faziam uma
missão não-oficial e sem respaldo legal, não queriam arriscar a vida em um conflito.
Bacia do Rio Tejo”, uma iniciativa inédita: a ideia era fundar uma cooperativa de
trabalhadores para gerenciar a produção, levando em conta cuidados ambientais para não
exaurir a floresta. O tiro que matou Chico Mendes saiu pela culatra: pouco após seu
assassinato, o BNDES aprovou o projeto.
Como era de se esperar, a reação dos fazendeiros à iniciativa foi mais violência,
por meio de atentados, boicotes e ações judiciais. Chegaram a espalhar boatos de que as
terras estariam sendo vendidas para estrangeiros. A solução definitiva veio em 15 de
janeiro de 1990, quando um decreto do governo federal determinou a criação da primeira
reserva extrativista do Brasil, com cerca de 5.000 km2, ou 506.000 hectares de floresta
(DECRETO Nº 98.863, de 23 de janeiro de 1990)
Após cem anos de batalhas inconclusas, a guerra de ocupação do Alto Juruá foi
vencida pelos seringueiros. E, por tabela, pela mãe floresta.
Saiba Mais
[autor: pode citar 4 obras acessíveis ao público, que não sejam de sua autoria?]
O Presidente da República, usando das atribuições que lhe confere o art. 84, inciso IV, da
Constituição Federal, e nos termos do artigo 9º, inciso VI, da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de
1981, com a nova redação dada pela Lei nº 7.804, de 18 de julho de 1989.
DECRETA:
Art. 1º - Fica criada, no Estado do Acre, a RESERVA EXTRATIVISTA DO ALTO JURUÁ, com
área aproximada de 506.186 ha (quinhentos e seis mil, cento e oitenta e seis hectares), que
passa a integrar a estrutura do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis - IBAMA, autarquia vinculada ao Ministério do Interior, compreendida dentro do
seguinte perímetro:
Norte: Partindo do ponto onde se localiza o marco 01, de coordenada UTM 751308 m e 907003
m, situado na Foz do Rio Tejo, segue pela margem direita do mesmo, acompanhando a linha
divisória de águas da bacia do rio Tejo até o marco 02, de coordenadas UTM 815467 m e
9027664 m.
Leste: Do ponto antes descrito, segue pelo limite oeste da área indígena Jaminaua Arara até o
ponto onde se localizará o marco 03, de coordenadas UTM 810590 m e 9011888 m; dai segue
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pelo divisor de águas entre as bacias do igarapé Machadinho e rio Jordão até o marco 04, de
coordenadas UTM 820494 m e 8975412 m, onde se situa o limite norte da área Indígena
Kaxinauá do rio Jordão.
Sul: Do ponto acima descrito, segue o limite norte das áreas Indígenas Kaxinauá do rio Jordão e
Kaxinauá do rio Breu até encontrar o rio Breu na fronteira do Brasil com o Peru; dai segue pela
margem direita do mesmo até encontrar o rio Juruá; dai, segue pela linha de fronteira do Brasil
com o Peru até encontrar o rio Arara.
Oeste: Do ponto acima descrito, segue o limite leste da área Indígena Kampa do rio Amônia no
sentido norte, até encontrar o rio Amônea; dai, segue pela margem direita do mesmo, no sentido
jusante, até sua foz no rio Juruá; dai, segue até o marco 01, inicial da presente descrição
perimétrica.
Art. 2º - O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA,
quando da implantação, proteção e administração da Reserva Extrativista do Alto Juruá, poderá
celebrar convênios com as organizações legalmente constituídas, tais como cooperativas e
associações existentes na Reserva, para definir as medidas que se fizerem necessárias à
implantação da mesma.
Art. 3º - A área da Reserva Extrativista ora criada fica declarada de interesse ecológico e social,
conforme preconiza o art. 225 da Constituição Federal e art. 9, inciso VI, da Lei nº 6.938, de 31
de agosto de 1981, com a nova redação pela Lei nº 7.804, de 18 de julho de 1989, ficando as
desapropriações que se façam necessárias a cargo do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis .
JOSÉSARNEY
João Alves Filho