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Sistemas de Equações Diferenciais no

Plano

Sistemas autônomos
Queremos estudar o comportamento das soluções do sistema escrito na seguinte forma:
 0
x = f (x, y)
(1)
y 0 = g(x, y)
onde x = x(t) e y = y(t). Tal sistema é chamado de sistema autônomo, ou seja, a variável
independente t não aparece explicitamente no lado direito das equações.
Uma solução desse sistema possui a seguinte forma:
 
x(t)
X(t) = (2)
y(t)
Além disso, podemos provar que:

Lema 1: Se x(t) e y(t), com a < t < b, é uma solução do sistema (1), então para qualquer
número real k as funções
x1 (t) = x(t + k) e y1 (t) = y(t + k)
também são soluções do sistema (1).

Demonstração: Aplicando a regra da cadeia temos


x01 = x0 (t + k) = f (x(t + k), y(t + k)) = f (x1 , y1 )
y10 = y 0 (t + k) = g(x(t + k), y(t + k)) = g(x1 , y1 )
Portanto, x1 e y1 são soluções de (1), as quais estão definidas em a − k < t < b − k.

O vetor solução X(t) nos diz como o ponto (x, y) se move no plano-xy de acordo com
a variação do tempo t. O movimento do ponto (x, y) determina uma curva, chamada de
trajetória da solução X(t), como mostra a Figura 1.
Observe que pelo Teorema de Existência e Unicidade podemos concluir que:

Lema 2: Por qualquer ponto do plano-xy passa no máximo uma trajetória do sistema (1).
Em outras palavras, duas trajetórias do sistema (1) não se interceptam.

1
y

X(t)

Figura 1: Trajetória da solução X(t)

Demonstração: Considere duas trajetórias distintas C1 e C2 com um ponto em comum


(x0 , y0 ) e representadas, respectivamente, por (x1 , y1 ) e (x2 , y2 ).
Sendo assim, existem t1 e t2 tais que

(x1 (t1 ), y1 (t1 )) = (x0 , y0 )

(x2 (t2 ), y2 (t2 )) = (x0 , y0 )


Pelo Teorema de Existência e Unicidade temos que t1 6= t2 , pois caso contrário a unicidade
de soluções seria contrariada. Agora pelo Lema 1, temos que

x(t) = x1 (t + t1 − t2 )

y(t) = y1 (t + t1 − t2 )
é uma solução do sistema (1).
Agora observe que

(x(t2 ), y(t2 )) = (x1 (t1 ), y1 (t1 )) = (x0 , y0 )

ou seja,
(x(t2 ), y(t2 )) = (x0 , y0 )
(x2 (t2 ), y2 (t2 )) = (x0 , y0 )
Portanto, pelo Teorema de Existência e Unicidade temos que

(x(t), y(t)) = (x2 (t), y2 (t))

para todo t, pois caso contrário a unicidade de soluções seria contrariada. Logo, C1 e C2
devem ser a mesma trajetória.
Também, podemos pensar na derivada de uma solução
 0 
0 x (t)
X (t) =
y 0 (t)

como representante do vetor velocidade do ponto (x, y) que se move de acordo com a
solução (2). Dessa forma, podemos interpretar geometricamente o sistema (1) como um

2
y

Figura 2: Campo de Velocidades

campo de velocidade onde para cada ponto (x0 , y0 ) no plano-xy esta associado um vetor
velocidade tendo sua calda em (x0 , y0 ), como mostra a Figura 2.
Como uma solução do sistema (1) é um ponto movendo no plano-xy temos que em cada
ponto da sua trajetória, ele possui a velocidade descrita pelo campo de velocidades, como
mostra a Figura 1.
y

X(t)

Figura 3: Trajetória no campo de velocidades

3
Classificação de Sistemas Lineares
Hiperbólicos no Plano

Sistemas lineares autônomos


Queremos estudar o comportamento das soluções do sistema linear escrito na seguinte
forma:  0
x = ax + by
(3)
y 0 = cx + dy
onde x = x(t) e y = y(t). Tal sistema é chamado de sistema autônomo, ou seja, a variável
independente t não aparece explicitamente no lado direito das equações.
Podemos reescrever o sistema (3) na forma matricial, ou seja,

X 0 = AX

onde    
a b x
A= e X=
c d y

Autovalores e Autovetores
 
a b
Como já foi estudado anteriormente, λ se diz um autovalor da matriz A = se
c d
existe um vetor não nulo v ∈ R2 tal que

Av = λv (4)

Neste caso, o vetor v é chamado de autovetor e podemos escrever a equação (4) como

(A − λI2 )v = 0 (5)
Como v = (0, 0) satisfaz a equação (4) para todo λ, estaremos interessados em v 6= (0, 0)
que satisfaça tal equação. Em outras palavras, a matriz A deve ser não inversı́vel, ou seja,

det(A − λI2 ) = 0

Calculando o referido determinante encontramos a equação do segundo grau a seguir, a qual


é chamada de polinômio caracterı́stico,

λ2 − (a + d)λ + (ad − bc) = 0

4
Observe que tr(A) = a + d e que o det(A) = ad − bc, ou seja, o polinômio caracterı́stico
pode ser reescrito como
λ2 − tr(A)λ + det(A) = 0
Além disso, observe que se λ1 e λ2 são raı́zes do polinômio caracterı́stico, então

λ2 − tr(A)λ + det(A) = (λ − λ1 )(λ − λ2 ) = λ2 − (λ1 + λ2 )λ + λ1 λ2

ou seja,
tr(A) = λ1 + λ2
det(A) = λ1 λ2
Na sequência enuciaremos o próximo teorema o qual não demonstraremos.

Teorema 3: Seja A uma matriz quadrada 2 × 2 e denote o discriminante ∆ da matriz A


por:  2
∆ = tr(A) − 4det(A)
Sendo assim, existem três possibilidades para os autovalores da matriz A, que podem ser
descritas em termos do discriminante:

a) Se ∆ > 0, então os autovalores são reais e distintos.

b) Se ∆ < 0, então os autovalores são um par de complexos conjugados.

c) Se ∆ = 0, então os autovalores são reais e iguais.

Classificação dos sistemas lineares hiperbólicos no plano


 
0 2 0
Definição 1: Seja o sistema X = AX, os pontos (x, y) ∈ R para os quais AX =
0
são chamados de pontos de equilı́brio do sistema.

Admitindo que det(A) 6= 0, então A é inversı́vel. Logo X = (0, 0) é o único ponto de


equilı́brio do sistema X 0 = AX.

Definição 2: O sistema de equações diferenciais X 0 = AX é um Poço se os autovalores


da matriz A têm ambos parte real negativa. O sistema X 0 = AX de equações diferenciais é
uma Fonte se os autovalores da matriz A têm ambos parte real positiva e uma Sela se os
autovalores da matriz A forem reais sendo um positivo e o outro negativo.

Teorema 4: Se os autovalores de A tiverem parte real negativa, então a origem é um ponto


de equilı́brio assimptoticamente estável para X 0 = AX.

Definição 3: O sistema X 0 = AX de equações diferenciais diz-se hiperbólico se todos os


autovalores de A têm parte real não nula.

5
Sendo X 0 = AX, podemos usar o determinante, o traço e o discriminante da matriz
A para classificar os sistemas lineares hiperbólicos no plano, nas proximidades da origem.
Vejamos:

(1) det(A) = 0: A matriz A tem pelo menos um autovalor real igual a zero, sendo o sistema
não hiperbólico.

(2) det(A) < 0: A matriz A tem um autovalor positivo e outro negativo, sendo a origem,
o ponto de equilı́brio, uma Sela como mostra a Figura 4. Por exemplo, considere o
seguinte sistema  
0 −1 3
X = X (6)
3 −1
Observe que det(A) = −8 < 0 e que os autovalores são λ1 = −4 e λ2 = 2.
y

v2

v1

Figura 4: Plano de fase do sistema (6)

(3) det(A) > 0: A matriz A tem dois autovalores reais com o mesmo sinal ou um par de
autovalores complexos conjugados.

(a) det(A) > 0 e tr(A) = 0: Então os autovalores são complexos conjugados imag-
inários puros, sendo o sistema não hiperbólico.
(b) det(A) > 0 e tr(A) < 0: Como o traço de A é a soma dos autovalores, se tr(A)
é negativo obtemos um Poço. É o caso do sistema (7), onde det(A) = 2 > 0 e
tr(A) = −3 e do sistema (8) onde det(A) = 26 > 0 e tr(A) = −2.
 
0 −2 0
X = X (7)
0 −1
 
0 −1 −5
X = X (8)
5 −1

6
Os dois sistemas (7) e (8) distinguem-se analisando, de acordo com o Teorema 3,
o discriminante  2
∆ = tr(A) − 4 det(A).
(*) ∆ > 0: Os autovalores da matriz A são reais distintos e ambos negativos,
como é o caso do exemplo (7) em que ∆ = 1. Neste caso, temos um Nó
(estável), como mostra a Figura 5.
y

v2

v1

Figura 5: Plano de fase do sistema (7)

(*) ∆ < 0: É o caso de (8), em que ∆ = −100, sendo os autovalores complexos


conjugados com parte real negativa. Assim, a origem designa-se por Poço
espiral, como mostra a Figura 6.
y

Figura 6: Plano de fase do sistema (8)

(*) ∆ = 0: Os autovalores de A são reais e iguais, sendo necessário analisar se a


matriz é múltipla da identidade ou não.

7
• A é multipla da identidade: Neste caso a origem é um Foco (estável),
pois existem dois autovetores linearmente independentes, como mostra a
Figura 7. Este é o caso do exemplo (9) a seguir, onde temos que det(A) =
4, tr(A) = −4 e ∆ = 0, e os autovalores são λ1 = λ2 = −2.
 
0 −2 0
X = X (9)
0 −2

v2

v1

Figura 7: Plano de fase do sistema (9)

• A não é multipla da identidade: Neste caso a origem é um Nó im-


próprio (estável), existindo só um autovetor linearmente independente,
como mostra a Figura 8. Este é o caso do exemplo (10) a seguir, onde
temos que det(A) = 4, tr(A) = −4 e ∆ = 0, e os autovalores são
λ1 = λ2 = −2.  
0 1 −1
X = X (10)
9 −5
Note-se que em ambos os exemplos (9) e (10) se tem det(A) = 4, tr(A) =
−4 e ∆ = 0. O que os distingue é o fato de A ser ou não múltipla da
identidade.
(c) tr(A) > 0: Neste caso a classificação é semelhante ao caso (b). A única diferença
é que aqui os sistemas são instáveis. Os diagramas de fase são idênticos aos do
(b), mas as setas estão invertidas. Sendo assim, se:
(*) ∆ > 0: Os autovalores da matriz A são reais distintos e ambos positivos e,
portanto, temos um Nó (instável).
(*) ∆ < 0: Sendo os autovalores complexos conjugados com parte real positiva,
a origem designa-se por Fonte espiral.
(*) ∆ = 0: Os autovalores de A são reais e iguais, sendo necessário analisar se a
matriz é múltipla da identidade ou não.

8
y

v1

Figura 8: Plano de fase do sistema (10)

• A é multipla da identidade: Neste caso a origem é um Foco (instável).


• A não é multipla da identidade: Neste caso a origem é um Nó impróprio
(instável).

Esta classificação dos sistemas lineares hiperbólicos no plano pode ser resumida no seguinte
(veja Figura 9):

(1) det(A) = 0: Sistema não hiperbólico.


(2) det(A) < 0: Ponto de Sela, pois os autovalores são reais de sinais contrários.
(3) det(A) > 0: Dois autovalores reais de mesmo sinal ou um par de complexos conjugados.
(a) tr(A) = 0: Sistema não hiperbólico, pois os autovalores são complexos imaginários
puros.
(b) tr(A) < 0: Autovalores com parte real negativa.
(*) ∆ = 0:
• A é multipla de I2 : Foco estável.
• A não é multipla de I2 : Nó impróprio estável.
(*) ∆ < 0: Espiral estável.
(*) ∆ > 0: Nó estável.
(c) tr(A) > 0: Autovalores com parte real positiva.
(*) ∆ = 0:
• A é multipla de I2 : Foco instável.
• A não é multipla de I2 : Nó impróprio instável.
(*) ∆ < 0: Espiral instável.
(*) ∆ > 0: Nó instável.

9
Figura 9: Classificação de sistemas lineares hiperbólicos no plano em coordenadas
(tr(A), det(A)).

10
Sistemas não-Lineares Autônomos,
Retrato de Fase, Ciclos Limite,
Teorema de Poincaré-Bendixson e
Equações de Lienard

Sistemas não-lineares autônomos e retrato de fase


Queremos estudar o comportamento das soluções do sistema não-linear escrito na seguinte
forma:  0
x = f (x, y)
(11)
y 0 = g(x, y)
onde x = x(t) e y = y(t).
Antes de pensarmos como desenhar o comportamento das soluções de um sistema da
forma (11), precisamos primeiro pensar em pontos de equilı́brio, também chamados de pontos
crı́ticos ou pontos estacionários.

Definição 4: Um ponto (x0 , y0 ) é um ponto de equilı́brio para o sistema


 0
x = f (x, y)
y 0 = g(x, y)
se 
f (x0 , y0 ) = 0
g(x0 , y0 ) = 0

Em outras palavras, para encontrarmos os pontos de equilı́brio do sistema acima, basta


resolver o seguinte sistema 
f (x, y) = 0
g(x, y) = 0
Estamos interessados aqui em discutir um sistema 2 × 2 autônomo de modo geral, ou seja,
não-linear. Então suponhamos que o sistema (11) é não-linear. Para estudarmos este tipo de
sistema podemos pensá-lo como um sistema linear da forma

X10 = AX1

11
nas próximidades dos pontos de equilı́brio, ou seja, a linearização do sistema (11) em torno
de (x0 , y0 ).
Em geral, e principalmente quando existem vários pontos de equilı́brio ou quando as
funções f (x, y) e g(x, y) não são simples, para encontrar o sistema linearizado, ou fazer a
linearização do sistema, usamos a matriz Jacobiana dada por

 
∂f (x, y) ∂f (x, y)

 ∂x ∂y 

J(x, y) = 



 ∂g(x, y) ∂g(x, y) 
∂x ∂y

O resultado é que nas proximidades do ponto de equilı́brio (x0 , y0 ), a linearização do


sistema

x0 = f (x, y)


y 0 = g(x, y)


∂f (x, y) ∂f (x, y)
x01 = x1 + y1




 ∂x ∂y

 ∂g(x, y) ∂g(x, y)
 y10 = x1 + y1


∂x ∂y

ou na forma matricial

X10 = AX1

onde

 
x1
X1 = e A = J(x0 , y0 )
y1

12
Retrato de fase
A seguir apresentamos um procedimento geral para desenhar, do ponto de vista qualita-
tivo, as trajetórias de um sistema não-linear autônomo
 0
x = f (x, y)
y 0 = g(x, y)
Em outras palavras, apresentamos um procedimento para esboçar o retrado de fase do sistema
não-linear dado.
1. Encontre todos os pontos de equilı́brio resolvendo o seguinte sistema:

f (x, y) = 0
g(x, y) = 0

2. Para cada ponto de equilı́brio (x0 , y0 ) encontre a matriz A do sitema linearizado, ou


seja, aplique a matriz Jacobiana no ponto (x0 , y0 ).
 
∂f (x, y) ∂f (x, y)
(x0 , y0 ) (x0 , y0 ) 

 ∂x ∂y 
A = J(x0 , y0 ) = 



 ∂g(x, y) ∂g(x, y) 
(x0 , y0 ) (x0 , y0 )
∂x ∂y

3. Determine o tipo geométrico de cada ponto de equilı́brio do sistema linearizado, ou


seja, se são pontos de sela, nós ou espirais estáveis ou instáveis.
4. No plano-xy, marque os pontos de equilı́brio e desenhe as trajetórias nas proximidades
dos pontos de equilı́brio (x0 , y0 ), incluindo a direção do movimento.
5. Finalmente, para finalizar o desenho, desenhe algumas trajetórias compatı́veis com o
comportamento das trajetórias que foram desenhadas no passo anterior. Se foi cometido
algum erro na análise anterior em qualquer ponto de equilı́brio, ele vai aparecer agora.
Em outras palavras, será impossı́vel desenhar de forma plausı́vel qualquer trajetória
que complete o desenho.

Exercı́cio 1: Para cada sistema a seguir, a origem é claramente um ponto de equilı́brio. Dê
o tipo, a estabilidade, e apresente o comportamento de algumas trajetórias (plano de fase)
do sistema em torno de tal ponto.
 0  0
x = x − y + xy x = x + 2x2 − y 2
1. 2.
y 0 = 3x − 2y − xy y 0 = x − 2y + x3

Exercı́cio 2: Para cada sistema a seguir, encontre os pontos de equilı́brio de cada sistema, e
faça o plano de fase em torno de cada ponto e adicione algumas trajetórias compatı́veis com
as as outras que você desenhou.
 0  0
x = 1−y x = x − x2 − xy
1. 0 2.
y = x −y 2 2
y 0 = 3y − xy − 2y 2

13
Ciclos limite
Até agora, nossa análise dos sistemas não-lineares no plano-xy se resumiu em encontrar os
pontos de equilı́brio do sistema e analizar as trajetórias nas proximidades de cada um destes
pontos. Isto nos dá uma ideia de como as outras trajetórias se comportam, pelo menos
aquelas que passar nas proximidades dos pontos de equilı́brio.
Uma outra possibilidade importante, a qual pode influenciar no comportamento das tra-
jetórias é se uma destas trajetórias for uma curva fechada C. Se isto acontecer, a solução
associada X(t) será geometricamente determinada por um ponto que vai e volta sobre a curva
C com um certo perı́odo T . Isto é, a solução

X(t) = (x(t), y(t))

será um par de funções periódicas com perı́odo T , ou seja,

x(t + T ) = x(t) e y(t + T ) = y(t), para todo t

Se tal curva (trajetória) fechada existir, as trajetórias nas suas proximidades devem se
comportar de maneira parecida com C. Assim temos as seguintes possibilidades: nas prox-
imidades de C as curvas podem ser espirais se aproximnando de C, elas podem ser espirais
se afatando de C, ou elas podem ser também curvas fechadas, como mostra a figura a seguir.
Se o último caso não acontece, ou seja, a curva C é uma curva isolada, então C é chamada de
ciclo limite, o qual pode ser estável, instável ou semi-estável, respectivamente, se as curvas
espirais se aproximam de C, ou se afastam de C, ou ambas.

C
C C C

Ciclo limite estavel Ciclo limite instavel Ciclo limite semi−estavel Neutro − Centro estavel

Figura 10: Classificação dos ciclos limite

O ciclo limite mais importante é o ciclo limite estável, onde nas suas proximidades as
curvas (trajetórias) espirais aproximam de C de ambos os lados. Processos periódicos na
natureza podem frequentemente ser representados como ciclos limite estáveis, assim existe
um grande interesse em encontrar tais trajetórias se elas existem. Infelizmente, pouco se sabe
sobre como fazer isto, ou como mostrar que um sistema não possui ciclos limite.

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Existência de ciclos limite
A principal ferramenta que vem sendo historicamente usada para mostrar que sistemas
da forma  0
x = f (x, y)
(12)
y 0 = g(x, y)
possui ciclo limite estável é o seguinte:

Teorema 5 [Teorema de Poincaré-Bendixson]: Suponha que R é uma região finita do


plano entre duas curvas simples fechada D1 e D2 , e que F é campo de velocidades para o
sistema (12). Se

(i) se em cada pode de D1 e D2 , o campo F aponta para o interior da região R, e

(ii) R não contém nenhum ponto de equilı́brio,

então o sistema (12) possui uma trajetória fechada (ciclo limite) contido em R.

Não daremos uma demonstração formal deste teorema, mas de certa forma tal teorema
é intuitivo. De fato, se começarmos em uma das curvas de contorno D1 ou D2 , a solução
entrará na região R, pois, os vetores velocidades apontar para o interior de R. De acordo com
o avançar do tempo, a solução não pode nunca deixar R, pois quando a solução se aproxima
de uma de contorno, tentando sair de R, os vetores velocidade sempre apontam para dentro
de R, forçando a solução a ficar dentro de R. Desde que a solução não pode sair de R, a única
coisa que a solução pode fazer quando t → ∞ é ou se aproximar de um ponto de equilı́brio -
mas não existe nenhum em R por hipótese - ou se aproximar em forma de espiral em direção
a uma trajetória fechada. Logo, existe uma trajetória fechada (ciclo limite) em R, o qual não
pode ser instável, ou seja, pode ser qualquer uma das outras três possibilidades.

D1

D2

Figura 11: Teorema de Poincaré-Bendixson

15
Não-Existência de ciclos limite
Vejamos agora o outro lado da moeda. Aqui apresentamos dois resultados que são usados
para mostrar que um ciclo limite não existe.

∂f (x, y) ∂g(x, y)
Teorema 6 [Critério de Bendixson]: Se e são contı́nuas em uma região
∂x ∂y
R a qual é simplesmente conexa (isto é, sem buracos), e

∂f (x, y) ∂g(x, y)
+ 6= 0 em todo ponto de R,
∂x ∂y
então o sistema
x0 = f (x, y)


y 0 = g(x, y)
não possui trajetórias fechadas dentro de R, ou seja, não possui ciclos limite.

Demonstração: Suponhamos por contradição que existe um ciclo limite C em R. Denote


por S o interior da curva fechada C. Vamos calcular a integral de linha no sentido positivo
(o interior da curva C fica sempre à esquerda), ou seja, vamos aplicar o Teorema de Green
no plano, que é: I ZZ  
∂f ∂g
f (x, y)dy − g(x, y)dx = + dxdy
C S ∂x ∂x
Observe que o lado direito da igualdade é diferente de zero por hipótese. Do sitema
podemos obter
dx f (x, y)
= ou f (x, y)dy = g(x, y)dx
dy g(x, y)
Logo, a integral do lado esquerdo da igualdade anterior deve ser igual a zero, o que nos leva
a uma contradição.

Note que o teorema não nos leva a concluir nada se

∂f (x, y) ∂g(x, y)
+ =0
∂x ∂y

x0 = −x + y 2

Exemplo 1: O sistema possui ciclos limite?
y 0 = x2 − y 2

∂f (x, y) ∂g(x, y)
Solução: Observe que = −1 e = −3y 2 . Sendo assim, para todo
∂x ∂y
(x, y)
∂f (x, y) ∂g(x, y)
+ = −1 − 3y 2 < 0.
∂x ∂y
Portanto, pelo Critério de Bendixson, o sistema não possui ciclos limite.

16
x0 = x2 + y 2 + 1

Exemplo 2: O sistema possui ciclos limite?
y 0 = x2 − y 3

∂f (x, y) ∂g(x, y)
Solução: Observe que = 2x e = −2y. Portanto,
∂x ∂y

∂f (x, y) ∂g(x, y)
+ = 2x − 2y = 0 se, e somente se, x = y.
∂x ∂y

x=y

?
Sem ciclo limite
x

Sem ciclo limite

Figura 12: Teorema de Poincaré-Bendixson

Como vimos antes, o teorema de Poincaré-Bendixson diz que qualquer trajetória descrita
por um sistema não-linear que entra ou está contida e nunca sai de uma região fechada e
limitada sem a existência de um estado de equilı́brio, é um ciclo limite ou está se aproximando
de um.
Considerando uma região S delimitada pelo ciclo limite, sem a exclusão de pontos de
equilı́brio, pode-se concluir a partir o teorema de Poincaré-Bendixson que uma condição
necessária para existência de um ciclo limite é que

N =S+1

onde N é o número de espirais, nós ou centros, e S é o número de pontos de sela.


Como corolário do teorema de Poincaré-Bendixson temos o seguinte:

17
Teorema 7 [Critério do Ponto de Equilı́brio]: Um ciclo limite envolve pelo menos um
ponto de equilı́brio.

Demonstração: Se S = 0, então N = 1. Ou seja, um ciclo limite envolve necessariamente


pelo menos um ponto de equilı́brio.

Note que de acordo com esse critério, se uma região R do plano não contém pontos de
equilı́brios, então R não contém ciclos limite.

Exemplo 3: Olhando novamente o Exemplo 2, vemos que x2 + y 2 + 1 6= 0 para todo (x, y),
ou seja, o sistema não possui pontos de equilı́brio. Portanto, o sistema não possui ciclos
limite.
 0
x = ax + by
Exemplo 4: Para quais valores de a e d o sitema possui trajetórias
y 0 = cx + dy
fechadas?

∂f (x, y) ∂g(x, y)
Solução: É fácil verificar que =a e = d.
∂x ∂y
Pelo critério de Bendixson,
∂f (x, y) ∂g(x, y)
+ = a + d 6= 0
∂x ∂y
implica a não existência de trajetórias fechadas.
Se a + d = 0 o critério de Bendixson não nos diz nada. Então, o que acontece se a + d = 0?
Como o sistema dado é linear podemos escrever sua equação caracterı́stica que é

λ2 − (a + d)λ + (ad − bc) = 0

Agora assumindo que a + d = 0, temos que:


1. se ad − bc < 0 então os autovalores serão reais distintos, como sinas opostos, e o sistema
é um ponto de sela.

2. se ad − bc > 0 então os autovalores são complexos, imaginários puros, e o sistema é um


centro, os quais são trajetórias fechadas.
Portanto, o sistema possui trajetórias fechadas se, e somente se, a + d = 0 e ad − bc > 0.
 0
x = −y + x(1 − x2 − y 2 )
Exercı́cio 3: Considere sistema .
y 0 = x + y(1 − x2 − y 2 )
1. Mostre que o ponto (0, 0) é o único ponto de equilı́brio do sistema. (Sugestão: mostre
y −x
que se (x, y) é um ponto de equilı́brio não nulo, então = e derive uma contradição)
x y
2. Mostre que (cos(t), sen(t)) é uma solução do sistema e que ela é periódica. Qual é a
sua trajetória?

18
Exercı́cio 4: Mostre que cada um dos sistemas a seguir não possui trajetórias fechadas na
região R, que é todo o plano-xy, exceto o terceiro no qual a região R é considerada como a
região do plano-xy onde x < −1. No quarto, encontre as condições que as seis constantes
devem satisfazer para o sistema não possuir trajetórias fechadas no plano-xy.
 0  0
x = x + x3 + y 3 x = 2x + x2 + y 2
1. 3.
y 0 = y + x3 + y 3 y 0 = x2 − y 2
 0
x0 = ax + bx2 − 2cxy + dy 2

x = x2 + y 2
2. 0 4.
y = 1+x−y y 0 = ex + f x2 − 2bxy + cy 2

Equação de Lienard
A Equação de Lienard é dada por

x00 + f (x)x0 + g(x) = 0.

As equações de Lienard modelam o sistema fı́sico de um circuito elétrico RLC, ou seja,


um circuito elétrico consistindo de um resistor (R), um indutor (L), e um capacitor (C),
conectados em série ou em paralelo.
Fazendo
y = x0 + F (x), onde f (x) = F 0 (x)
podemos reescrever a Equação de Lienard como o sistema de primeira ordem
 0
x = y − F (x)
(13)
y 0 = −g(x)
o qual é chamado de Sistema de Lienard.
O Teorema de Poincaré-Bendixson é usualmente utilizado para estabelecer a existência
de trajetórias fechadas de certos sistemas. Um problema muito mais delicado é determinar
o número exato de ciclos limite de um certo sistema ou de uma certa classe de sistemas
dependendo de parâmetros.
Em 1928, Lienard provou que, para F e g satisfazendo certas condições, o sistema de
Lienard possui um único ciclo limite, como podemos ver no teorema a seguir.

Teorema 8 [Teorema de Lienard]: Suponhamos que


(1) as funções F e g são de classe C 1 em R, ou seja, possui derivada primeira contı́nua;

(2) as funções F e g são ı́mpares, ou seja, F (−x) = −F (x) e g(−x) = −g(x);

(3) xg(x) > 0 para todo x 6= 0;

(4) F 0 (0) < 0;

(5) F possui zeros somente em 0 e em x = ±a, com a ∈ R;

(6) F é monótona crescente para infinito para x ≥ a, quando x → ∞.


Então o sistema de Lienard (13) tem exatamente um ciclo limite o qual é estável.

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Omitiremos a prova deste teorema, pois, além de ser longa é difı́cil e requer conhecimentos
em análise.

Exemplo 5: Considere a equação de van der Pol

x00 + k(x2 − 1)x0 + x = 0

a qual é um caso particular da Equação de Lienard. Observe que


 3 
x
F (x) = k −x e g(x) = x.
3

De fato, F 0 (x) = k(x2 − 1). Portanto, o sistema de Lienard, neste caso, é dado por
  3 
 0 x
x = y−k −x
3
 0
y = −x

Solução: Claramente as funções F e g são ı́mpares e de classe C 1 em R. Além do mais,

xg(x) = x2 > 0

para todo x 6= 0. Temos também que

F 0 (0) = −1 < 0
√ √
Além disso, F (0) = 0 e para a = ± 3 temos que F (a) = 0. Para x ≥ 3 F é monótona
e cresce para o infinito quando x → ∞. Assim, as hipóteses do Teorema de Lienard são
satisfeitas para estas funções e, portanto, para todo k > 0, a equação de van der Pol dada
anteriormente tem um único ciclo limite estável.

Exercı́cio 5: Suponha que as funções F e g no sistema (13) sejam dadas por

x3 − x
F (x) = e g(x) = x
x2 + 1
e vefique se tais funções satisfazem as condições do Teorema de Lineard.

Exercı́cio 6: Mostre que o sistema de Lienard


 0
x = y
y 0 = −v(x) − u(x)y

não possui soluções periódicas (trajetórias fechadas) se acontece uma das seguintes:

1. u(x) > 0 para todo x.

2. v(x) > 0 para todo x.

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O sistema presa-predador: o modelo Lotka-Volterra
Suponhamos que x representa a densidade da presa e que y representa a densidade
do predador. Sendo assim temos o seguinte sistema de equações presa-predador de Lotka-
Volterra:
 0
x = ax − bxy
y 0 = −cy + dxy
onde r, a, c e d são constantes positivas e:

1. a: taxa de crescimentos de presas;

2. b : taxa de mortalidade das presas devido a interação da presa com o predador;

3. c: taxa de mortalidade de predadores;

4. d: taxa de conversão de biomassa de presas capturadas em predadores.

Além disso, o termo ax implica que as presas crescerão de modo exponencial na ausência
de predadores. Por sua vez, o segundo termo da primeira equação, −bxy, está relacionado à
redução das presas por ação dos predadores. Na segunda equação, o termo −cy indica que a
população de predadores decai exponencialmente na ausência de presas, e dxy indica que a
perda de presas leva à produção de novos predadores.

Exercı́cio 7: Encontre os pontos de equilı́brio do sistema de equações presa-predador de


Lotka-Volterra:  0
x = −x + xy
y 0 = y − xy

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